Marques, Wj. O Poeta Na Contramao. Fichamento.docx

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MARQUES, Wilton José. GD: o poeta na contramão. São Paulo: EdUFSCar, 2010.

Coisas que se dizem antes 1. Favores e Afrontas A “dialética da ambiguidade” e o problema O poeta e o poder 2. Revista e Ruptura O ano e a revista O poeta e a revista

MARQUES, Wilton José. GD: o poeta na contramão. São Paulo: EdUFSCar, 2010.

3. Diálogos e Generalidades A missão do vate, diálogos e influências Generalidades: método, fragmentos, filosofia da história e ecos 4. A Meditação Meditação: a primeira visão e o grande medo Meditação: diálogos e verdades necessárias Meditação: o espetáculo das eras transactas 5. O poeta na contramão E o resto?

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[Problemática] O poeta Antônio Gonçalves Dias, que, a exemplo de outros autores românticos, tornou-se funcionário público através de relações de favor, poderia ou não criticar literária e abertamente tanto a sociedade brasileira quanto a escravidão, que, por sua vez, era a mola sustentadora do próprio Estado que o empregava? (9) ...a resposta é sim. Se acertei ou não, aí já é outra história que deixo para o leitor conferir. (10)

[Sobre Meditação] Obra de juventude – escrita entre 1845 e 1846 – 3 capítulos (9)

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Foi publicada, pela primeira vez, na revista Guanabara (1849-1856) ao longo do primeiro semestre de 1850. Influenciada, enquanto modelos literários, por Palavras de um crente (1834), de Lamennais, e A voz do profeta (1836-1837), de Alexandre Herculano, Meditação, segundo Lúcia Miguel Pereira, “tem o valor de ser o primeiro grito contra a escravidão na literatura brasileira.” (10) [Epígrafe – T.S. Eliot – Tradição e talento individual – sentido histórico] ...Esse sentido histórico, que é sentido tanto do atemporal quanto do temporal e do atemporal e do temporal reunidos, é que torna um escritor tradicional.

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1. Favores e Afrontas A “dialética da ambiguidade” e o problema Os intelectuais românticos e a “dialética da ambiguidade” - persistência do complexo econômico colonial (15) - oligarquias rurais; grandes comerciantes ligados à economia de exportação - lógica excludente do projeto de sociedade – consolidação do Império (16) - inusitada situação de “desigualdade na liberdade” (17) - quase completa exclusão dos escravos da esfera dos direitos - sociedade brasileira: minoria branca (propriedade) + maioria em parte mestiça

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- preservar a qualquer custo a “ordem” vigente, manter população livre à margem das instâncias decisórias (17) - a população de “homens livres”, portadora do status de não escrava, conviveu com a ideia ilusória de liberdade -> dependência, na prática. - expressão de um fundo histórico forjado pela colonização que as forças predominantes na condução do processo de emancipação política não objetivaram de modo algum alterar, isto é, o caráter colonial e escravista da sociedade brasileira. Em outras palavras, mesmo com o advento da independência política, manteve-se intacta no país a estrutura econômica que, assentada sob a égide intocável do trabalho escravo, foi ainda complementada pela adoção de um aparato jurídico legal .... Constituição de 1824. (17, g. m.) - apoiada na metáfora da renda como índice maior de diferenciação social, restringia a poucos o acesso ao poder em si. (18)

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- a dinâmica do favor (18) - o trabalho assalariado, pela própria natureza de sua escassez, era artigo de luxo. O preço a ser pago, entretanto, era muito alto e passava por um necessário (e humilhante) reconhecimento social de algum membro pertencente à “boa sociedade”. (19) - Também no caso, ainda mais específico, de uma pequena parcela da população livre – notadamente a dos homens letrados oriundos da classe média urbana -, sua inserção social dependia muito mais de “laços afetivos” com o proprietário rural (ou alguém ligado à órbita de influência deste), de quem esperavam [mais] a concessão do favor, do que propriamente sua efetiva competência. (19) - Assim, privados pela ordem escravista de alternativas econômicas, os intelectuais românticos tiveram como destino natural (e único) o aparelho burocrático do Estado [que tornou o emprego público “vocação de todos”].

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- “pobres inteligentes” (tese de Joaquim Nabuco) – categoria em que se inclui, se não todos, a grande maioria dos escritores e intelectuais românticos -, para quem fazer parte do aparelho burocrático de um Estado (...) implicava, desde sempre, assumir uma peculiar disposição para aceitar tacitamente alguns silêncios necessários, sobretudo no que se refere a possíveis críticas à escravidão. Ex.: Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Joaquim Norberto e Manuel Antônio de Almeida. (21) O Romantismo e a literatura nacional - Nada é mais poderoso para a implantação de uma nova ordem, tanto política quanto estética, numa determinada realidade social, do que a criação de símbolos. (21)

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- no conturbado momento da vida brasileira, marcado inclusive pela possibilidade real de fragmentação política do país, e que vai do período regencial aos primeiros dez anos do Segundo Reinado, foi praticamente imposto aos segmentos letrados locais a obrigação primeira de se definir, quase que a toque de caixa, os parâmetros que possibilitariam ao país não apenas ser alçado a sua nova situação de liberto, mas, sobretudo, ser reconhecido como tal. Essa necessidade de definição justificava-se pelo objetivo emergente de dotar o Brasil de uma imagem que o representasse, de um lado, frente às solicitações advindas de sua nova inserção política, e que, de outro, se fixasse, como ícone nacional, na consciência dos próprios brasileiros. (22) - O desejo romântico de uma “literatura nacional”, ancorado nesse “senso de dever patriótico”, vinha também, como instância legitimadora, ajudar na justificação do próprio processo de consolidação do Estado brasileiro que, mantendo intacta a estrutura escravista, tentava garantir não somente a integri-

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dade territorial do país e o projeto monárquico, como também, mascarando a fronteira entre o público e o privado, ajudava a perpetuar os interesses e os privilégios, tidos como “nacionais”, da elite local. (23) Literatura e história: a ilusão necessária e o Brasil desejado - Dentro desse contexto histórico, coube ao primeiro Romantismo, capitaneado por Gonçalves de Magalhães e companhia, um papel importante no processo de fabulação da nacionalidade brasileira. Sobretudo ao promover uma espécie de normatização temática que condicionava a validade da obra literária, e a consequente chancela pública do grupo, à predominância de aspectos locais. (23) - os primeiros românticos, dando vida aos ícones de representação coletiva, isto é, a natureza edenizada e o índio, aproximaram, e muito, a atividade literária da práxis política. (23)

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- Desse modo, para corresponder às expectativas do projeto político centralizante, buscam-se traços diferenciadores para “inventar” um Brasil desejado que torna, invertendo o que então era visto como sinônimo de atraso, tanto a rusticidade quanto a barbárie motivos de orgulho nacional. Em outras palavras, criando uma estratégia de ilusão, encobridora das desigualdades, a literatura romântica ajudou a legitimar um passado coletivo que, elaborado com base nas tradições e costumes, permitiu a construção de uma história feita e refeita segundo as necessidades do poder presente que ia, ao mesmo tempo, consolidando-se. (24) - final da década de 1830 – formalização do problema da identidade nacional – literatura romântica ia se esboçando em torno de Gonçalves de Magalhães (36); criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838)

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- Ao contrário do conceito de história nacional, a “memória”, escolhida pelos intelectuais para construir a história do país, caracteriza-se pela possibilidade de ser ajustada “às necessidades da construção da identidade nacional”, o que, por sua vez, legitima a exigência de alguns “esquecimentos” no próprio processo de criação da nação. (25) - Memória histórica e Documentada da Revolução da Província do Maranhão entre 1839 e 1840 – Balaiada – Magalhães (25) – ref. aos cafuzos (homens ociosos, ... uma raça cruzada de índios, brancos e negros, a que chamam cafuzos, (...) distinguindo-se apenas dos selvagens pelo uso de nossa linguagem. (...) Esta é a gente que incitada nos fez guerra, é ela que compôs o exército da rebeldia.) (25) - Ao também definir o Brasil nestes termos, isto é, reafirmando a divisão dicotômica de sociedade representação entre um “eu” e um “outro”: entre a “boa

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sociedade” e “Esta é a gente”, Gonçalves de Magalhães explicita a visão da elite senhorial sobre o país e, ao mesmo tempo, deixa transparecer a postura ideológica que norteava os literatos do primeiro Romantismo que, preocupados em se diferenciar culturalmente da metrópole lusa, “inventaram” um Brasil que, encobrindo as diferenças internas, correspondeu de modo geral aos desejos da “boa sociedade”. (25) - Ao lado da figura também emblemática do então jovem Imperador Pedro II, a natureza edenizada e o índio, o “brasileiro autêntico”, foram escolhidos não apenas para expressarem a nacionalidade por serem elementos diferenciadores e inerentes ao país, mas também pelo fato – sobretudo, no caso dos dois últimos de se localizarem num passado distante que poderia ser “reescrito” histórica e literariamente em função da elaboração de uma realidade suspensa que, em última instância, teria a vantagem adicional de, pelo menos no plano do simbólico, não representar nenhuma ameaça à ordem escravista. (26)

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- “classe média”, emblematizada na figura do bacharel em Direito, grau de instrução majoritário entre os românticos (27) - a existência, por mais estreita que seja, de uma margem de manobra que os escritores podiam lançar mão. (27) - Entretanto, para que o texto viesse à luz pela revista Guanabara, foi preciso esperar até 1850, quando o poeta já era um autor consagrado, pois, além do reconhecimento crítico de seus pares, tanto os Primeiros cantos (1846) quanto os Segundos cantos (1848) já haviam caído no gosto popular. (29) [Notas importantes] - No Brasil, a relação entre os escritores e a burocracia vai muito além do Romantismo, criando, inclusive, uma espécie de tradição, tanto que a literatura

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brasileira é em grande parte, como observa Carlos Drummond de Andrade, “uma literatura de funcionários públicos”. (31) // Clarice, R. Braga, G. Rosa - Por noção sistêmica, aproprio-me do conceito definido por Antonio Candido = conjunto de produtores literários + receptores + mecanismo transmissor (32) - “A descoberta do Brasil foi uma invenção do século XIX. Ela resultou das solicitações feitas pelo romantismo nascente e pelo projeto de construção nacional que se combinavam então. (...) Os responsáveis essenciais encontravam-se, de um lado, no trabalho dos historiadores, que fundamentava cientificamente uma ‘verdade desejada’, e, por outro, na atividade dos artistas, criadora de crenças que se encarnavam num corpo de convicções coletivas”. Jorge Coli. Primeira missa e invenção da descoberta. (33)

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O poeta e o poder Gonçalves Dias e a “dialética da ambiguidade” Percorrendo sua correspondência ativa, principalmente as cartas endereçadas ao amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, é possível rastrear todo o seu processo de inserção na máquina pública e, ao mesmo tempo, constatar que o poeta não apenas tinha ciência de como as “coisas” funcionavam no Brasil imperial como também, em alguns momentos em que ora criticava ora aceitava, assumiu posições contraditórias em relação aos meios necessários para assegurar o seu lugar no funcionalismo público; era, por assim dizer, a sua própria “dialética da ambiguidade” em ação. (35) A espera de favores

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Ao dirigir-se para o Rio de Janeiro, em julho de 1846, com passagem paga pela Presidência do Maranhão por empenho pessoal de Teófilo Leal junto a Ângelo Moniz – então vice-presidente em exercício –, o jovem Gonçalves Dias, além dos manuscritos dos Primeiros cantos, de Meditação e dos volumes de Byron e Felinto, levava consigo várias cartas de recomendação (35) Apesar de Primeiros cantos não ter sido publicado pela tipografia da Sentinela da Monarquia, foi nesse jornal que, em abril de 1847, saiu a primeira crítica literária ao livro de Gonçalves Dias. (37) // G. de Magalhães – primazia a apressada defesa do livro de Gonçalves de Magalhães suscita uma única certeza: a de que o primeiro livro do poeta maranhense, ao surgir como novidade no acanhado ambiente cultural brasileiro, incomodou de alguma forma a hierarquia literária responsável pela condução e disseminação do “discurso oficial” da literatura brasileira. (37)

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Do ponto de vista temático, os Primeiros cantos, apesar de incômodo por estarem à margem das instituições preocupadas com a definição da identidade coletiva, são, paradoxalmente, a melhor representação desse mesmo discurso. (38) acima das brigas políticas entre conservadores e liberais, estava D. Pedro II e sua fama de humanista. (39) Para o poeta, o desejo de ser apresentado ao Imperador seria uma forma de escapar dos comprometimentos partidários que, a bem da verdade, até naquele momento nada lhe rendiam (40) A instalação oficial do Liceu aconteceu no dia 12 de setembro e o poeta, como secretário da instituição, ficou também responsável pelo “discurso de abertura”. Em carta a Teófilo, datada do dia anterior, Gonçalves Dias não somente se refere a esse fato ... como também explicita sua preocupação quanto ao salário, considerando-o baixo ... (41)

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A entrada no Instituto Histórico Ao contrário do que afirma Lúcia Miguel Pereira, a entrada de Gonçalves Dias no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro não se deu no dia 2 de setembro de 1847. Na realidade, a candidatura do poeta como “membro correspondente” foi apresentada na sessão do dia 2 de outubro desse mesmo ano, tendo sido posteriormente referendada pelos demais membros do IHGB somente na sessão seguinte, isto é, em 14 de outubro. (42) Criado em 1838, o IHGB desempenhou um papel fundante na construção de uma história comprometida com um “projeto nacional” de país, assentado no suposto desejo de uma ação civilizadora por parte do Estado. Na verdade, a criação do Instituto Histórico, ao lado de outras iniciativas importantes como a criação do Arquivo Nacional e do Colégio Pedro II, denota o esforço mútuo, tanto do próprio Estado brasileiro quanto da nascente intelectualidade atrelada

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a ele, para a institucionalização do problema da definição de identidade nacional. (42) E dar luz ao “conhecimento das coisas da pátria” não implicava somente a mera fabulação de uma imagem para o país, mas, sobretudo, refletia a necessidade de traçar uma fisionomia para a nação através de um discurso historiográfico que, de certo modo, objetiva produzir uma visão homogeneizada do / país. A interrelação entre Estado e produção do discurso historiográfico no Brasil ao longo do século XIX, que já vinha desde a própria fundação do IHGB, acentuar-se-á, assumindo formas mais claras e diretas, sobretudo a partir de 1849-1859, coincidindo tanto com a estabilização do poder central quanto de seu projeto político centralizador. (42-43) a indicação do também literato Manuel de Araújo Porto-Alegre. Ser membro do IHGB representava não apenas a inserção na principal instituição intelectual do

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Império, mas também uma forma de aproximação direta aos homens que exerciam efetivamente o poder no Império. Nesse sentido, o ingresso de Gonçalves Dias no Instituto Histórico representou tanto um primeiro reconhecimento de sua importância literária quanto uma possibilidade real de aproximação da elite intelectual e, notadamente, do Imperador Pedro II, que, a partir de 1849, passou a presidir quase religiosamente as reuniões semanais que aconteciam aos domingos no Paço Imperial. (43)

Monarquismo: estou convencido que ninguém crê mais firmemente do que eu na necessidade do governo monárquico entre nós, ninguém quer mais ao Imperador do que eu: tem virtudes que o fazem um homem estimável, tem qualidades de um rei literato ... ref. à carta de 4 de abril de 1848.

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Para Lilia Schwarcz, a entrada efetiva de D. Pedro II no IHGB, além de ter contribuído decisivamente para o fortalecimento do grupo, patrocinando diferentes atividades, acabou por transformar o Romantismo brasileiro em “projeto oficial, em verdadeiro nacionalismo, e como tal passa a inventariar o que deveriam ser as ‘originalidades locais’”, o que, por sua vez, explicita a predominância da preocupação da temática indianista não somente na literatura em si, mas também nas outras pesquisas do Instituto. (45) Enumeração de pesquisas de GD no IHGB (45) a saída do poeta, para sobreviver na Corte, foi o trabalho na imprensa. (45) Em março de 1849, Gonçalves Dias foi nomeado ao cargo de professor de latim e de história do Brasil no Colégio Pedro II por Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda), então Presidente do Conselho de Ministros. (48)

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1ª missão no Norte (50) Questão da dedicatória dos Segundos cantos (1848) – dado omitido a Leal (53) A polêmica d’A confederação dos Tamoios Este livro, que almejava a chancela de “definitivo” poema nacional, foi o centro da mais vigorosa e importante polêmica do Romantismo brasileiro iniciada pelo romancista José de Alencar e que, no seu desenrolar, incluiu até mesmo o Imperador Pedro II. Para desancar o trabalho de Magalhães, Alencar confere à lírica de Gonçalves Dias os louros da “invenção” do indianismo. (53) Carta de GD ao Imperador (55) O desejo de independência GD sabia que a dependência era um mal necessário a sua sobrevivência. (56)

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Participando, entre 1859 e 1861, de uma malograda Comissão Científica de Exploração, cuja missão era a de tentar encontrar recursos minerais nas regiões Norte e Nordeste ... (56) Na verdade, a essa altura da vida, o poeta já pensava que talvez fosse possível viver apenas das vendas de seus livros. (57) desejo de liberdade plena por parte do intelectual (58) [ Notas importantes] Ref. a carta de Teófilo ao primo Antonio Henriques Leal apud LMP (59) Perfil do SERRA ≠ João Lisboa -> João Duarte Lisboa Serra SILVA, Manuel Nogueira da. Bibliografia de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942.

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Hyeronimus. Primeiros cantos – Poesias do Sr. Antonio Gonçalves Dias. Sentinela da Monarquia, 5. abr. 1847. Poemas publicados em jornais (62) SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1983. Apontamentos (Notas autobiográficas) – BN – Manuscritos – veio do espólio de Ferdinand Denis etc. (63) Todos os artigos da polêmica CF dos Tamoios em ordem cronológica: Gonçalves de Magalhães. Domingos José. In: Moreira, Maria Eunice; Bueno, Luís (Orgs.). A confederação dos Tamoios. Curitiba: Ed. da UFPR, 2007. (65) 2. Revista e Ruptura

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O ano e a revista O ano dos grandes contratempos No Brasil, o momento histórico entre o surgimento e o fim da revista Guanabara (1849-1856) foi igualmente importante tanto para a derradeira afirmação do projeto estético romântico quanto para a própria consolidação política do Segundo Reinado. (69) A partir de 29 de setembro de 1848, com o regresso dos conservadores ao poder depois do chamado quinquênio liberal (1844-1848), a vida política do Império brasileiro ganhou certa estabilidade que, diga-se de passagem, muito contribuiu para a longa duração do regime monárquico até 1889. (69) - dupla centralização político-administrativa:

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-- plano político: Poder Moderador; Senado e Pres. Província nomeados. (70) -- plano administrativo: fim do princípio eletivo no sistema judiciário e policial >> princípio hierárquico – sob comando do poder central. (70) - o emblemático ano de 1850, o dos “grandes contratempos” como bem o denominou Joaquim Nabuco, foi particularmente singular para a história do Império. (70) // tráfico negreiro // febre amarela // morte do Príncipe D. Pedro Afonso // G.D. também fica doente (carta de abril de 1850, p. 117) - introdução de algumas mudanças estruturais que, realizadas sob a influência da hegemonia conservadora na Câmara, abriram, inclusive, novas perspectivas econômicas e sociais para o país. as principais medidas aprovadas naquela legislatura foram: a extinção do tráfico de escravos, a aprovação da Lei de Terras, a centralização da Guarda Nacional e a instituição do primeiro Código comercial. (72)

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De qualquer modo, pode-se dizer que, a partir de 1850, com a extinção do tráfico, a luta pela completa abolição começa a ganhar corpo, o caminho até 1888, no entanto, ainda seria bastante tortuoso. (74) A imprensa e a missão civilizadora Durante grande parte do século XIX, e mais notadamente em sua primeira metade, tanto o processo inicial de disseminação quanto o processo posterior de consolidação das ideias românticas no Brasil, ambos alimentados por um novo espírito nacionalista, devem ser diretamente creditados às muitas revistas e jornais que animaram a precária vida cultural brasileira. (74) - sentimento de “missão” (74) - desejo maior de ver a “pátria marchar na estrada luminosa da civilização”. Na realidade prática, civilizar o Brasil significava elevá-lo a um patamar cultural

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de maior igualdade com as nações ocidentais, sobretudo à então paradigmática nação francesa. É óbvio que no processo de consolidação do Brasil independente, a influência externa sobre sua condição de país periférico se faria presente. No entanto, se por um lado, desejava-se integrar o Brasil aos valores e crenças do Ocidente, por outro, era preciso também criar alguns mecanismos simbólicos de diferenciação em relação a esses mesmos valores e crenças, configurando dessa forma uma noção de brasilidade. E, nesse sentido, caberia à nascente imprensa brasileira o importante papel de irradiador desse anseio coletivo de civilidade. (74) // minha dissertação - desde a fundação da Imprensa Régia no Brasil (1808): febre de periódicos dedicados, sobretudo, às ciências, às letras e às artes em geral. (74) - modelo enciclopédico de O Patriota (1813-1814)

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Num país de escravocratas, de população majoritariamente iletrada, a existência de tais publicações atesta a persistência do trabalho artístico e intelectual que, mesmo tendo um reduzido espaço crítico vigiado de perto pelos olhos das relações de favor, conseguiu encontrar algumas brechas para também matizar os discursos apologéticos. (75) - “o estudo das revistas do tempo, nomeadamente a Revista do Instituto [IHGB], a Minerva Brasiliense e a Guanabara facilita-nos a reconstrução histórica do romantismo brasileiro” Sílvio Romero em História da Lit. Brasileira (75) Uma nova estrela a expectativa inicial de seus três diretores era a de que a revista saísse em outubro de 1849 ... // carta ... (76) No entanto, alguns problemas, provavelmente tipográficos, fizeram com que o primeiro número da revista só viesse

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efetivamente à luz dois meses mais tarde, isto é, no dia 1º de dezembro de 1849. No dia seguinte, os três diretores, Porto-Alegre, Macedo e Gonçalves Dias, foram ao Paço imperial, levando a nova publicação para presentear o Imperador Pedro II, que aniversariava naquele dia. (76-77) Guanabara: primeiras repercussões Públicas e notórias, as relações políticas dos diretores da Guanabara com os liberais possivelmente expliquem por si a maior atenção que foi dispensada ao lançamento da revista pelo Mercantil. // GD trabalhava para este jornal (77) Os “pontos cardeais” da Guanabara - escolha do nome: homenagem ao nome primitivo da cidade do Rio (“augusta rainha da América do Sul”) e inserção programática na recente tradição dos periódicos românticos Niterói e Minerva (80)

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- porta-voz do nacionalismo literário, “diário oficial” da lit. romântica (80) Abstendo-se das questões políticas, entendam-se questões pontuais de ordem político-partidárias, e desejando manter-se somente no campo aparentemente neutro das artes e das ciências, o principal intuito da Guanabara era o de concentrar “todas as nossas forças para o desenvolvimento moral e intelectual, uma base de um seguro e permanente progresso”, já que “tudo é grande e prodigioso neste Brasil; tudo se apresenta debaixo das formas mais belas e mais colossais, - exceto o homem!” – oposição de decadência e imobilidade rotineira a um futuro brilhante da geração nascida em 1825. (81) Apresentação da revista ref. a “grande inventário de nossas riquezas naturais”, “filósofo americano”; “químico brasileiro”; “canto do vate das florestas” (81)

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Então seremos uma nação na América ... quando o tempo for mais apreciado que o ouro, e o homem se considerar como a primeira alavanca da civilização, como motor de todo o impulso progressivo. (...) comecemos a nossa época orgânica. (82) Para os padrões e dificuldades da época, que possibilitaram a publicação de apenas 36 números entre dezembro de 1849 e março de 1856, até que a Guanabara teve uma vida longa. (...) se, por um lado, a explicação para a longa duração da Guanabara, ainda que de periodicidade irregular, passou inevitavelmente pelo bolso do Imperador Pedro II, por outro, é preciso destacar que o principal interesse aqui é o de se ater, sobretudo, ao seu primeiro ano de vida (1850), e mais especificadamente à participação efetiva de Gonçalves Dias na revista. (83)

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Martins, Wilson. História da inteligência Cultrix/EDUSP, 1977, v. II, p. 400. (1794-1855)

brasileira.

São

Paulo:

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O poeta e a revista O poeta e a literatura brasileira Ainda que, de modo geral, esteja compromissada com a tarefa maior de construção de uma literatura nacional para o país, a obra do poeta maranhense, sobretudo no caso de Meditação, é portadora de um nítido viés crítico em relação à estrutura social brasileira. (90) [Momentos decisivos da trajetória gonçalvina] Além do imediato sucesso do livro de estreia, que assumiu num espaço de tempo relativamente curto uma importância canônica no universo literário do Romantismo local, a entrada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em setembro de 1847, a publicação dos Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão,

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em junho de 1848, a nomeação para professor de Latim e de História do Brasil no Imperial Colégio Pedro II, em março de 1849, e a fundação, ao lado de PortoAlegre e Macedo, da revista Guanabara, também em 1849, são acontecimentos importantes para demarcar a trajetória de Gonçalves Dias no cenário literário brasileiro e representam, em última instância, tanto o reconhecimento público de seu projeto literário quanto a sua própria aceitação no restrito círculo da elite intelectual que, de uma forma ou de outra, gravitava em torno da figura emblemática de D. Pedro II. Ou seja, ele já não era mais o “esperançoso menino do Maranhão”, como o chamavam os colegas de Coimbra [apud LMP, 1943: 33], mas sim o principal poeta do Romantismo brasileiro. (90) Reflexões sobre os Anais históricos do Maranhão por Bernardo Pereira de Berredo. Inicialmente, essas Reflexões, datadas de 5 de dezembro de 1848,

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foram publicadas como introdução à segunda edição dos Anais históricos, impressa ainda no Maranhão, em 1849. (90) Nesse texto contundente, cuja segunda parte sairia no número seguinte juntamente com o poema “O gigante de pedra” (...), o poeta maranhense, por um lado, questiona a suposta parcialidade do “historiador” Bernardo Pereira de Berredo e Castro, que, por ser obviamente português e só escrever para os portugueses, não escrevia / propriamente uma história do Maranhão, mas sim “uma página das conquistas de Portugal”. (...) cit.: O que é português é grande e nobre; o que é dos índios é selvático e irracional; o que é estrangeiro é vil e infame. Assim nos índios só vê bárbaros, nos franceses piratas, nos holandeses heréticos e sacrílegos: é tudo um misto de patriotismo exclusivo e de cego fanatismo, porque Berredo é o órgão dos colonos portugueses com todas as suas

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crenças, com todos os seus prejuízos, porque ele enxerga senão o presente, não escuta senão o que diz o povo. (90-91) Logo em seguida, e já aumentando o tom de sua crítica, o poeta maranhense condena duramente todo o projeto colonial português, creditando-o sobretudo à cobiça dos portugueses: Eis porque as primeiras páginas da história do Brasil estão alastradas de sangue, mas sangue inocente, vilmente derramado! O único motivo de quase todos os fatos que aqui se praticaram durante três séculos foi a cobiça; cobiça infrene, insaciável, que não bastavam fartar as frutas de uma terra virgem, a produção abundantíssima do mais fértil clima do universo, as mais copiosas minas de metais e pedras preciosas. (91)

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[Defesa apaixonada dos índios] Para o poeta, os índios [cit.] pertencem tanto esta terra como os seus rios, como os seus montes, e quando as suas árvores; e por ventura não foi sem motivo que Deus os constituiu tão distintos em índole e feições de todos os outros povos, como é distinto este clima de todo e qualquer outro clima do universo. Não digamos, como diz Berredo, que era um povo bruto e feroz, nem os apreciemos pelos que hoje conhecemos. Não degeneraram ao contato da civilização, por que esta não pode envilecer; mas embruteceram a força de servir, perderam a dignidade, o caráter próprio, e o heroísmo selvagem, que tantos prodígios cometeu e perfez. Vede o que fizeram, e dizei se não há grandeza e magnanimidade nessa luta que sustentam há mais de três séculos, opondo flecha à bala, e a tacape sem gume à espada de aço refinada.

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Eles são o instrumento de quanto aqui se praticou de útil ou de glorioso; são o princípio de todas as nossas cousas; são os que deram a base para o nosso caráter nacional, ainda mal desenvolvido, e será a coroa da nossa prosperidade o dia da sua inteira reabilitação. Ao associar a figura do índio ao caráter nacional brasileiro, Gonçalves Dias quer, na verdade, além de condenar aquilo que ele considera um duplo erro histórico – “Sim, a escravidão dos índios foi um grande erro e a sua destruição foi e será grande calamidade” –, realçar, através da literatura, a necessidade histórica de seu resgate, tanto que, com todas as letras, o poeta afirma: Convinha que alguém nos revelasse até que ponto este erro foi injusto e monstruoso, até onde chegaram essas calamidades no passado, até onde chegaram ao futuro: eis a história.

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Convinha também que nos descrevesse os seus costumes, que nos instruísse nos seus usos e na sua região, que nos reconstruísse todo esse mundo perdido, que anos iniciais e nos mistérios do passado como caminho do futuro, para que saibamos / donde vimos e para onde vamos: convinha enfim que o poeta se lembrasse de tudo isto, porque tudo isto é poesia; e a poesia é a vida do povo, com a política é o seu organismo. Que imenso trabalho não seria esse! (92-93) o “imenso trabalho” a que se referiu já era, dentro de seu projeto literário, um fato consumado e materializado esteticamente nos “Poemas Americanos” de seus dois primeiros livros. (93) Na segunda parte das “Reflexões”, publicada no volume dois da Guanabara, isto é, em janeiro de 1850, o poeta maranhense historia a origem das diversas raças indígenas e, ao mesmo tempo, aumentando novamente o tom de seu texto, critica duramente não apenas o processo de aniquilação dessas raças, como

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também procura salientar a ação conivente dos jesuítas no processo de escravização dos índios (93) no jornal católico Religião, apareceu um artigo refutando os argumentos do poeta. Em contrapartida, para demarcar seu ponto de visto, Gonçalves Dias escreveu uma “Resposta à Religião”, que, publicada no quarto volume da revista em março de 1850, seria o seu último artigo na Guanabara. Em sua resposta, [o] poeta reafirma sua crítica em relação à conivência dos jesuítas no extermínio dos indígenas (93) O primeiro indício [da repercussão das Reflexões] é uma carta do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen ao Imperador Pedro II, datada de 29 de junho de 1852, isto é, praticamente dois anos depois da publicação das “Reflexões” de Gonçalves Dias. Nessa carta, Varnhagen, que era declaradamente contra o projeto romântico de transformar o indígena em representante da nacionalidade

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brasileira, não só se refere explicitamente ao artigo do poeta como também remete ao próprio Imperador Pedro II uma memória em que se propõe a discutir como se deve entender a nacionalidade (94) Nesse texto, o futuro Visconde de Porto Seguro expõe as ideias políticas que orientariam o seu trabalho de historiador, e que posteriormente foram desenvolvidas na elaboração da História geral do Brasil, publicada em dois volumes (o primeiro saiu em 1854 e o segundo em 1857). Aliás, em relação a esta obra, o próprio Gonçalves Dias explicitará sua discordância sobre o tratamento dado aos índios em carta ao próprio Varnhagen. Comentando a impressão causada pela leitura do livro, o poeta, além de escrever que achou “o estilo ótimo”, observa ao historiador: “Sobre o modo de considerar os índios e mais algumas particularidades dos seus costumes, nisso diferimos um pouco, mas reconheço também que muitos lhe darão razão. O Timon, por exemplo, pende muito para o seu lado.” (95) [7 jan. 1856, p. 187-188]

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O também escritor maranhense João Francisco Lisboa questiona a visão do poeta sobre os índios no Livro V de seus “Apontamentos para a história do Maranhão” publicados no Jornal de Timon (1852). (...) A visão de Lisboa, em resumo, combatia tanto as investigações históricas que visavam reabilitar os indígenas quanto procurava negar o extermínio destes. Se, por um lado, tal visão seria mais tarde mudada, com Timon, inclusive, fazendo uma espécie de mea culpa em relação ao poeta, por outro, essa polêmica não / chegou a abalar a relação dos dois conterrâneos, tanto que, em 1853, em carta ao próprio Lisboa, Gonçalves Dias não somente afirma sua admiração pelo livro que gostaria de ter escrito como também informa-o: “que havia proposto para Sócio do Instituto [Histórico]”. (95-96) ~ nota 23 importante (101) talvez uma das causas, se não a principal delas, do afastamento de Gonçalves Dias da direção da revista Guanabara tenha sido mesmo a publicação dos três capítulos de Meditação. (96)

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3. Diálogos e Generalidades A missão do vate, diálogos e influências A missão do vate a literatura romântica exerceu um papel fundamental no duplo processo de construção e disseminação da ideia de nação entre os próprios brasileiros. Também nesse mesmo sentido não se pode deixar, inclusive, de reconhecer que o aparecimento literário de Gonçalves Dias, sobretudo pela imediata ressonância pública dos “poemas americanos”, foi igualmente fundamental para o delineamento de um nacionalismo propriamente literário no Brasil. (107) Além dessa preocupação temática, a inovação do projeto literário gonçalvino “consistiu – segundo afirmação de Cilaine Cunha – em transfigurar elementos até então tidos como nada dignos de figurarem em poesia, (...), ajustando seu

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foco de atenção aos extratos mais pobres da população”. Ainda segundo a mesma autora, “mais do que a obra de qualquer outro romântico desse período, sua obra talvez seja uma das poucas, se não a única, que exige uma remissão à sociedade da época para que possa ser compreendida”. (108) o poeta maranhense é o primeiro autor brasileiro que, sem qualquer hesitação, pode ser reconhecido como essencialmente romântico. Inclusive, pode-se dizer que foi nele que as novas gerações aprenderam o Romantismo. Para Antonio Candido, a importância do poeta deve-se ao fato de “o que antes era tema – saudade, melancolia, natureza, índio – se torna experiência, nova e fascinante, graças à superioridade da inspiração e dos recursos formais.” Nesse sentido, dotado de qualidades superiores de inspiração e, sobretudo, de consciência artística, Gonçalves Dias, por ser dono de uma sensibilidade literária peculiar, talvez seja um dos poucos românticos locais a quem se possa chamar de “gênio”, isto é, aquele que como verdadeiro vate e profeta acredita ser o

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portador “de verdades ou sentimentos superiores aos dos outros homens” e, por isso mesmo, acredita ser “a nítida representação de um destino superior, regido por uma vocação superior”. (108) Entendido aqui como um gênio romântico – e o poeta é um gênio por excelência –, o próprio Gonçalves Dias, ao comentar a leitura dos poemas do escritor português João de Aboim, então exilado no Brasil, explicitará a sua concepção de poeta romântico. (108) A definição não poderia ser mais clara, pois, para Gonçalves Dias, diferente mesmo do “vulgo”, os poetas românticos, por sua natureza “mais sensível”, carregam em si “dores tão violentas que os outros não sentem”, enfim, as dores do mundo. (...) Gonçalves Dias tem plena consciência de seu papel histórico de poeta. (109)

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Lamennais: o profeta solitário (110) Nabuco afirma literalmente que os quatro Evangelhos de sua geração foram: “Palavras de um crente, de Lamennais; a História dos Girondinos de Lamartine; o Mundo Caminha de Pelletan; e os Mártires da Liberdade de Esquiros.” (112) Alexandre Herculano & Gonçalves Dias A história das relações literárias entre Alexandre Herculano e Gonçalves Dias é demarcada, sobretudo, pelo aparecimento, em novembro de 1847, do famoso artigo “O futuro literário de Portugal e do Brasil” (...) inicia-se com uma longa digressão comparativa entre os dois países. (117) As palavras sinceras de Alexandre Herculano foram fundamentais tanto para a afirmação do projeto poético gonçalvino quanto para a própria consagração de

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Gonçalves Dias na literatura brasileira. Nesse sentido, quando da reunião de seus três livros de poesia em um único volume batizado de Cantos, em 1857, Gonçalves Dias passou a reproduzir o artigo de Herculano na forma de prólogo. (118) ele reclama um maior espaço no livro para as “Poesias Americanas” (119) a influência do autor português vinha de longe, relacionando-se com o processo de formação intelectual do poeta brasileiro, notadamente no período em que o poeta cursou Direito na Universidade de Coimbra (1840-1844). Aliás, em 1857, no já referido texto que antecede ao artigo de Herculano em Cantos, Gonçalves reconhece de público tal influência, afirmando com igual sinceridade que: “o escritor [Herculano] conhecia-o eu há muito, mas de nome e pelas suas obras: essas obras que todos nós temos lido e esse nome que eu sempre ouvira pronunciar com admiração e respeito”. (119)

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Alexandre Herculano e a reconstrução de Portugal tendo sido formado intelectualmente sob a influência do ideário romântico, Herculano assumiu desde cedo uma postura reformadora tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista político. (120) depois da ansiada volta do exílio e ainda reconhecidos como os legítimos combatentes da liberdade, “os homens da primeira geração romântica tiveram a clara consciência de que em Portugal estava tudo por fazer. Não se tratava apenas de criar uma literatura, nem tão só de revivificar as tradições poéticas existentes na arte popular. Tratava-se de tudo reformar desde a raiz”. (120) Alexandre Herculano engajou-se logo no processo de reorganização da cultura portuguesa, sobretudo através de uma intensa atividade jornalística. (120-121)

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procurou expressar a nova concepção estético-literária do Romantismo em dois importantes artigos – “Qual é o estado da nossa literatura? Qual é o trilho que ela hoje tem a seguir?” (1834) e “Poesia: Imitação – Belo – Unidade” (1835) – , ambos publicados no periódico quinzenal O Repositório Literário (18341835), da cidade do Porto. (121) o escritor português afirma literalmente que tal decadência era, sobretudo, resultante das opções estéticas clássicas, predominantes nos séculos XVI e XVII, que, por insistirem programaticamente em deixar de lado as ideias, fizeram com que a maioria dos autores portugueses somente se preocupassem em priorizar em suas obras as formas poéticas. Preocupado, nesse sentido, com a indicação de uma nova direção para a literatura portuguesa, agora de perspectiva revolucionária e, desse modo, mais apropriada aos novos tempos liberais, já que para ele as preocupações com o estético e o político eram indissociáveis, Herculano reconhece na então produção literária dos autores

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alemães a primazia na criação de uma nova poética de combate aos cânones clássicos, e, por tabela, reconhece também, nesses mesmos autores, a primazia na consequente disseminação do pensamento romântico pela Europa. (121) [Gonçalves Dias pode ter se identificado com o projeto literário de Herculano na questão da renovação de uma literatura – Portugal precisava renovar a sua e o Brasil, também; ambos o fizeram pela “expurgação” da influência clássica e pela valorização do nacional, do histórico – que, ao mesmo tempo, alcança o universal por meio dos valores, dos ideais veiculados] Desse modo, Herculano, recorrendo ao idealismo estético, procura, de um lado, recusar a ideia de que o belo deriva das coisas, como preconiza o conceito aristotélico da arte enquanto imitação da natureza, para, de outro, sobrevalorizar a tese de viés subjetivista e platônico, e, portanto, mais adequada ao pensamento romântico, de que o belo reside unicamente na alma humana, e, nessa mesma

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direção, ele observa que “é (...) no mundo das ideias que o devemos buscar”. (...) o estabelecimento de um programa de trabalho para a própria literatura portuguesa: Diremos somente – afirma Herculano – que somos românticos querendo que os portugueses voltem a uma literatura sua, sem contudo deixar de admirar os monumentos da grega e da romana: que amem a pátria mesmo em poesia: que aproveitem os nossos tempos históricos, os quais o Cristianismo com sua doçura (...) que desterrem de seus cantos esses n[o]mes dos gregos, agradáveis para eles, mas ridículos para nós e as mais das vezes inarmônicos com as nossas ideias morais: que os substituam por nossa mitologia nacional na poesia narrativa; e pela religião, pela filosofia e pela moral na lírica. Isto queremos nós e neste sentido somos românticos. (122) [Também existe em Portugal um “colonizador” cultural]

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Por trás da configuração desse programa estético, além da óbvia influência germana, deve-se acrescentar ainda, no caso específico do projeto literário de Alexandre Herculano, a sua grande preocupação com o Cristianismo, que literariamente vem tanto de O gênio do cristianismo, de Chateaubriand, quanto de As palavras de um crente, de Lamennais, e, por fim, a sua perspectiva histórico-literária, que sofre a influência direta dos romances de Walter Scott. Na verdade, o intuito principal desses dois primeiros artigos era o de, acima de tudo, tentar ordenar o caos ideológico que então norteava o Romantismo luso, fruto dos embates liberais. (123). Em última instância, pode-se dizer que Herculano buscava definir uma “utilidade” para a literatura romântica em Portugal, delineando, por sua vez, um projeto nacionalista em que, como bem observou um crítico, “a pátria que ele punha em causa, a pátria nova e terna, era tanto um tema histórico como um tema mítico”, e com a ajuda providencial do cristianismo de Lamennais, “este

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tema devia tocar ao mesmo tempo a alma do indivíduo e a da coletividade”. (123) Papel do poeta para Herculano (128) Nesse trecho é possível identificar claramente a ideia romântica de poeta tanto como o depositário e o perpetuador das tradições, geradas pela tríade pátria, família e Deus, quanto pelo seu reconhecimento como gênio e, portanto, à maneira dos profetas bíblicos ou do vate antigo, ele também se expressa pela palavra revelada. (128) [passado e futuro em constante tensão] [Ideia de povo] Para o historiador português [A. H.], o poder político deveria ser exercido somente por uma minoria, daí sua arraigada crença na validade do voto censitário, ou seja, a razão pública seria fundamentada no domínio político de

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uma aristocracia ilustrada que teria a função de pensar pela totalidade dos cidadãos. (...) “E a igualdade democrática, onde chega a predominar, caminha mais ou menos rápida, mas sem desvio, para sua derradeira consequência, a anulação do indivíduo diante do estado, manifestada por uma de suas fórmulas, o despotismo das multidões.” Para Herculano, assim como para grande parte da elite romântica, a ideia de povo não correspondia à ideia de totalidade da população, mas antes à ideia de classe média (130) A seu modo, Gonçalves Dias tentará fazer algo semelhante no Brasil, uma vez que sua obra constrói-se não somente pelo empenho de estudar os problemas e angústias da expressão literária europeia, mas também pelo estudo dos problemas e angústias tanto da expressão literária quanto da própria história brasileiras. Perpassado pela consciência de gênio romântico, o poeta maranhense desempenhará o seu papel histórico, sobretudo ao discutir em Meditação alguns dos problemas prementes da sociedade brasileira, tais como

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a própria escravidão, marca indelével do atraso social brasileiro, e a truculência do poder econômico das elites locais. (132) [Notas importantes] Conta Antonio Henriques Leal que os Primeiros cantos foram parar nas mãos de Alexandre Herculano através de seu irmão, o Sr. Ricardo Henriques Leal, que então se achava em Lisboa. Foi o próprio Ricardo que, desejoso de saber a opinião de Herculano, encaminhou o volume de poemas ao livreiro Sr. Bertrand para que este mostrasse ao grande escritor português. “O livreiro – escreve Henriques Leal – assim o fez, e passados dias declarou-lhe o exímio literato transportado de entusiasmo que se lhe não daria de ficar com aquele excelente livro que lhe proporcionara horas tão aprazíveis, e dentro em pouco apareceu na página 5 do tomo VII da Revista Universal Lisbonense de 1847 este artigo tão animador e benévolo”. Apud Antonio Henriques Leal. Op. cit., p. 84 [Pantheon]

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Herculano nutria grandes expectativas em relação ao futuro do Brasil, tanto que dez anos antes de tecer comentários sobre o Brasil a partir da leitura do livro de Gonçalves Dias, ele afirmou num artigo, “O Brasil”, publicado em O Panorama, em 30 de dezembro de 1837, que “o Brasil é uma terra de esperanças. (...) À sombra de boas leis, e se alcançar a tranquilidade interior, aquele império crescerá cada vez mais em navegação e indústria; assim o horizonte do seu futuro brilhante não é difícil de compreender”. In: Beirante, Cândido; Custódio, Jorge (Orgs.). Alexandre Herculano: um homem e uma ideologia na construção de Portugal. 2. ed. Lisboa: Livraria Bertrand, 1980. p. 173-174. (135) Os Primeiros cantos, da mesma forma que os demais livros de poemas publicados por Gonçalves Dias, são divididos em três partes: Poesias Americanas, Poesias Diversas e Hinos. Na primeira edição do livro, em 1847, apenas cinco poemas / apareciam sob o nome de Poesias Americanas: “Canção

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do exílio”, “O canto do guerreiro”, “O canto do índio” e o “Morro do Alecrim”. Quando da publicação de Cantos (1857), Gonçalves Dias reescreveu o poema “Morro do Alecrim”, dividindo-o em dois: “Deprecação” e “Caxias”. (136) Segundo os registros do livro de matrículas da Universidade de Coimbra, GD, sob o número 109, matriculou-se no curso de Direito em 31 de outubro de 1840. Arquivo da Universidade de Coimbra – Antonio Gonçalves Dias – Matrículas – Direito – 1840 – 1841 – IV-1ªD-2-5-3 – fl. 32.

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