Manifesto Dos Alunos De Antropologia

  • November 2019
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Manifesto dos Alunos de Antropologia (ISCTE 2006-07) MANIFESTO DOS ALUNOS DE ANTROPOLOGIA (ISCTE 2006-07)

Objectivos O presente documento tem como objectivo manifestar por parte dos discentes do curso de Antropologia do ISCTE o seu desacordo e preocupação relativamente às mudanças efectuadas nos últimos anos, tanto no que diz respeito políticas de gestão relativas ao ensino superior em termos gerais, como relativamente ao curso de Antropologia no ISCTE em particular. Considerações gerais A intenção, expressa na nossa lei fundamental acerca da necessidade de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino[1], como tantas outras manifestações de boa vontade expressas quer no normativo legal quer na demagógica verborreia dos nossos políticos e gestores, não encontra infelizmente na prática mais do que a realidade inversa, dura e crua, com a qual se têm visto confrontados os cidadãos do país em termos gerais e os alunos do ensino superior público em particular. A tendência mercantilista, qual neoplasia amoral, instalou-se no país e cresce agora no Ensino Público, à conta da exploração e sacrifício das famílias, que já tendo uma carga fiscal das mais altas de Europa e um dos níveis de vida mais baixos, se vêm agora na contingência de ter que pagar o ensino público segundo critérios de gestão privada, onde o aluno é encarado como um cliente. Sobre as propinas As mudanças que têm ocorrido no ensino superior público nos anos recentes, não são mais do que uma aproximação do modelo público ao privado, em que os gestores, face ao desinvestimento do Estado na educação, optaram pela iniciativa mais fácil, sobrecarregando os discentes com aumentos brutais de propinas que são em si um indicador não só de falta de consciência em termos sociais, como mostram que o acesso ao ensino superior está - em detrimento da capacidade intelectual, único critério de selecção válido num Estado social que encare o ensino superior público como um garante de investimento futuro em termos de valências intelectuais - cada vez mais sujeito a critérios de selecção dependentes apenas da capacidade financeira dos seus clientes. Relativamente ao curso de Antropologia, as propinas têm nos últimos anos conhecido aumentos perfeitamente escandalosos, que chegaram ao cúmulo de no corrente ano de 2006/07, a propina assumir o valor de novecentos de vinte e três euros (€ 923,00)! A inconsciência do valor actual das propinas, além de mostrarem o mais flagrante desprezo pelo consagrado na Constituição Portuguesa, revela bem a falta de consciência social vigente, dado o contexto dos lamentáveis salários nacionais médios, onde as pessoas perdem de ano para ano cada vez mais poder de compra dadas as tendências neoliberais que encaram a remuneração dos trabalhadores como um custo a ser reduzido. A política mercantilista que tem regido as propinas nos últimos anos só pode ser encarada como uma manifestação de falta de consciência social relativamente aos discentes, aparecendo enquadrada numa lamentável e redutora visão empresarial, que leva a que se encarem os alunos como clientes, para quem tendencialmente o ensino superior passa a ser um luxo, acessível apenas aos que possam pagar os valores exigidos. Sobre o modelo de Bolonha O recém implementado modelo de Bolonha, embora reconheçamos a priori o interesse de um projecto Europeu comum relativamente ao ensino superior – assim venhamos a conhecer também o mais depressa possível um nivelamento europeu em termos de política salarial e uma política de saúde e segurança social também comuns – tem servido para ajudar a perceber que a mera importação de modelos teóricos transpostos apressadamente para realidade nacional não só não ajuda a resolver os problemas como pode servir para evidenciar e potenciar algumas das suas injustiças. Apresentamos seguidamente alguns exemplos: •

Com o modelo de Bolonha, a avaliação contínua passa a ser uma realidade vincada, expressa através de seminários, debates e leitura obrigatória de textos em carácter semanal. O que se tem

observado todavia é que esta realidade, sobretudo relativamente aos estudantes a tempo parcial – que estão consagrados no modelo de Bolonha – estão a ter uma extrema dificuldade em acompanhar o ritmo pretendido, por uma manifesta falta de tempo. A informação relativa a material teórico disponibilizada com pouco tempo de antecedência relativamente às avaliações por parte de alguns docentes, também não tem ajudado à resolução deste problema. A lei de bases do sistema educativo estipula claramente o direito ao acesso a um regime especial de estudos por parte de trabalhadores-estudantes, que são estudantes a tempo parcial pelas circunstâncias a que ficam sujeitos pelos seus empregos[2]. Efectivamente, o nível de exigência da





licenciatura é o mesmo para os dois regimes, embora os estudantes a tempo parcial tenham muito menos tempo para dedicar aos estudos e se perspective assim que demorem tendencialmente mais dos que os três anos necessários para a conclusão do 1º ciclo, tendo que gerir a conclusão das cadeiras em função das suas possibilidades. Com a lamentável manutenção da propina anual – apesar de segundo o modelo de Bolonha deixar de haver “anos curriculares” no sentido tradicional do termo – é fácil de perceber que haverá cada vez mais discentes a fazerem em determinados anos apenas algumas cadeiras semestrais e a verem ser-lhe exigida a propina anual, com se estivessem a fazer as cadeiras todas e os dois semestres. Sendo a a unidade curricular do modelo de Bolonha o semestre[3], a manutenção da uma propina anual não é mais do que mais um efeito perverso da mercantilização do ensino a que infelizmente assistimos, onde não se respeitam os próprios ditâmes dos modelos instituídos. A elevada concentração de alunos nas turmas, por vezes superior a 40 elementos, bem como a entrada no 1º ano de alguns já depois de mais de um mês de aulas – devido a critérios de selecção e calendarização da responsabilidade da Academia e do Ministério e não dos discentes em causa - é dificilmente compatível com o modelo de avaliação contínua proposto. É uma questão de bom senso perceber que para os docentes será muito complicado avaliar numa aula de debate uma turma com o número de elementos referido, o mesmo se aplicando à avaliação por seminário. Se ao invés se optar por dedicar várias aulas a este tipo de avaliações, tal só será possível de algum modo sacrificando ou condensando as aulas teóricas. Por outro lado a hipótese do prolongamento do primeiro semestre em termos de aulas, como alguns docentes sugerem, implica o desrespeito pelo calendário curricular estabelecido e a sobreposição de aulas ao calendário projectado para a entrega de trabalhos finais e de exames, contexto que não é de todo desejado pelos discentes. Finalizada a licenciatura anterior, no modelo de quatro anos, para os discentes seguirem para mestrado – actual 2º ciclo – era necessária uma média de 14 valores, podendo embora ser considerados casos excepcionais. Este ano, verificou-se que foi permitida a entrada aos alunos que o requereram, alguns deles com médias mínimas constantes em toda a licenciatura. Tal parece-nos configurar mais um dos efeitos perversos do modelo de Bolonha, pois além da óbvia desclassificação das licenciaturas relativamente ao modelo anterior, parece assistir-se agora ao facilitismo no acesso aos mestrados – no seguimento da política de mercantilização seguida pela gestão da Academia, a que não será alheio o facto de cada mestrado ter o valor de mil euros. Não duvidamos que dentro de poucos anos assistiremos ao propagandear por parte da classe política de que Portugal aumentou imenso em termos percentuais o seu número de licenciados e de mestres, mas perguntamo-nos se tal número corresponderá efectivamente em termos técnicos aos standards desejáveis e à manutenção da imagem de excelência que o ISCTE possui. Pese embora tristemente reconheçamos que tais preocupações talvez pouco contem num país que cada vez mais vive de imagem. Exigências

1 - Os alunos que subscrevem este manifesto não pretendem continuar a pagar o desinvestimento do Estado na educação superior, através da opção mais fácil tomada pela gestão das universidades públicas e que se tem traduzido nos aumentos brutais de propinas que têm sido característica dos últimos anos. Compete à gestão a renegociação – que nos parece urgente – com a tutela, o possível estabelecimento de protocolos com empresas numa lógica que poderia passar por futuras garantias de empregabilidade, ou pensar em esquemas alternativos de financiamento que não passem pelo contínuo massacre que tem sido nos últimos anos IMPOSTO aos alunos. Basta de falta de consciência social, basta de sobrecarregar os alunos com propinas para justificar uma educação para a qual as famílias portuguesas já contribuem largamente através dos impostos. O valor das propinas deve ser revisto urgentemente e retornar para valores que o enquadrem com um contributo (valores próximos das propinas pagas em 2000-01) e não como um financiamento que cada vez mais sobrecarrega sempre os mesmos. As propinas devem equivaler a um valor sensato, devendo ser encaradas como um contributo por parte dos alunos – cujas famílias ou eles próprios já descontam largamente nos impostos e que estão num modelo público por mérito próprio - e não uma fonte privilegiada de financiamento enquadrada no mercantilismo geral vigente. 2 - A contingência de estarmos a realizar apenas algumas cadeiras – ou apenas uma - relativas a um semestre e nos vermos na contingência de ter que pagar as cadeiras todas relativas aos dois semestres devido à manutenção da propina anual é uma injustiça, uma violência e um abuso que tem que terminar imediatamente. Os alunos não podem, não querem e não devem continuar a ser prejudicados por lógicas mercantilistas com deficit de consciência social. Com o adoptar do modelo de Bolonha e o subsequente fim dos anos curriculares, exigimos o fim imediato da propina anual e o estabelecimento de uma propina semestral, que tenha em conta as considerações referidas neste documento, nomeadamente o valor indicador das propinas em 2000-01 e o estatuto dos estudantes a tempo parcial. Sendo a unidade curricular do modelo de Bolonha o semestre, a manutenção da propina anual apenas pode ser encarada como um nítido e escandaloso aproveitamento por parte do modelo de gestão face aos alunos. O facto de haver pessoas com apenas algumas cadeiras semestrais ou apenas uma a verem-lhes imposta uma propina anual no valor de quase mil euros só pode ser considerado um escândalo inqualificável e um indicador da mais profunda falta de respeito pelos alunos e pelas suas famílias.

Nota final Parece-nos que na prática, as virtudes do tão apregoado modelo de gestão vigente, apenas se têm consubstanciado na continuada e aumentada exploração financeira dos alunos, pois em termos de funcionamento interno, para lá do já referido anteriormente neste documento no que diz respeito ao presente semestre em termos de aulas, também os serviços parecem estar a ter algumas dificuldades em termos organizacionais. Parece-nos por exemplo espantoso o facto dos alunos que requereram a mudança para o modelo curricular de Bolonha não estarem à data ainda no sistema informático da Secretaria, tal como nos parece um abuso e uma falta de respeito a Tesouraria ter indicações para não receber o dinheiro das propinas em numerário, querendo obrigar as pessoas a efectuar o pagamento por multibanco, ou a terem que se deslocar à CGD para efectuar o depósito. Os alunos e cidadãos que subscrevem este manifesto, confessam a sua preocupação e indignação face às tendências mercantilistas vigentes, onde se parece ter perdido completamente a noção do que significa o termo Ensino Público e do consagrado na Constituição Portuguesa relativamente às propinas. A manutenção da propina anual no modelo de Bolonha é indigna de uma instituição como o ISCTE. Esperamos que este documento sirva como contributo para uma alteração de situações que só pecará por tardia. Lisboa, 23 de Novembro de 2007 Os Alunos [1] Constituição da República Portuguesa, artigo 74º, alínea E. [2] n.º 7 do artº 12º e artº 32º da Lei n.º 49/2005 [3] De acordo com o n.º 1 do artº 9º do Decreto-Lei n.º 74 “No ensino universitário, o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem 180 a 240 créditos e uma duração normal compreendida entre seis a oito semestres curriculares de trabalho dos alunos.”, e confirmado pela Lei n.º 49/2005 no seu artº 14º n.º 3

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