Machado 2004 Obrigatorio

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MACHADO, Paula Sandrine. Métodos de Homem e Métodos de Mulher: relações de gênero e decisões por métodos de prevenção. Corpus – Cadernos do NUPACS, Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde / Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 15, 2004

MÉTODOS DE HOMEM E MÉTODOS DE MULHER: Relações de gênero e decisões por métodos de prevenção Paula Sandrine Machado∗

O tema da reprodução sob a perspectiva feminina já foi amplamente analisado e discutido em inúmeros trabalhos (VÍCTORA, 1991; 1996; DURHAM, 1983, entre outros). Como salientam Leal e Boff (1996), tem-se, tradicionalmente, pesquisas sobre essa temática não apenas se debruçando sobre a ótica feminina, como também sendo fortemente realizadas por pesquisadoras mulheres. O próprio universo científico acabou, portanto, reificando sua própria constatação de que às mulheres seria reservada maior propriedade para falar e se preocupar com a esfera da reprodução, enquanto que os homens assumiriam um papel mais periférico nesta discussão, sendo-lhes mais legítimo falar sobre sexualidade. Como apontam Villela e Barbosa (1996), muito disso se deve ao fato de que as raízes dos estudos de gênero estão historicamente ligadas ao movimento feminista. Esse, embora sempre tenha tido como preocupação política e epistemológica desconstruir noções naturalizadas em relação ao masculino e ao feminino, apontando como as mesmas serviam para justificar desigualdades sociais, consolidou-se através de trabalhos voltados à perspectiva feminina. É apenas recentemente, e especialmente através da agenda feminista de debates ∗

Doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vinculada ao Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde (NUPACS)/UFRGS.

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sobre reprodução, controle da difusão da epidemia de HIV/AIDS entre mulheres (HEILBORN; CARRARA, 1998) e violência (COUTO; SCHRAIBER, 2003), que se começa a sentir a necessidade de incluir os homens nas discussões no âmbito da Saúde Pública. Para isso, é preciso, de fato, tornar o conceito de gênero operativo em suas premissas fundamentais: i) as diferenças entre homens e mulheres são construídas pela cultura e não apenas dadas pela biologia; ii) o gênero implica em relação – as diferentes masculinidades e feminilidades constroem-se relacionalmente entre si e estudar uma implica referir-se à outra ou vice-versa; iii) relações de gênero são, necessariamente, relações de poder (SCOTT, 1995). Este artigo busca, portanto, atualizar o conceito de gênero desde sua perspectiva relacional e contextual ao incluir os homens na discussão sobre o tema da reprodução, tomando como eixo fundamental a idéia de prevenção, seja ela no que se refere à gravidez ou a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). O objetivo específico é analisar as representações de homens de uma vila da periferia de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, acionadas no momento das decisões por métodos de prevenção no contexto da interação entre os parceiros sexuais. A divisão êmica entre métodos de homem e métodos de mulher servirá como elemento central e balizador para tais análises. A hipótese que norteia o estudo é a de que os referenciais de gênero não apenas legitimam algumas decisões no âmbito sexual e reprodutivo como são re-afirmados e significados por elas. Como marco conceitual e teórico, utilizo, portanto, o construtivismo social, a partir do qual entendo que a sexualidade e as condutas esperadas de homens e mulheres são categorias construídas socialmente (GAGNON;

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PARKER, 1995; HEILBORN, 1996). Assim, adoto três eixos analíticos, os quais correspondem às categorias de gênero, pertencimento social e representação social. O desdobramento do conceito de gênero permite situar as decisões sexuais e reprodutivas em dois principais níveis de análise: um macrosocial, onde se pode perceber como relações sociais, de poder e representações mais amplas de feminino e masculino interferem nos comportamentos individuais; e outro, da interação entre mulheres e homens, onde se operam negociações e muitas vezes reformulações das regras estabelecidas em um plano mais amplo1. O pertencimento social é considerado, aqui, como fundamental na emergência de determinadas representações sociais que permeiam a vida e as decisões dos sujeitos, entre elas as sexuais e reprodutivas. É importante ressaltar que os dados e reflexões apresentados integram uma pesquisa mais ampla, realizada a propósito de minha dissertação de Mestrado em Antropologia Social (cf. MACHADO, 2003), defendida em janeiro de 2004, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul2. Tal pesquisa adotou a etnografia como metodologia central de análise e investigação.

Durante o

trabalho de campo, foram entrevistados dez homens, com idades entre vinte e trinta anos, que referiam ter práticas sexuais preferencialmente heterossexuais. Além

das

entrevistas

semi-estruturadas,

também

foram

realizadas

entrevistas/conversas informais e observação participante, principalmente em

1

2

Nathalie Bajos e Jacques Marquet (2000), ao defenderem uma perspectiva relacional do risco, demonstram como é fundamental considerar diferentes níveis e contextos sociais para pensar de que forma se constroem sentidos sobre o risco. Esses níveis vão desde o contexto institucional e macrosocial, passando pelo contexto social das relações próximas, o da interação entre os parceiros até o nível intrapessoal. A pesquisa foi realizada com recursos do Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva promovido pelo Programa de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade e Saúde/IMS/UERJ com apoio da Fundação Ford.

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espaços de sociabilidade masculina, como o Bar do Zé e o Clube Campeão3. Os nomes de pessoas e locais mencionados serão trocados para preservar seu anonimato. Além disso, o projeto da pesquisa mais ampla foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e todos os entrevistados que concordaram em participar assinaram um Termo de Consentimento Informado. Ainda que este artigo não se proponha a uma discussão metodológica mais sistemática, não poderia deixar de pontuar uma peculiaridade que permeou o trabalho de campo: a negociação do contato com os informantes, marcada por um estranhamento fundamental e inegável – o de ser uma mulher estudando homens e suas vidas afetivo-sexuais e relacionamentos com outras mulheres. Evidentemente que ser uma mulher tendo como "problema de pesquisa" a masculinidade me trouxe uma série de vantagens na medida em que os homens situavam a todo momento, para mim, aspectos da construção da identidade masculina indicada no encontro com uma mulher. Por outro lado, a diferença de sexo colocou certos empecilhos. Não foram raras as negativas, os acessos barrados e os códigos não compartilhados. Da mesma forma, é preciso apontar a dificuldade encontrada na construção das redes de relações por snowball, técnica que foi sendo adaptada no decorrer da pesquisa4.

Métodos de homem e métodos de mulher 3

4

O Bar do Zé e o Clube Campeão estão localizados na vila onde foi realizada a pesquisa. O Bar do Zé funciona, também, como minimercado. Já o Clube Campeão é um local privilegiado de socialização masculina, onde os homens se reúnem para conversar, beber, jogar sinuca, organizar campeonatos de futebol e carteado. Proponho que essa especificidade metodológica talvez esteja revelando particularidades de gênero e que deva ser pensada no sentido mais amplo dos trabalhos que envolvem homens.

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O espaço social onde foi realizada a pesquisa era fortemente organizado entre “feminino” ou “masculino”, ou entre lugares mais apropriados a homens – e a “certos” homens” – e outros mais adequados a mulheres – ou a “certas” mulheres. O boteco, por exemplo, pode ser considerado um lugar eminentemente masculino, ainda que negociações e ajustes possam ser operados para aceitar ou rejeitar a presença de uma mulher de diferentes formas. Do mesmo modo, existem atividades ou comportamentos que podem ser pensados como mais próprios a “homens” ou a “mulheres”. As divisões dos lugares e tarefas entre de homens e de mulheres, ainda que não possam ser lidas de forma rígida e tampouco como indicadoras de um entendimento binário simples, são reveladoras, no nível das representações, de uma lógica que torna coerente pensar uma também divisão entre métodos de prevenção de homem e de mulher. De

forma

geral,

são

considerados

métodos

de

mulher

o

anticoncepcional oral (que será, de agora em diante, também chamado de pílula, por ser esta a forma usual através da qual os informantes a ele se referem), o anticoncepcional injetável e o DIU. Já os métodos de homem incluem, basicamente, a camisinha e o coito interrompido. A tabelinha foi referida, pelo único entrevistado que relatou ser essa a estratégia preventiva de escolha, como um método do casal. Apenas um dos informantes comentou sobre a vontade de fazer vasectomia, devido ao fato de se considerar com um número já elevado de filhos (cinco). Essa forma de classificação dos métodos empregada pelos homens aponta para, pelo menos, duas questões fundamentais. A primeira delas, a de

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que as decisões não se apóiam em um único sistema de classificação que se resume a diferenciar métodos contraceptivos de métodos para evitar DSTs. Existe, assim, uma outra lógica que também vigora e que parece ser muito importante na escolha e na avaliação de uma determinada estratégia pelos homens. A segunda questão, absolutamente colada à anterior, é a de que a divisão entre métodos de homem e métodos de mulher demonstra que práticas sexuais e reprodutivas não podem ser dissociadas quando se pretende entender o significado do “risco” e da “prevenção” para o universo masculino estudado. A categorização êmica referente aos métodos não é apenas significativa do ponto de vista das relações de gênero, remetendo a noções mais gerais de masculinidade e feminilidade para esse grupo. Ela aparece, mesmo, como muito determinante nas escolhas masculinas frente a diferentes contextos, mulheres (com as quais constituem vínculos diversos) e momentos de vida. A divisão ganha sentido em meio a vários fatores, entre os quais se destacam os aspectos físicos associados ao método e as representações que se tem do próprio corpo e do corpo da parceira.

Jogo de forças (e que forças estão em jogo?)

Conforme



demonstrado

por

Víctora

(1991),

as

práticas

e

representações sobre o corpo, a sexualidade e a reprodução são uma via interessante para entender certos comportamentos, como aqueles relativos à contracepção. É nesse mesmo sentido que utilizo algumas representações

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corporais masculinas para elucidar determinadas escolhas tomadas na direção de um ou outro método de prevenção. Em primeiro lugar, é importante apontar como, quando se trata de capacidade reprodutiva, tanto homens como mulheres podem ser considerados, pelo universo masculino, como fortes ou fracos. Em segundo lugar, de acordo com os informantes, a força ou fraqueza masculina está, em grande medida, relacionada à força ou fraqueza do esperma. Como refere um dos entrevistados sobre um conhecido cuja mulher teve filhos mesmo usando pílula: Pô, o cara deve ter um super espermatozóide pra passar... até a pílula não adianta. (Alexandre, 26 anos). No que se refere aos métodos de mulher e aos métodos de homem, coerentemente com as representações ligadas ao feminino e ao masculino para esse grupo, enquanto os primeiros são descritos pelos homens como mais frágeis, fracos e não confiáveis, e que são, de forma geral, insuficientes para barrar ou segurar o esperma, os segundos são vistos como mais eficazes. Dessa forma, a eficácia ou ineficácia de um método é avaliada no contexto de uma batalha que se trava entre a "força do espermatozóide" e a "força da barreira" erigida pelo método. A pílula, nesse sentido, ao mesmo tempo em que provoca desconfianças porque possibilita que a mulher engane5 o homem, também é sentida como duvidosa no que concerne à sua eficácia. Ela pode ser vista como fraca para segurar um espermatozóide devido a suas próprias características

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Enganar, aqui, está intimamente relacionado à intencionalidade das mulheres quanto ao uso da pílula. Pode significar, por exemplo, que a mesma diz estar utilizando e, de fato, não está ou que não faz uso de forma correta. Supõe-se, nesses casos, normalmente uma intenção feminina de amarrar (engravidando) ou enganar o parceiro. Um dos informantes, por exemplo, se refere ao anticoncepcional oral como enganador.

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físicas – como o tamanho e a consistência. Com relação ao DIU, também aparece a idéia de que não seja capaz de segurar, nem filho nem doença. O espermatozóide, por sua vez, deve ser forte e incansável na conquista do alvo, como o próprio homem6. Um dos informantes, por exemplo, expressa sua dúvida:

Como é que eu vou acreditar num... numa pastilhazinha desse tamanho, com um baita dum homem no meu corpo ou de qualquer outro, vai fazer tanto efeito. Camisinha, não: camisinha tá ali. Dali não sai, não muda nada, tu olha depois ali. E deu. [Volnei, 22 anos]

A camisinha, de outra forma, é percebida como forte, resistente e, ainda que apontada como desconfortável pela maioria dos homens, é vista como um método seguro, já que só a inexperiência (“não saber colocar direito”) ou um espermatozóide muito forte (um super espermatozóide) poderiam prejudicar a sua eficácia. Nesse mesmo sentido, o coito interrompido pode ser acionado como forma de amenizar a força de uma ejaculação e é um método que, por definição, funciona apenas quando o homem demonstra competência para “controlar” o próprio corpo. Além disso, a camisinha e o coito interrompido são valorizados pela visibilidade de sua ação, o que os tornam mais controláveis pelos homens. Os métodos de mulher, por outro lado, agem dentro do corpo e um corpo que não é o do homem, mas o da mulher com a qual se relaciona. Se os métodos são avaliados como de mulher ou de homem, é como se mulheres e homens possuíssem estratégias próprias, que não necessariamente interferem na eficácia umas das outras. O fato de a mulher afirmar usar pílula, por exemplo, não significa que o homem não deva utilizar o preservativo. Isso

6

Sobre as representações de gênero contidas nos relatos “científicos” acerca do óvulo e do espermatozóide, ver Martin (1996).

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aparece na fala de um dos entrevistados ao avaliar a eficácia da pílula como contraceptivo. Ele relata: Bá, se ela toma pílula até ajuda. Mas camisinha é essencial (Diego, 24 anos). Assim, embora as decisões se dêem no contexto de uma relação a dois, na perspectiva masculina não há necessidade de uma conversa entre os indivíduos envolvidos para o estabelecimento de uma estratégia preventiva, especialmente se esta se tratar de um método de homem. De uma forma geral, os homens apontam o uso da camisinha, por exemplo, como uma decisão que compete a eles. Para entender as estratégias adotadas pelos homens na vila em que realizei o trabalho e o uso de diferentes recursos no plano sexual e reprodutivo, portanto, parece insuficiente pensar a negociação nos termos de um diálogo aberto e consciente sobre esse tema. Regina Barbosa (1999) ressalta, nesse sentido, que as negociações em torno da sexualidade e da reprodução não podem ser pensadas de forma dissociada de referenciais sociais mais amplos como o gênero, a idade, a classe e a etnia. Desse modo, ao mesmo tempo em que a divisão entre métodos de mulher e métodos de homem é balizada por noções mais amplas de gênero, está informando sobre elas. O gênero aparece, aqui, não apenas como categoria fundante para pensar as diferenças de comportamentos e sentimentos entre mulheres e homens, mas como estruturante para pensar a sexualidade e as decisões que envolvem a escolha por um determinado método de prevenção. Isso eqüivale a dizer que as representações em torno da masculinidade são fundamentais nas decisões sexuais e reprodutivas dos homens que integram o universo empírico dessa pesquisa. Uma masculinidade que vai se construindo de forma

complexa,

dinâmica

e

que

inclui,

necessariamente,

elementos

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contraditórios. Um tornar-se homem que se constitui sempre no plano relacional com as diferentes masculinidades e feminilidades.

Fases do método

A classificação dos métodos como de homem e de mulher atualiza valores ligados ao gênero. Dessa forma, remete ao plano relacional homemmulher no contexto da interação entre os parceiros. Parto do pressuposto, assim, de que o masculino só se constrói na relação com o feminino e que os indivíduos podem adotar diferentes condutas de acordo com a posição que ocupam nas relações e a que atribuem ao parceiro sexual (DELOR; HUBERT, 2000). Nesse nível,

são

levadas

em

consideração

as

avaliações

classificatórias

e

hierarquizantes atribuídas às parceiras e os diferentes momentos da trajetória afetivo-sexual do sujeito. As mulheres, na vila onde foi realizada a pesquisa, são basicamente classificadas, pelos informantes, em dois “tipos”: como gurias de família, classificação genérica para as mulheres ditas de respeito, e como gurias semvergonha, consideradas menos “recatadas” e oferecidas quando comparadas às primeiras. As classificações levam em conta uma série de fatores, como o comportamento, o lugar onde as mulheres circulam e a rede de relações a que pertencem. Para além da descrição rígida de gurias de família e gurias semvergonha, é preciso ressaltar que essas classificações são cotidianamente manipuladas pelos homens de forma complexa e dinâmica. Assim, esses são

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status variáveis no que se refere a diferentes mulheres, mas também para uma mesma mulher no decorrer de um relacionamento. Ao mesmo tempo, as decisões pelos métodos também vão sofrendo alterações, passando por “fases”, as quais autorizam ora mais ora menos a utilizar um método de homem ou de mulher. É nesse sentido que as diferenciações entre as mulheres são valorizadas e fornecem as bases de avaliação do método mais adequado para se prevenir de perigos específicos. Assim, se por um lado os homens temem as gurias sem-vergonha no que se refere ao risco de contaminação por DSTs, supondo que elas dão pra todo mundo, por outro temem ser amarrados pelas gurias de família no que se refere ao risco de uma gravidez que possa “prendêlos”. Dessa forma, há determinadas situações em que se usa um determinado método baseado no critério de respeitabilidade da parceira, por exemplo. É o que define que, com gurias sem-vergonha deve ser usada camisinha, um método de homem, no qual se deposita muita confiança. Em outros casos, a decisão pode se servir de outra lógica, como com mulheres maduras quando os homens sentem que podem deixar a contracepção ao encargo da parceira, utilizando o critério do amadurecimento. No que se refere à própria esposa ou à mãe de seus filhos, é comum que os homens deleguem a responsabilidade da prevenção para as mulheres, momento em que os métodos de mulher são privilegiados. Esses achados são coerentes com o que descreve a literatura sobre a participação masculina na contracepção. Pode-se pensar que com a união e a paternidade os homens sentem-se correndo menos “riscos”, na medida em que já estariam amarrados e porque apostariam na exclusividade sexual feminina.

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Considerações finais

Ainda que os homens que compuseram o universo empírico desta pesquisa operem fortemente com a idéia de que existem métodos para prevenir DSTs e métodos para evitar gravidezes indesejadas (a qual é extremamente importante para a escolha), o que procurei demonstrar é que existe um outro sistema de classificação atuante. A lógica que permite pensar que existem estratégias mais próprias às mulheres e outras mais próprias aos homens parece romper com a divisão contracepção/prevenção e torna possível explicitar o imbricamento das esferas sexual e reprodutiva nas tomadas de decisão nesse âmbito. Os métodos de homem e os métodos de mulher parecem, então, amenizar alguns “perigos” os quais a perspectiva mais biomédica não se mostra capaz de solucionar. Essa outra categorização empregada atualiza representações de gênero. Ao mesmo tempo em que aponta para as diferenças entre homens e mulheres, constrói distinções hierárquicas entre eles. A dimensão relacional e de poder contida no conceito de gênero ajuda a pensar, assim, em diferenças que acabam se constituindo como desigualdades, as quais possuem conseqüências na vida cotidiana, como nas esferas sexual e reprodutiva (PARKER; AGGLETON, 2002). Dessa forma, a partir das práticas cotidianas que envolvem relações entre homens e mulheres, mulheres e mulheres, homens e homens e também noções mais amplas de gênero, corpo e saúde, abre-se espaço para uma discussão política sobre as relações de poder de uma dada cultura.

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Referências Bibliográficas

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