Mackintosh Artista, Arquiteto E Designer - Felippe Moraes - Em Baixa

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FEBASP – CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO

FELIPPE MORAES

MACKINTOSH: ARTISTA, ARQUITETO E DESIGNER

Trabalho de Iniciação Científica Apresentado à FEBASP – Centro Universitário Belas Artes de São Paulo

SÃO PAULO 2008 1

FELIPPE MORAES

MACKINTOSH: ARTISTA, ARQUITETO E DESIGNER

Trabalho de Iniciação Científica Apresentado à FEBASP – Centro Universitário Belas Artes de São Paulo Curso: Design de Produto

ORIENTADOR: Profª MSc Patrícia Helena Soares Fonseca R. de Resende

São Paulo 2008 2

MORAES, Felippe Mackintosh: Artista, Arquiteto e Designer / Felippe Moraes – São Paulo, 2008 Xxx f.: il. Trabalho de Iniciação Científica orientado pela Profª MSc Patrícia Helena Soares R. de Resende Fonseca 1. Charles Rennie Mackintosh 2.Art Nouveau 3.Proto-Modernismo

3

À todos aqueles que preferiram o erro honesto às gélidas perfeições do mero estilismo. 4

Agradecimentos Agradeço à orientadora deste trabalho Profª Patrícia Fonseca, à FEBASP– Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, à minha mãe, avó, madrinha, Othello, amigos, professores da academia e da vida, pois de cada um recebi influências voluntárias ou involuntárias, que, tenho certeza, contribuíram de alguma forma para esta obra.

5

Sumário INTRODUÇÃO............................................................................................................................12

CAPÍTULO 1 - O princípio do Movimento Moderno: a sociedade e o imaginário Art Nouveau.......................................................................................................15 1.1 O Nascimento do Art Nouveau e suas origens no Arts & Crafts......................................................................................................17 1.2 As Influências sobre o Estilo.............................................................18 1.3 As Denominações do Estilo..............................................................19 1.4 O Cenário Arquitetônico de Glasgow................................................21 1.5 O Cenário Social de Glasgow...........................................................25 CAPÍTULO 2 – Um Gênio em Formação..........................................................28 CAPÍTULO 3 – O Glasgow Style.......................................................................42 CAPÍTULO 4 – Os Primeiros Anos do Arquiteto................................................63 4.1. The Glasgow Herald.........................................................................63 4.2 Queen Margaret’s College................................................................67 4.3 Martyr’s Public School.......................................................................69 4.4 Buchanan Street Tea Rooms............................................................71 CAPÍTULO 5 – The Glasgow School of Art.......................................................74 5.1 A Natureza do Edifício e sua Construção.........................................74 5.2 As Características do Edifício...........................................................81 5.2.1

A Face Norte......................................................................81

5.2.2

A Face Sul.........................................................................83

5.2.3

O Oriente e o Ocidente da Escola.....................................85

5.2.4

O Interior............................................................................89

5.2.5

A Biblioteca...........................................................................91

6

CAPÍTULO 6 – Mackintosh: Artista, Arquiteto e Designer................................95 6.1 Primeiras Manifestações como Designer.........................................96 6.2 Mains Street....................................................................................100 6.3 Windyhill..........................................................................................102 6.4 The Rose Budoir.............................................................................105 6.5 The Willow Tea Rooms...................................................................106 6.6 The Hill House.................................................................................112 6.7 Walberswick....................................................................................121 6.8 Derngate,78.....................................................................................123 6.9 Port Vendres...................................................................................127 EPÍLOGO:O Fim dos Erros Honestos.............................................................131 BIBLIOGRAFIA................................................................................................132

7

Lista de imagens Fig.1 Fig.2 Fig.3 Fig.4 Fig.5 Fig.6 Fig.7 Fig.8 Fig.9 Fig10 Fig.11 Fig.12 Fig.13 Fig.14 Fig.15 Fig.16 Fig.17 Fig.18 Fig.19 Fig.20 Fig.21 Fig.22 Fig.23 Fig.24 Fig.25 Fig.26 Fig.27 Fig.28 Fig.29 Fig.30 Fig.31 Fig.32 Fig.33 Fig.34 Fig.35 Fig.36 Fig.37 Fig.38 Fig.39 Fig.40 Fig.41 Fig.42 Fig.43 Fig.44 Fig.45 Fig.46 Fig.47 Fig.48 Fig.49 Fig.50 Fig.51 Fig.52

CRAWFORD, 1996. p.14 CRAWFORD, 1996. p.15 CRAWFORD, 1996. p.17 WALKER, 1996. p.123 CRAWFORD, 1996. p.18 JONES, 1990. p.30 CRAWFORD, 1996. p.16 CRAWFORD, 1996. p.25 HELLAND, 1996. p.93 ROBBINS, 1996. p.65 HELLAND, 1996. p.92 CRAWFORD, 1996. p.25 ROBBINS, 1996. p.75 ROBBINS, 1996. p.74 ROBBINS, 1996. p.67 CRAWFORD, 1996. p.23 WALKER, 1996. p.128 WALKER, 1996. p.130 WALKER, 1996. p.130 CRAWFORD, 1996. p.43 JONES, 1990. p.94 WALKER, 1996. p.134 GIROUARD. 1996. p.161 GIROUARD. 1996. p.162 GIROUARD. 1996. p.163 WALKER, 1996. p.136 CRAWFORD, 1996. p.150 GIROUARD. 1996. p.165 JONES, 1990. p.120 JONES, 1990. p.119 CRAWFORD, 1996. p.154 KIRKHAM, 1996. p.230 KIRK\HAM, 1996. p.231 KIRKHAM, 1996. p.233 CRAWFORD, 1996. p.55 JONES, 1990. p.139 KIRKHAM, 1996. p.238 CRAWFORD, 1996. p.86 CRAWFORD, 1996. p.86 CRAWFORD, 1996. p.92 CRAWFORD, 1996. p.109 JONES, 1990. p.168 CRAWFORD, 1996. p.112 JONES, 1990. p.168 MCKEAN, 1996. p.174 CRAWFORD, 1996. p.102 CRAWFORD, 1996. p.119 JONES, 1990. p.154 MCKEAN, 1996. p.192 JONES, 1990. p.159 KIRKHAM, 1996. p.251 CRAWFORD, 1996. p.165

8

Fig.53 Fig.54 Fig.55 Fig.55

CRAWFORD, 1996. p.171 KIRKHAM, 1996. p.258 CRAWFORD, 1996. p.168 CRAWFORD, 1996. p.90

9

Resumo Procurando trazer à luz a obra de Charles Rennie Mackintosh, um dos maiores e talvez o mais incompreendido dos artistas e arquitetos escoceses, buscou-se revelar principalmente o cenário fin de siécle em que se encontrava, e sua importância para a história da arte, arquitetura e design. De forma a revelar a intrigante realidade em que Mackintosh vivia, mostra-se o mundo da segunda metade do século XIX e a virada para o século XX. O Art Nouveau é contextualizado de forma a mostrar a relevância não apenas estética, mas social do movimento na Europa e em especial o caráter de ter se tornado uma resposta à necessidade de fuga da feroz modernidade que se estabelecia. É abordada também a sua história com o intrigante grupo “The Four” constituído, além de Mackintosh, pelo seu melhor amigo Robert Macnair e pelas irmãs Frances e Margaret Mcdonald, sua futura esposa, que com uma produção de objetos de arte e de artes decorativas com ares soturnos e sombrios ficaram conhecidos como a “Spook School” de Glasgow. Através de pesquisa bibliográfica e elaboração de hipóteses, a obra apresenta seus principais trabalhos como, The Glasgow School of Art, The Willow Tea Rooms, The Hill House e 78 Derngate. Estes são minuciosamente analisados com o objetivo de revelar preciosos detalhes muitas vezes nem sequer cogitados. Revelando-se desta forma os motivos pelos quais é considerado um dos pioneiros tanto do Funcionalismo quanto do Art Déco e por isso reverenciado como um dos maiores nomes na história da arquitetura.

10

Abstract Wishing to bring light upon Charles Renie Mackintosh’s work, one of the greatest, and maybe one of the most uncomprehended, scottish artists and architects, one tries to reveal specially the fin-de-siécle scenary in wich he lived, and his importance to the history or art, architecture and design. In order to reveal the intriguing reality in wich Mackintosh lived, the world of the second part of the 19th century and the beggining of the 20th is shown. The Art Nouveau is contextualized in order to reveal its relevance not only aesthetically but also its social importance in Europe, and specially its condition of representing an escape from the frightening modernity that was beeing established. Are also shown his relations with the intriguing group called “The Four”, constituted by his best friend Herbert Macnair and the two sisters Frances and Margaret Macdonald, his future wife, that with a production of art objects and decorative arts with gloomy feelings got known as “The Spook School”. Through bibliographical research and elaboration of theories the text presents his main works as The Glasgow School fo Art, The Willow Tea Rooms, The Hill House and 78 Derngate. These are closely analised looking foreward to revealing precious details sometimes not even imagined. Then revealing the porpouses of him beeing considered one of the pioneers of Functionalism and Art Déco and worshiped as one of the greatest names in the history of architecture.

11

Introdução Entre os séculos XVI até meados do XIX, as elites da Europa ocidental entraram num grande ciclo de crescimento tecnológico que lhes permitiu o domínio de grandes forças da natureza, novas e mais potentes fontes de energia, permitindo a criação de novos meios de transporte, comunicação armamento e conhecimentos especializados. Tal situação lhes permitiu um domínio hegemônico de boa parte do mundo, tendo se estabelecido sobre bases ideológicas que defendiam uma vocação para o conhecimento inerente à civilização européia. Desta forma vendiam a idéia de “ordem e progresso”, em que a assimilação gradativa dos valores europeus conduziria o mundo a um futuro racional, harmônico e abundante.1 Tal hegemonia levou ao crescente número de colônias, em especial na África e na Ásia, de onde saiu boa parte das inspirações formais e conceituais do Art Nouveau que serão abordados mais à frente. Por volta de 1870, quando ocorreu a Revolução Científico-Tecnológica, deu-se um grande salto no conhecimento técnico humano, com o desenvolvimento de aplicações da eletricidade, dos derivados do petróleo, criação das primeiras usinas hidro e termoelétricas, indústrias químicas, usinas siderúrgicas e dos primeiros materiais plásticos. Na mesma onda foram criados novos

meios

de

transporte

como

transatlânticos,

carros,

caminhões,

motocicletas, trens expressos e aviões, assim como novos meios de comunicação como o telégrafo, rádios, gramofones a fotografia e o cinema.2 É bastante relevante citar o cinema porque este encontra uma série de paralelos com o estilo em questão nesta obra. Segundo SEMBACH “É possível relacionar os dois fenômenos, visto que as suas bases foram semelhantes, os seus objetivos comparáveis e as suas ambições quase as mesmas. A imagem e o estilo em movimento são, duma maneira ou de outra, produtos da era 1 2

SEVCENKO, Nicolau p.14, 15 SEVCENKO, Nicolau p.15

12

industrial [...]”.3 Desta forma torna-se visível que além da relação íntima que ambos tinham com o movimento, o primeiro como inspiração estética e o outro como qualidade inerente á sua natureza, eram muito íntimos pelo fato de terem surgido quase simultaneamente: o cinema em 1985 e o Art Nouveau alguns anos antes4, e desta forma tornavam-se congruentes, e muito similares na forma como lidavam com as mentes de então. Guy Debord dizia que “essa indústria [a do entretenimento, na qual se inclui o cinema] se esforça por compensar o extremo empobrecimento da vida social, cultural e emocional, arrebatando as pessoas para uma celebração permanente das mercadorias, saudadas como imagens, como novidades, como objetos eróticos, como espetáculo, enfim.”5 Toda essa alegria, que tornou famosa a Belle Époque, nome dado ao período em que se deu o Art Nouveau que em francês quer dizer “bela época”, foi fruto da ilusão de poder absoluto criado na Europa por esse desenvolvimento desenfreado que acabou camuflando, por meio da euforia, os graves problemas sociais presentes na sociedade. Um complexo cenário de incongruências

sociais permeava os

sustentáculos da civilização européia. A cultura burguesa, já altamente estabelecida, criara uma intensa repressão sexual, formando gerações de pessoas frustradas e reprimidas, disseminando a hipocrisia e o falso moralismo. É um tempo de institucionalização, não só da prostituição, mas também da loucura e da marginalidade. Criam-se os hospícios, onde são isolados os considerados “anormais” pela burguesia, evitando ter que conviver com os que lhe são diferentes e que lhes causam desconforto e repulsa. São criados também o sistema penitenciário e o código penal, onde são punidos de forma normatizada aqueles que atentam contra a sociedade instituída, diferentemente do que ocorria antes, quando se tinha quase que somente prisões políticas. 3

SEMBACH, Klaus-Jürgen p.8 SEMBACH, Klaus-Jürgen p.8 5 SEVCENKO, Nicolau p.81 4

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Estes indícios revelam o estado de hipocrisia e repressão que se havia estabelecido socialmente. Tais circunstâncias criaram seres humanos que necessitavam sonhar e idealizar um mundo melhor, um mundo de uma natureza fantástica. Assim, no Art Nouveau, se dá uma idéia de fuga em que, para escapar dos absurdos do mundo real, faz-se a opção de deleitar-se em uma estética fantástica, e em alguns momentos até alienante: o Art ouveau, assim como todas essas formas de institucionalização de aspectos desagradáveis á burguesia, era uma forma dela evitar enxergar a realidade que a rodeava.

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Capítulo 1 O princípio do Movimento Moderno: a sociedade e o imaginário Art Nouveau A virada do século XIX para XX foi caracterizada por um movimento bastante peculiar carregado de símbolos, saudosismo e ornamentos, que, não só literalmente, mas metaforicamente, dialogava diretamente com o imaginário do homem moderno. Tratava-se do Art Nouveau. Tal estilo, muito mais do que um movimento artístico, em verdade foi a manifestação física do que se passava nas mentes de então e uma resposta direta aos anseios mais intrínsecos e peculiares dos homens contemporâneos. O Art Nouveau era naturalmente híbrido, nas suas formas, nas suas manifestações, nos seus diálogos com as culturas regionais e na sua história. Em cada país onde que se manifestou configurou-se de maneiras absolutamente diferentes entre si, sendo às vezes até difícil obter uma definição que abarcasse todas as diferentes formas do estilo encontradas por todo o velho continente. Entretanto, existem cinco características universais do movimento: 1) a temática naturalista (flores e animais); 2) a utilização de motivos icônicos e estilísticos, e até tipológicos, derivados da arte japonesa; 3) a morfologia: arabescos lineares e cromáticos; preferência pelos ritmos baseados na curva e suas variantes (espiral, voluta etc), e, na cor, pelos tons frios, pálidos, transparentes, assonantes, formados por zonas planas ou eivadas, irisadas, esfumadas; 4) a recusa da proporção e do equilíbrio simétrico, e a busca de ritmos “musicais”, com acentuados

desenvolvimentos

na

altura

ou

largura

e

andamentos geralmente ondulados e sinuosos; 5) o propósito

15

evidente e constante de comunicar por empatia um sentido de agilidade, elasticidade, leveza, juventude e otimismo.”6 Entretanto, mais do que tudo isso, a verdadeira essência do Art Nouveau está no fato de atender diretamente às expectativas e anseios dos homens de então e ser fruto de seus sonhos. Fruto de uma série de anseios e medos, criados pelos fatos já citados, o Art Nouveau dialogava diretamente e apresentava o autêntico espírito da modernidade e, desta maneira, provava-se absolutamente ambíguo: ao mesmo tempo em que era um entusiasta dessa modernidade, se apresentava como uma fuga dela. Segundo FAHR-BECKER “As violentas transformações do virar do século[...] constituíram o embrião de toda uma série de idéias que ainda hoje se mantêm atuais”7. Tendo surgido em um cenário extremamente impetuoso de novidades tecnológicas, políticas e sociais o homem de então, naturalmente assustado pelas novidades buscou refúgio nos lugares já conhecidos, familiares e aconchegantes, encontra-se então com a natureza, numa espécie de neo-romantismo, influência que será esclarecida mais adiante. Segundo ARGAN “O ambiente visual que o Art Nouveau tece em torno da sociedade não só favorece sua atividade, como também lhe oferece um reconforto em sua labuta, fornecendo-lhe uma imagem idealizada e otimista: a nascente civilização das máquinas não a condena a um mecanicismo obscuro e opressor, pelo contrário, libertando-a da necessidade e do trabalho, permitirá que ela plane nos céus da poesia” e era exatamente nisso que a sociedade precisava acreditar para não perecer frente às aflições que tinham em relação à modernidade. A despeito de apresentar objetos dotados de formas extremamente saudosistas, o estilo se mostrava inovador e experimental, provando-se desta forma altamente dicotômico. Permeava toda a sociedade burguesa: de um lado a alta burguesia consumia os arquétipos, produzidos por artistas e artesãos qualificados em materiais nobres, enquanto de outro a pequena e média 6 7

ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna p.199 e 202 FAHR-BECKER, Gabrielle

16

burguesia consumia produtos do mesmo tipo, mas banalizados pelo processo industrial.8 1.1 O Nascimento do Art Nouveau e suas origens no Arts & Crafts Uma série de eventos contribuiu para a elaboração de idéias e formas inovadoras que culminou no que viria a ser chamado de Art Nouveau. Para se esboçar o cenário que levou ao surgimento do estilo é imprescindível falar do movimento Arts and Crafts. No século XIX, John Ruskin atacou violentamente o estilo histórico, suas idéias foram adotadas por William Morris. Esses dois homens desenvolveram teoria e conseqüentes práticas em que na criação artística não deveria haver uma divisão de trabalho, separações entre as belas artes e as artes aplicadas, nem uma hierarquia entre planejador e executor. Ao pensar a produção desses itens de uma forma inteiramente artesanal, sem o auxílio de máquinas e com a execução aliada ao planejamento, têm-se produtos de valor muito alto, trazendo por terra o seu ideário socialista de prover a toda a sociedade produtos de qualidade impecável e artesanal. A dupla rejeitou toda a ornamentação renascentista presente até então e começou a desenvolver o seu próprio repertório ornamental: retirando da natureza a inspiração para a sinuosidade e curvas excêntricas que, mais tarde, seriam levadas às últimas conseqüências pelos artistas Art Nouveau. Apesar de o Arts and Crafts, inspiração primordial para o Art Nouveau, ter surgido na Grã-Bretanha, a Arte Nova teve poucas manifestações em solo britânico. Em verdade os seguidores de Morris rejeitavam em absoluto o movimento que, segundo eles, tratava-se de um excesso de ornamentos desnecessários e negavam que tivessem tido qualquer influência sobre tal, acreditando ser algo tão discrepante em relação aos seus ensinamentos que nada poderiam ter em comum.

8

ARGAN, Giulio Carlo p.199

17

A despeito de negarem sua influência sobre o Art Nouveau ela é decisiva e muito clara no que diz respeito à forma e algumas idéias sociais. Os praticantes da Arte Nova acreditavam que o dever do artista é criar a imagem de um mundo de felicidades e levar a todos as belezas universais.9 Apesar disto era altamente elitizado, sendo consumido, como dito antes, apenas pelas estratificações burguesas da sociedade. A nova “primavera” invade os centros de negócios e os bairros residenciais, mas interrompe-se ao se deparar com os subúrbios repletos de fábricas e habitações operárias.

1.2 As Influências O Art Nouveau, inovador e engajado na elaboração de uma nova estética que falasse diretamente ao homem moderno, buscou deliberadamente, e ás vezes recebeu involuntariamente, uma série de influências que o moldaram. A principal veio do Japão, remontando a 1862 quando o país expôs pela primeira vez na Exposição Mundial de Londres. O mobiliário exposto depois foi vendido pela firma Farmer and Rogers administrada por Arthur Lasenby Liberty, que mais tarde seria o proprietário da Liberty & Co em Londres, uma das principais vendedoras e divulgadoras dos movimentos Arts and Crafts e Art Nouveau. Desde então o interesse pelo extremo oriente só fez crescer, tornando-se um celeiro de inspiração para artistas como Beardsley, Eckmann e ToulouseLautrec que cultivaram uma japonaiserie enquanto que Bing, Tiffany e Liberty, nomes poderosos nas artes, colecionavam artigos originais que se tornavam modelos para as novas criações.10 As idéias formais do Japão foram altamente incorporadas e sua identificação é bastante clara. Na pintura permitiu-se organizar as figuras mais livremente no espaço tendo esta possibilidade a partir da eliminação da perspectiva central, além de adotar uma linha do horizonte alta. Nos demais campos fez-se uso de figuras alongadas e elegantemente distribuídas no espaço. Neste momento havia um rompimento com o estilo tradicional europeu 9

BARRILLI, R MADSEN, S. T. p.60

10

18

de separar texto e imagem, ambos agora se fundiam, associados à utilização vertical de tipografias. Mas talvez o que mais tenha influenciado o movimento tenha sido a elegância na utilização das linhas: força vital do movimento.11 O interesse pelo Japão, apesar de ser o maior, foi apenas um na onda do exótico na Europa. O imaginário do europeu era seduzido pelo exotismo, primitivismo, orientalismo e até pelo Egito.12 Foram praticadas principalmente releituras de formas oriundas das colônias subjugadas a países europeus, numa espécie de engrandecimento patriótico sobre culturas consideradas “primitivas” e subjugadas pelas metrópoles européias. Sendo este um fruto inconsciente das necessidades já citadas do assustado homem moderno de refugiar-se no que lhe é confortável e conveniente, neste caso sobrepujar-se a culturas

que

considera

inferiores,

exaltando

sua

autoproclamada

grandiosidade. Clay Lancaster dizia que os países europeus consideravam “o orientalismo como um subproduto do novo orgulho imperialista pelas suas possessões territoriais[...]”13.

1.3 As Denominações do estilo Com sua rápida disseminação, o estilo gradualmente foi assumindo uma série de denominações como: Paling stijl (paling, enguia em flamengo) e Style Nouille (estilo espaguete) na Bélgica. Também foi conhecido por Mouvement Belge e Ligne belge. Na Alemanha além da designação mais conhecida: Jugendstil (estilo jovem) que substituía nomes como Neu Stil (novo estilo) e Neudeutsche Kunst (nova arte alemã), surgiu uma série de nomes bastante curiosos e até um tanto depreciativos como: Schnörkelstil (estilo enrolado), Bandwurmstil (estilo bicha-solitária), Wellenstil (etsilo vaga), belgischer Bandwurm (bicha solitária belga) gereizter Regenwurm (minhoca inesperada) e moderne Strumfbandlinien (nova linha de suspensórios). Além disso o estilo foi muito associado à artistas influentes do movimento: Stil Van de Velde na 11

MADSEN, S. T. Art Nouveau p.62 MADSEN, S. T. Art Nouveau p.62 13 MADSEN, S. T. Art Nouveau p.63 12

19

Alemanha (devido ao arquiteto belga Henry Van de Velde), e em outros países Style Horta e Style Guimard (respectivamente citando os artistas Victor Horta e Hector Guimard).14 Outro nome bastante curioso foi o dado por Edmond Goncourt: Yachting Style, isso porque segundo ele o estilo era “copiado das vigias de um navio”15 É interessante como, apesar da pouca produção inglesa com o estilo, muitos dos nomes do movimento são associados ao país, onde surgiram os primeiros embriões por meio do movimento Arts & Crafts e dos pré-rafaelitas, que, apesar de não admitirem, considerando o Art Nouveau uma completa deturpação dos preceitos por eles estabelecidos, foram uma inspiração fundamental para o florescimento do estilo. Nos primeiros anos os franceses chamavam-no, além de Genre Anglais (Gênero Inglês), de “Modern Style” (com pronúncia inglesa) “a fim de nos lembrar a sua origem inglesa” escrevia uma especialista em 1901.16 Na Itália, além de Sitle floreale também era conhecido por Stile Inglese (estilo inglês) ou Stile Liberty (por causa da loja inglesa “Liberty & Co.”, como já dito, uma das maiores entusiastas do movimento). Na Áustria foi conhecido como Sezessionstil (estilo Secessão) por causa da Secessão Vienense ou Wiener Sezession, união de artistas radicais fundada em 1897, um dos temas dessa obra, que mais adiante será abordado com maior profundidade. Outros dois nomes franceses, dignos de atenção, são: Style Metro citando as icônicas entradas do metrô de Paris desenhadas por Hector Guimard e Style rastaquouère (estilo aventureiro internacional).17 Apesar do repúdio de boa parte do público e da crítica que desprezava o estilo e, como visto, criava inclusive nomes insultuosos, próximo ao Natal de 1895 14

15

MADSEN, S. T. Art Nouveau p.28, 29

MADSEN, S. T. Art Nouveau MADSEN, S. T. Art Nouveau 17 MADSEN, S. T. Art Nouveau 16

p.29 p.29 p.30

20

dava-se um passo em direção ao estabelecimento não só de um nome, mas do estilo como um todo. O marchand Samuel Bing fundava em Paris uma loja chamada “Art Nouveau” que vendia móveis, tapeçarias e outros objetos no novo estilo avant-garde.18 À cerca dela ele dizia: “Quando nasceu, o Art Nouveau não tinha pretensão de ser um termo genérico. Era, simplesmente, o nome de um estabelecimento, aberto como lugar de encontro para a juventude desejosa de mostrar o seu ponto de vista moderno.”19 1.4 O Cenário Arquitetônico de Glasgow O Cenário arquitetônico em Glagow se estabelecia de forma bastante uniforme nessa época, durante o século XIX até a virada para o XX. Era uma cidade quase inteiramente construída em pedra e tradicionalmente clássica. Apesar de em meados dos anos 1850 na maioria das cidades do Reino Unido as novas tecnologias e as mudanças de gosto suscitarem o surgimento de novas idéias que desbancariam o clássico, Glasgow se mantinha fiel à sua tradição.20 Seu Classicismo se impunha com uma força monumental até chegar ao ponto de se fragmentar mas ainda assim se manter presente na influência sobre construções no estilo da renascença italiana respondendo às necessidades locais de novas estéticas. A questão do Clássico é bastante complexa e levanta uma série de questões que não dizem respeito às pretensões deste texto. No entanto, para se ter uma compreensão maior do tema deste é preciso algumas elucidações à cerca dessa dialética arquitetônica. Muitas vezes o clássico é confundido com a renascença italiana. O primeiro, que vem sendo reeditado desde as suas origens, primeiro em Grécia e, depois relido em Roma, tem formas praticamente idênticas à originais dessas antigas civilizações: colunas, frontões triangulares, arcos romanos, pouca ou nenhuma utilização de cor e mantendo sempre a austeridade e 18

MADSEN, S. T. Art Nouveau MADSEN, S. T. Art Nouveau 20 CRAWFORD, Alan p.12 19

p.30 p.30

&

BARILLI, R. Art Nouveau p.10

21

robustez. O segundo estilo, a renascença italiana, a olhos menos treinados pode inclusive em alguns casos, dependendo do lugar e do momento histórico em que se dá, confundir-se com uma espécie de ecletismo, tendo como elementos muito característicos: ornamentação exagerada com muitos altos relevos geralmente com temas mitológicos às vezes fazendo uma narrativa com essas figuras, curvas e imagens dramáticas, repleto de vivacidade. Essa simbiose ocorre por meio dos caminhos históricos que vem desde a renascença. Neste período, pós-feudal, se descobria novamente, após um milênio em trevas de ignorância, a grandiosidade humana. A sociedade tornava-se antropocêntrica. Constitui-se aqui um problema estilístico, tinha-se uma sociedade recém desperta de um longo sono evolutivo, despreparada mas que havia feito muitas descobertas em todos os campos do conhecimento humano entretanto não possuía uma forma estética para representar este valioso instante histórico. A alternativa foi retornar à antiguidade clássica que, assim como a nova sociedade ocidental, colocava a figura humana como principal tema artístico e científico. Desta maneira assumem essas idéias muito antigas e a elas dão nova leitura proporcionada pelas novas tecnologias e teorias das ciências humanas. Este episódio não poderia ter-se dado em outro lugar se não na Itália. Primeiro pelo seu fator geográfico por ser um porto e assim como Glasgow no século XVI em diante, receber muitas influências externas, tanto do ocidente quanto oriente, que não teve idade média, portanto com quase um milênio à frente em termos de tecnologia. Os países do norte, em especial a Alemanha, tiveram pouca sequer alguma renascença pois enfrentava questões sociais mais dramáticas como a revolta protestante. Além de esta ser uma reviravolta social que roubava toda a atenção para si, ao se estabelecer como nova religião oficial destes países não permitia o culto de imagens, podando pela raiz a estética do renascimento. Tardiamente esses países, com o passar dos anos e conseqüente afrouxamento das idéias mais radicais, começaram a importar esses estilos 22

para suprirmir o vácuo desses anos do quase minimalismo protestante. Primeiro instituíram o clássico original, com características que se adequavam à essas culturas do norte, racional, frio e altivo. Esse estilo foi praticado ao extremo até chegar a um ponto (momento histórico trabalhado nesta obra), na segunda metade do século XIX em que se saturou tendo que dar lugar à dramaticidade da renascença italiana, que apesar de ainda muito distante, estava alguns centímetros mais próxima da modernidade que dava os primeiros sinais de vida. Um dos maiores nomes do classicismo de Glasgow, tão clássico que o estilo foi anexado ao seu nome como um apelido Alexander “Greek” Thomson, morreu em 1875 e diz-se que essa tradição da cidade quase morreu com ele.21

Fig.1: The Athenaeum por John James Burnet, 1886

Em 1880 a arquitetura local começava a se tornar um pouco mais plural. Essa nova direção foi ilustrada por dois edifícios: o The Athenaeum (1886) de J.J. Burnet e o The Central Hotel (1879-1884) de Rowand Anderson. O primeiro, apesar de ter uma aparência absolutamente clássica, coerente com a finalidade de biblioteca do edifício era precursor de idéias muito inovadoras. Sendo o principal expoente britânico da abordagem racional e prática do edifício, ele acreditava que estilo era apenas uma questão de “vestimenta” 21

CRAWFORD, Alan p.14

23

apropriada e a elevação era necessária para revelar a clara expressão do plano geral,22 o que viria a ser defendido por arquitetos funcionalistas algumas décadas depois no início do século XX. O segundo trazia uma nova tendência na arquitetura de Glasgow, mas que em essência permeava toda a Europa, que como já dito, retornava à temática do familiar e principalmente de sua releitura, como fuga de tempos obscuros e amedrontadores. Fala-se aqui do Free Style. Um estilo que na Grã Bretanha como um todo buscava referências na arquitetura histórica local.

Fig. 2: Institute of Chartered Accountant’s por John Belcher, Londres, 1888-93

Nos anos 1870 e 1880 começavam a enfraquecer o clássico e o gótico, apesar do segundo ainda ser muito utilizado na construção de igrejas em uma variação refinada e muitas vezes inventiva. Começavam a surgir variações de caráter mais eclético com um apelo de arquitetos progressistas inspirados no Renascimento alemão e flamengo, arquitetura inglesa do tempo de Christopher Wren, e ainda, mais tarde, o barroco.23 22 23

CRAWFORD, Alan p.14 CRAWFORD, Alan p.14

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O The Central Hotel combinava o gosto escocês com uma certa liberdade e variedade o que o enquadrava nessa nova tendência, ou estilo que chegou a ser chamado de “Old English” e “Queen Anne” mas que ficou conhecido mesmo por “Free Style”. Seu nome já revela o seu espírito: o de liberdade. Todas as influências eram permitidas, aceitas e postas em prática. Inclusive, segundo os líderes desta tendência - Richard Norman Shaw, John Belcher, Philip Webb, J.D. Sedding - o ecletismo era um veículo de liberdade, uma verdadeira e prática forma de modernidade.24 Na escócia o estilo Baronial, que retirava inspiração dos castelos e torres escoceses do século XVI e XVII, tinha aspirações similares, mas com uma carga nacionalista muito mais intensa.25

1.4 O Cenário Social de Glasgow Desde a idade média Glasgow foi muito grande e poderosa e um importante centro de conhecimento. A cidade então, herdeira deste passado glorioso, enfrentava mudanças ainda maiores que as do resto do continente europeu no século XIX. Havia uma atmosfera de intensos estímulos físicos e visuais que muitas vezes, em certos casos até imperceptivelmente geravam, depressão, medo ou até excitação.26 Em se tratando de uma cidade costeira, em uma localização privilegiada, comandava boa parte das principais rotas comerciais da época, tornando-se um centro de poder e

de circulação de mercadorias, pessoas, e

conseqüentemente conhecimento, um lugar onde os horizontes mentais eram constantemente expandidos.27 Essa situação era muito conveniente para todos. A burguesia local tinha suas preciosas rotas sob controle, e a população como um todo era beneficiada do 24

CRAWFORD, Alan p.14 CRAWFORD, Alan p.16 26 KAPLAN, Wendy, p.32 27 KAPLAN, Wendy, p.36 25

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conhecimento gerado lá. Era uma cidade sofisticada e cosmopolita. Para vender esta idéia os detentores do capital de Glasgow investiam pesado na realização de exposições internacionais. Na cidade, ao todo, ocorreram três, em 1888, 1901 e 1911.A segunda foi a maior da Grã-Bretanha e chegou a reunir 11 milhões de visitantes. A despeito de ser tão cosmopolita, ou talvez exatamente por isso, as classesmédias da cidade eram altamente estratificadas indo dos espetacularmente ricos a uma massa de trabalhadores clericais, lojistas e suas respectivas famílias. Dessa maneira, nenhum estilo arquitetônico ou de design poderia agradar a todos, assim, a arquitetura local, altamente qualificada provia uma grande variedade de estilos à população, lançando mão de um ou outro conforme fosse necessário.28 A burguesia de Glasgow era precária, um grupo volátil que escasseava os antigos indicadores de status como conexões familiares, posses de terra etc, pois o controle econômico da cidade estava na propriedade do capital e do trabalho, bens mais abstratos que não denotam os valores tão almejados e materiais da burguesia de qualquer lugar. Além disso os membros dessa estratificação eram muito diferentes entre si, não possuindo uma estética e um gosto do qual compartilhassem. Desta maneira entregaram-se a uma dramática objetivação no uso de artefatos de moda e possessões materiais altamente perecíveis, que por isso mesmo denotavam o poder de compra dos portadores desses símbolos. Segundo L. Smith em sua obra “Northern Sketches or Characteristics of Glasgow”: “Saltaram para uma extravagância ilimitada, e fizeram da moda seu modelo em tudo – suas casas, seus móveis, suas roupas, seus gostos, suas opiniões.”29

28 29

KAPLAN, Wendy, p.42 KAPLAN, Wendy p.44 apud SMITH, L

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Capítulo 2 Um Gênio em Formação Neste cenário onde se instituiu esta típica expressão do espírito modernista, o Art Nouveau30, surgiu uma grande mente chamada Charles Rennie Mackintosh. Oriundo de Glasgow, cidade escocesa conhecida como “The Second City” do Império Britânico31, Mackintosh será reconhecido postumamente como uma das grandes personalidades da virada do século e um dos maiores e mais influentes arquitetos de toda a história. Filho de um policial, praticante amador de jardinagem, e de uma donade-casa, cresceu cercado por 11 irmãos, em um ambiente acolhedor especialmente para ele: único filho homem a sobreviver tendo em vista a morte inesperada na América do Sul de seu irmão mais velho, que fora trabalhar como marinheiro. MacIntosh32 (sic) era dotado de características muito marcantes, não só profissionalmente, mas também pessoalmente, um delas era o fato de ser manco. Reza a lenda das Highlands escocesas, lugar de origem do clã dos MacIntosh, que essa característica é uma maldição que aparece a cada sete gerações e que vem acompanhada de uma dádiva amaldiçoada. Será essa dádiva talvez o seu talento como arquiteto, que apesar de ter sido sua glória, foi também sua derrocada?

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ARGAN, G.C. p.199 JONES, Anthony p.8 32 MacIntosh é a grafia original do nome família, no entanto, em uma situação posterior, que será ilustrada à frente, Charles mudaria a grafia de seu para a forma como ficou conhecido até hoje: Mackintosh. A forma adotada por ele é a que será utilizada nessa obra. 31

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Fig. 3 William MacIntosh ao centro na foto do time de cabo-de-guerra da polícia de Glasgow

A genética não só lhe conferiu essa variante, mas também herdou de sua mãe a fragilidade e a beleza morena.33 Sem dúvida o pequeno Charlie, agora único filho homem, era seu queridinho. Além de mancar tinha uma leve queda na pálpebra esquerda fruto de um jogo de futebol sob forte chuva. O episódio evoluiu de um resfriado para uma febre reumática que o fazia tremer muito. O produto de tudo isso foi um sutil defeito nesta parte de seu frágil corpo, o que lhe conferia, conforme crescia, um ar levemente malévolo e um incrível efeito atrativo sobre as mulheres.34 Nascido em 7 de Junho de 1868, sob o signo de Gêmeos tratava-se de uma criança tímida que se recolhia em seu mundo particular, desde cedo já demonstrando o quão ligado á sua época o era. Por indicações médicas de que deveria praticar exercícios diariamente por causa de suas particularidades físicas, acostumou-se a andar sem rumo pela cidade e seus arredores. Passava seus dias desenhando tudo o que via, passatempo que mais tarde o faria ser comparado a Rafael, por seu futuro chefe Andrew Black.35 Apesar de não ter restrições quanto aos temas retratados, tinha um apreço especial pela natureza: passava horas observando-a junto a seu pai no pequeno espaço de 33

CAIRNEY, John p.22 CAIRNEY, John p.23 35 CAIRNEY, John p.37 34

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terra que tinha e que chamavam de “The Garden of Eden” (O Jardim do Éden). Lá seu pai William MacIntosh criara uma pequena horta que o ajudava a alimentar a grande família, como também a exercitar sua paixão: a jardinagem e a manter sua casa sempre cheia de flores. Charlie era o protegido das irmãs e principalmente de sua mãe: Mrs. Margaret MacIntosh de quem herdara além das características já citadas, seu nome de solteira: Rennie. Era um menino sozinho, sem grandes amigos até entrar para a Glasgow School of Art. Pelas evidências não se incomodava com esta solidão: seus blocos de desenho lhe bastavam e eram muito mais do que bons amigos; eram o florescer de um artista que viria a torcer, de maneira sublime, encantadora e absolutamente incompreendida, os valores de arquitetura que o mundo conhecia até então. Talvez por ser tão querido de sua mãe e irmãs e tendo um pai forte unindo a todos, tenha se tornado mimado e freqüentemente petulante e explosivo. Em dados momentos protagonizava sessões de histeria raivosa muitas vezes por problemas simples que não conseguia resolver de forma moderada. Em 1875 quando começou sua vida de estudante na John Reid’s Public School fez poucos amigos e parecia sempre estar sozinho, mas ele considerava isso irrelevante tendo essa forte estrutura familiar que o apoiava. Esses surtos de cólera talvez ocorressem por que apesar de na maior parte do tempo ser um menino quieto, em alguns momentos até soturno, antes de tudo era uma criança com muita energia acumulada. Desta forma erigia-se um monólito vertical e muito frágil, apesar de aparentemente estável, que em dados momentos desabava transformando-se em ruínas de um homem brilhante, para depois reconstruir-se novamente: característica que carregaria até o fim de seus dias. Pesquisas póstumas revelam que ele inclusive poderia ter sofrido, talvez em um grau menor, da síndrome de Asperger, uma variante mais branda do autismo clássico.36 Se levarmos em conta como o Dr. Asperger, primeiro sintetizador da síndrome, nos descreve a disfunção, talvez 36

CAIRNEY, John p.26

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ela tenha ajudado Charlie na sua carreira de artista. Segundo o médico, uma leve dose de autismo é necessária na formação artística ou científica de um ser humano, pois dessa forma consegue desvencilhar-se do mundo comum, concedendo-lhe uma visão mais ampla no campo das idéias. Até 1877 estudou em escolas comuns, sempre carregando as características de Asperger, quando foi transferido para a escola Allan Glen’s High School: um estabelecimento particular para filhos de comerciantes e artesãos onde, além das matérias comuns, possuía uma oficina técnica para trabalhos em madeira e metal, o que viria a dar bom encaminhamento para o seu talento natural para o desenho. Geralmente os alunos saíam desta escola aos 14 anos, mas para as famílias que pudessem pagar, eram oferecidos mais dois anos de treinamento específico. Charles fez bom uso dos seus anos nas oficinas da escola, onde talvez, pela primeira vez tenha surgido a idéia de se tornar um arquiteto.37 Nessa ocasião, ao ser informado pelo filho de 15 anos do desejo de se tornar arquiteto, o policial Mr. William McIntosh, agora com um cargo mais elevado na polícia, não deve ter demonstrado muito entusiasmo com a notícia. O homem que sonhara com uma carreira igual à sua para seu filho deve ter se desapontado e se questionado como encararia socialmente a idéia de ter um filho artista. Apesar disso, aceitou a decisão do filho e, não se sabe como, mas provavelmente por meio de suas influências e contatos, Charles conseguiu um cargo de aprendiz no escritório de arquitetura de John Hutchinson, onde trabalharia durante o dia. O escritório não fazia parte do seleto grupo de grandes arquitetos de Glasgow, como James Burnet, que mostrava toda a sua habilidade no uso de ornamentos adquiridos a partir da sua educação francesa; Thomson, um aficionado pela Grécia; Sellars, que flertava com o Egito, e Wilson que buscava referências na Inglaterra. Já John Honeymann, futuro chefe de Mackintosh, tinha toda a rigidez de um homem cristão no desenho de suas igrejas, apesar 37

CAIRNEY, John p.27

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de não ser desprovido de um certo tipo de inovação à sua própria maneira, prova disso é seu Ca’d’oro Building em ferro e vidro.38 Apesar de seu local de trabalho não esbanjar renome, isso não impediu Mackintosh de executar um trabalho muito qualificado. Como conseqüência, lhe foram dados mais trabalhos logo de início, aumentando sua experiência. Além disso, Charles desfrutava de uma relativa segurança: por estar em um escritório menor lhe era permitido o erro ocasional de um aprendiz. Em 1883, seu primeiro ano de trabalho, suas noites às terças, quartas e quintas-feiras e ocasionalmente aos sábados de manhã eram preenchidas com aulas na Glasgow School of Art, onde começou com cursos de desenho e ornamentação. Esse rígido cronograma de trabalho diurno e estudo noturno cobrou muito do jovem artista de apenas 15 anos. Apesar dos estáveis rumos que sua vida tomava, em 1885 a mãe de Charlie, Margaret, morre aos 48 anos no dia 9 de Dezembro, com o filho à beira de sua cama. Inconsolável, o menino havia rasgado metade da roupa que tinha no corpo e passava parte dos dias encostado no batente das portas, como se esperasse sua mãe passar. No ano seguinte ao falecimento de sua mãe, como se a vida tentasse lhe consolar dando-lhe uma nova companheira logo depois de ter-lhe tirado a primeira e maior de todas, Mackintosh começa a estudar arquitetura elementar na Glasgow School of Art com o professor Thomas Smith. E, por incrível que pareça, é nesse período que esboça a Catedral de Glasgow, um dentre seus inúmeros grandes projetos não executados. Em 1889 Mackintosh deixou o escritório de Hutchinson e fui substituído por outro aprendiz: W.J. Blane, que depois de 60 anos relatou o quão fascinante eram os projetos de capitéis jônicos de Charles e o quão absurda era a idéia de terem sido executados por um menino de apenas 16 anos no seu 38

CAIRNEY, John p. 36.

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primeiro ano como aprendiz. Em suas próprias palavras eram trabalhos: “surpreendentes em sua vivacidade, vigor e originalidade”. Infelizmente alguns anos depois esses trabalhos sucumbiram a um incêndio, apagando os registros de sua juventude na arquitetura. Ao concluir o curso de arquitetura da Glasgow School of Art e deixar seu primeiro escritório, onde trabalhou por 5 anos, conseguiu um emprego no escritório de arquitetura Honeyman & Keppie onde conheceu seu primeiro grande amigo, colega e futuro concunhado Herbert McNair. Os dois jovens aprendizes, ambos com 21 anos, davam ao tradicional escritório o frescor do qual este escasseava. John Keppie, sócio da firma, apesar de ser apenas seis anos mais velho que Mackintosh era acometido pela rigidez dos estilos vigentes então. No ano anterior Keppie juntara-se a Honeyman, pois este, apesar de ser um arquiteto de grande nome na cidade, havia perdido muito dinheiro nesta década e portanto considerou a possibilidade de aceitar um sócio em sua firma. A entrada de Keppie, apesar de seus humildes 27 anos, não deve ter sido das mais complicadas, tendo em vista que seu pai era um rico comerciante na cidade, injetando assim capital e novos clientes no escritório. Além dos fatores econômicos Keppie tinha um currículo invejável para sua idade e havia estudado com James Sellars, o último dos clacissistas de Glasgow.39 Apesar da separação hierárquica entre Mackintosh e Keppie, tinham apenas seis anos de diferença e seus trabalhos se complementavam de forma que a maioria dos projetos da primeira metade da década de 1890 são frutos dessa parceria como revelam indícios estilísticos.40 Esse começo da carreira de Mackintosh coincidiu com o afrouxamento da rigidez clássica de Glasgow, como elucidado no capítulo anterior.

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CRAWFORD, Alan p.12 CRAWFORD, Alan p.13

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Em 1890, em homenagem ao falecido Alexander “Greek” Thomson, foi organizado um concurso que daria ao vencedor uma bolsa de £60 para uma viagem de 3 meses para se realizarem esboços e anotações. Mackintosh se inscreveu com o projeto “A Public Hall”. Absolutamente grego, pesado e bem acabado, fazia parte do hall de inúmeros desenhos especulativos de concursos do qual participou. Eram desenhos rígidos e até impessoais, fugindo muito das características do Mackintosh posterior. Em geral esses projetos ficavam muito atrás dos promissores sketches que realizava em viagens pessoais no fim dos anos 1880, sem o rigor e a formalidade que o aprisionavam na situação dos concursos.41 Apesar dessas considerações, que só podem ser feitas após o conhecimento da obra de Mackintosh como um todo, seu projeto estava dentro do que os organizadores do concurso esperavam e venceu. Fica muito claro que Charles tinha consciência dessas expectativas. Conhecia o trabalho de Thomson e a importância de sua arquitetura, e por tal sabia que o que se esperava dos participantes de um concurso em sua homenagem seriam desenhos aos seus moldes: clássicos e rígidos. Provavelmente fugia das ambições estéticas que Mackintosh tinha em mente, mas queria vencer o concurso então teve de fazer concessões.

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CRAWFORD, Alan p.12

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Fig.4: Desenho de Mackintosh para o concurso em homenagem a Alexander Thomson

Em 10 de Fevereiro de 1891, 5 semanas antes de realizar sua viagemprêmio, deu uma palestra sobre Scotch Baronial Architecture na Glasgow Architectural Association. Essa situação nos revela que sua simpatia realmente jazia nessa que ele considerava a tradicional arquitetura de Glasgow que posteriormente viria a praticar à sua maneira particular e não no classicismo, ao qual teve que se render em algumas situações como a do concurso de Thomson. Segundo ele pode-se aprender a amar os trabalhos da Grécia e Roma, mas eles são estrangeiros em espírito e muito distantes. Uma de suas anotações para a palestra dizia “ Como é diferente o estudo da Scottish Baronial Architecture. Seus exemplos estão às nossas próprias portas... os monumentos de nossos próprios antepassados, os trabalhos de homens carregando nossos próprios nomes...”42 Em 21 de Março de 1891 Mackintosh partiu rumo à Itália. O jovem artista que nunca havia saído da Grã-Bretanha agora estava indo rumo às obras dos 42

CRAWFORD, Alan p.16

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grandes mestres. Ao chegar em Nápoles no dia 5 de Abril, visitou principalmente igrejas e museus, sempre desenhando e à noite escrevendo em seu diário. A pobreza no país o surpreendeu. Em dado momento escreveu em seu diário: “italianos mendicantes”. Em uma palestra posterior chegou a dizer que “Nápoles é melhor à distância” e que havia mais de Pompéia no museu de Nápoles do que nas próprias escavações. Revelando-se assim uma certa decepção em relação à Itália.

Depois visitou a Sicília. Durante a maior parte do tempo de sua viagem foi atraído principalmente por obras do começo do cristianismo, medievais e do começo da renascença e aos detalhes e à decoração mais do que planejamento e estrutura dos edifícios.

Fig.5: Desenho de um poço em Veneza, 6 de junho de 1891

Seguiu por Roma, passando em seguida por Orvieto, Siena, Florença, Pisa, Ravenna, Ferrara, Veneza, Pádua, Verona. Ao chegar em Cremona, em junho, já estava cansado e forçava-se a desenhar. Seguiu por Brescia, Bergamo, Como e Pavia retornando no princípio de julho.

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Cruzar a fronteira da Itália e conhecer suas construções representava para muitos artistas o início de novas fases em suas carreiras, fontes de inspiração, recriação de conceitos etc. Para Charles, apesar de ganhar primeiro lugar na exposição de estudantes da Glasgow School of Art com suas aquarelas italianas e por alguns anos ainda revirar seus cadernos de desenhos buscando inspirações e referências, a viagem não o mudou tanto quanto aos demais e a Itália não teve tanta influência sobre seu trabalho. Talvez tivesse ido cedo demais.43 Charles retornou a Glasgow no verão de 1891 ao apartamento em que crescera em Firpark Terrace. Mas continuariam a residir lá por pouco tempo pois a família estava para crescer. Mudaram-se no ano seguinte para uma casa-terraço no número 2 de Regent Park Square, uma rua muito respeitável ao sul de Clyde. O agora viúvo William MacIntosh, pai de Charles, fora promovido a superintendente em 1889 contando assim com um salário um pouco melhor. Essa situação veio a ser muito conveniente pois em 8 de julho de 1892 casou-se com a viúva, e melhor amiga de Margareth MacIntosh, Christina Forrest. Christina tinha 37 anos e seu marido morrera havia 7. William tinha 56 e sua esposa havia morrido há 9. Sendo a melhor amiga da Mrs. MacIntosh, a nova madrasta já era bem conhecida da família, e os dois viúvos foram lançados um ao outro pelas circunstâncias: William precisava de uma mãe para suas filhas e ela de um marido para status.44 Na ocasião do casamento deu-se um fato interessante e bastante relevante para a história de Charles. Quando MacIntosh pai foi assinar o livro de casamento percebeu que a grafia de seu nome estava incorreta: lá constava Mackintosh. Mesmo tendo visto deixou passar, assinando-a da mesma forma. O chefe de polícia, John Boyd, a testemunha, não notou o erro e também assinou, tornando o ato legal. Charles gostou da nova grafia e decidiu adota-la, tornando-se assim Charles Rennie Mackintosh como é conhecido até hoje. O 43 44

CRAWFORD, Alan p.18 CAIRNEY, John p.70

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episódio tornou-se uma piada na família e depois de algum tempo William conseguiu retificá-lo, mas o episódio deixou como legado a nova grafia de um dos nomes mais importantes da arquitetura moderna.45 No dia 6 de setembro daquele ano deu uma palestra aos arquitetos de Glasgow sob o tema “A Tour in Italy” (“Uma Viagem pela Itália”). Para evitar a monotonia de palestras desse tipo e sua convencional apresentação de fatos e datas decidiu lançar mão do bom humor. Desta forma, em dado momento, aconselhou seus ouvintes a nunca ficarem no Albergo Rubecchino se um dia fossem a Palermo.46 Mackintosh, apesar de educadamente, fez questão de deixar bem clara sua frustração em relação a algumas grandes obras italianas, o que levou a comentários de alguns ouvintes de que os prédios principais foram criticados de forma bastante incisiva.47 Contudo também revelou que sua primeira visão do Rialto o “deixou sem ar” e em relação à Igreja de San Marco disse que: “uma composição mais nobre jamais fora exibida pela arquitetura”.48 Algum tempo depois, no mesmo ano palestrou para um publico, hoje desconhecido, sobre arquitetura elizabetana. Este tema tão inglês e por isso bastante controverso para a palestra de um escocês, revela o gosto de Mackintosh pelo passado, além de seu ecletismo e ânsia por aumentar suas referências em arquitetura. Segundo ele nas construções elizabetanas havia um cuidado com o efeito arquitetônico, eram em geral verdadeiras e apropriadas, de forma que o desenho raramente desagradava. O estilo falava da vida no lar e do conforto e certamente foi mais nacionalista do que todos os estilos que o seguiram.

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CAIRNEY, John CAIRNEY, John 47 CAIRNEY, John 48 CAIRNEY, John 46

p.71 p.71 p.72 p.72

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É fortuito, portanto, reparar como as palestras de Mackintosh, em geral, remetem ao passado e a referências arquitetônicas mais tradicionais como o Scotch Baronial Style e a arquitetura elizabetana. Revela-se assim uma busca indiscriminada por referências, sem preconceitos, explorando inclusive, como já se viu, uma arquitetura clássica e renascentista, às quais era contra no que diz respeito à continuação de sua então prática contemporânea. Assim construiu um repertório estético muito vasto o que permitiu a diversidade e consistência de seu trabalho, culminando em críticas contemporâneas que o chamavam de “clever” (sagaz, esperto), em ambos os sentidos: no de ser um jovem com boas idéias e bom gosto capaz de propor mudanças consistentes e bem conceituadas, mas também como um principiante que facilmente cairia em contradição e em um estilo fugaz. Como se viria a perceber suas obras em nada eram despreparadas e inconsistentes. Seu discurso, e principalmente suas obras eram suaves, em alguns momentos até decorativas (o que para muitos trata-se de uma heresia), mas em momento algum desprovidas de reflexão. Não que se trate de uma obra conceitual, mas sim de construções que foram pensadas e planejadas de forma bastante responsável e não construídas ao léu, sobre as fracas bases de um mero estilo. Isso revela muito do que Charles acreditava como nos mostra o pensamento de J.D. Sedding que viria a se tornar um de seus pilares: “There is hope in honest error, none in the icy perfections of mere stylist” (“Há esperança no erro honesto, mas nenhuma nas gélidas perfeições de um mero estilismo”). Em geral Mackintosh era mais atraído por prédios menos grandiosos que os italianos da sua viagem. Sua fascinação residia realmente sobre edifícios mais modestos. Nas viagens que realizou pela Escócia e Inglaterra entre 1893 e 1898 encheu seus cadernos com desenhos e anotações de estruturas mais simples tais como igrejinhas, tabernas, lojas pitorescas, celeiros e muitos detalhes de portas, trabalhos em pedra, arcos, janelas, travas etc. Seu interesse se encontrava mais no trabalhos de operários habilidosos

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que no de grandes arquitetos, dos quais erguiam-se, por meio de suas mãos sem conhecimento acadêmico, edifícios admiráveis.49 Em 1893, seu pai, provavelmente a pedido de sua nova esposa, mudouse com a família para uma grande casa chamada Holmwood em Langside Avenue em Queen’s Park district.50 Em 1896 a família Mackintosh, novamente se mudou por causa de sua mais nova integrante. Desta vez retornaram a Regent Square, só que agora no número 27.51 Charles pediu que ficasse com o porão, pouco provavelmente alguém se opôs. Transformou-o em seu pequeno estúdio onde criou trabalhos gráficos e em metal. Da casa antiga para a nova transferiu os seus frisos de estêncil de gatos, símbolos do clã dos MacIntosh. Lá ocorreu um episódio bem relevante que demonstra essa sua fascinação e busca pela compreensão do passado: Charles demoliu a cobertura da lareira para revelar uma mais antiga, mais simples, remanescente da arquitetura do homem comum que tanto permeava seus pensamentos.52

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JONES, A p.23-26 CAIRNEY, John p.81 51 JONES, A p.29 52 JONES, A p.30 50

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Fig. 6: Quarto de Mackintosh no porão da casa de seu pai.

Esse estúdio sobrevive apenas em uma fotografia onde se notam os estênceis na parede, um gabinete de design próprio, sobre a lareira, apesar de difícil de decifrar mas há certamente exemplos dos Pré-Rafaelitas e duas grandes figuras japonesas, revelando sua fascinação pelo país e sua inquestionável influência sobre seu trabalho. Nessa foto também, quase no centro, no gabinete, encontram-se uma série de livros dos quais, infelizmente, não conseguimos ler os títulos. Mackintosh confiava no passado e na sabedoria do seu povo e na arquitetura que este construiu, mas nem por isso prendeu-se a ele: conheceu-o 40

e reinventou-o. Como seus contemporâneos na Escócia, na Grã-Bretanha e principalmente no continente, em especial os praticantes do Art Nouveau, em um movimento pós-romântico retornava às culturas locais e as reinventava. Desta forma não se estabeleceu apenas como um artista brilhante, mas como sendo uma das principais mentes então, e como modesto pensador, que não fazia questão de publicar manifestos, nem gritar seus preceitos, mas que inseria delicadamente tudo o que acreditava em seu trabalho e assim influenciou muitos em seu tempo e continua a fazê-lo até hoje.

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Capítulo 3 O Glasgow Style Apesar de Mackintosh ter uma produção conceitualmente muito semelhante à dos artistas, designers e arquitetos Art Nouveau do continente, sua postura em relação ao estilo era bastante controversa. Mary Newbery Sturrock, filha de “Fra” Newbery, dizia que: “Meu pai... e Mackintosh não gostavam do Art Nouveau. Ele lutava contra ele com linhas retas, contra essas coisas... que parecem margarina derretida”53.Se havia algum movimento continental em que estivessem realmente interessados era o Simbolismo, tanto em suas manifestações nas artes visuais como na literatura. Não só Mackintosh e Newbery bebiam dessa fonte como também boa parte dos alunos da Glasgow School of Art e pessoas ligadas a ela de alguma forma.54 Francis “Fra” Newbery (1853-1946), pintor, educador e administrador de considerável habilidade assumiu a chefia da escola em 1889. Apesar da escola estar sob controle do Departamento de Arte, Ciência e Educação do Governo em South Kensington, em Londres, onde a dura estrutura curricular era elaborada, “Fra” era conhecedor e mais do que um simpático promotor das novas tendências em arte, design, artesanato e arquitetura, tendo observado seus desenvolvimentos diretamente em Londres, onde vivia antes de mudar-se para Glasgow. A estrutura curricular era bastante rígida e repetitiva, entretanto Newbery tornou a escola um ambiente razoavelmente liberal e que, pelo menos, tolerava experimentação pessoal e desenvolvimento individual: um contraste em relação à rígida e sufocante formalidade de boa parte da sociedade vitoriana.55

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JONES, A p.21 JONES, A p.21 55 JONES, A p.15 54

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A instituição era considerada de alta qualidade, cuja performance dos estudantes em várias competições nacionais a colocavam como uma das melhores na Grã-Bretanha.56 Francis tinha a habilidade de achar e encorajar talento criativo e originalidade e, ao chegar a Glasgow encontrou uma abundância em alunos habilidosos nascidos e criados na cidade, os quais ele viria a educar e posteriormente promover. Dois desses alunos foram identificados por ele como excepcionalmente promissores: “Toshie” e “Bertie” respectivamente como eram conhecidos pelos íntimos Charles Rennie Mackintosh e Herbert Macnair (1868-1955). Os dois melhores amigos e colegas, tanto de escola como de escritório, foram aproximados pelo diretor às irmãs Margaret (1865-1933) e Francês Macdonald (1873-1921).

Fig.7: Charles Rennie Mackintosh fotografado por J. R. Annan em 1893 56

JONES, A p.15

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Em torno de 1893 Charles e Jessie Keppie, irmã de John Keppie, seu chefe, tinham um relacionamento amoroso. Provavelmente por meio dela os dois amigos se aproximaram de um grupo de mulheres estudantes da escola que se auto-intitulavam “The Immortals”, que incluía, além de Jessie, as irmãs Macdonald. Entretanto o apoio para o estreitamento dos laços entre os quatro provavelmente foi dado pelo diretor que identificava muitas semelhanças entre seus estilos e interesses.

Fig.8: Mackintosh e “The Immortals”

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Fig. 9: Charles rennie Mackintosh, Herbert Macnair, John Keppie e “The Immortals”

O trabalho das duas irmãs era diferente do restante. Elas pintavam mulheres magras, andróginas, algumas vezes dolorosamente alongadas, em meio a linhas estilizadas que se entrelaçam aos emaranhados de cabelos, árvores ou botões de flores. As suas figuras foram influenciadas pela literatura do poeta belga Maurice Maeterlinck, com sua melancolia atemporal, e pelo movimento Simbolista. Seus trabalhos não são sempre fáceis de entender, pelo contrário, em geral deixam o observador um tanto perplexo por não saber por completo o que se passa na obra.57 Desta maneira quebrava-se toda uma estrutura vitoriana e européia em geral de uma sensação de absoluto domínio e controle sobre todas as situações, como visto na introdução desta obra. O observador da época esperava essa compreensão absoluta também em sua dialética com o objeto de arte, não tolerava a não compreensão de qualquer coisa que fosse, mesmo que fosse uma compreensão errônea ou precipitada. E assim, no movimento de fuga que as irmãs empreenderam, assim como muitos de seus contemporâneos, como já visto anteriormente, talvez o tenham 57

CRAWFORD, Alan p.26

45

feito, consciente ou inconscientemente, também em relação ao seu observador. Distanciaram-se dele para que este tomasse consciência de sua eventual impotência, atributo inerente à condição humana. Talvez quisessem, além de executar esta fuga em termos de temática, apelando à natureza e à estilização da figura humana e seu conseqüente distanciamento de seus atributos humanos, abrir os olhos dos observadores para a idéia de que não se é possível ter controle e domínio sobre tudo. Desta maneira libertam-se da necessidade de compreensão da obra pelo observador, estabelecendo-se assim um forte movimento abolicionista nas artes, em que a narrativa oculta é muito mais importante do que a explícita (se é que ela existe) tornando-se um trabalho ainda mais importante do que ainda hoje é considerado. Assim, como alguns contemporâneos, deram os primeiros passos no sentido de abrir, direta ou indiretamente, o caminho para que artistas, nascidos muitas décadas depois,

pudessem

executar

trabalhos

absolutamente

herméticos

e

incompreensíveis a observadores despreparados, o que torna o trabalho das irmãs e das pessoas próximas a elas, que executaram obras de caráter semelhante, ainda mais importantes do que são consideradas na atualidade pelos pesquisadores do tema. Críticos da época, mais incomodados do que com as formas alongadas estavam com o erotismo intrínseco que enxergavam nas obras e nas associações com a “Nova Mulher”. Historiadoras feministas inclusive vêem nas obras um lampejo de protestos contra os efeitos do patriarcalismo.58

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CRAWFORD, Alan p.26

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Fig.10: Convite para o Clube da Glasgow School of Art por Margaret Macdonald, 1893

A despeito das leituras posteriores atribuídas a trabalhos tão herméticos e dialéticos o trabalho que estes quatro amigos desenvolveram trouxe consigo uma série de idéias e formas que inegavelmente conduziram muitos de seus colegas por novos rumos artísticos. O grupo reunido por meio do diretor Francis Newbery, veio a se chamar, “The Four”. Embora se diga que o nome tenha sido criado imediatamente, é bem provável que só tenha surgido postumamente.59 Apesar de Mackintosh e McNair já flertarem com essas influências simbolistas que jorravam por todos os lados na Europa sua consolidação como principais criadores de um estilo que reformaria mentes especialmente na escola se deu com a união com as irmãs que, por sua vez, já possuíam um 59

CRAWFORD, Alan p.26

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trabalho bem maduro nesse sentido. A colaboração desses quatro artistas avant-garde se estabeleceu com bases muito sólidas que formalmente perduraram por muitos anos. Em verdade, direta ou indiretamente, essa união os acompanharia até os últimos instantes de suas vidas com os desdobramentos pessoais, psicológicos e artísticos surgiram.

Fig.2: Pôster para o “The Glasgow Institute of the Fine Arts” por Francês e Margaret Macdonald e Herbert Macnair

As duas irmãs quase que arquetipicamente assumiram os papéis das mulheres idealizadas de suas obras que espalhavam pela terra fertilidade e 48

inspiração. Os dois amigos aproximaram-se delas, estabelecendo-se em torno do que elas haviam experimentado até então, assim beberam da sua abordagem tão bem resolvida do simbolismo. Desta relação surgiram trabalhos e pensamentos que não só inundaram as mentes dos colegas contemporâneos da escola e da cidade como também cruzaram as fronteiras do império e chegaram ao continente. Mas este episódio ocorreria alguns anos depois com o desdobrar dos acontecimentos gerados pela produção do “The Four”.

Fig.12: “Summer” por Margaret Macdonald, 1893

Newberry certa vez disse que seu objetivo era “prover Glasgow com uma raça de designers que ela mesma tivesse criado”60 e nada mais que isso ele fez ao unir os quatro estudantes que viriam a alimentar uns o trabalho dos outros gerando uma produção de incrível porte. Não por acaso eram os mais brilhantes alunos da escola, seus trabalhos eram repletos de congruências entre si e Newberry não poderia ter feito algo mais significativo para essa 60

CAIRNEY, John p.83

49

geração de Glaswegians designers que queria criar do que lançar a semente para que este grupo nascesse e posteriormente pudesse dar tantos frutos á cidade e ás artes.

Fig.13: Jessie Newberry, 1900

A produção do “The Four” não era absolutamente diferente do que acontecia com seus colegas de escola. Em sua maioria eram tomados pelas influências simbolistas e criavam trabalhos de teor bastante similar. Entretanto foi o grupo que centralizou as atenções desses jovens artistas traçando inconscientemente um eixo criativo para suas criações. É inegável que o centro do que acontecia na produção dos alunos era o “The Four”, e ainda mais no núcleo, apesar de suas modestas aspirações, estava Charles Rennie Mackintosh. É como se a Glasgow School of Art contivesse o Glasgow Style, que contivesse o “The Immortals”, que contivesse o “The Four” e no centro de tudo estivesse Mackintosh. O estilo era um aglomerado de influências e temas aos quais muitos eram atraídos. Apesar de não ser um movimento plenamente estabelecido e coeso é facilmente identificável na utilização de sua característica iconografia como rosas, temas da natureza, referências literárias, nuances místicas e figuras alongadas. Os materiais e técnicas utilizados para a confecção dos 50

trabalhos, assim como as referências, eram muito vastos, iam do têxtil à metalurgia passando pelos bordados, vidros, cobre batido, mobiliário, encadernação de livros, cerâmica, ilustração etc.

Fig.14: Marion Wilson, 1905

O estilo, além de promover uma abordagem do retorno à natureza diferente da do continente, tornou-se notável pelo elevado número de bem sucedidos membros do sexo feminino. Esse fenômeno não se deu por acaso. O fato do estilo ter ocorrido principalmente no seio da Glasgow School of Art lhe foi conferido uma série de atributos que em outro lugar ou momento histórico seria impossível como a expressão individual e o destaque dessas moças.

Esse

flanco

de

mulheres

talentosas

e,

ás

suas

maneiras

revolucionárias, encontrou na escola um relativo distanciamento das rígidas leis da sociedade vitoriana. O ambiente era tão emancipado que alguns anos depois uma dessas celebradas mulheres do estilo, Dorothy Carleton (18801933), foi nomeada diretora, mas infelizmente não pode assumir por causa de sua morte prematura. A presença dessas mulheres é essencial ao estilo, como se sua força, sua energia, antes praticamente inexistente na história da arte, tivesse alavancado naquela cidade, naquele momento histórico todo um ciclo de renovação sem precedentes. A manifestação da criatividade feminina dessa 51

forma, pouco provavelmente teve precedentes na história, pelo menos não tão abertamente. Seu frescor, imaculado das durezas das academias de arte e sem as correntes que as aprisionavam às formas masculinizadas da prática artística, permitiram uma nova abordagem ao objeto estético. Para mackintosh essa influência também foi muito relevante. Durante toda sua vida foi cercado por mulheres que o adoravam e protegiam, e assim seria até o fim de sua vida. Charles, com a série de problemas físicos e sociais que possuía cresceu não simplesmente cercado pelas suas muitas irmãs, mas também protegido e venerado por elas. Além delas ainda tinha sua tão amada mãe que provavelmente o mimava por ter sido o único filho homem a sobreviver e, ironicamente, ao que tudo indica, o mais frágil. Provavelmente tenha sido por isso que “Toshie” desenvolveu essa afinidade e charme para com as mulheres e esse estilo tão suavemente feminino que marcou todos os seus trabalhos. Suas relações sem dúvida eram mais fáceis com as mulheres do que com os homens, conclusão óbvia feita a partir da análise de sua história. Em verdade poucos são os homens com que Charles criou laços mais fortes de amizade e afeto como Herbert McNair, seu melhor amigo, e Hermann Muthesius, seu compadre que aparece mais adiante em sua história. Para ele essa afinidade deve lhe ter sido muito difícil de praticar em tempos vitorianos em que as moças raramente misturavam-se aos rapazes. Mais uma vez a escola vinha para ajudar nesse sentido e provar que somente neste ambiente que tal estilo poderia ter florescido. Antes dos dois amigos serem encorajados a trabalharem com as irmãs Macdonald pelo diretor, eles uniram-se às já citadas “The Immortals”. Em 1893 os dois, as imortais e John Keppie fizeram uma viagem à Prestwick, que chamavam de “Roaring Camps”. Talvez lá tivessem tido o primeiro contato com as irmãs, mas tudo, até onde se sabe, manteve a mais perfeita ordem e pudor sob os rígidos olhos de Keppie, irmão mais velho de Jessie, então namorada de Toshie. 52

Sabe-se que Herbert encantou-se à primeira vista com Francês, Toshie, por sua vez, continuava atrelado à sua namorada. Independentemente disso a relação com as “Immortals” libertou Charles social e pessoalmente, abrindo-lhe as portas para o relacionamento com as mulheres para o qual tinha tanta facilidade, mas que talvez não tivesse tido a oportunidade de usufruir até então. Por outro lado ao tornar-se um dos “The Four” o efeito foi ainda maior: libertou sua imaginação.61 Desta forma a mesma força feminina que criou Charles, o libertou e o inspirou, provendo-lhe o que necessitava para ser a grande mente que informalmente tornara-se centro do “Glasgow Style”. A partir disso ele alimentava o restante dos praticantes, que em sua maioria eram mulheres. Assim criou-se um ciclo: as mulheres alimentavam a mente de Mackintosh e Mackintosh alimentava indiretamente as mentes das mulheres do estilo. Sua imaginação era sensível à feminilidade e ela florescia na companhia das mulheres.62 Os principais nomes do estilo, depois do “The Four” foram: Janet Aitken, Emily Arthur, Muriel Boyd, Helen Paxton Brown, Ailsa Craig, Peter Wylie Davidson, Margaret de courcey Lewthwaite Dewar, John Ednie, Annie French, Margaret and Mary Gilmour, Alex David Hislop, Jessie King, George Logan, Ann Macbeth, Talwin Morris, Jessie Newbery, James Salmon, Dorothy and Oliver Carleton Smythe, E.E. Taylor, George Walton, Marion Wilson, Jane Younger. Esses e outros contribuíram substancialmente para o crescimento e estabelecimento do estilo e, curiosamente, obtiveram maior aceitação pública que os trabalhos mais “extremos” de Mackintosh.63 Charles, como já dito, centralizava as atenções do estilo, talvez isso tenha ocorrido por ter sido o mais revolucionário e à frente de seu tempo e, pelos mesmos motivos, tenha sido menos aceito pela crítica e pela sociedade de então.

61

CRAWFORD, Alan p.26 CRAWFORD, Alan p.27 63 JONES, A p.17 62

53

Entretanto, colocar Mackintosh no centro absoluto de toda a produção do estilo não só é precipitado como pode provar-se errôneo, apesar de este ser um ponto de partida muito recorrente em análises à cerca do tema. Ao fazê-lo dissocia-se a produção do estilo de todo um cenário que está intimamente atrelado a ele: uma cidade efervescente e uma escola repleta de atividades e aberta à novas idéias e possibilidades diferente de tudo que já se vira antes. E, infelizmente, as análises sobre o tema cada vez mais se dão a partir dessas colocações. Desta forma cada vez mais a produção do estilo é analisada em relação a Charles Rennie Mackintosh: quanto mais próximo do seu trabalho, mais autenticidade lhe é atribuída. É como negar toda a produção desses infindáveis artistas e concluir que a única realmente relevante é a de Mackintosh. Encontra-se aqui um entrave ético de deslealdade com relação à veracidade dos fatos. A genialidade de Mackintosh é inegável, tanto que inspira reflexões como esta até hoje, mas isso não impede que outros tenham sido tão brilhantes ou talvez até mais. Nesta obra optei por abordar essas duas análises diferentes, passando ao leitor a responsabilidade de escolher em qual lado acreditar e proporcionando-lhe a oportunidade de dialogar com os dois.64 Com o estabelecimento deste ponto de vista centralizador de Mackintosh, tem-se a nítida impressão de que nenhum artista ou designer tenha saído da Glasgow School of Art sem sua influência direta ou indireta, o que é muito inverossímil por uma série de fatores além de se ter a inocente idéia de que todos praticavam o estilo de alguma forma. Primeiro pois apesar de o estilo permear boa parte da escola, nas competições de arte de que participava, os nomes dos praticantes do estilo raramente eram citados entre os quase 600 prêmios que a escola recebeu na década de 1890. Talvez pela incompreensão dos críticos e jurados então? Difícil dizer. Segundo pois toda a influência que supostamente Charles exerceu sozinho sobre a criação intensa e original do estilo só se deu de fato com sua associação ao “The Four” o que só vem a sustentar a idéia de que o grupo era talvez a verdadeira centralização do estilo e que a obra de Mackintosh seria mudada definitivamente após essa união e que grande parte de sua grandiosidade e genialidade se deve à ela. 64

ROBBINS, Daniel p.65

54

Esse pequeno destaque do estilo nas competições também nos revela que ele foi mais limitado e efêmero do que a relação com Charles nos leva a crer. E, inclusive, as poucas ilustrações dos vencedores dessa época revelam que para a maioria dos estudantes o estilo era de relevância limitada e periférica no que lhes dizia respeito. Tais traços demonstram que, em verdade, o estilo, apesar de ter muitos desdobramentos posteriores, foi menor do que à primeira vista as principais correntes históricas do tema podem sugerir. É inegável que ele alimentou a mente de Charles e que Charles o tenha alimentado, talvez tenha sido essa relação que tenha tornado o estilo tão relevante: por ter sido a base criativa para o trabalho de um gênio. Talvez, sem Mackintosh, o estilo não teria passando de um mero movimento de estudantes sem grande relevância. É bem provável que por isso tão freqüentemente a figura de Charles seja colocada como o centro do movimento, pois em verdade a grandiosidade e importância do estilo só se deu por meio de sua figura e pelos demais integrantes do “The Four”, sendo os seus trabalhos, até onde se sabe, os mais relevantes para a história da arte, do design e, posteriormente, da arquitetura.65 E é bem provável que esta tenha sido a diferença do trabalho do grupo para os demais: foi um dos poucos, se não o único, a realmente ganhar força no continente e a ter desdobramentos posteriores. É bem relevante citar a importância vital que “Fra” Newbery teve para o surgimento, depois consolidação e perpetuação, do Glasgow Style. Sua energia, ambição, e determinação; seu comprometimento com o ensino do design, e acima de tudo seu entusiástico encorajamento da individualidade foram a chave para a criação de um ambiente simpático e estimulante, características essenciais para o surgimento de um estilo repleto de particularidades.66 Após uma exposição da escola em Liége na Bélgica em 1895 o secretário do “l’Oeuvre Artistique” escreveu para Newbery elogiando-o: “Nossas escolas de arte estão longe, bem longe mesmo, de serem tão avançadas quanto a sua e o que nos impressionou acima de tudo em seu trabalho é a grande liberdade conferida aos alunos de seguirem suas próprias 65 66

ROBBINS, Daniel p.66 ROBBINS, Daniel p.66

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individualidades, o que é tão diferente... das nossas escolas... é tão difícil para nós compreendermos esta liberdade...que nós tanto admiramos67”.

Fig.3: Francis Newberry,1885

Além dos adjetivos pessoais Newbery possuía um talento para administrar e provou-se um excelente gestor para a escola. Em 1901 o jornal local “Glasgow Herald” comentou os avanços da Glasgow School of Art nos últimos 16 anos sob o comando de Francis: a verba do governo e os gastos com salários quase dobraram. O número de professores havia passado de 8 em tempo integral em 1885 para 47 de meio-período e período integral em 1900, sendo que desses, 16 ensinavam artes decorativas. 68 Em 1889 o diretor criou o Glasgow School of Arts Club do qual podiam se tornar membros alunos e egressos. Eram organizadas competições mensais

67 68

JONES, A p.33 ROBBINS, Daniel p.66

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com prêmios entregues pelo próprio “Fra”. Entretanto a exposição anual, no outono, tornou-se o foco principal do clube.69 Em 1900 essas exposições estavam recebendo atenção da imprensa escocesa e gerando artigos na revista “The Studio”, uma das principais publicações sobre artes decorativas na época. De 1889 a 1893 passou-se sem grandes comentários sobre essas exposições, até que no ano seguinte deu-se a primeira apresentação de trabalhos do “The Four” como um grupo autocolaborador. Não se sabe exatamente quais trabalhos foram exibidos na exposição de 1894 mas a reação da imprensa e do público está muito bem documentada. Os jornais locais foram atingidos pela extraordinária qualidade de “pesadelo” contida nas obras de peculiar distorção da figura humana. As figuras levantaram violentos protestos e debates. Os críticos chamaram-nas de “fantasmagóricas” e condenaram-na: “formas impossíveis, cor lúrida e simbolismo que requer muitas notas de rodapé de explicação” é provável que seja dessa época o apelido de “The Spook School” (Escola do susto, do terror).70 Nesse ano os prêmios foram concedidos pelo pintor, nativo da cidade, Alexander Roche que divagava sobre a procedência desses trabalhos de “cemitério”. Seus comentários geraram uma assertiva resposta de Newberry que dizia que havia encorajado o que o sr.Roche tão vigorosamente condenava e, quanto ao estilo do design condenado, poderia até levar ao cemitério, mas acreditava que antes levaria à um outro lugar. E em verdade levou: inspirou uma série de alunos da escola que encontraram nos primeiros trabalhos do grupo uma iconografia que levaria ao desenvolvimento de um vocabulário autêntico e reconhecível do Glasgow Style.71 Tal vocabulário, tão característico, surgia principalmente da natureza, inspiração maior do grupo e do estilo. Assim como no Art Nouveau continental os trabalhos eram permeados por pássaros em vôo, insetos, borboletas, flores; 69

ROBBINS, Daniel p.67 CRAWFORD, Alan p.29 71 ROBBINS, Daniel p.68 70

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mas a imagem mais recorrente e importante é sem dúvida a das rosas e seus botões. Suas aparições eram muito variáveis: mulheres as segurando, transformando-se nelas, confundindo-se com seus cabelos, envolvendo suas figuras e tantas outras infindáveis abordagens que se poderiam dar a figuras tão misteriosas e ambíguas nesses trabalhos tão obscuros. As manifestações desses temas se davam geralmente em uma paleta composta principalmente de roxos, verdes e rosas. Ao contrário do continente, excessivamente curvo e rebuscado, os praticantes do estilo lançavam mão de uma linearidade mais firme, esparsa e controlada como que em uma resposta às manifestações continentais. Não se sabe se faziam essa contraposição consciente ou inconscientemente. Entretanto, principalmente em um estilo como estes, tão limitado geograficamente e em número de membros, é possível, como enriquecedor não só observá-lo como uma massa uniforme, mas também as mentes individuais. Jessie Newberry, ex-aluna da escola, que depois veio a se casar com o diretor, adquirindo seu sobrenome, declarava seu entusiasmo pela:”oposição da linha reta em relação à curva; do horizontal ao vertical”. Essa análise mais microscópica da situação nos revela algumas surpresas como o pensamento de Jessie que se contrapõe ao que se concluiria se o movimento fosse observado apenas como uma única consciência coletiva. Pode-se dizer, como já visto nesse capítulo que, Charles e “Fra” estavam mais do que conscientes no combate às excentricidades do Art Nouveau do restante da Europa e, talvez, por Charles ser o catalisador de grande parte das ações do estilo, o restante o tenha seguido, em alguns casos inconscientemente e, em outros, como o de Jessie, conscientemente. A figura da rosa era um dos grandes ícones do Glasgow Style, mas uma outra rosa estava eriçando toda a Europa naqueles tempos: a ordem Rosacruz. Em 1891, em Bruxelas, se deu a Exposição Internacional Rosacruz e, apenas três anos depois, os sussurros dessa misteriosa ordem, que se dizia ser detentora de segredos guardados por século, passados de membro para membro, aproximavam-se de Mackintosh por uma série de pessoas próximas a ele. Sabe-se que “Fra” Newberry era membro dessa ordem, assim como seu chefe do departamento de pintura M. Paul Delville e o amigo de Charles, Talwin 58

Morris. Era quase impossível evitar as influências.72 Pouco se sabe sobre a influência direta da ordem na obra de Mackintosh e, conseqüentemente do estilo. Mas não se precisa saber muito sobre a simbologia da ordem e seus segredos para vislumbrar que seu símbolo seja uma cruz e uma rosa e que, por pessoas tão próximas e por ser o assunto da vez na Europa, essa influência tenha atingido-o diretamente. A explicação para a repetição desta imagem no trabalho de Charles pode, inclusive, não ter absolutamente nada a ver com a ordem, entretanto as “coincidências” e fatos mais do que nos levam a acreditar no forte poder que essa temática surtiu sobre ele. A estilização descompromissada da forma humana, pivô de tantas discussões, foi mais uma preocupação do “The Four” que mantinha-se como a manifestação mais radical do estilo. Em verdade, no início do movimento, a figura humana pouco aparece no trabalho dos demais, depois elas passam a ser mais recorrentes, mas nunca tão excêntricas e combinadas a florais produzindo efeitos ambíguos como as do grupo de Charles, Herbert e das irmãs. Em 1901, um crítico anônimo disse que: “ A peculiar combinação” de formas orgânicas e humanas era característica do “The Four” e “esta utilização da figura humana é o principal motivo das críticas para muitas pessoas”73. É inclusive curioso que quando seus trabalhos não carregavam essas imagens eles eram, em geral, bem recebidos pela imprensa. Isso levanta uma discussão bem pertinente do porquê isso ocorria. Bem provavelmente pelos mesmos motivos elucidados no 8º parágrafo desse capítulo. A deformação de formas naturais, que tornam-se, em alguns casos, quase abstratas é perfeitamente aceitável, pois não trata, pelo menos não tão diretamente da condição humana. E, em um tempo em que o homem cada vez se afastava mais da natureza em termos literais, menos se identificava com ela, logo sua estilização não o “ofendia”. Entretanto a figura humana é diretamente associada à condição do homem e sua deformação denota diretamente uma desconstrução social e humana que cada dia que se passava tornava-se mais evidente e inconvenientemente real. Além disso tudo, é claro, atingia-se em cheio o centro

72 73

CAIRNEY, John p.83 ROBBRINS, Daniel p.68

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dos pudores vitorianos com formas sedutoras e, em alguns momentos, até eróticas. Em 1900 o Evening Times, revendo a breve história do clube até aquele momento, comenta que: “os trabalhos exibidos, revelam um progresso marcado, particularmente no departamento de artes e ofícios, em que Newberry, acreditando que os artigos mais comuns do uso diário deveriam ser feitos artisticamente, sempre encorajou estudantes a se interessarem.”74 Essas palavras nos revelam um Newberry extremamente engajado e seguidor das palavras de William Morris, John Ruskin e seu movimento “Arts & Crafts” que defendia produtos de qualidade, feitos artística e artesanalmente, à todas as pessoas. Ele cultivava conexões ativamente com os líderes desse movimento durante os anos imediatamente após sua indicação ao cargo de diretor. Uma série de palestras levou a Glasgow no final dos anos 1880 algumas das mais inspiradoras dessas figuras como Walter Crane e o próprio William Morris, a quem Newberry se referia como amigo. Na palestra de Morris este disse que “o prazer de criar algo que se não possuísse sua individualidade nunca teria existido é o maior prazer que o mundo oferece”.75Tais encontros devem não só ter inspirado e permeado o imaginário de muitos dos alunos, mas definido os seus rumos e, conseqüentemente os do Glasgow Style, seu surgimento e estabelecimento. Esse trecho do Evening Times também nos sugere algo que encantaria Mackintosh, um conceito de viver a arte, de ambientes que fossem

inteiramente

concebidos

com

esse

pensamento:

o

Gesamtkunstwerk – um trabalho de arte completo, tema a ser elucidado mais á frente nesta obra.

74 75

ROBBINS, Daniel p.69 ROBBINS, Daniel p.71

60

O período de euforia de crescimento da escola até 1901 culminou no fim da construção da primeira fase do novo edifício, projeto de Mackintosh. Ou seja: Francis criou o ambiente para o Glasgow Style que formou e foi formado por Charles, que por sua vez transformou em arquitetura o que havia experimentado em termos de artes visuais e decorativas com o movimento e o “The Four”, construindo aquele que seria considerado o primeiro edifício modernista da Europa. Newbery mais do que proveu a cidade com designers nativos, mas abriu caminho para o surgimento de um gênio, alianças artísticas, novos pensamentos e uma infinidade de revoluções que, a longo prazo, mudariam o mundo para sempre. Em 1911, quando já se haviam passado quase duas décadas da aparição dos primeiros trabalhos do “The Four” o estilo começou a encontrar uma série de barreiras, principalmente conceituais que diziam respeito aos rumos que iria tomar e a sua existência em si. A excepcional expressão individual que haviam conseguido estabelecer não podia ser sustentada por um grupo maior. Inclusive é até incongruente uma idéia dessas, pois se está se tratando de uma expressão individual, ela não pode permanecer da mesma forma em um grande grupo, perde-se a principal característica do estilo, tão encorajada por Newberry: a individualidade em si e o poder de expressão. Vinte anos depois o estilo nada mais fazia do que se repetir: depois que a linguagem fora desenvolvida e aplicada a diversos meios, surge a questão de “qual é o próximo passo?”. Nenhum dos ex-alunos que lecionavam na escola na virada do século conseguiu responder essa questão, surgindo na produção da escola indícios de estagnação criativa e os trabalhos produzidos nas oficinas tornavam-se cada vez mais metódicos e estéreis.76 O estilo se estabeleceu, mas não soube lidar com isso. Mackintosh continuou desenvolvendo seu trabalho de forma bastante pessoal com um evidente progresso, completamente dissociado da escola. Inclusive entre o final dos anos 1890 e começo dos 1900 seu trabalho ficou tão diferente do desenvolvido na escola que se questiona se ele tinha algum comprometimento 76

ROBBINS, Daniel p.77

61

com o que se passava com ela.77 Talvez ele tenha sido o único que realmente tenha compreendido a mensagem de praticar um trabalho individual: não basta encontrar uma formula e praticá-la metodicamente, principalmente quando não foi um desenvolvimento seu, deve-se descobrir os seus limites, ultrapassa-los e seguir adiante, criando e inovando. Não há indícios de que tenha almejado um cargo de professor na escola ou sequer encorajado o surgimento do Glasgow Style. Inclusive, a idéia de ter uma escola operando sob seu comando não aprazia seu apaixonado comprometimento com sua individualidade. Tanto a escola, quanto o estilo eram menos importantes para ele que seu próprio trabalho e o mundo da arquitetura no qual estava tentando se estabelecer.78 Sua influência sobre os alunos era limitada, nunca lecionara na escola e nunca contribuiu com a elaboração de uma filosofia em design por meio de qualquer publicação.79 Talvez tenha sido exatamente isso que ocasionou a estagnação do Glasgow Style. O Coração pulsante, centro do estilo, se desligou dele e parou de bombear inspiração aos demais, mas em verdade não tinha obrigação nenhuma de fazê-lo. Foram os demais alunos da escola e integrantes do estilo que não aprenderam com ele a seguir seus próprios rumos e elaborar suas próprias idéias. Independente de ter perecido frente ao seu estabelecimento, se entregado ao método e estagnado com formas estáveis, Robert Anning Bell em seu relatório de 1903 sobre o estilo descreve com requinte a sua importância: “É agradável encontrar um desenvolvimento tão local e tão definido como o que se tem expressado nos últimos anos em Glasgow.

É

bem

provável

que

artistas

importantes

desgostem; é bem verdade que possui alguns maneirismos deploráveis, não obstante há aqui um distinto estilo local 77

ROBBINS, Daniel p.78 ROBBINS, Daniel p.78 79 ROBBINS, Daniel p.78 78

62

construído ao redor da personalidade de alguns poucos homens e mulheres distintos.”80

80

ROBBINS, Daniel p.76

63

Capítulo 4 Os primeiros anos do arquiteto De 1890 a 1896-97 a individualidade de Mackintosh se deu principalmente nos seus trabalhos fora do escritório Honeyman & Keppie. Sem as pressões de clientes e a rigidez arquitetônica muitas vezes exigidas por tais, experimentou diversos meios de expressão artística como a pintura, pôsteres, metal e mobiliário.81 Apesar disso se envolvia cada vez mais com os trabalhos desenvolvidos na firma e, desta maneira, é notável o crescimento no número de insurgências de detalhes absolutamente seus nos projetos de lá. Suas habilidades no desenho eram muito reconhecidas em seu ambiente de trabalho e seus superiores fizeram bom uso delas. As perspectivas desenhadas por ele entre 1893-96 são notáveis pela clareza e força da linha e a monumentalidade que conferia até aos edifícios mais irrisórios.82

4.1 The Glasgow Herald A insurgência dessas manifestações tão particulares de seu trabalho individual são bem claras no projeto de expansão do edifício do jornal mais lido pela classe média de Glasgow, o “Glasgow Herald”. O projeto é assinado por John Keppie, entretanto é claramente uma produção de Mackintosh pela série de detalhes nele contidos que aparecem aqui pela primeira vez e que posteriormente se estabeleceriam na obra de Charles, além do histórico desses aspectos, que são tão ligados a ele.83

81

JONES, A p.84 JONES, A p.84 83 JONES, A p.84 82

64

Fig. 16: Prédio do The Glasgow Herald

Construído entre 1893 e 1895, foi o primeiro grande trabalho arquitetônico de Mackintosh. O prédio, uma extensão do já existente em Buchanan Street, se estenderia pelas Mitchell Street e Mitchell Lane ao custo de aproximadamente £ 30.000. O ponto mais importante do prédio é, sem dúvida, a torre, uma das principais exigências dos clientes, que a queriam para proteger-lhes na eventualidade de um incêndio, o pavor das gráficas da época. Charles a colocou no canto do edifício a mais de 46m de altura, bem alta em relação às existentes então por 65

um motivo bem específico: Mitchell Street é bem estreita e, se fosse feita de forma convencional, teria 2/3 de sua extensão escondida.84 Sua forma octogonal é bastante característica e já havia aparecido em trabalhos anteriores da Honeymann & Keppie como o Manchester Technical Schools e o Royal Insurance Company. O primeiro, fruto de uma competição, gerou um questionamento em 1892 da publicação British Architect em relação aos organizadores do concurso do por que o projeto não estava entre os três primeiros colocados. O segundo possui uma série de atributos, que provavelmente surgiram por meio de Mackintosh ou o influenciaram muito, de modo que viriam a ressurgir diversas vezes em suas obras posteriores, como por exemplo: o ornamento sobre a porta e as janelas do primeiro andar, que viriam ambos a reaparecer na face leste da Glasgow School of Art.85

Fig. 17: Royal Insurance building por Charles Rennie Mackintosh, 1894

84 85

WALKER, David p.129 WALKER, David p.129

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A relação dessa grandiosa estrutura é muito próxima aos desenhos que Charles havia feito da torre do Campanário em Siena, na Itália, dois anos antes.86 Outro aspecto interessante da torre é que no topo ela é mais larga. Seus ângulos verticais são mascarados por longos escudos que se assemelham a trombas de elefantes.87 Seu topo ecoa James MacLaren em sua torre na Stirling High School (1887-90) e à de John D. Sedding na igreja Holy Trinity em Sloane Street, Londres.88 Os três primeiros andares são idênticos na planta, entretanto as janelas de cada um deles são diferentes entre si e recuadas para revelar a espessura das paredes. Os dois últimos andares se estendem sobre uma larga sacada de parapeito simples e parecem refletir o interesse de Mackintosh no estilo barroco de Burnet e seu colega John Archibald Campbell no final dos anos 1880 com detalhes escoceses dos séculos XVI e XVII. No entanto não havia exemplos de nenhum dos dois em Glasgow nesses moldes em 1893 e é possível que Charles tenha desenvolvido o tratamento independentemente. Talvez tenha sido até o seu trabalho que tenha encorajado Burnet a desenvolver suas próprias idéias no futuro.89 A ornamentação da parte superior em Mitchel Street, que tinha um tratamento mais rebuscado que a de Mitchell Lane, assim como a da torre, revelam a admiração de Mackintosh pelo Scotsch Baronial Style. Provavelmente por esse e outros motivos, em 1900 esse edifício foi incluído no texto de Hermann Muthesius sobre arquitetura Free Style na Grã-Bretanha, o Die Englische Baukunst der Gegnwart, onde, a despeito dos detalhes sagazes de Charles, a simplicidade e a força escocesas se sobrepuseram às construções inglesas.90

86

JONES, A p.84 CRAWFORD, Alan p.21 88 CRAWFORD, Alan p.21 89 WALKER, David p.129 90 CRAWFORD, Alan p.22 87

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4.2 Queen Margaret’s College Entre 1894-95 a sofisticação da mão do jovem Mackintosh se revela na construção da Queen Margaret’s College, apesar de o projeto mais uma vez ser de John Keppie. Entretanto esse edifício, que não chegou a ser construído, é claramente atribuível a Mackintosh também pelo aparecimento de detalhes e de características de seus estilo. Exemplos bem claros desses elementos que reaparecessem sucessivamente de maneira amplificada são: a limpeza das paredes, a aparente aleatoriedade da disposição das janelas, que, em verdade, seguem as funções internas, a união dos planos verticais que lembram as formas das tower houses escocesas, e uma planta que ditava tudo. Essa última característica revela uma crença muito forte de Mackintosh na realidade lógica de que a função encaminha a forma de maneira contínua e racional, revelando toda a modernidade de seu pensamento.91 Mackintosh planejava as funções e motivações de cada espaço do interior da construção e permitia que ditassem o rumo de seu trabalho, tendo em mente o “de dentro para fora”, lógica que aplicaria ao longo de sua carreira, principalmente na Glasgow School of Art e na Hill House.92Desse projeto também se repetiria na Hill House, sete anos depois, a composição geral, que é bem parecida.93

91

JONES, A p.84 JONES, A p.86 93 WALKER, David p.129 92

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Fig. 18: Anatomical School Queen Margaret’s College por Charles Rennie Mackintosh, 1895

O edifício pertence á mesma família estética dos andares superiores do Galsgow Herald. A torre da escadaria tem uma terminação bem escocesa, com a forma de uma cúpula do século XVII, que foi um motivo recorrente de Sellars e que aqui foi provavelmente sugerida por Keppie.94 Também é interessante notar como os ornamentos superiores das janelas são quase idênticos aos do último andar do edifício do jornal. Neste trabalho, talvez por não ter sido construído, muita da atenção é dirigida ao desenho em si. Nele é interessante notar a figura de uma mulher, não só por ser rara a presença de figuras humanas em suas perspectivas, mas pela forma como ela é colocada. Em primeiro plano e, encaminhando-se pro centro, possui uma posição privilegiada na composição, revelando, talvez uma possível “importância” dela. Entretanto o que mais chama a atenção nessa mulher que lê de forma contemplativa é que, apesar de parecer somente uma mulher, existem duas sombras. O que Charles estaria nos dizendo? Qual seria o simbolismo disso em um trabalho tão notavelmente seu e com características 94

WALKER, David p.129

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tão marcantes do Galsgow Style, principalmente no corpo da mulher e na natureza que a cerca? Essa imagem, publicada em 1896 no British Architect provaria-se apenas uma dentre tantas outras perspectivas em que seriam inseridas sutilmente imagens que falariam muito sobre ele e o que ele acreditava. 4.3 Martyr’s Public School

Fig. 19: Martyr’s Public School por Charles Rennie Mackintosh,1896

Em 1895 a firma Honeyman & Keppie desenvolveu mais um projeto cujo responsável oficial seria o segundo sócio, mas que as evidências nos levam fortemente a crer, e hoje é tido como certo, de que se trata de um projeto quase inteiramente de autoria de Charles: Martyr’s Public School. Fica evidente que o envolvimento de Mackintosh no desenvolvimento e execução são consideravelmente mais aparentes95 Assim como outros trabalhos dessa fase inicial de sua carreira inauguraria muitas características que se tornariam recorrentes em toda a sua obra. As 95

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finas e altas janelas e a decoração escultural da entrada principal criam uma dramaticidade que viria a se tornar recorrente no futuro. Seu interior é um presságio do senso espacial do museu da ainda não concebida Glasgow School of Art.96 Apesar de o edifício ser o tema central do desenho, assim como no de Queen Margaret’s College ele salpica elementos adversos que não contribuem diretamente à compreensão do edifício, mas muito para compreender o próprio Mackintosh. Nesse caso, um pouco mais bem humorado, coloca três meninas pulando corda em frente à escola, usando um assessório bem incomum para o clima de Glasgow, que, em tal contexto, coloca-se quase como um item de alta costura: um lenço árabe sobre suas cabeças. Nota-se também uma luminária à frente da escola, absolutamente fantasiosa e com o evidente estilo de Charles, alem de um prédio de apartamentos atrás, com fortes características escocesas e baronial. Essas inserções, que também ocorreriam por exemplo nos desenhos da futura Queen’s Cross Church, denotam uma abertura maior de Toshie a demonstrar as origens e inspirações que norteavam seu trabalho.97. A construção do edifício iniciou-se em 1895 e foi completada em 1898. Em 1896 o “The Four” expôs seus trabalhos no London Arts & Crafts Exhibition, em Londres, provavelmente por influência de Newberry. Expuseram painéis de metal batido, pôsteres, e uma grande peça de mobiliário desenhada por Charles, aquarelas e um porta-relógio de prata. Como já era de se esperar, foram recebidos com um grandioso coro de desaprovação tanto dos críticos quanto do público. Foram condenados por estarem sob a influência “não saudável” de Beardsley e seus trabalhos foram considerados, desta maneira, como um insulto aos ideais de Ruskin e Morris e à dignidade da natureza.98 Os trabalhos foram descritos como “entusiasmo juvenil... revela uma absoluta feiúra...uma paixão por originalidade a qualquer custo”. Apesar das interpretações precipitadas um homem, o editor da revista “The Studio” 96

JONES, A p.86 JONES, A p.87 98 JONES, A p.33 97

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Gleeson White, foi quase profético em sua defesa ao grupo: “Provavelmente nada na galeria (da exposição do movimento Arts & Crafts) tenha provocado mais incisiva censura que esses trabalhos, e esse fato somente já deveria provocar em um pensativo observador de arte uma pausa antes de se juntar aos oponentes. (...) A probabilidade parece ser de que aqueles que riem deles hoje estejam ansiosos por elogia-los alguns anos depois”.99 O editor ficou tão intrigado com o grupo que foi a Glasgow visitá-los. Apenas um ano depois, nas edições de Julho e Setembro de 1897 da revista, foram publicados artigos que imediatamente conferiram respaldo ao grupo e lhes colocaram no centro das atenções tanto na Grã-Bretanha como no continente. 4.4 Buchanan Street Tea Rooms Ainda em 1896 Mackintosh trabalhou ao lado se seu ex-colega da Glasgow School of Art, George Walton, na decoração do interior do “Tea Room” de Buchanan Street, o primeiro de uma série de projetos similares que faria para Miss Cranston, dona desse estabelecimento e de outros similares. O convite de Miss Cranston provavelmente tenha ocorrido pelo escândalo que o trabalho do “The Four” criou em Londres, esperando, provavelmente, o mesmo efeito em Glasgow, trazendo atenção para sua casa de chá. Walton, mais experiente, ficou responsável pela decoração e mobília de quatro ambientes. Charles ficou incumbido de decorações nas paredes do poço da escadaria, uma sala de almoço no primeiro andar e, acima dele, uma sobre a outra, uma galeria de almoço e galeria de fumantes. Do poço aceso se poderia ver os três andares de uma só vez. Então Mackintosh usou um verde escuro no primeiro nível, amarelo esverdeado acinzentado no meio e azul no superior, passando respectivamente a idéia de terra profunda, terra média e céu. No primeiro nível os desenhos tratavam de árvores estilizadas por entre pavões; no segundo altas mulheres envolvidas em roseiras repletas de botões, com formas orgânicas entrelaçadas que no topo culminavam em algo como a 99

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secção de um fruto ou uma vulva; no topo linhas onduladas assemelhando-se a nuvens que passam em frente a um sol ou lua. Mackintosh lançou mão da forma e do imaginário do Glasgow Style e o adaptou à decoração das salas. E era exatamente esse tipo de arte, tão estranho para os padrões de então, que Miss Cranston queria em seu estabelecimento e, junto com ele, o furor dos comentários dos freqüentadores.100 Apesar da coesão entre eles e o profundo simbolismo oculto, seus murais descompromissados dificilmente contribuíam para a unidade do ambiente como um todo, fazendo pouco esforço para se adequarem à mobília mais convencional de seu colega.101 Talvez um capricho do menino mimado da Sra. Mackintosh, ou um artista genial que sabia o que queria, que mantinha-se fiel aos seus ideais, que colocava sua individualidade artística em primeiro plano e não se submeteria ao trabalho de um colega que não comungava de suas idéias naquele momento.

100 101

CRAWFORD, Allan p.44 ROBBINS, Daniel p.80

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Fig. 20: Buchanan Street Tea Rooms

No entanto foi outro fato neste mesmo ano que marcaria definitivamente a vida e a carreira de Mackintosh e a dividiria em antes e depois: o anúncio da competição para o novo edifício para a Glasgow School of Art.

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Capítulo 5. The Glasgow School fo Art 5.1 A Natureza do edifício e sua construção Em março de 1896 a Glasgow School of Art anunciou a realização de um concurso, com inscrições até outubro do mesmo ano, para a elaboração de seu novo edifício. O regulamento previa uma verba restrita e até pequena para os padrões da época: £14000 e uma série de exigências que, de certa forma, aprisionavam os competidores.102 Além disso o terreno escolhido era particularmente difícil. Estreito e inclinado, localizava-se sobre uma colina conhecida como Garnethill, próximo ao coração da cidade.103 A firma Honeyman & Keppie entrou na competição com um projeto de Charles. O jovem arquiteto tinha apenas 29 anos e havia saído dessa mesma escola há apenas dois quando sua inscrição foi nomeada a vencedora.104 A construção se iniciou em 1897 e foi inaugurada em dezembro de 1899 às vésperas do alvorecer do novo século. Apesar de não ter sido reconhecida como tal em sua época, ela mesma representava o alvorecer de um novo tempo na história da arte: a pedra fundamental do modernismo na arquitetura, um forte demarcador que apontava para o futuro, uma afirmação espiritual, física e estética de esperança e idealismo. Uma estrutura como essas não tinha precedentes e nem similares, tornou-se, segundo Aldo van Eyck “uma enciclopédia de possibilidades”.105 Por motivações financeiras a construção foi executada em duas etapas. A primeira, de 1897 a 1899, elevou o lado oriental e o centro do edifício. A segunda, que ergueria o lado ocidental, seria executada assim que o capital necessário estivesse disponível. 102

WALKER, David p.134 JONES, A p.88 104 JONES, A p.88 105 JONES, A p.40 103

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A imprensa local deu importância limitada aos desenhos para a nova escola com comentários que giravam em torno do mero suprimento de necessidades e determinações do regulamento como: “Os requerimentos práticos da escola dominaram o estilo do prédio”, “(...) apresenta a aparência de um simples edifício de escritórios”, “(...)uma das escolas mais bem equipadas do reino”.106

Fig.21: Primeira fase da Glasgow School of Art.

Na época da construção o prédio que começava a tomar forma provocava a ira e o desprezo dos moradores da cidade. As pessoas se perguntavam o que era aquele “estranho edifício”? Seria uma fábrica, uma prisão, uma casa de correção, um templo de adoração estranha? 107Certa vez escreveu-se sobre a reação das pessoas em relação a um edifício de construção contemporânea e tão revolucionária quanto a escola, o SecessionHaus de Josef Maria Olbrich em Vienna (1898). Tais exclamações 106 107

GIROUARD, Mark p.153 JONES, A p.95

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provavelmente ocorreram de forma bem semelhante em Glasgow: “Esses dias você pode ver multidões de pé em volta desse novo prédio. São trabalhadores de escritórios, operários, mulheres a caminho do trabalho, mas ao invés disso eles estão parados perplexos... eles observam, eles discutem essa “coisa” que eles vêem sendo construída... eles a acham estranha, eles nunca viram nada desse tipo, eles não gostam, lhes repele... e isso continua acontecendo por todo o dia”.108 O prédio possui uma forma retangular que preenche todo o terreno. Quase sem decoração, é puritano, fundamentalista, racional e aritmético.

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Para uma população acostumada com prédios pomposos, incrustados de esculturas, relevos e joalheria arquitetônica o prédio era exatamente o que não gostavam, mas exatamente o que os dirigentes da escola pediram no regulamento: “um prédio simples”.110 No entanto essa “simplicidade”, no caso de Mackintosh é bastante ambígua. Apesar de ser um edifício que responde á essa expectativa, há uma complexidade muito grande na elaboração e colocação de detalhes e uma fundamentação conceitual muito profunda. Muitos escritores, críticos e observadores contemporâneos a seu trabalho o acusam de uma obsessão quase patológica pela perfeição e detalhe, e de ser um tirano de suas utopias. A forma escultural dramática da maioria de sua mobília, por exemplo, é acusada de ser desconfortável. Charles foi descrito como sendo um arquiteto com um grande ego que impunha suas idéias ao custo de seus clientes. No entanto um estudo das premissas filosóficas elementares de seu projeto para a Glasgow School of Art revela que não há nada tão falso quanto essas afirmações.111 Apesar de prezar a sua individualidade e vontade artística, a lógica de seus projetos respeitava profundamente as necessidades de seus usuários. De 108

JONES, A JONES, A 110 JONES, A 111 JONES, A 109

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forma absolutamente altruísta o prédio é dedicado a servir seu propósito de instituição de educação artística e, se há algo de egoísta e obsessivo, é na fanática determinação de fazer a estrutura funcionar perfeitamente. Ele tinha plena consciência do quão difícil seria projetar espaços que fossem eficientes e apropriados, entretanto fez todo o prédio servir aos requerimentos dos ocupantes.112 Sua premissa, como observado nos projetos anteriores, era a de um interior funcional que ditava a forma do exterior: a idéia de que a “pele” exterior é a articulação de um design estético interior. Não se trata apenas de mera cosmética arquitetônica, mas sim a expressão de crenças e ideais muito profundos e bem estruturados.113 O edifício é “direto”, há nele uma honestidade que desarma o observador. É facilmente observável que muitos dos temas e detalhes são derivados de outras fontes, as quais ele adota e adapta, o que torna a grande massa holística do prédio infinitamente superior à soma dessas pequenas partes.114 Desta maneira coloca-se em cheque essa aparente simplicidade do prédio. Trata-se aqui de mais uma das sagacidades de Mackintosh que, mesmo seguindo à risca o regulamento tanto em termos técnicos quanto conceituais, deu aos dirigentes da escola a simplicidade que queriam e, simultaneamente, deu ao mundo a complexidade de idéias e formas deste brilhante edifício. Na inauguração da primeira fase em dezembro de 1899 escreveu-se mais sobre o sucesso da escola como instituição e os vestidos das moças presentes do que sobre a arquitetura que estava sendo apresentada em si. Do pouco que se escreveu, nada era crítico. Ao contrário do que se imaginava e dos comentários feitos durante a construção, a reação do público foi irrisória. 115

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Nesta primeira etapa o nome de Mackintosh, mais uma vez, não foi atribuído ao desenho do prédio, e sim o de John Keppie. Certa vez Charles disse a seu amigo Hermann Muthesius que nessa época estava “sob uma nuvem”. Com isso não quis dizer que seu trabalho não era aprovado na firma, mas sim que era oficialmente “invisível” por não ser um dos sócios. Na ocasião da inauguração, em que o próprio Mackintosh não estava presente, o Evening Times de 21 de Dezembro de 1899 transcreveu a fala de um dos discursos: “Tanto no edifício quanto na mobília a escola é primariamente utilitária”116. Esse mesmo jornal foi um dos poucos que se aventurou a falar um pouco além de utilidade, conveniência e baixo orçamento como os demais: “Externamente é, como todo mundo com apreço por simplicidade artística e bom design têm de confessar, uma estrutura que irá permanecer por muito tempo um monumento à forte originalidade e concepção artística de designers de Glasgow.”117 Para qualquer um que tenha sido doutrinado na idéia de que a escola foi um prédio revolucionário, que chocou os contemporâneos e que Mackintosh foi virtualmente retirado de Glasgow por estar muito à frente de seu tempo, a silenciosa recepção pode parecer estranha. Mas em verdade, apesar de terem sido limitados, os jornais disseram exatamente o que a escola é: “primariamente utilitária”, “simples”, “com aparência de escritórios” e “adequada em todos os sentidos aos requerimentos da educação artística”. Charles, pelo menos até a execução da primeira parte do edifício havia feito exatamente o que lhe havia sido pedido.118 A escola, já instalada na primeira parte do prédio, sob o comando de Newberry, cresceu tanto que o prédio não só foi concluído entre 1907 a 1909 como recebeu um design levemente diferente do original, um andar adicional e outras adições menores.

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GIROUARD, Mark p.154 GIROUARD, Mark p.154 118 GIROUARD, Mark p.155 117

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Na época da segunda inauguração, dez anos depois, Charles já havia se tornado sócio da agora Honeymann, Keppie & Mackintosh e teve seu nome atribuído a obra. Nessa ocasião ainda menos foi dito sobre arquitetura do que em 1899.119 A escola tem uma relação muito próxima com o arquiteto. Ela dialoga muito com sua personalidade no sentido de revelar seu idealismo e o pragmatismo do seu caráter em busca da perfeição.

120

Além disso ela

representa dois pontos decisivos em sua carreira: entre a concepção em 1896 e a conclusão em 1909 Mackintosh completou praticamente todos os seus grandes projetos em Glasgow. De certa forma é como se a Glasgow School of Art fosse seu primeiro e último grande projeto na cidade.121 Nesse mesmo tempo ela foi mudando por causa das necessidades práticas da escola que naquele momento já eram outras, porque era um hábito de Charles detalhar e alterar os projetos ao longo de suas construções e porque ele mesmo havia mudado muito naqueles anos e, sendo um trabalho cujo processo é tão facilmente confundível com sua vida, ele passava por metamorfoses assim como seu criador.122 Apesar de ter demonstrado extremo cuidado e brilhantismo incomum em outras obras como a “The Hill House” e o “Willow Tea Room”, por exemplo, nada se iguala ao pensamento, criatividade, diligência intelectual e amor que Mackintosh dedicou à Glasgow School of Art.123

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GIROUARD, Mark p.154 JONES, A p.41 121 JONES, A p.95 122 GIROUARD, Mark p.157 123 JONES, A p.41 120

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Fig.22: Edwards Settlement, 1895-98

O edifício é extremamente severo principalmente pelas exigências contidas no regulamento do concurso, como estritas restrições financeiras, que não permitiriam detalhes como os de Martyr’s Public School, e outras especificações como as janelas da elevação norte que “engessavam” os participantes.124 A aceitação dessa severidade talvez tenha vindo, além de ser algo quase que inerente às restrições impostas, da grande publicidade dada ao design vencedor para o Passmore Edwards Settlement em Londres, por A. Dunbar Smith e Cecil Brewer. O anúncio do vencedor foi publicado em 1895 e com ele veio à tona um projeto que eliminou todo o detalhe em favor de paredes lisas de tijolos aparentes e um maciço pórtico de pedra. Talvez querendo uma publicidade similar os diretores do Departamento de Arte e Ciência de South Kensington optaram por aprovar um projeto não acadêmico.125

124 125

WALKER, David p.134 WALKER, David p.135

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5.2 As características do edifício 5.2.1 A Face Norte

Fig.23: The Glasgow School of Art

A face Norte ou a frente do edifício desde os primeiros desenhos desenvolvia-se de forma a manter presente a filosofia de Mackintosh do interior revelar o exterior: uma parte externa que expressava diretamente o que se passava na planta.126 As grandes janelas faziam parte do regulamento, que previa que elas deveriam estar presentes nos estúdios da frente para que os estudantes fossem beneficiados pela luz do dia. Seria, talvez, um reflexo de uma das vanguardas européias mais influentes e importantes desse início do século XX, o Impressionismo, que praticava uma pintura de imagens efêmeras feitas sob a luz passageira do sol? Divagações à parte essas janelas tem um papel essencial no ensino de arte pois provê aos alunos a luz do sol, muito mais rica do que a luz artificial, principalmente no caso fontes de luz elementares que surgiam naqueles tempos de aurora da energia elétrica. É cativante a forma 126

GIROUARD, Mark p.157

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com que Charles compõe brilhantemente a frente do prédio: a simplicidade do trabalho em ferro das janelas com o muro frontal contrastando diretamente com as diversas linhas retas e curvas que surgem nessa elevação.127 A face Norte é dotada de uma forte, porém elegante assimetria que, muitas vezes, passa despercebida frente aos observadores. Ela é tão bem elaborada e harmoniosa à composição que o olhar mais desatento a toma por certa e nem cogita a possibilidade do prédio ser portador de tal atributo. Uma observação mais cautelosa revela que ela é até bem evidente: há diferença entre o número de janelas de cada lado, seus tamanhos e intervalos entre uma e outra.128 Trata-se de apenas um dos encantadores jogos que Mackintosh espalhou por toda sua carreira, mas principalmente pela escola, em que faz com que aquele que observa sua obra participe dela. Essa assimetria harmônica é permitida graças a um artifício compositivo do qual Charles lançou mão: trouxe a atenção do observador para o centro desta face, produzindo um estável equilíbrio visual.129 Esse centro contém a entrada do edifício sobre uma escadaria cercada por muros curvados em forma de “s”. Ao lado dela fica a janela da sala do zelador em uma elevação na parede que sobe e termina com a janela do lavatório do diretor. Ao lado dela fica a saída da sala deste para sua sacada que corta a pequena elevação. Acima da sala do diretor fica seu estúdio com uma torre de escadaria ao lado. Essa parte central pode ser vista de duas maneiras diferentes, mas bem familiares entre si: como o foco da composição, trazendo força ao centro como um pórtico clássico ou como uma honesta expressão da planta. Há verdade em ambas as afirmações, mas há mais aqui do que simplesmente os requerimentos do edifício. O diretor, por exemplo, nunca usou sua sacada, pois não há nada de encantador na paisagem deste lado, e a torre ao lado de sua sala é muito mais alta do que a escada que ela guarda. 130 Todos esse são, em

127

GIROUARD, Mark CRAWFORD, Alan 129 CRAWFORD, Alan 130 CRAWFORD, Alan 128

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verdade, atributos da composição, seguindo aqui o que acontece muito no Free Style, onde a inventividade é a mãe da necessidade.131 5.2.2 A Face Sul A face sul, segundo o regulamento, devia ser feita sem janelas para impedir a entrada de luz do dia, exceto pelo último andar. Não se sabe o motivo dessa determinação, nunca foi feita uma investigação nesse sentido. É curioso pois aparentemente não há nenhum caráter prático nisso.132 Sua análise é bem relevante pois apesar de ser a parte de trás do edifício é a maior das quatro pelo fato do terreno ser inclinado. Este fato torna-a bastante chamativa à distância. Ela é muito importante pois apesar de ser pouco vista é muito bem trabalhada, como não poderia ser diferente no trabalho de um homem tão dedicado e obsessivo com o detalhe, e também porque foi a face que mais mudou nos desenhos ao longo dos anos, desta maneira é como se ela contasse a história da criação do edifício e fosse uma catalisadora de muitas adições.133

Fig. 24: Elevação da face sul apresentada no concurso

Mackintosh encontrou uma saída sagaz para a questão do regulamento sobre a ausência das janelas: recuou a face em dois segmentos, desta forma 131

CRAWFORD, Alan p.35 GIROUARD, Mark p.159 133 GIROUARD, Mark p.159 132

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não seria mais a face sul literalmente falando, o que permitiria a adição das entradas de luz.134 À primeira vista essa face é desconcertante pois constitui-se basicamente de três grandes massas de paredes completamente lisas e pouquíssimas janelas, mesmo nos recuos. Os desenhos que foram submetidos à aprovação do departamento da prefeitura responsável pela aprovação de projetos da cidade já continham algumas poucas janelas nas paredes antes lisas, uma torre de escadaria no ângulo com a projeção oeste. As três faixas continuaram fortes e pesadas, entretanto um pouco menos tirânicas.135 Nesse conjunto de desenhos a face Norte é datada de março de 1897, o que sugere que algumas concessões foram feitas nos seis meses que se passaram desde o anúncio do vencedor. A combinação de telhado inclinado, a torre de escadaria no ângulo, e as grandes paredes com janelas ocasionais revelam que Mackintosh agora tinha arquitetura de castelos escoceses em mente ao projetar esta face.136 Hoje a escola é diferente dos projetos de 1897 pois viria a sofrer novas mudanças na segunda fase de construção. Conforme modificava essa seção do prédio, fazia outras adições ligadas a ela como um novo andar que cobria toda a escola com um corredor que ia de uma ponta à outra no sul, além de duas escadarias uma ao oeste e a outra ao leste. A primeira em substituição à uma pequena, previamente existente, e a segunda inteiramente nova. O resultado de todas as variações é um formidável contraste à severidade e simetria do desenho da competição.137

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GIROUARD, Mark GIROUARD, Mark 136 GIROUARD, Mark 137 GIROUARD, Mark 135

p.159 p.159 p.161 p.161

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Fig.25: Elevação final da face Sul

Conforme a escola era erigida a face sul era particularmente mais repelente aos observadores. As pessoas a viam como um monólito cinza, um assombroso castelo de concreto sobre um precipício que, ironicamente, se encontrava próximo aos adornados edifícios de Sauchiehall Street. Era uma verdadeira afronta.

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Hoje em dia não é mais possível apreciar esse gigante

que antes poderia ser visto à distância pois edifícios foram erguidos à sua frente nessa mesma rua.139

5.2.3 O Oriente e o Ocidente da Escola Mackintosh era um nacionalista eclético e, como já se sabe, a escola pode, em muitos casos, ser lida como um arquétipo de sua personalidade. Assim ele coloca em extremos opostos duas de suas grandes inspirações: a seção oriental do prédio é repleta de temas medievais escoceses e baroniais que ele dizia serem “tão queridos ao meu coração”. E a parte ocidental, contraditoriamente, possui diversas manifestações de seu japonismo.140

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JONES, A p.93 GIROUARD, Mark p.159 140 JONES, A p.42 139

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Fig.26: Face Leste

A Face Leste do prédio é dividida bruscamente em duas por um cano. Ao contrário da face norte, esse lado possui uma composição bem solta, podendo-se tranqüilamente aderir elementos a ela.141 Talvez uma preparação de Mackintosh exatamente para receber novos elementos, tendo em mente que a escola seria feita em duas etapas, permitindo-se assim algumas mudanças como de fato ele o fez. Para tal criou uma composição que permitiria essas adições. A escolha dos itens é bem arbitrária. O arco, que na face norte fica sobre a janela da sala do diretor, aqui está sobre a da sala dos funcionários homens, em nenhum momento estava especificada a necessidade desse ornamento nesse espaço. Também a rebuscada e bem trabalhada janela sob a torre não passa de um mero quarto para as trocas das modelos. Por outro lado a parte à direita do cano é absolutamente vazia. Na época do fim das construções era 141

CRAWFORD, Alan p.36

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ainda mais, pois as duas janelas ao lado da porta foram adicionadas em 1915.142 Trata-se de uma autêntica expressão do que se passa dentro do edifício: ele nos revela a profundidade dos estúdios do outro lado da parede, insinua um corredor visto de frente que corta toda a escola e que à esquerda se encontram uma série de salas menores com diversas funções. É tudo tão claro que é quase como se as paredes fossem transparentes de forma a revelar a autenticidade do edifício e os movimentos humanos que lhe atribuem suas funções. Um prelúdio da arquitetura funcionalista que criou prédios com paredes de vidro que levaram ao extremo essas idéias profetizadas por Charles. Em relação aos estúdios essa limpeza da parede é uma questão de funcionalidade pois não havia motivos para que o arquiteto salpicasse janelas nesse espaço, entretanto, em relação ao lado leste como um todo, em relação à ala leste e em relação à face norte é uma questão compositiva. Se considerarmos o lado leste como um livro aberto teremos uma página repleta de informações e a outra inteiramente em branco. Se considerarmos a face norte e a leste e a pausa que existe na segunda é como se fossem os capítulos de um livro com uma página em branco que os separa ou o respiro entre os versos de um poema. Aqui, pela primeira vez encontramos uma sagacidade ainda mais profunda no trabalho de Mackintosh, um manejo das faces que vai além da composição, transforma-se num teatro em que o espectadorobservador é convidado a participar143 A face oeste é particularmente interessante pois revela a completude da obra de um arquiteto maduro. Essa face é especialmente diferente pois não havia sido inteiramente erguida como a face leste ou parcialmente como as sul e norte na primeira construção.Assim poderia criar livremente com o passar do tempo, sem os obstáculos de idéias anteriores, além de expressar-se e colocala em confronto com as demais faces, revelando o crescimento do arquiteto e artista Charles Rennie Mackintosh. Por esse motivo é a face que mais olha para o futuro e demonstra toda a inventividade e pioneirismo deste gênio. 142 143

CRAWFORD, Alan p.36 CRAWFORD, Alan p.36,38

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Quando o capital para a construção da segunda fase foi levantado a ala ocidental foi inteiramente redesenhada. O primeiro desenho da face oeste foi completamente transformado. Aqui surge em um estado inicial do processo de abstração que seria continuado pelo movimento modernista.144 É principalmente nessa face que se revela uma das características mais relevantes desse arquiteto: o de ser um precursor do movimento Art Déco. O portal é cercado por linhas escalonadas antecipando características desse estilo. Em torno da porta ocorre um movimento bastante singular: a região mais próxima ao batente é elevada enquanto o seu entorno é rebaixado e, sobre a porta, ao invés de uma pedra encerrando o seu perímetro, há na verdade um rebaixamento, algo como a ausência deste que seria a pedra principal desta peça. 145 A face é extremamente bem composta. Logo acima das janelas do térreo há uma linha que divide as pedras rústicas da parede da seção dos estúdios e as lisas pedras do restante da face. Essa diferenciação se dá por um breve recuo de toda a elevação, melhor visto do canto noroeste do edifício.146 A impressão que se tem é de que os estúdios foram encaixados manualmente, com um pequeno desvio, ao restante da escola.

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MACMILLAN, Andrew p.90 MACMILLAN, Andrew p.90 146 MACMILLAN, Andrew p.90 145

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Fig.27: Face Oeste

Sem cogitação, a parte mais imponente desta parte do prédio são as longas e imponentes janelas da biblioteca. A três encontram-se sobre elevações na parede que se estendem nas duas direções: para cima e para baixo. Elas sobem segurando três janelas horizontais e descem para as janelas dos antigos estúdios de arquitetura. Essas elevações, na altura da biblioteca, são contidas em nichos de pedra que também abrigam seis tambores rústicos do mesmo material, dois para cada janela, um em cada lado. Acima disse tudo há um encerramento triangular com um canal recortado que coroa o ápice da escola. 5.2.4 O Interior Por ser o principal eixo criativo para o exterior, o interior é o centro da elaboração intelectual do edifício tornando a sua compreensão muito relevante para a assimilação do todo. 90

Como insinuado pela face leste, o prédio é cortado por largos corredores que vão do ocidente ao oriente. Em todos os andares os estúdios ficam ao norte e as funções de serviço ao sul. As oficinas técnicas foram colocadas no porão, entretanto continuam recebendo a luz do sol através dos telhados inclinados de vidro na face norte. Logo após passar pela porta principal o visitante encontra-se em uma câmara construída para proteger o interior do frio da cidade. Passa-se a segunda porta e se é deparado com uma escadaria que leva até o museu. Há nela um detalhamento sutil que remete a uma viva floresta de feixes verticais de madeira, sendo que os mais largos possuem delicados desenhos de folhas. Tudo culmina em quatro árvores estilizadas que crescem para cima e, no final, seguram o telhado como se fossem suas copas.147 Na escadaria há também um ornamento muito relevante para a compreensão do detalhamento da escola: uma releitura do brasão de Glasgow. Um dos muitos espalhados pelo edifício há nele, aos moldes de Mackintosh, todos os elementos das armas da cidade: uma árvore, um pássaro, um peixe com um anel na boca e um sino. O museu é iluminado pelo sol cujos raios atravessam seu telhado de vidro. A sua escala remete aos grandes corredores de castelos medievais ou mansões baroniais.148 O regulamento do concurso sugeria que o museu fosse um item ligado à escadaria, o que Charles não só acatou como os criou de uma forma que abraçassem um ao outro. Esta característica foi conseguida através dos pilares (as árvores da escadaria) que surgem de um, passam por outro e culminam no teto com uma “lâmina” quadrada sobre cada um. Tal atributo foi provavelmente inspirado na Century Guild Furniture Stand de Arthur Mackmurdo de 1886.149

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JONES, A p.110,111 JONES, A p.111 149 MACMILLAN, Andrew p.99 148

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Fig.28: o museu da Glasgow School of Arts

Em desenhos preliminares as vigas que sustentam o telhado eram de ferro, mas Charles não só optou por madeira como também lançou mão de desenhos de corações nelas aos moldes de Voysey, assim como ornamentos em formas de folha em seu próprio estilo logo abaixo. Mackintosh tinha uma solução específica para cada lugar e deliberadamente virava as costas aos componentes convencionais de ferro da engenharia.150 5.2.5 A Biblioteca A biblioteca, assim como a face oeste, é a culminação da linguagem geométrica que Mackintosh estava desenvolvendo ao longo dos anos e que, até agora, a havia inserido muito sutilmente ou de forma quase imperceptível, combinando-a a curvas. Seu desenho é extremamente complexo mas deriva das suas necessidades práticas ou do bom senso estrutural.151 O espaço central é flanqueado por duas fileiras de quatro colunas de madeira que se estendem até o teto mas que, ao contrário do que podem parecer, não são estruturais.152 Este mesmo teto é constituído de um padrão 150

MACMILLAN, Andrew p.99 GIROUARD, Mark p.167 152 CRAWFORD, Alan p.153 151

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quadriculado semelhante ao das janelas, como se os tivesse retirado da vertical, rotacionado e colocado na horizontal.153

Fig.29: A biblioteca

Fig.30: Lustres da biblioteca 153

GIROUARD, Mark p.167

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Este ambiente é constituído inteiramente de elementos simples mas que foram ordenados de forma muito complexa por motivos mais estéticos do que funcionais. A iluminação, por exemplo, se dá por meio de lustres que são feitos à esses moldes. Forjados em metal possuem uma série de quadrados e retângulos escalonados com muitos outros quadrados positivos e negativos em suas superfícies. Desta maneira, apesar de ser constituído de formas muito simples, produz-se um efeito de rebuscamento e complexidade. 154 No centro das três faixas de janelas que iluminam o ambiente o arquiteto lança uma interrupção à luz natural, uma faixa escura, criando mais um de seus jogos, desta vez manipulando a luz e a escuridão. A biblioteca não é a última, contudo é, sem dúvida, o maior dos devaneios de Mackintosh com as vigas de madeira e é, certamente, seu maior tributo ao Japão.

Fig.31: Viga da estrutura da biblioteca parcialmente bloqueando a entrada de luz.

154

CRAWFORD, Alan p.154

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Mackintosh tinha uma fixação, provavelmente consciente, de levar os usuários de suas construções quase que a outros mundos, por outras experiências e sensações. Apesar de sua notável devoção à sua cidade tinha plena consciência de seus problemas, um deles a poluição. Para contorná-lo ele criou um engenhoso desenho para o aquecimento do prédio em que o ar frio era retirado de fora, aquecido e filtrado para, somente depois desse processo, ser distribuído pelo edifício. Criara um oásis de ar puro na nebulosa Glasgow.155 Assim não só realizava um “fugere urben” aos moldes dos seus colegas Art Nouveau do continente de maneira formalista como também de forma tecnológica: aliviando os usuários e proporcionando-lhes mais uma experiência de viver suas obras. É exatamente por esses detalhes tão sutis como conferir especiais tratamentos a uma face quase nunca vista como a sul, pensar na forma com que o ar adentra as instalações de sua obra, criar releituras do brasão de sua amada cidade por toda a criação e tantos outros que fazem de Charles Rennie Mackintosh um gênio. A Escola representa sua obra-prima, o ápice de sua carreira e da sua inventividade, a síntese de seu pensamento. Sem a escola Mackintosh seria “apenas” um arquiteto-designer de extraordinário poder de sedução, mas por tê-la criado lhe é corretamente atribuído o adjetivo de “gênio”.156

155 156

JONES, A p.110 JONES, A p.42

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Capítulo 6 Mackintosh: Artista, Arquiteto e Designer 6.1 Primeiras manifestações como designer Entre 1893 e 1919 Mackintosh desenhou mais de 400 peças de mobiliário e é neles e na sua estreita relação com seus respectivos interiores que jaz a reputação de Charles como designer. Em apenas uma ocasião desenhou móveis para uma firma, dissociados de projetos de interiores. 157 Apesar de não possuir formação acadêmica como designer iniciou uma estreita relação com as artes decorativas a partir de sua associação ao “The Four” em 1893. Sem dúvida a principal influência foi de sua esposa, Margaret. Mesmo quando não trabalhavam juntos diretamente suas idéias já haviam sido absorvidas e tomavam forma nos trabalhos de Toshie.158 Era muito comum, na sociedade vitoriana, haver uma separação entre ambientes “femininos” e “masculinos” e, claro, em suas respectivas mobílias. A assimilação dessa idéia ou sua subversão é bastante relevante na criação de 157 158

Kirkham, Pat p.227 Kirkham, Pat p.227

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objetos de Mackintosh. É difícil identificar essas diferenças, apesar de, em geral, terem sido comissionados com essas intenções. Charles constantemente “brincava” e “testava” esses limites, por isso é positivo analisá-los como sendo híbridos pois, de outra forma, alguns detalhes e interpretações passariam despercebidos.159 Seus designs são altamente estetizados e ligados ao movimento estético (Aesthetic Movement) e ao Arts & Crafts. Os clientes dos Mackintoshes (é bem conveniente enxergar os dois trabalhando juntos nesse âmbito, pois as referências de um sobre o outro são muito evidentes, sendo que em alguns momentos é inclusive difícil dissociar o trabalho de um do outro) eram geralmente progressistas o que torna os muito mais ligados à esse tipo de produção do que com uma “democratização” do design. Por esse motivo, muitas vezes, dispunham-se a sacrificarem a qualidade do material e da construção em função de um efeito estético.160 Uma de suas ambições era desenvolver uma ornamentação apropriada, livre da restrição da mera reprodução de detalhes e rebuscamentos antigos e antiquados. Com esse norte desenvolveu seus trabalhos com elementos decorativos que se davam de formal sensual, relaxantes, desconcertantes e uma infinidade de outras formas que geram respostas muito fortes nos seus usuários e observadores. Uma de suas mais célebres citações é muito conveniente para ilustrar essa idéia e conseqüentes efeitos: “devemos vestir idéias modernas com trajes modernos – adornar nossos designs com uma elegância viva”.161

159

Kirkham, Pat p.228 Kirkham, Pat p.229 161 Kirkham, Pat p.229 160

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Fig 32: Armário para pia, 1893

A sua produção mobiliária de 1893 a 1896 é comumente rejeitada e merecem ser elevados a um patamar mais elevado junto aos cânones do design Mackintoshiano.162 Segundo Roger Billcliffe seu primeiro móvel “não é particularmente bem sucedido”. Apesar da crítica o armário para pia pode ser visto como testemunha de um trabalho ligado a um movimento progressista estabelecido e demonstra uma preferência por peças proporcionais e elegantes nesse primeiro momento.163 Em 1895 desenhou um armário para copos aos moldes do Arts & Crafts com dois painéis de metal com figuras humanas com o estilo das irmãs Macdonald. No mesmo ano desenhou um banco que foi exposto em 1896 na Arts & Crafts Exhibition Society em Londres. É repleto de detalhes capciosos e que contribuem de alguma forma à composição geral. As pernas frontais tornam-se colunas que suportam a parte superior. Por causa desse encerramento ele recorta as laterais para suavizar o desenho. O encosto é adornado com estênceis florais que contribuem para a natureza estética desta peça de mobiliário artístico, além dos pavões em metal logo acima.164 162

Kirkham, Pat p.230 Kirkham, Pat p.230 164 Kirkham, Pat p.230 163

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Fig.33: Banco, 1895

Para o Miss Cranston’s Tea Rooms em Argyle Street em 1898 desenhou um mobiliário também bem próximo às idéias do Arts & Crafts. Os móveis em geral simples e robustos eram feitos de carvalho conferindo uma dignidade muito característica a esse conjunto, de assumir sua madeira, seu peso, suas cores e texturas, todos contribuindo para a composição das peças tanto individual quanto coletivamente. A célebre cadeira com uma elipse em seu topo, um dos designs mais famosos de Mackintosh, foi desenhada nessa ocasião e reflete muito bem a natureza digna desses objetos. Seu desenho é audacioso por esticar verticalmente as linhas do espaldar, pela elipse que o coroa e pelo seu simbolismo. Apesar de uma simplicidade muito aparente que a aproxima do observador, essas suas características formais são muito exóticas gerando um interesse muita grande sobre a peça. Ao mesmo tempo em que se sente muito próximo dela o observador é intrigado com seu mistério que se torna absurdo e conflitante frente a tamanha honestidade material.

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Fig.34: Cadeira para Argyle Street Tea Rooms

Trata-se da primeira cadeira de espaldar alto de Charles. As pernas de trás são retangulares na vista superior, tornam-se ovais e, por fim, redondas. A elipse tem recortada a figura de um pássaro estilizado em vôo. Há em sua construção uma similaridade muito próxima à sua arquitetura por apresentar peças que parecem ser simples e levemente encaixadas umas à outras. Como em geral ocorre com os trabalhos de Mackintosh muitas leituras são associadas à ela, principalmente à sua elipse. Alguns vêem-na como uma sinalização do artista, outros como um remanescente do “olho que tudo vê” ou uma cabeça humana alongada sobre um corpo andrógino como nos dos desenhos do “The Four”. Um efeito tão simbólico e potente quanto o associado à suas formas é quando são dispostas em torno de uma mesa: mesmo que vazias, parecem ocupadas.165 Elevando-se assim o simbolismo de Charles a um outro patamar, além de mera cogitação simbólica, onde se é criado um efeito sinestésico com interpretações metafísicas. É difícil dizer se tal efeito surge de uma direta associação de suas formas ao “mito Mackintosh” e suas 165

Kirkham, Pat p.230

100

conhecidas brincadeiras compositivas misteriosas e seu simbolismo ou se de fato trata-se de um natural vislumbramento subliminar. Independentemente da origem simbólica desses padrões trata-se de uma experiência no mínimo excêntrica que surge das mãos de um mestre designer. Além da cadeira há outras peças que, apesar de mais simples, apresentam muitas sutilezas e sagacidades. O porta-chapéus consiste de uma base, quatro planos verticais e uma coroa. Diz-se que essa peça fora desenhada para as áreas masculinas de Argyle Street, o que explicaria sua dureza. Entretanto todos os móveis parecem rígidos nesse Tea Room, no entanto nem todos eram “masculinos”, o que nos faz retornar à questão de até onde isso era relevante para Mackintosh.166 Essa ambigüidade se repete na cadeira para a sala de leitura das mulheres que é a mais pesada do estabelecimento. Nesse caso gosto contava tanto quanto gênero.167 Esses objetos, entretanto, apresentam alguns problemas em seus designs, às vezes no projeto, em outras na execução e às vezes em ambos. Um problema comum está no uso de encaixes que não permitem movimentos. Isso ocorre pois às vezes são mais rígidos que a madeira da peça a qual estão atrelados além não são sulcados. Há também pés que não são chanfrados que, após algum tempo de uso, passam a soltar farpas.168

166

CRAWFORD, Alan p.54 CRAWFORD, Alan p.54 168 CRAWFORD, Alan p.54 167

101

Fig.35: encaixes se soltando de cadeira

6.2 Mains Street No ano de 1900 Charles e Margaret se casaram tornando-se oficialmente o casal Mackintosh. Como presente de casamento ofereceram à história do design uma de suas composições mais ricas em termos de interiores e mobiliário: o seu flat no número 120 em Mains Street, Glasgow. Em uma série de contraposições fazem do seu quarto um refúgio branco, conferem à sala de jantar uma sobriedade e honestidade escuras e à sala de desenhos a harmonia da bem sucedida associação de brancos e cinzas com pontos de roxo e rosa salpicados por entre móveis que alternavam entre claros e escuros. Contemporâneos que visitavam o apartamento eram tomados pela sua intensa atmosfera. Hermann Muthesius certa vez o chamou de “mundo dos contos de fadas” em que “um livro com uma encadernação inadequada perturbaria a atmosfera simplesmente por estar sobre a mesa”.169 O quarto era branco, com detalhes coloridos, pequeno e repleto de mobília. Desde 1895 Charles estava vivendo no porão da casa de seu pai, com papel de parede escuro e com friso de gatos no topo e uma grande cama pintada de verde. Agora, sob a influência e a constante e etérea alimentação 169

MUTHESIUS, Hermann apud CRAWFORD, Alan p.72

102

de sua imaginação por Margaret desenhou a cama de casal branca: um santuário de intimidade, celebração e, talvez, inocência.170 No quarto também havia um espelho com dois botões de rosa em vidro rosa próximos ao topo. Para o historiador de design David Brett a curva do espelho é aquela da cintura de uma mulher; tornando-o algo privado e erótico para Margaret. O apartamento era repleto desses detalhes: pássaros, caudas de pavão na escrivaninha, galhos na estante de livros.171 Para Muthesius cada um desses motivos lineares tinha um significado. Alguns representam objetos particulares como uma rosa e possuem significados particulares associados à sexualidade, outros parecem muitas coisas ao mesmo tempo, e podem ser compreendidos como as linhas da natureza. São orgânicas linhas de vida que às vezes conferem à mobília qualidades quase humanas. Para Mackintosh a mobília, assim como todo o conjunto do apartamento tinha uma significância intensamente

sensual

e

pessoal.

Entretanto

nem

sempre

eram

tão

convincentes quando usados por outras pessoas.172

170

CRAWFORD, Alan p.70 CRAWFORD, Alan p.70 172 CRAWFORD, Alan p.70 171

103

Fig.36: Quarto do casal em Mainsstreet (reconstrução no Hunterian Art Galleries, Glasgow)

6.3 Windyhill

Fig.37: cadeira de Windyhill

No mesmo ano do casamento, 1900, Charles desenhou a casa Windyhill para William Davidson. O projeto, firmemente estabelecidos sobre os moldes do Arts & Crafts, possuía uma mobília simples, robusta e honesta: respondia

104

claramente aos gostos de Davidson que, além de amar arte, era um apreciador da simplicidade, ao que parece, beirando a austeridade.173 William não precisava de mobília nova, portanto lhe foram desenhadas apenas alguma poucas peças. No corredor ficava uma das cadeiras mais celebradas de Charles. Assemelhando-se a tradicionais cadeiras escocesas “caqueteuse” ou “gossip’s chair” possui um assento em forma de trapézio com o maior lado para a frente. As suas costas, entretanto, são das menos tradicionais: côncavas e altas inclinam-se levemente para trás. A despeito de suas formas bastante autênticas possui alguns problemas no design: a base das costas prende-se ao chão ao ser arrastada, entretanto sua execução é impecável. Tanto designer quanto artesão foram muito minuciosos, tendo inclusive uma tradicional proteção de madeira em torno do frágil assento de palha.174 Para a sala de desenho da casa Mackintosh criou um excêntrico e maciço armário para livros. Sua parte superior consiste de dois gabinetes separados por um espaço central. Nos lados do armário foram colocados espaços para livros que não podem ser vistos da frente da peça criando um efeito similar ao que ocorreu muitas vezes na Glasgow School of Art: um interior que revela o exterior e a impressão de um espaço que está lá, mas que ao mesmo tempo não está. Charles ao invés de decorar esse espaço vazio ou “abri-lo”, revelando os livros, ele assume a madeira como uma pausa no design que confere peso e robustez à mobília.175

173

CRAWFORD, Alan p.84 KIRKHAM, Pat p.239 e CRAWFORD, Alan p.84 175 CRAWFORD, Alan p.86 174

105

Fig.38: Armário para livros de Windyhill

Fig.39: Mesinha branca de Windyhill

Outro desenho sagaz da mobília de Windyhill é uma mesinha branca do quarto principal. Seus pés são feitos de tábuas com as maiores faces voltadas à frente que sobem e fundem-se ao restante do objeto. Quando vista de lado a mesinha possui pés muito mais estreitos por se estar vendo o menor lado da tábua fazendo parecer um outro móvel, muito mais leve, absolutamente diferente da vista frontal. Um design simples que esconde a sagacidade de Mackintosh. Charles sabe que o observador desatento tomará a simplicidade da peça por certa e é exatamente nela que ele escondem seus jogos visuais, como se reservasse esse presente apenas aos verdadeiros exploradores, dignos de receberem esse singelo “agrado” estético. Crawford o chama de “jogo de direções”.176

176

CRAWFORD, Alan p.86

106

6.4 The Rose Budoir No verão de 1902 o governo italiano promoveu uma Exposição Internacional de Artes Decorativas Modernas em Turim. O casal criou uma sala muito feminina chamada “The Rose Budoir”. Foi apresentado um mobiliário novo que incluía duas cadeiras leves com braços pintadas de branco, uma mesa oval e uma cadeira de espaldar alto. Esses itens, assim como o restante do interior, revelam o design de Mackintosh tornando-se cada vez mais leve, luxuoso, simbólico e talvez até feminino, apresentando uma delicadeza muitas vezes inexistente no mobiliário de Argyle Street e Wnidyhill.177

Fig.40: Cadeira do The Rose Budoir

O relevo do topo desta cadeira é tanto seu ponto fraco em termos de unidade visual quanto a coroação de sua glória. É difícil definir uma representação para estas formas abstratas que já foram lidas como uma face humana, um fantasma de Halloween, um ovário e um testículo. Interpretações em absoluto ambíguas, revelando mais uma vez a sexualidade no trabalho de Charles e suas ambivalências simultaneamente masculinas e femininas.178 Essa cadeira possui um desenho de rosas colocado à altura da cabeça do usuário quando sentado, coroando-o, o que nos ajuda a compreender o 177 178

CRAWFORD, Alan p.95, 96 KIRKHAM, Pat p.239

107

porque esta, assim como a de Argyle Street e tantas outras de suas cadeiras são vistas como fantasmas ou criaturas nos observando. Elas agem como uma espécie de berço para quem nela está sentado. É como se estivessem sempre preparadas para receber alguém, enquanto não são utilizadas ficam à espera, como fantasmas.179 Este estêncil também nos permite compreender outro aspecto muito importante de seu trabalho: Mackintosh seguia a ênfase dada pela Glasgow School of Art de usar materiais e técnicas do dia-a-dia para estetizar a casa da classe média. Através da aplicação de decoração bidimensional em uma forma tridimensional Charles encontrou uma forma barata e eficiente de traduzir as formas do Art Nouveau ao design mobiliário.180

6.5 The Willow Tea Rooms No dia 29 de outubro de 1903 foram inauguradas as mais novas e refinadas salas de chá de Glagow não por acaso chamadas de “The Willow Tea Rooms” no número 217 de Sauchiehall Street. O nome da rua, traduzido para o português seria algo como “aléia dos salgueiros” que, neste caso abrigava o mais belo e simbólico dos salgueiros: as salas de chá chamadas pelo nome desta árvore em inglês: “willow”. Neste projeto Mackintosh, associado à sua esposa, conseguiu algo inédito em casos anteriores como seu flat em Mains Street. Haviam criado, segundo Alan Crawford “um ambiente chique,(...) fácil de ser apreciado e aberto ao público” como grande diferencial. Continua Crawford: “Não poderiam ter se divulgado, e a Miss Cranston, dona do estabelecimento, melhor.”181 Entretanto, como não poderia ser diferente, as características altamente simbólicas e estetizadas desses ambientes, como se irá ver, tornam questionáveis a afirmação de Crawford de ser um ambiente “fácil de ser 179

CRAWFORD, Alan p.96 KIRKHAM, Pat p.241 181 CRAWFORD, Alan p.114 180

108

apreciado”182. Talvez apreciado sim, o que não quer dizer compreendido. Levantam-se algumas questões muito relevantes: há uma necessidade de compreensão para que o trabalho possa ser apreciado? E pode um trabalho, tão profundo e simbólico, como este ser apreciado sem compreensão? Alguém, ou até mesmo, seu criador compreendem na totalidade o que fora feito em Sauchiehall? E tantas outras. Entretanto, apesar de serem questões muito relevantes, fogem às modestas aspirações deste texto e têm por finalidade, ao serem lançadas, promoverem alguns momentos de reflexão ao digníssimo leitor, se este se dignificar a tal. Arte e domesticidade eram os temas destas novas salas de chá e era exatamente essa domesticidade, com a qual Charles lidava tão bem, que diferenciava o estabelecimento dos demais lugares de refresco.183 Seria talvez uma das primeiras vezes em que se veria essa característica aliada a excitamento, antes grandes oponentes agora, sob o jugo de Mackintosh, trabalhavam juntos para concretizar a sua imaginação do artista. A estrutura do empreendimento, em Sauchiehall, já estava lá, o que Charles tinha a fazer era definir os espaços e jogar com eles.184 Foram criadas duas “white rooms”, espaços permeados por paredes, mobiliário e decorações predominantemente na cor branca, característica de alguns de seus projetos de interiores mais memoráveis. No Willow eram os “ladie’s tea room” e o “Salon de Luxe”, ambos concebidos principalmente para mulheres.

182

CRAWFORD, Alan p.114 KIRKHAM, Pat p.274 184 CRAWFORD, Alan p.108 183

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Fig.41: Estrutura de madeira no centro da primeira sala do The Willow Tea Rooms

A sala da frente, utilizada diariamente, era clara e espaçosa com móveis simples e escuros. Na mesa de atendimento ao cliente, onde ficava o gerente, havia uma das cadeiras mais celebradas de Mackintosh a “The Willow Tea Room Chair”. Sua forma pouco convencional, que brinca com o horizontal e o vertical formando uma árvore estilizada, tinha uma finalidade muito específica: funcionava também como biombo.185 Era a forma mais feminina do térreo, característica talvez ampliada pela sua função de esconder algo, de produzir 185

KIRKHAM, Pat p.243

110

mistério, função tão inegavelmente atribuída ao feminino. Apesar de estilizada trata-se de uma leitura bem literal de um salgueiro. As barras verticais do centro formam o “tronco”, surge a “copa” como um triângulo invertido e depois seus “galhos” descem ao longo do perímetro da cadeira para cair na “água”: o assento.186

Fig.42: Cadeira-biombo

No centro dessa mesma sala havia uma estranha e inclassificável estrutura que emoldurava duas mesas: a mais pura e menos estrutural das fantasias em madeira com que Charles tanto gostava de definir espaços.187 Nesse núcleo as cadeiras eram mais baixas e sólidas e nos lados mais altas e com costas em forma de escada, elegantes e abertas em que tensões entre horizontalidade e verticalidade eram tão bem resolvidas.188 186

JONES, A p.167 CRAWFORD, Alan p.111 188 KIRKHAM, Pat p.243 187

111

Ao contrário das alongadas mulheres de Ingram Street, a decoração das paredes desta primeira sala do Willow é um padrão quase abstrato chamado “The Willow Tree”. Suas linhas sugerem mais o desenho de um homem que um próprio salgueiro. A característica abstrato-orgânica da decoração deriva mais de fortes linhas angulares do que da natureza de fato. É como se as curvas estivessem lutando com os quadrados e estes estivessem começando a ganhar.189 Subindo as escadas, decoradas com uma trama na frente de cada um dos degraus, chega-se ao mezanino pintado de rosa, branco e cinza. Permeado por uma série de colunas, como uma pequena floresta de árvores simbólicas, estabelecem-se sobre vigas e seguram um teto que parece quase não ter peso.190

Fig. 43: Mezanino do The Willow Tea Rooms

Após passar-se por esta pequena floresta simbólica chega-se à menina dos olhos do “The Willow Tea Rooms”: o “Salon de Luxe”. Nada aqui é escuro para que não interrompa a clara feminilidade da sala. A cor mais escura aqui é o roxo vibrante da seda na parte inferior das paredes. Os móveis, pintados de prata, incomuns para os padrões da época, inclusive os Art Nouveau, e as inserções de vidro colorido, assim como os vitrais, os painéis de gesso de 189 190

CRAWFORD, Alan p.110,111 CRAWFORD, Alan p.111

112

Margaret Macdonald, as portas de janelas coloridas e o exótico lustre que parecia uma cascata de bolas de vidro colorido, tudo contribuía para a criação da fantasia do ambiente.191

Assim como mobília cenográfica não há

dúvida de que a tinta da mobília é uma imitação de prata, mas é a sua audácia e leve vulgaridade que inebriam e encantam.192

Fig. 44: Salon de Luxe

O “The Room de looks” como o jornalista Neil Munro193 a chamou certa vez, possuía dois tipos de cadeiras. As mais altas se desenham a partir das influências da geometria, linearidade e estilização da Secessão Vienense. Suas associações são ora humanas ora robóticas. Quando vistas de um ângulo em que seja

possível enxergar a curva das costas é impossível não fazer

associações antropomórficas e, quando vistas de longe, em

grupo,

particularmente em frente aos vitrais, evocam árvores.194 As menores possuem uma terminação em V na parte inferior e complementam as maiores, em verdade são virtualmente o núcleo interno das maiores.195

191

CRAWFORD, Alan p.114 e KIRKHAM, Pat p.243 KIRKHAM, Pat p.243 193 CRAWFORD, Alan p.114 194 KIRKHAM, Pat p.243 195 KIRKHAM, Pat p.244 192

113

Trata-se aqui da estética do excesso, da sobreposição de camadas, tudo é muito difícil de ser compreendido à primeira vista. Este não é o Mackintosh minimalista que algumas vezes se manifestava.196 Esta era versão comercial do conceito de sala como obra de arte, de “completa obra de arte”, que havia se tornado a vida do casal. 197 E, como em tal, tudo deveria ser pensado de forma artística: até as garçonetes usavam vestidos e aventais desenhados por Mackintosh, assim como cortinas, carpetes, iluminação, menu e os talheres, além, é claro, do já mencionado mobiliário.198 Mackintosh também desenhou os vasos de flores e, reza a lenda, que era comum ele ir até o estabelecimento antes deste abrir para que pudesse pessoalmente arrumar as flores como queria para garantir que a ambientação estivesse exatamente como desejava.199 6.6 The Hill House Em 1902 Walter Blackie, um editor de Glasgow, queria uma nova casa para sua família no terreno que havia adquirido em Helensburg, a oeste de Glasgow. Blackie e Mackintosh foram apresentados por um de seus empregados Talwin Morris, amigo de Charles. Segundo as lendas que giram em torno de Mackintosh, Charles teria vivido com os Blackie para observar seu estilo de vida. O contratante certa vez disse que: “Ele submeteu os primeiros desenhos para a nossa casa, o interior apenas. Não até que tivéssemos decidido a disposição do interior ele tinha nos submetido desenhos das elevações”, sendo muito coerente com sua filosofia do interior ditar o exterior.200 Custando pouco menos de £6000 a casa é uma das construções domésticas mais bem concebidas do período no reino, o que só faz aumentar a frustração de saber que muitos arquitetos contemporâneos da Grã-bretanha

196

KIRKHAM, Pat p.244 CRAWFORD, Alan p.114 e KIRKHAM, Pat p.274 198 CRAWFORD, Alan p.114 e JONES, A p.164 199 JONES, A p.168 200 JONES, A p.150 197

114

fizeram suas reputações em grandes casas e que Charles tem tão poucos projetos desse tipo concluídos.201 Como muitos arquitetos sérios do Free Style, Mackintosh apresentava suas casas como não tendo estilo. Quando a entregou ao proprietário disse: “Aqui está a casa. Não é uma villa italiana, uma mansão inglesa, um chalé suíço, nem um castelo escocês. É uma moradia202.”203. A planta tem forma de L e é propositalmente divida em três seções. Do sudeste as três podem ser vistas simultaneamente: a oeste, de dois andares, contém grande parte dos quartos da família. A do centro, de três andares, contem a sala de jantar, quarto de hóspedes e um quarto no sótão. A terceira, também de três andares, contém o quarto das crianças e a ala de serviço com depósito, quarto do servente etc. As partes são ligadas pela torre da escadaria que fica bem ao centro. Mackintosh faz uma brincadeira compositiva com a torre e lança uma miniatura sua no jardim para ser o depósito do jardineiro.204 Tudo é muito robusto e diretamente escocês. Ao mesmo tempo em que é muito simples possui uma certa complexidade contida, escondida, que só se revela a quem se dispuser a ir a além de sua simplicidade aparente e proposital, assim como na Glasgow School of Art. Com o pouco detalhe das paredes, logo se começa a reparar nas janelas: são 58 no total, com 40 designs diferentes entre si que variam em tamanho, orientação, tipo etc.205As paredes de harling206conferem-lhe a simplicidade em questão e unificam o desenho, mas trata-se apenas de uma pele que reveste as muitas massas diferentes e complexas do interior.207

201

JONES, A p.151 Em inglês seria Dwelling House que pode ser traduzido como moradia, apesar de não abarcar todos os sentidos que competem ao termo. 203 JONES, A p.150 204 JONES, A p.151,152 e CRAWFORD, Alan p.103 205 CRAWFORD, Alan p.104,106 206 Uma técnica de revestimento de castelos escoceses, semelhante a um chapisco. 207 CRAWFORD, Alan p.106 202

115

Fig. 45: Vista sudoeste de The Hill House

A entrada da casa é uma questão particularmente complexa. É difícil dizer o que Mackintosh queria dizer com ela, talvez estivesse querendo expressar uma estranha relação entre interior e exterior, além de sugerir a espessura e rigidez da parede. É curioso como ela não oferece uma recepção hospitaleira a quem entra como também não é um lugar de transição: é uma fronteira que deve ser ultrapassada para se ir de um mundo para outro.

208

E de

fato o interior da The Hill House é outro mundo. Apesar de o teto ter sido colocado em 1903, a construção só terminou cerca de um ano depois e o interior é do fim de 1903 e começo de 1904. É considerado o interior doméstico mais elaborado do casal.209

208 209

CRAWFORD, Alan p.103 CRAWFORD, Alan p.107-109

116

Fig. 46: Entrada de The Hill House

Passada a misteriosa porta chega-se ao vestíbulo onde todos os traços emprestados do tradicionalismo escocês no exterior desaparecem para dar lugar à uma linguagem única do interior. À direita desta primeira sala ficava a biblioteca. Revestida de madeira escura e decorada com quadrados de vidro colorido é masculina e sóbria. Seria absolutamente retilínea se não fossem algumas sutis e discretas curvas que surgem como que a contradizer as retas e os quadrados, movimento cada vez mais freqüente na carreira de Mackintosh.210 A Hill House pode inclusive ser lida como um ponto de transição entre as expressões mais orgânicas de Mackintosh dos anos 1890 e as geométricas que começam a surgir a partir de 1900.211

210 211

CRAWFORD, Alan p.120 CRAWFORD, Alan p.103

117

Fig.47: Biblioteca da Hill House

Fig.48: Vestíbulo e Hall da Hill House

Do vestíbulo sobem-se quatro degraus e chega-se ao hall. Escuro e retilíneo, assemelha-se muito ao de Windyhill, mas essa é a sua versão de luxo. As colunas de madeira escura na parede têm finos detalhes em vidro 118

colorido próximo ao topo e, entre uma e outra, Charles aplica um estêncil com motivos orgânico-abstratos tão angulosos quantos os do The Willow Tea Room em azul, rosa e verde.212 Ambas as salas de recepção possuem fortes influências do Japão, principalmente no uso de madeiras escuras aparentes.213 Subindo-se as escadas chega-se à sala de desenho. Branca, revestida por estênceis com motivos de rosas envolvendo treliças em verde, cinza e rosa possui três funções: música ao piano, banhos-de-sol no banco em frente à janela e aquecimento próximo à lareira no inverno.214 O teto era pintado de preto dando a impressão da sala se tratar de uma grande e espaçosa caixa sem tampa, unificando todo o ambiente. Em plena conexão com seu amor pela natureza, a janela da sala posta-se em frente ao jardim, unindo os dois visualmente como se fossem um. Ou seja: ao mesmo tempo que traz a natureza verdadeira “para dentro” da sala, a traz em representação com os motivos inseridos nas paredes.215

Fig. 49: Drawing room, The Hill House

O quarto principal lembra muito alguns momentos de Mains Street. Hill House pode ser lida inclusive como sua sucessora; menos intensa, mas maior 212

CRAWFORD, Alan p.120 JONES, A p.152 214 CRAWFORD, Alan p.120,121 215 JONES, A p.153, 154 213

119

e mais luxuosa.216 Por toda a extensão de paredes creme do quarto corre uma delicada trama de rosas em verde-oliva e rosa que se dissolvem em cinza. Os móveis são desenhados para encaixarem-se á arquitetura tanto física quanto visualmente.217

Fig. 49: Quarto principal, The Hill House

No quarto, também conhecido como “The White Bedroom”, a cama fica em um recesso com teto abobadado. A cabeceira possuía painéis bordados com sonhadoras figuras femininas.218 Na composição geral do ambiente há um interessante contraste entre a rica e pálida atmosfera e as duras linhas pretas das cadeiras criando um belo diálogo entre linha e forma.219 Essas célebradas cadeiras de Mackintosh conhecidas como “The Hill Chair” jamais poderiam ter 216

CRAWFORD, Alan p.122 CRAWFORD, Alan p.122 218 CRAWFORD, Alan p.122 219 JONES, A p.154 217

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ocorrido em Mains Street pelo simples fato de serem pretas. Mackintosh já havia criado móveis pretos antes, mas nunca no coração de um desses domínios de feminilidade. Esses embates entre orgânico e geométrico, o feminino que começa a ser invadido pelo preto masculino, em verdade vem ilustrar que algo estava mudando em Charles.

Fig. 50: Armários do quarto principal da Hill House

Essas cadeiras são comumente criticadas por serem consideradas pouco sólidas e inconsistentes, mas foram, provavelmente, projetadas apenas para se apoiar roupas sobre elas, trazendo por terra, mais uma vez qualquer interpretação óbvia que se possa dar a um trabalho de Mackintosh. 220 A casa, como não poderia ser diferente, é repleta de jogos de luz que reforçam os aspectos masculinos e femininos da casa e a subversão de um pelo outro. Entrando-se nela, refugia-se da luz em um escuro e denso vestíbulo, ao lado de uma biblioteca com as mesmas características, sobem-se alguns degraus e chaga-se ao hall que tem meia-luz, sobem-se as escadas e atinge-se uma luz intensa na sala de desenho e no quarto principal. Pode-se

220

CRAWFORD, Alan p.123

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claramente fazer uma leitura muito simbólica desses jogos.221 É somo se ao entrar na casa se abandonasse o claro e fugaz mundo material. Se é recebido por uma densa porém etérea escuridão que vai gradativamente clareando, tornando-se mais leve, como se um corpo impuro estivesse sendo purgado para finalmente poder adentrar um mundo sublime de rosas e brancos banhados por muita luz que nos passam claramente uma idéia de pacífica eternidade. Uma tentativa de alcançar qualquer tipo de perenidade em tempos tão velozes de mudança de século; como uma catedral que tenta escrever em pedra a que veio para fixar-se em meio à mudança de qualquer temporalidade física ou meta-física ao longo dos séculos. Os jogos de luz surgem também dos inúmeros vidros coloridos que se espalham em detalhes pela casa: roxo e azul nos ambientes masculinos e rosa e branco nos femininos; Quando o sol sai, toda a construção responde.222 Todas essas minúcias estão em pleno acordo com o imperativo moral do arquiteto em crer que a harmonia entre arquitetura e design são de inteira responsabilidade de seu criador. Segundo Blackie: “todo detalhe, no interior, assim como no exterior, recebeu sua cuidadosa - diria até amável – atenção”.223 Apesar de todo o brilhantismo Mackintosh era um arquiteto cada vez mais sozinho. Em 1910, enquanto explorava as relações entre curvas e quadrados, a arquitetura britânica estava abandonando as expressões individuais, além do decorativo e do doméstico que foram tão fortes nos anos 1890. O classicismo, ironicamente, se tornava a forma do modernismo para arquitetos progressistas, inclusive admiradores de Mackintosh, que viram no Clássico a linguagem mais apropriada para a disciplina mais forte e impessoal que estavam adotando.224

221

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Olbrich, um desses admiradores, morreu em 1908 e seus trabalhos finais tinham um forte espírito clássico. Hoffmann por sua vez, tinha muito interesse pelo estilo Biedermeier e prédios vernaculares do mediterrâneo o que fazia dele um indivíduo com fortes propensões naturais ao classicismo. Certa vez Marry Sturrock ficou desapontada ao ver seu trabalho tão, como ela mesma teria dito, “Biedermeierish”. Ele respondeu que: “É claro que fui influenciado por Mackintosh quando eu era mais novo, mas isso foi muitos anos atrás”.225 Tudo isso, é claro, doeu muito em Charles. Sobre esse período Walter Blackie

relata

que:

“Eu

o

encontrei

sentado

em

sua

escrivaninha,

evidentemente em um profundo estado de depressão. À minha pergunta de como estava se sustentando e o que estava fazendo ele não deu resposta. Mas logo começou a falar de forma vagarosa e angustiada. Ele contou quão difícil estava sendo não receber nenhum reconhecimento geral; apenas alguns poucos viam mérito em seu trabalho e muitos nem sequer o notavam”.226

6.7 Walberswick No meio de Julho de 1914 o casal decidiu passar férias em Walberswick, uma vila de pesca em Suffolk, para que Charles, principalmente, pudesse descansar. Francis Newberry tinha uma casa na vila que era muito popular entre artistas. O casal se instalou nela e, apenas três semanas depois de sua chegada, a 1ª Guerra Mundial estourou. Teriam voltado para Glasgow mas, segundo Margaret Macdonald relata a Anna Geddes: “Eu induzi Toshie a parar e ter o descanso curativo do qual estava precisando tanto já por quase dois anos”.227 Segundo os mitos que rondam Mackintosh, desolado pela falta de reconhecimento e falta de trabalho decide abandonar Glasgow de vez, se 225

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desliga de sua casa em Florentine Terrace (que era bem similar à Mains Street) e dá as costas à sua cidade Natal. Entretanto essa não é bem a verdade dos fatos, apesar de serem bem similares, o fato e o relato, a diferença entre os dois bem é importante.228 As coisas começaram a dar errado no final dos anos 1900 e início dos 1910. As novas direções da arquitetura moderna acabaram por isolar Mackintosh e faze-lo parecer obsoleto, além de estar sofrendo de depressão. Apesar de tudo, em momento algum decidiram deixar Glasgow. Por acaso estavam fora da cidade quando a guerra estourou e, por algum motivo, nunca mais voltaram.229 Em Walberswick Jessie Newberry, esposa de Francis, conseguiu-lhes um atelier na cabana de um pescador da vila. Charles ajudava Margaret em um painel que estava pintando e ele desenhava flores e cogitava a idéia de publicá-las todas juntas. Esses desenhos assemelhavam-se a desenhos de estudos botânicos com amostras do vegetal estudado sobre um fundo neutro. Foram, no total, 40 desenhos, e essa foi toda a sua produção em Walberswick.230 As pessoas na vila, pela grande circulação de artistas, estavam acostumadas com suas excentricidades em tempos normais. Entretanto se tratava de um momento de guerra em que o estranho sotaque de Charles e suas misteriosas caminhadas à noite pela praia criavam muitas suspeitas nas pessoas. Espalhou-se pelo lugarejo que havia trabalhado na Áustria e na Alemanha: só poderia ser um espião. Em Maio de 1915 autoridades militares apreenderam alguns de seus papéis e cartas desses dois países, as reteve por cinco semanas, e ordenaram que ele saísse da área. Margaret ficou doente de preocupação.231

228

CRAWFORD, Alan CRAWFORD, Alan 230 CRAWFORD, Alan 231 CRAWFORD, Alan 229

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Como patriota que era, resolveu partir para Londres para limpar seu nome. Lá encontrou trabalho temporário com Patrick Geddes. Em agosto de 1915 o casal encontrou dois estúdios, um ao lado do outro em Geble Place, Chelsea, que se tornaria o foco de suas vidas nos próximos oito anos.232

Fig. 51: Fritillaria, Walberswick,1915

6.8 Derngate, 78 Alguns meses depois Wenman J. Bassett-Lowke lhe convidou a alterar a sua casa recém comprada em Northampton para seu casamento que ocorreria em Março de 1917.233 Um verdadeiro modernista inglês, admirador de George Bernard Shaw, manufatureiro de modelos de engenharia e de ferrovias, procurava um arquiteto com idéias modernas.234

232

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Localizada no nº 78 de Derngate, a casa do início do século XIX era pequena com dois quartos em cada um dos três andares e uma cozinha no porão. O trabalho incumbido a Charles foi o de adicionar um banheiro, criar mais espaço, decorar e mobiliar. Este veio a se tornar, apesar de pequeno, um dos trabalhos mais incríveis de sua carreira.235 Na parte de trás da casa, com quatro andares, Mackintosh adicionou uma pequena ampliação que alcançava três andares. A forma branca, retilínea, simples e desenhada para o ar fresco e o sol, foi o mais perto que ele, ou qualquer outro arquiteto britânico do período, chegou do racionalismo do movimento moderno europeu.236

Fig.52: Fundos da 78, Derngate

O interior, no entanto, diferia muito do claro e simples exterior. O hall era inteiro preto: paredes, móveis, teto e chão. Estênceis que se assemelhavam a árvores retilíneas em dourado, branco, verde, azul, vermelho e cinza 235 236

CRAWFORD, Alan p.167 CRAWFORD, Alan p.167

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adornavam as paredes. Uma grade de quadrados abertos e fechados, com alguns de vidros coloridos corriam ao fundo da sala em frente às escadas. Sobre o chão, um tapete quadriculado branco e preto.237 É muito conveniente prestar particular atenção à lareira que se assemelha em muito à entrada da face oeste da Glasgow School of Art que era a mais avant-garde daquela construção. Assim como essa lareira, pelas suas linhas escalonadas, ambas podem ser consideradas como proto Art Déco. O Hall tinha muito a ver com seus últimos designs de interiores, cinco anos antes em Glasgow: o “The Chinese Room” e o “Cloister Room” ambos no “Ingram Street Tea Rooms”, com paredes escuras e frisos de cores vivas, mas os motivos de triângulos eram novos e agora começavam a desafiar os quadrados como sendo seus preferidos, e geram, como efeito ótico, um curioso movimento repetitivo. É claro que nos trabalhos anteriores de Mackintosh havia movimento, mas eram orgânicos, nunca mecânicos, como agora passavam a se manifestar.238 No restante da casa prevalecia uma atmosfera bem diferente. Na sala de jantar enquanto Mackintosh desenhara a lareira, Bassett-Lowke desenhara a mesa circular e suas cadeiras. O quarto principal tinha papel de parede cinza com mobília severa e retilínea. O quarto de hóspedes possuía uma mobília tão severa quanto, de mogno, decorada com quadrados. Não tinham como ser mais diferentes que os “White Rooms” de Mains Street e Hill House.239

237

CRAWFORD, Alan p.168 CRAWFORD, Alan p.174 239 CRAWFORD, Alan p.170 238

127

Fig. 53: Quarto de hóspedes de 78 Derngate

Mackintosh nunca trabalhara antes com alguém que soubesse tanto de design. Dessa forma Derngate se revela de fato como o trabalho de duas mentes masculinas criativas: no hall escuridão e no restante da casa silencioso bom senso, qualidade de materiais e modernismo tecnológico, nenhum dos dois jamais haviam despertado interesse em Charles.

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Fig. 54: Sala 78 Derngate

Ao final da construção de Derngate desenhou o “Dug-Out”, muito similares entre si, para o “The Willow Tea Rooms”. Era escuro, listrado com cores fortes, mobília preta ou de coloridos intensos e lareira ornada com ziguezagues e losangos em vermelho, azul, amarelo e verde. Esses dois trabalhos foram praticamente tudo que Mackintosh fizera nos quatro anos de guerra. Por isso teve muito tempo para se dedicar à pintura. Diferentemente da produção de Walberswick, que surgira como uma terapia, agora cria imagens intensas, ricas e luxuriantes, apresentadas de forma tradicional de naturezas-mortas com o vaso em frente ao observador e a composição floral se dando sobre ele. Há cerca de uma dúzia delas, todas desenhadas com precisão e com fortes sugestões de influências pós-impressionistas e fauvistas, provavelmente pela convivência com os artistas de Chelsea. Agora, na cidade, estava plenamente conectado ao avant-garde nas artes.240 Cartas de 1919 mostram Charles correndo atrás de trabalho, mas a guerra e os poucos contatos em Londres tornaram a tarefa impossível. Então,

240

CRAWFORD, Alan p.175

129

em 1923, apesar de Mackintosh não ter chegado ao ponto de desistir da arquitetura e do design, a conselho de amigos, o casal tirou grandes férias.241

6.9 Port Vendres As longas férias, por fim, tornaram-se quatro anos vividos em diversos hotéis baratos, que, na época eram mais baratos no sul da França do que alugar um apartamento em Londres. Foram o mais ao sul o quão puderam e, ao que parece, foram se mudando de um lugar para outro. Curiosamente tudo que havia dado errado no Chelsea e, anteriormente, no final dos anos de Glasgow, parecia começar a funcionar nesses novos ares.242 Em janeiro de 1924 estavam em Amelie-les-Bains, em abril talvez no porto de Collioure, que havia sido o local de veraneio preferido dos fauvistas: Matisse freqüentava desde 1905, e essa foi, provavelmente, a primeira base do casal. Em fevereiro de 1925 estavam em Ille-sur-Têt, em julho, talvez para fugir do calor, estavam a cinco mil pés de altura na cidadezinha de Mont Louis. O Hôtel du Commerce em Port Vendres, onde chegaram em dezembro de 1925, foi o que o casal teve mais perto de um lar nos anos em que viveram na França. Não era o lugar mais apropriado pra eles pois se tratava de um porto movimentado, não dos mais bonitos. E é curioso como Collioure, refúgio dos artistas, estava tão próximo, a apenas 3kms de distância, e mesmo assim optaram por esse pequeno porto. Talvez fosse exatamente o que Mackintosh precisasse: um retiro, distante do meio das artes e, há a possibilidade também, de que esse lugar por algum motivo lhe trouxesse lembranças de Glasgow.243 Em dezembro de 1925 escreveu para Francis Newberry dizendo: “estou me esforçando para pintar em aquarela – logo devo começar com óleos”. Desse período sobrevivem 41 aquarelas, mas nenhum óleo. Em geral a temática era a de paisagens marítimas, povoados, barcos descarregando. Ele, 241

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130

como sempre fez em toda a sua obra, do que quer que fosse, pintava como imaginava, e não simplesmente como via. Não hesitava, por exemplo, em mover um farol ou uma montanha de lugar para beneficiar sua composição. As pinturas são todas vazias de pessoas, a geometria das habitações tem a mesma rigidez das pedras, como que se revelassem o isolamento do casal de quaisquer pessoas. Por outro lado também revelam uma austera paz que permeia as aquarelas assim como a que parecem ter conquistado nesses anos vivendo na França, percebendo a simplicidade da vida, desligados da metrópole. Tinham 55 e 59 anos quando chegaram à França e antes haviam sofrido muito, mas talvez tivessem chegado a um momento em suas vidas em que o vazio e a completude são extremos muito próximos.244 No começo de maio de 1927 Margaret foi a Londres para tratamentos médicos por quase dois meses. Esse tempo de distanciamento do casal tem um valor histórico muito grande para nos revelar todo o amor que os unia. Mackintosh lhe escrevia todos os dias o máximo de folhas que o selo mais barato lhe permitisse postar. Tratava das coisas mais efêmeras e fugazes como o tempo, o que estava pintando, o que estava pensando. E é exatamente nessa simplicidade de temática que se torna visível a força dos laços que os uniam, pois não era preciso fazer grandes declarações de amor, tudo já havia sido vivido e o que lhes restava era aproveitar o tempo de vida que lhes restava e viver a efemeridade e beleza dessas coisas às quais agora, mais que nunca, Charles dava valor. É nesse momento também em que se pode ver o Mackintosh “Toshie”, o homem comum: ás vezes com raiva, outras engraçado, deprimido.245 Margaret guardou as cartas e, após a morte dos dois, foram parar nas mãos da família de William Davidson que as doou à Universidade de Glasgow com a condição de que nunca fossem publicadas e que fossem utilizadas apenas para fins de pesquisa.

244 245

CRAWFORD, Alan p.189-190 CRAWFORD, Alan p.189-192

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Em 1924 Mackintosh estava voltando a ficar famoso e Charles Marriott, crítico de arquitetura do The Times afirmou que: “Dificilmente é muito dizer que todo o movimento moderno na arquitetura européia deriva dele”.246 No outono de 1927 Toshie ficou seriamente doente com um câncer na língua, não por acaso, pois havia fumado por toda a sua vida. O amigo Rudolph Ihe o levou a Londres para se tratar. Ficou internado no Westminster Hospital onde passou por sessões de radioterapia. Alguns meses depois saiu do hospital sem poder falar.247 Um de seus pedidos a Margaret foi o de poder se sentar sob uma árvore. Ela então alugou alguns quartos em Willow Road em Hampstead, com uma árvore no jardim. Depois mudaram-se para a casa de um amigo em Porchester Square em Paddington. Em 1928 Toshie foi para uma casa de cuidados. Lá morreu no dia 10 de dezembro de 1928. O funeral se deu no dia seguinte em Golders Green Crematorium.248 Margaret, sozinha, retomou a vida de nômade e, de hotel em hotel, via sua vida passar. Em dezembro estava de volta ao Hotel du Commerce. Em 1929 tentou, em vão, organizar uma exposição com os trabalhos do marido. Em dezembro de 1932 ela voltou ao Chelsea, onde os amigos haviam mantido o estúdio de Geble Place; móveis, aquarelas e centenas de desenhos de Glasgow. A companheira de Mackintosh viveu apenas mais algumas semanas e morreu no dia 7 de janeiro de 1933, poucos anos após seu amado marido.249 Não havia como as partes se sustentarem independentes uma da outra, sem os laços que os uniam... Se é que deixaram de unir.

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EPÍLOGO: O Fim dos Erros Honestos Em 1893 quando Charles Rennie Mackintosh entrou no estúdio de J. R. Annan para ser fotografado como artista, ele assumiu essa postura frente à si mesmo e frente à história, onde pertencia. Desta maneira toda a força, fraqueza e originalidade de seu trabalho provavelmente se devem em parte á condição de artista que assumiu.250 Entrou na vida como artista e saiu dela da mesma forma que entrou: como herdeiro da tradição das Higlands escocesas e, depois, como guardião amável dessa tradição. Não com rígidas grades de metal e soldados animalizados pela brutalidade, mas com curvas sutis em pedaços de carvalho e alongadas e sonhadoras mulheres envoltas por rosas, curvas e quadrados brancos, rosas, verdes e às vezes por etéreas escuridões que se guardavam em castelos vestidos de arquitetura fin-de-siécle. O casal Mackintosh viveu até o último momento de suas vidas fidelíssimo à filosofia de J.D. Sedding, em que Charles tanto acreditava: erraram de forma honesta e nunca se renderam às gélidas perfeições do mero estilismo.

Fig.55: Desenho de Charles Rennie Mackintosh com uma de suas máximas.

250

CRAWFORD, Alan p.189

133

Bibliografia ALLISSON, Filippo Charles Rennie Mackintosh: Chaises. Paris : Editora Electra. 1982. ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti 3.ed. São Paulo : Editora Companhia das Letras, 1992. BARILLI, Renato Art Nouveau. Tradução de Wilson Roberto Vaccari. Sao Paulo: Editora Martins Fontes, 1991. BUCHANAN, William Mackintoshes Masterwork. San Francisco : Editora Chronicle Books, 1989. BURKE, Peter Hibridismo Cultural. Tradução de Leila Souza Mendes São Leopoldo : Editora Unisinos, 2006 CAIRNEY, John The Quest for Charles Rennie Mackintosh. Edimburgo : Editora Luath Press, 2004. CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna. Tradução de Regina Thompson 2.ed. São Paulo : Editora Cosac & Naify, 2004. CRAWFORD, Alan Charles Rennie Mackintosh. Londres : Editora Thames & Hudson, 1996. FAHR-BECKER, Gabrielle A Arte Nova. Itália : Konemann, 2000 FIELL, Charlotte & Peter Decorative Art 1900s-1910s. Itália : Editora Taschen, 2000.

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JONES, Anthony Charles Rennie Mackintosh. Londres : Editora Editions, 1900. KAPLAN, Wendy Charles Rennie Mackintosh. Editora Abbeville Press, 1997. MADSEN, S. Tschudi Art Nouveau. Paris : Editora Inova, 1967. NOEVER, Peter Joseph Hoffmann Designs. Munique : Editora Prestel, 1993. SEMBACH, Klaus-Jürgen Arte Nova: a utopia da reconciliação. Londres : Editora Taschen, 2000. SEVCENKO, Nicolau montanha-russa.

A Corrida para o Século XXI: no loop da São Paulo : Editora Companhia das Letras,

2001.

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