INTERSEÇÃO CULTURAL: filosofia, juventude e ensino médio Luís Carlos Boa Nova Valério*
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O projeto de pesquisa Filosofia, cultura juvenil e ensino médio, iniciado em agosto de 2004, teve a sua primeira fase de coleta de dados, junto a três escolas estaduais de Santa Maria, na forma de aplicação de um questionário constituído de trinta questões, dividas em três blocos: o primeiro, intitulado “Dados pessoais”, o segundo “Sobre a escola” e o terceiro “Aulas de filosofia”. No primeiro bloco obtivemos mês e ano de nascimento do estudante, sexo, estado civil, se possui filhos, qual o bairro em que reside, com quem reside, se está trabalhando, se pretende fazer vestibular assim que concluir o ensino médio, e qual o curso de sua opção, se faz parte de algum “tipo” de grupo (associação, tribo, gangue, grupo religioso, tradicionalista, etc.), quais os meios de entretenimento e informação que utiliza e se tem computador em casa. No segundo bloco, “Sobre a escola”, na primeira questão, eles tinham sete alternativas para marcar apontando em que setores havia problemas na sua escola; em seguida, dentre seis alternativas, nós pedimos que assinalassem apenas duas às quais julgavam ser o papel mais
importante
desempenhado
pela
escola;
imediatamente,
perguntamos se a escola cumpria com as duas funções marcadas anteriormente. Ainda “Sobre a escola”, solicitamos que mencionassem qual a disciplina que era melhor lecionada; imediatamente, qual a disciplina predileta e por quê? Seguindo neste bloco, sondamos deles se Aluno do 7º semestre do curso de Filosofia da UFSM (Univ. Federal de Santa Maria-RS) e bolsista PIBC. Integrante do Projeto Filosofia, cultura juvenil e ensino médio coordenado pela profa. Dra. Elisete Medianeira Tomazetti dos departamentos de Educação e Filosofia da UFSM. E-mail da coordenadora:
[email protected] Telefones para contato: Oxx55 3025-6838, 3220-9414 ou 9134-5988. Endereço para correspondência: Rua Agne, 237. Bairro Itararé. CEP 97045-010. Santa Maria/RS *
ocorria na escola dos professores faltarem com o respeito aos alunos; se a escola recebia a visita de palestrantes ou realizava seminários internos sobre assuntos relevantes à sua idade; que informassem, também, quais os assuntos que gostariam que fossem apresentados nos seminários. À penúltima pergunta desse bloco eles deveriam dizer “De tudo o que você observa na sua escola, o que mais lhe deixa indignado (a)? E, por último,“Quando você acha ‘chata’ uma aula, isso ocorre por quais motivos? Cite apenas três”. Passando para o último bloco, “As aulas de filosofia”, aplicamos oito questões: “O que você compreende por filosofia?”, “Cite algo que você gostou de aprender nas aulas de filosofia”, “Você tem dificuldades na compreensão das aulas de filosofia? Cite algumas.”; em “Você acha que a disciplina de filosofia:”, colocamos quatro opções sobre que influência a filosofia desempenhava mais fortemente: se a compreensão e reflexão de textos, se pensar em coisas que não fazem parte do cotidiano, ver o mundo e a vida de forma mais crítica, ou a possibilidade de simplesmente se decorar textos (ou conceitos).
Logo em seguida,
perguntamos quais seriam as características de um bom professor de filosofia; também sondamos se antes do ingresso deles no ensino médio já haviam ouvido falar sobre filosofia e, em caso afirmativo, a respeito do quê. A penúltima questão era se eles achavam a filosofia um conhecimento importante para suas vidas. Finalmente, pedimos que fizessem uma relação dos conhecimentos aprendidos em filosofia com a sua vida. Das trinta questões do questionário, dezessete eram subjetivas, o que implicou um trabalho da equipe do projeto sobremaneira denso, dado o volume de informações e a variabilidade das respostas subjetivas. A seguir, procuraremos passar por todas as questões, assinalando de cada uma a quantificação e qualificação final dos dados revelados. Faremos, também, da forma mais precisa possível, algum comentário
adicional depreendido não somente do conjunto das respostas do questionário, mas de nossas sucessivas visitas de observações nas escolas, bem como, principalmente, das entrevistas pessoais com os alunos e professores que foram aplicadas no segundo e terceiro estágio da pesquisa, tendo, estes, sido concluídos até dezembro de 2006. Média de idade nas três séries No que concerne aos gráficos sobre ano de nascimento1, 50% dos alunos da 1ª série possuíam 16 anos de idade, seguidos de 17% que já contavam 17 anos, somados a mais 15% com 18 anos. Contrariamente a esta progressão, 15% deles possuíam apenas 15 anos de idade. Lembramos que estas são médias finais das três escolas pesquisadas. Assim, considerando que o padrão nacional de ingresso na escola fundamental é de 7 anos de idade, os nossos dados mostram que apenas 15% dos alunos estavam rigorosamente atualizados na faixa de idade para a 1ª série do ensino médio. Exatamente a metade deles estava defasada para o 1° ano. No tocante a 2ª série, cujo padrão geral considerado é de 16 anos, vimos que somente 9% encaixavam-se nesta idade. Depois, 45% possuíam 17 anos, seguidos de 29% com 18 anos. Nesta série, somente 1,5% possuía 15 anos de idade: uma exceção. Por fim, o gráfico sobre as idades na 3ª série, apontou que apenas 21% dos alunos tinham a idade padrão de 17 anos a esta série; 54% estavam defasados em 1 ano, portanto, com idade de 18 anos, e 21% com 19 anos; somente 4% contavam já 20 anos de idade. Podemos ver que a defasagem de exatamente 1 ano de idade em relação ao ano de estudo aparece como o maior percentual, incidindo Não esqueçamos que o ano da pesquisa, aqui, é 2005, portanto a idade dos alunos é medida por este ano base, subtraído do ano de nascimento deles. 1
sobre as 3 séries. Temos que considerar que isto não é uma resultante apenas do rematriculamento dos alunos na escola, dado que eles são egressos do ensino fundamental e de diferentes escolas e localidades. Portanto, há uma origem harmônica, que vem desde as séries fundamentais, e que demonstra a defasagem de idade como crônica e não circunstancial ao ensino médio. Sexo, estado civil, se tem filhos, bairro em que mora... Dos 472 jovens pesquisados,
54% eram meninas e 46% meninos;
98%, solteiros e residindo com a família ou amigos; 1,4% disse ser casado
e
0,6%
respondeu
“outro”.
Quanto
à
paternidade
ou
maternidade, 98% responderam que não possuíam filhos. Referente ao bairro em que residiam, 24% informaram morar na região central da cidade, 21% na Cohab Santa Marta, seguido de mais 13% com residência no Parque Pinheiro Machado e 9% no bairro Salgado Filho. Os restantes 32% (divididos igualmente em 8% cada) residiam nos bairros Camobi, Medianeira, Itararé e Patronato. Continuamos, neste segmento da nossa apresentação (ref. ao Bloco I), com os “Dados Pessoais”. Perguntados sobre com quem moravam, nós consideramos, nas suas respostas, apenas quem eram ou quem era o “cabeça” da família. 76% informaram que moravam com os pais; 15%, com a mãe, 3% com avós, 3% com irmão (s) e 3% com a mãe e padrasto. A próxima pergunta queria saber se estavam trabalhando, ao que 64% responderam
que
não,
contra
20%
que
também
não
estavam
trabalhando, porém procurando emprego; outros 14% informaram que estavam trabalhando normalmente e apenas 2% disseram estar trabalhando mas sem receber nenhuma remuneração.
Nossa pergunta seguinte, ainda neste bloco, era se o aluno faria vestibular imediatamente após o término do ensino médio; 56% deles informaram
que
sim
(e
indicaram
o
curso
pretendido);
34%
confirmaram a mesma intenção, contudo alegaram não saber que curso escolher. Somente 10% afirmaram que não fariam vestibular. A nona questão deste bloco queria saber do aluno se ele pertencia a algum “tipo de grupo”; 45% disseram que não pertenciam a nenhuma espécie de grupo; 9% disseram fazer parte de grupos religiosos; grupos de internautas representaram outros 9%; torcida organizada, 6%; grupos tradicionalistas, mais 6%; algum tipo de associação (não especificada), mais 6%; assinalaram o item “tribo”, apenas 3%; e tãosomente 2% disseram ser membros de gangues. No item “outro tipo de grupo” contabilizamos 14% das respostas. Aproximando-nos do final deste Bloco I, perguntamos a eles quais eram os
meios
que
mais
utilizavam
para
informação,
cultura
e
entretenimento. A televisão, obviamente, obteve a primeira colocação, seguida pelo jornal e o celular (que se apresentaram exatamente empatados), vindo em quarto lugar a internet, em quinto, a revista, sexto, o livro, e por último, muito inexpressivo, o gibi. Por fim, à questão sobre se possuíam computador em casa – o que se transformou numa surpresa para nós2 –, chegamos aos seguintes percentuais: 51% ainda não possuíam computador em casa; porém, 49%, sim. Sobre a escola – Bloco II
Por que surpresa? Uma vez que os nossos pesquisados são alunos de escolas públicas, e, portanto, de famílias com rendas per caput em média menores do que os alunos das escolas particulares, achamos o percentual de 41% bastante elevado. 2
Neste bloco, chegamos aos seguintes dados: 37% são de opinião que a principal função da escola é preparar o aluno para o ingresso no ensino superior. Prepará-lo para ingressar no mercado de trabalho representou mais 17% das respostas, sendo que outros 16% disseram que à escola compete a função de oferecer o conhecimento da cultura universal. Mesmo que somemos os dois últimos percentuais, eles não ultrapassam, nem se igualam ao primeiro. Por isso, podemos dizer, sem receio de exagero, que o ensino médio é sinônimo de objetivo de ingresso na universidade. A quarta (15%) e quinta (11%) opções, que obtiveram, então, o total de 26% dos votos, compreendiam, respectivamente, a formação ética e cidadã do indivíduo e o seu desenvolvimento intelectual. Portanto, o ensino médio, para os nossos pesquisados, não significava, senão de forma muito acanhada, um momento importante na formação integral da pessoa. Quanto, em seguida, perguntamos se a escola cumpria com as duas funções que eles haviam assinalado como as mais importantes (preparar para o ingresso na universidade e no mercado de trabalho), somente 63% disseram que sim, mas que a escola as cumpria de forma no máximo razoável, e não totalmente – opção, esta, que apenas 28% assinalaram.
Vejamos, agora, quais foram os principais problemas que eles disserem haver dentro da escola. Registramos, aqui, quatro, dos sete tipos de problemas. Decrescentemente, em quarto lugar, como 12% dos votos, o problema chamava-se “atendimento na secretaria”. O item “falta de organização e normas em geral” ficou em terceiro lugar, com 15% dos votos. Em segundo e primeiro lugares, apontados igualmente com 18% cada, os maiores problemas na escola se chamam “o relacionamento professor-aluno” e a “rigidez das normas disciplinares”. Quando vemos no terceiro lugar a menção à “falta de normas em geral” e, no primeiro lugar a reclamação à rigidez das normas” não se trata de uma contradição, pois os que os entrevistados nos explicaram é que havia uma quantidade muito grande de normas inoperantes ou aplicadas diferentemente aos alunos. Ou seja, com “falta de normas em geral” o aluno estava expressando a falta de normas equânimes e que funcionassem, e que, além do mais, deveriam ser menos rígidas. No gráfico final, para a questão de qual a disciplina que é melhor lecionada, as vencedoras, empatadas em primeiro lugar, foram a matemática e a biologia, seguidas pela física e a química. Ou seja, só vamos encontrar as disciplinas ditas humanas a partir do sexto lugar, com a geografia, em sétimo, a filosofia, em oitavo lugar a história e só em nono a literatura. Disciplinas “melhor lecionadas” parecem ser sinônimo de disciplinas passíveis de serem assimiladas com o rigor da objetividade
e
da
precisão.
“Por
que
uma
disciplina
é
melhor
lecionada?”, foi a questão que acoplamos à anterior, pois através desta eles nos disseram que a didática do professor (64%) era o fator mais decisivo na qualidade do aprendizado. Eis uma excelente justificação para o fato de estarmos incansavelmente atrás da melhor didática para o ensino de filosofia.
As respostas à pergunta posta a seguir – “qual a sua disciplina predileta” – não fizeram mais do que reiterar as posições anteriores: biologia e matemática foram apontadas como prediletas. Contudo, para o terceiro lugar revelou-se uma humanística: a história. Entre o que é melhor lecionado e o que pode ser uma predileção bem pessoal, há um movimento oscilante que, certamente, faz muitos alunos penderem da esfera humanística em direção às exatas, simplesmente pelos efeitos pragmáticos que estas imprimem no aprendizado. Alguém pode dizer que domina determinados conteúdos de matemática; talvez não possa dizer o mesmo quanto à história, à sociologia, à literatura e muito menos em relação à filosofia. Ao menos, no tocante a estas, vê-se sempre envolto em discussões e objeções teóricas de toda ordem. Outro aspecto que devemos considerar é que a maior parte do processo de aprendizado, inevitavelmente, é passiva. O aprendiz espera sempre que aquele que ensina possa fazê-lo sabedor e seja o principal responsável pelos seus saberes. A forma indefectível de algumas disciplinas conquista a simpatia e a tendência
de muitos
alunos.
As ciências e o seu
pragmatismo
convencem pela possibilidade das partes estarem mais seguras em torno dos conteúdos e entre si mesmas.
Pulamos, agora, para outro ponto importante a ser visto com muita atenção dentro da escola: a questão do respeito mútuo. Perguntamos, unidirecionalmente, se ocorria de alguns professores faltarem com o respeito aos alunos; 62% deles disseram ter havido alguns casos, mas que isto não era algo rotineiro; e outros 31% disseram não ter conhecimento deste tipo de incidente. É bem possível que o registro que eles fizeram se referia mais a casos extremos; contudo, precisamos admitir que há nas formas de relacionamento entre mestres e alunos, mesmo
que
subliminarmente
(talvez,
por
isso
mesmo,
também
relevante), uma certa picardia sempre pronta a recrudescer. Portanto, não tomemos como um quadro tão alentador os percentuais aí revelados. Sobre seminários e palestras na escola - como forma de “ventilar” o conhecimento e tirá-lo da rotina do dia a dia - perguntamos, primeiramente, se a escola realizava tais eventos, focando sobretudo os assuntos concernentes à adolescência: 69% responderam que algumas vezes a escola proporcionava isto; 13% informaram que, em média, apenas uma vez por ano ocorria alguma palestra; diferentemente, 9% informaram que havia em torno de três palestras por ano; e, praticamente o mesmo número anterior, 8,8%, disseram que a escola nunca proporcionava tais oportunidades. O grau de contraposição entre as informações pode ser deduzido de uma série de circunstâncias, tais como: ausência do aluno nas ocasiões dos encontros ou mesmo por ocasião do convite; desinteresse, e por isso esquecimento, em relação a este
tipo
de
Perguntamos,
atividade também,
extracurricular,
e
que
gostariam
assuntos
outras
possibilidades. que
fossem
apresentados na escola: eles se restringiram a mencionar os mesmos que foram escolhidos pela escola: drogas e sexualidade; itens que somados a mais 15% dos que não responderam ou não especificaram, chegamos a um total de 42%. Podemos concluir que o interesse deles,
restritivo e coincidente com o da escola, denota um empobrecimento da sua curiosidade sobre assuntos tanto ou mais importantes do que estes. A pergunta a seguir é outra daquelas que nos causaram alguma surpresa. Perguntamos a eles o que lhes deixava mais indignados em tudo o que observavam na escola. Com 31%, em primeiro lugar, disseram que era com relação ao comportamento dos próprios colegas; 15% (2°lugar) o regimento interno da escola e, em terceiro lugar (14%) a relação aos professores. Depois, informaram “com relação à própria escola”
(9%),
“não
responderam”(8%),
“em
relação
à
infra-
estrutura”(7%), não responderam nada(5%), e por último, em relação à direção da escola, (5%). Como dissemos acima, os 31% nos causaram surpresa, pela simples razão de que isto mostrou uma disposição equilibrada deles, tanto para criticarem a escola e os professores como para exercerem a autocrítica. Somada a insatisfação deles com o regimento da escola e com os professores, o resultado não alcança o mesmo percentual de censura que infligiram a eles mesmos. Quanto às aulas, pedimos que nos dissessem por que afinal uma aula é “chata”. Novamente aparece o elemento didática como altamente decisivo: 48% deles disseram que uma aula que não tem uma boa didática só pode se transformar em algo muito chato. Somaram-se a estes, outros 24% que consideraram a “disposição” do aluno uma boa razão para uma aula se tornar chata. O aluno que está sonolento, irritado ou preocupado, por exemplo, tem poucas condições de valorizar o momento da aula. Em terceiro lugar, 14% informaram que as características pessoais do professor influenciam muito neste tocante. Todos nós, que já passamos pelos bancos escolares, sabemos como é fácil cognominar professores por seus traços pessoais; “lá vem a gasguita ou a gralha”, “ih! Hoje tem aula com o pigarrento” (professor que tem a voz mais ou menos característica dos fumantes). Lógico que, muitas das caracterizações pejorativas feitas pelos alunos nem sempre
servem para confirmar o desprazer deles por uma aula. Às vezes, eles enaltecem um paradoxo: “bah, aquela professora é gritona, mas as aulas dela são muito boas” ou “aquele professor é durão mas a gente aprende com as aulas dele”. Ficamos com estes 86% apurados nessas três respostas à pergunta sobre o que torna uma aula chata. Os últimos doze gráficos desse questionário – lembramos - que foi aplicado na primeira fase do projeto Filosofia, cultura juvenil e ensino médio, ao longo de 2005 – e que comentaremos a seguir, dizem respeito unicamente à filosofia. Último Bloco – Sobre as aulas de filosofia Vejamos o que eles nos responderam quando perguntamos sobre o que compreendiam por filosofia (tomamos aqui 4 itens, que perfazem 69% das respostas). Em 4° lugar, com 9%, disseram entender a filosofia como “a busca de respostas”, 12% acharam que a filosofia é “a ciência que estuda o conhecimento”, 19% compreendiam a filosofia como “pensamento e reflexão crítica”, e em primeiro lugar, com 29%, disseram que era “a disciplina que permitia a compreensão do mundo, da vida, da cultura e dos seres humanos”. Portanto, pensamento, reflexão, crítica e compreensão são, na visão dos alunos, palavras-chave que dão conta do universo conceitual da filosofia. Quanto ao que gostaram de aprender com esta disciplina, 25% citaram a
mitologia,
17%
destacaram
a
história
da
filosofia
e
14%
mencionaram a ética, a política e a cidadania. O restante, 6% não responderam, os demais (4% cada) mencionaram a) a linguagem, b) a reflexão e o discernimento, c) não especificaram, d) nada responderam, e) a lógica, e por último, f) mencionaram as “dinâmicas” (exercícios práticos ou técnicas psicológicas desenvolvidas em sala de aula). Tivemos ainda aquele que seria de fato o último item, e que
denominamos com “não especificaram ou não souberam responder”, e que consistiu em 3,8 das respostas: informação que não serviu à questão colocada. A nossa interpretação sobre os três primeiros percentuais, que foram expressivos e situados dentro dos conteúdos da filosofia, é de que as respostas indicadas corresponderam diretamente ao que eles estavam aprendendo durante aquele semestre ou no semestre anterior. Portanto, conteúdos que ainda estavam muito presente na memória dos alunos. Quanto aos restantes 44%, infelizmente, tivemos que supor que um conjunto de ações desconexas entre si3 levaram os alunos a uma confusão e a um aprendizado insuficiente com a filosofia. Diante deste panorama, o que podemos pensar quando 81% deles responderam que não possuíam nenhuma dificuldade de compreensão das aulas de filosofia? Podemos pensar muitas coisas, e certamente desabonadoras não só aos alunos, mas sobretudo aos professores. Dado que pelo envolvimento daqueles com a disciplina, conforme vimos acima, não é possível atestar que a dificuldade que não possuem com a filosofia tem relação com um aproveitamento mais sério dos conteúdos. Não é outra a razão por que tantos educadores e filósofos têm se dedicado a pensar qual o modo (ou modos) melhor (es) de trabalhar com a filosofia no ensino médio. Pois a adolescência não é, a princípio, uma época da vida naturalmente compatível com o exercício filosófico. O ensino de filosofia tende, nas três séries da escola média, a fazer um percurso dissimulado: ele não pode nem assumir completamente a Uma baixa qualidade das aulas pode ter sido resultante da falta de planejamento, falta de didática, deficiência de materiais para compor um bom programa e outros fatores, bem como o professor não possuir formação na área específica em que atuava. Enfim, uma série de fatores que podem ter levado os alunos a um distanciamento completo da disciplina, a ponto de elegerem “dinâmicas” como o que mais gostaram de aprender, ou apenas “reflexão e discernimento” como a única coisa que lembravam após um ano ou mais de filosofia. 3
personalidade de ensino de conteúdos, configurando a filosofia como uma disciplina de investigações claras, objetivas e técnicas, nem pode abstrair desta situação elevando-se à condição de uma reflexão quase metafísica do pensamento e da crítica. Por essas razões, presumimos o que representa aqueles 81% nos dizerem que não têm dificuldades com a filosofia, o que só faz aumentar a nossa preocupação e a complexidade do problema que é o ensino de filosofia na escola média. Assim,
o
nosso
questionamento
seguinte
a
eles,
isto
é,
mais
especificamente aos 19% que reconheceram ter dificuldades com a filosofia, foi sobre quais eram essas dificuldades. A complexidade dos textos e dos conceitos foram apontados por 36% deles como os maiores obstáculos, e mais 26% responderam que era a didática do professor. Em terceiro lugar constou o desinteresse deles pela filosofia, com 13%. Pedimos,
também, que nos dissessem que “função”
ou “papel”
relacionavam à filosofia. “Ver o mundo e a vida de forma mais crítica” reuniu 53% das indicações, e outros 27% situaram-se no papel da filosofia como a “reflexão e compreensão de textos”. Podemos ainda mencionar que 18% disseram que a filosofia possibilita “pensar as coisas que não fazem parte do dia a dia”. “Para você, quais são as características de um professor de filosofia?” foi a nossa quinta questão no último bloco do questionário. Dado que eles mencionaram diversos predicativos tais como boa didática, calma, extroversão, interatividade, criatividade, responsabilidade, amor pelo faz, criticidade, inteligência, autoridade, ser bem informado, autoestima, nós decidimos dividir em dois grupos tais predicados: aqueles que denotam características objetivas4 do professor, como a didática, Consideremos como objetivos, aqueles predicados que podem ser aperfeiçoados por uma formação técnica, capacitadora, como buscam alguns programas mais avançados de licenciaturas; e subjetivos, os predicados que dependem muito mais da caminhada pessoal, íntima de cada um. 4
autoridade, interatividade, criticidade, boa informação, e as subjetivas como
a
espontaneidade,
extroversão,
simpatia,
gosto
pelo
faz,
responsabilidade, bom humor, auto-estima, paciência e outras. Ao final, chegamos aos seguintes resultados que definiram o que era para eles um
bom professor de filosofia: 58% relevaram as características
objetivas, e os demais 42%, as subjetivas. Para a grande maioria dos alunos, portanto, são as características objetivas, passíveis de serem qualificadas pela formação e a experiência profissionais, as mais importantes. Ou seja, se pensarmos em termos de “compensações”, para a grande maioria deles talvez fosse admissível aceitar um professor pouco simpático ou durão, mas competente; contudo, o contrário não aceitariam, pois estariam definitivamente prejudicados. O nosso próximo questionamento apontou para o vasto problema da cultura. Perguntamos se antes de ingressarem no ensino médio eles já haviam ouvido falar em filosofia; 57% não tinham ouvido falar; não tinham, minimamente, uma idéia do que fosse a filosofia. Os outros 43% disseram que sim, que já haviam ouvido falar. Então, quisemos saber, dos que haviam ouvido falar, o que tinham ouvido. Destes 43%, 25% não souberam dizer o que, não especificaram nada; 19% simplesmente não responderam; outros 19% ouviram alguma coisa sobre a história da filosofia, sem mencionarem o que; mais 16% disseram que o que tinham ouvido falar era que se tratava de uma disciplina chata, inútil, sem sentido; 12% souberam algo sobre a mitologia; e os restantes 9% tinham tido aulas de filosofia no ensino fundamental. As questões sobre instrumentação e enriquecimento cultural são por demais complexas para serem levantadas aqui. De toda forma, se tivéssemos que discuti-las, iniciaríamos por mídia x escola, e certamente não terminaríamos tão cedo de analisar todos os aspectos que deveriam ser modificados para que pudéssemos ter jovens ingressantes no ensino médio com alguma formação cultural diferente
da que está aí; que pudessem, dentre outras coisas, dizer algo diferente da filosofia, não por intermédio da própria filosofia, mas através da sua própria vida, dos seus relacionamentos, da sua visão mais nítida e aguçada do mundo, dos seus gostos e, mais do que tudo, de suas atitudes. Mas não é o que está aí, tão pouco sabemos se é possível chegar nesse suposto lugar melhor, dado o estágio com que nos deparamos hoje. Encaminhando-nos para
o final
das análises dos
nossos dados,
chegamos a outra questão que não deixa de ser curiosa. Disseram eles, 82%, que a filosofia era um conhecimento importante para as suas vidas. E destes 82%, 40% afirmaram que era porque a filosofia possibilitava a compreensão da vida, do saber, do homem e do mundo, e outros 32% alegaram que ela estimulava a reflexão e a criticidade. E apenas para fechar com mais 10%, estes últimos enalteceram a qualidade da filosofia em proporcionar uma nova visão do mundo. Eis que o que desconfiávamos, a saber que as indicações muitas vezes positivas dos nossos pesquisados, como nas recém colocadas, poderiam ser muito mais formais,
do que concretas ou reais. À nossa última
questão, quando pedimos que relacionassem os conteúdos aprendidos em filosofia com a sua vida, 27% deles não souberam responder, 14% fizeram uma relação na base da ética e da política, 11% mencionaram uma relação com a reflexão dos problemas cotidianos, mais 10% não especificaram ou não responderam, e outros 7% falaram sobre a autonomia
do
pensamento;
apenas
para
tomar
mais
um
item
percentual, 5% disseram que não havia relação entre os conhecimentos aprendidos e a sua vida. Consideração final
Todos os dados que acabamos de observar, e que com certeza podem ser ratificados não sem algumas diferenças e desvios, por outras pesquisas de âmbito nacional, apresentam a mais real situação da escola, da educação e da cultura em nosso país. O ensino de filosofia, decretado em 2006 como obrigatório no ensino médio para todas as escolas do país, passa a ser um grande desafio para professores, pedagogos, alunos e até mesmo pais. Certamente, a grande maioria dos professores de filosofia (os que têm formação em filosofia), deve estar encarando o ensino da sua disciplina – que eu prefiro chamar de “o trabalho com a filosofia” – com grande e impostergável preocupação. Como uma missão, literalmente. A índole de um professor de filosofia, em geral, tem uma constituição absolutamente diversa dos professores das demais disciplinas. E a questão não está no temperamento pessoal de cada um, mas naquilo que a própria disciplina impõe. A filosofia impõe uma série de condições sui generis. Ela não aceita a intervenção direta, idiossincrática, da índole do professor, senão que lhe exige um dobrar-se às condições específicas que ela, filosofia, traz em si. Não que tais questões sejam inexoráveis, pois que esse não é o modo de ser da filosofia, mas que os problemas adotados por ela têm forma (podemos até dizer fórmula) para serem tratados. E nenhum professor de filosofia, seja da escola média ou até mesmo dos círculos acadêmicos, a princípio, jamais deveria descuidar dessa realidade. Ora, diante de uma consciência de trabalho e estudo para lidar com a filosofia, não é exagero falarmos que é missão o que se torna o aprendizado filosófico (entre alunos e professores) na escola média. As contingências, adversidades, enganos e desenganos fazem parte, inevitavelmente, do trabalho com a filosofia na escola, de forma singular e, não raramente, abrupta - algo nada comparável ao ensino de qualquer outra disciplina. Não bastasse todo esse jogo de forças e
esforço de compreensão conjuntos, atuam as incertezas (muitas apontadas na nossa pesquisa) sobre uma educação debilitada e culturas fugazes, com múltiplas identidades, identidades que não obedecem mais à ordenação do tempo, porque o tempo foi tragado pelo virtual. Muitos conceitos dessas culturas não têm tempo de vir a ser, e não raramente deixam de ser já quando experimentam estar entre as pessoas de uma comunidade. Conceitos que já nascem apartados de quem os utiliza. São os novos conceitos culturais que funcionam à base de simbiose e mutação. Eis o máximo da fugacidade. Acaso será possível imaginar um espaço de desmemorias dentro da história? Impossível. Esse máximo de fugacidade tem a sua cota de responsabilidade na corrosão que sofre o corpo social como um todo. Corrosão que atinge em primeiríssimo lugar a educação, nos seus lugares mais nucleares: a família e a escola. Eis então, que a filosofia (que a essas alturas mais parece um gigante vetusto, inaudível) se habilita a incorporar a missão de decifrar o frenesi do efêmero, de uma dialética de forças excessivamente antagônicas como a virtude e a virtualidade, e que paradoxalmente têm a mesma raiz, virtus, mas que são ato e potência em histórias de espaço e tempo quase separados. A filosofia continuará a fazer o que sempre procurou fazer: atualizar o que é virtual e desvirtuar muito do que é atual. Ou seja: o que tem potencial para
existir como
valor e mérito5deve
ser
atualizado;
contrariamente, muito do que está aí – superatual - e perdura com potência de valor e mérito degenerescentes deve ser desvirtuado6. Ver o que coloca Pierre Lévy em seu O que é o virtual? – São Paulo: Ed. 34, p.70, quando diz que “três processos de virtualização fizeram emergir a espécie humana: o desenvolvimento das linguagens, a multiplicação das técnicas e a complexificação das instituições". 6 “Privar de mérito ou prestígio (...) depreciar a virtude, o valor, o merecimento” - palavras do prof. Aurélio Buarque de Holanda acerca de desvirtuar; ou seja, desmerecer e isolar o que (já ou nunca teve) não tem 5
Essa é a missão da filosofia e dos que com ela se submetem ao trabalho filosófico, quase insano, de culturalizar largos campos inférteis da vida humana para encontrar maior conforto e felicidade em comum.
valor.