A economia das trocas simbólicas
Pierre Bourdieu
Modos de produção e modos de percepção artísticos “Obras de arte” (socialmente designadas como tais) objetos de diferentes percepções Experiência estética ≅ experiência do sagrado oscila entre ponto de vista do sujeito e do objeto Intenção estética Faz a obra de arte Panofsky: obra de arte é o que exige apreensão guiada por intenção estética Saussure: ponto de vista estético cria objeto estético sobrepõe-se à intenção pratica (utilitária / funcional)p percepção da forma mais do que da função produto das normas e das convenções sociais (definem fronteira socialmente mutável entre objeto técnico e objeto de arte) Competência artística intenção e aptidão do espectador em conformar-se com as normas que regem a relação com a obra de arte dela depende a apreensão e apreciação da obra percepção é sociológica, e não natural Cultura legítima as condições históricas e sociais que determinam que certo objeto deva ser admirado são reproduzidas pela educação, o que leva ao “esquecimento” de tais condições, passando a falsa idéia de uma categoria a priori o controle da cultura dominante é tanto maior quanto menos ela se manifesta enquanto tal, ou seja, o reconhecimento de sua legitimidade reside no desconhecimento de sua verdade objetiva Arbitrário cultural Família e escola são investidas do poder de impor um arbitrário cultural (um arbitrário das admirações), e estão em condições de impor uma aprendizagem ao fim da qual certas obras surgem como naturalmente dignas de serem admiradas Mascara o arbitrário da inculcação (das significações inculcadas e de suas condições)
Percepção “pura” Produto de longo trabalho de depuração, desde o momento em que a obra se despoja de suas funções mágicas ou religiosas Categoria socialmente distinta de profissionais da produção artística em condições de libertar seus produtos de toda e qualquer servidão cultural Campo artístico A constituição de um campo artístico relativamente autônomo é concomitante à explicitação e à sistematização dos princípios de uma legitimidade propriamente estética, capaz de impor-se tanto na esfera da produção como na da recepção da obra de arte Dinâmica do campo artístico faz o artista fazer valer a afirmação da forma sobra a função, do modo de representação sobre o objeto representado: obra de arte tende a exigir disposição propriamente estética (exigida pela arte anterior somente de modo condicional) Modo de percepção estético
É produto de uma transformação do modo de produção artístico Privilegia a impressão do instante no que ela tem de fugidio Relação distanciada e mutável com as coisas Atitude puramente estética da receptividade contemplativa Expulsa da pintura todo elemento não-ótico (conteúdo literário e narrativo) Impressionismo: exige do espectador uma disposição propriamente estética passível de tornar-se princípio de todo um estilo de vida
Pós-impressionismo Leva às últimas conseqüências a afirmação da autonomia da arte Exige categoricamente do espectador ma disposição propriamente estética Artista moderno assegura a si próprio um domínio completo de sua arte Paradoxo: exige uma leitura que implica o domínio do código de comunicação que tende a ser questionado Museu Corte (espaço fechado e separado) entre o mundo sagrado da arte e o mundo profano da não-arte Galerias (séc. XVI e XVII): obras organizadas segundo os padrões de gosto de um amador (o colecionador) Museu: requer olhar propriamente estético capaz de exercitar-se mesmo sobre objetos que não tenham sido produzidos com esse fim
Inversão simbólica Artistas reivindicam o monopólio da competência artística (alvo: contestação simbólica da ordem burguesa) A arte “pura” iguala todos os espectadores, compelindo à indignidade cultural a fração não-cultural da classe dominante Arte moderna: pretensa universalidade, acaba servindo de instrumento de legitimação da dominação burguesa Porção dominada da classe dominante (artistas/intelectuais): relação de ambivalência com as frações dominantes e com as classes dominadas Elites incomodadas com a “arte social’, encontram um ponto de convergência nos românticos e parnasianos, que recusam o utilitarismo Critica formalista Formalismo acadêmico: autonomia absoluta da arte Critica formalista subordinada às convenções e conveniências sociais do bom-tom e do bom gosto; suspeita com arrogância de qualquer pesquisa que coloque em risco o ideal da contemplação desinteressada Prende-se às qualidades formais da obra, negligenciando o assunto da obra (não considera as condições sociais de produção da obra de arte) Distinção Consumo puro e desinteressado da obra de arte: maneira encontrada pelas frações dominantes de transcender simbolicamente os limites da existência burguesa Contestação simbólica do burguês vira objeto de consumo do burguês Tentativas radicais de destruição simbólica da arte (obras infinitamente reprodutíveis / autodestrutivas): inversão mágica Representação carismática da obra dedicada ao culto “rotinizado” do “gênio criador” (versus desvalorização do “escolar”) confere consagração a alguns eleitos (com base em sua aptidão para entender o mundo da arte) “Amor pela arte”: barreira invisível (a mesma instituída pelo museu) consumo da obra de arte exerce função de distinção Diferenças que eram puramente econômicas passam a ser criadas pela posse dos bens simbólicos: elites realizam antigo sonho de conciliar poder temporal e grandeza espiritual (como a aristocracia) Privilégio deriva da superioridade moral Ilusão do “a priori” (inconsciência da história): distinção natural Qualidade estética da forma de consumo (distancia desligada surge como única legítima) função social de distinção
Decifração Obra de arte enquanto bem simbólico só existe para aquele que detêm os códigos de decifração para apropriar-se da mesma Percepção propriamente estética enfatiza únicos traços estritamente pertinentes dentro das possibilidades estilísticas (um estilo como modo de representação onde se exprime o modo de percepção próprio de uma época, classe ou fração de classe) competência artística é resultado de conhecimento pratico (convívio com as obras + aprendizagem explícita) Percepção ingênua fundada no domínio prévio do universo dos significantes e significados Apreensão das redundâncias estilísticas: apreensão dos traços estilísticos que definem a originalidade de uma época em relação a outra, ou de uma escola em relação a outra (a captação das semelhanças implica a referência às diferenças) Obras-testemunhas: apresentam em grau elevado as qualidades reconhecidas em um sistema de classificação. Sistemas de classificação disponíveis constituem o principio das distinções pertinentes, aproximando obras que outras épocas costumavam separar e vice-versa Imagem privada (individual) depende da imagem pública (social) dessa obra Toda obra é feita duas vezes, primeiro pelo produtor e depois pelo consumidor Não contando com os instrumentos de apropriação simbólica, espectadores passam a aplicar-lhes inconscientemente o código válido para a decifração dos objetos do mundo familiar (apreensão ingênua estão fadados a uma “estética funcionalista”) Compreensão imediata das representações do mundo supõe um acordo entre o artista e o espectador quanto às regras que definem a figuração do real Quando se conhece melhor um maior número de estilos, diminui a obrigatoriedade de aplicar os códigos disponíveis; admite-se que a obra possa “falar” códigos ignorados Obra “realista”: coincide com regras de representação objetiva do mundo (conservadorismo estético aproxima-se do popular em sua recusa em romper com códigos conhecidos para entregar-se a exigências internas da obra) Nos momentos de ruptura, as obras produzidas segundo novo modelo são percebidas, durante certo tempo, segundo modelos antigos (habitus cultivado) O fato de ser destituído de chaves não predispõe à compreensão da obras de arte que propõe uma ruptura: estas exigem a aptidão necessária para romper com todos os códigos domínio pratico do "código dos códigos”.