O PENSARE E OS ESPAÇOS DO FILOSOFAR
Ethon Fonseca
[email protected]. Ivone Bengochea∗
[email protected]
O PENSARE, Centro de Estudos de Filosofia, Educação e Humanidades é uma associação civil sem fins lucrativos, formada por professores e profissionais na área humanística com o objetivo de permutar vivências, buscar a valorização profissional e, basicamente, pensar o ensino das disciplinas, através de uma reflexão em grupo, viabilizando a revitalização do saber filosófico e humanístico e o aprimoramento da docência. Foi organizado, em 1993, por um grupo de professores de filosofia no ensino médio, durante o Seminário Pensando o Ensino que se Ensina, sediado na PUCRS, promovido pela Editora Moderna e por entidades educacionais. As atividades do PENSARE consistem, essencialmente, em estudar, pesquisar e construir espaços culturais curriculares e extracurriculares que incentivem a expressão e a discussão da literatura filosófica e humanística através de projetos de Educação Continuada, Leituras Impertinentes, Intercâmbios Culturais e outras ações como encontros, oficinas, cursos, seminários em parcerias com entidades educativas culturais, sindicais e associativas. Integramos, com os demais segmentos educacionais e da sociedade civil a luta, recentemente vitoriosa, pela explicitação legal da Filosofia e da Sociologia na grade curricular das escolas de ensino médio. Entendemos que o acesso à educação e à cultura é direito de todas as pessoas e também, é nosso dever como educadores, professores de filosofia e das áreas humanísticas e possibilitar o ∗
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encontro dialógico com a leitura e com os acervos filosóficos, históricos e culturais, heranças dos conhecimentos construídos e acumulados pela espécie humana. São perceptíveis as conseqüências das lacunas ocasionadas pela longa ausência da não obrigatoriedade legal do ensino de filosofia e sociologia no que se refere aos conhecimentos da temática filosófica e humanística. Grande parte da população egressa da escola pública apresenta muito pouco conhecimento neste campo de estudo. Entretanto, a carência de conhecimentos de temas filosóficos, sociológicos e humanísticos não impede que as pessoas, quando instigadas, despertem interesses pelos assuntos. “Mulheres e homens somos os únicos seres, que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito rico do que meramente repetir a aula dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. (Freire, 2004, p. 69). Os alunos de um modo geral, os jovens e os adultos e a comunidade escolar como um todo, quando provocados e reunidos em torno da leitura, interpretação apresentam
e
debate
resultados
de
textos,
satisfatórios,
criação
gráfica
movidos
por
e
textual
uma
grande
aventura criadora, como assevera Freire. A escola brasileira encontra-se imersa no emaranhado de questões dramáticas em seu cotidiano tais como: as situações de múltipla violência urbana, indigência do vocabulário dos alunos, indisciplina
generalizada,
drogadicão
precoce
da
juventude,
desestímulo dos professores entre outras mazelas. Muitas vezes, cobra das disciplinas humanísticas, em especial da filosofia, que apontem caminhos e soluções que a sociedade não consegue vislumbrar. Os administradores escolares, equivocadamente, esquecem que não existe escola e educação sem filosofia para basilar seus
pressupostos teóricos e suas ações práticas. Assim, “O educador não pode realizar sua tarefa e dar a sua contribuição histórica se o seu projeto de trabalho não estiver lastreado nesta visão da totalidade humana. À filosofia da educação cabe então colaborar para que esta visão seja construída durante o processo de sua formação. O desafio radical que se impõe aos educadores é de um indigente esforço para a articulação de um projeto histórico-civilizatório para a sociedade brasileira como um todo, mas isso pressupõe que se discutam, com rigor e profundidade, questões fundamentais concernentes à condição humana” (Severino, 1997, p 14 e 15). Compreendendo que o currículo não consegue abarcar todo o fluxo
de
informações
e
conhecimentos,
valores
cognitivos
e
pedagógicos que as cidades incluem para dar sentido ao exercício consciente da cidadania e que também, não existe desenvolvimento econômico sem desenvolvimento educacional e humano. Assim, seria um equívoco separar a atividade filosófica da realidade circundante. “A filosofia é uma atividade teórica de reflexão e de crítica de problemas que a realidade apresenta e esses problemas refletem necessidades e exigências de uma época e de uma realidade; nesse sentido, a filosofia só poderá encontrar a sua “verdade” na sua “adequação” a essa realidade concreta que não é permanente, mas fundamentalmente histórica”. (Cartolano, 1989 p. 19). O ensino de Filosofia é visto, muitas vezes, como um saber inútil, sem nada a ver com o cotidiano da escola e das pessoas e, em algumas situações, como um remédio eficaz para todos os males que assolam a educação como um todo. Sobre a visão da inutilidade da reflexão filosófica nos valemos de um diálogo do imortal cartunista Quino e a sua personagem Mafalda quando questiona seu amigo Manolito sobre o conteúdo do jornal que ele está lendo.
Mafalda − O que tem neste recorte de jornal Manolito? Manolito − As cotações do mercado de valores.
Mafalda − Valores morais? Espirituais? Artísticos? Humanos? Manolito − Não, dos que servem para alguma coisa (Quino, Todo Mafalda, 1993 p. 56).
É verdade que a Filosofia não interfere no funcionamento do mundo dos negócios, não coloca o alimento nas nossas mesas, não organiza o espaço aéreo e o pouso dos aviões, não traz receita para os nossos desconsolos existenciais. Talvez por isso a relutância dos legisladores em incluí-la nos currículos do ensino médio para entabular o pensar e os questionamentos de Mafalda, no nosso mundo permeado pelo consumismo, pelo imediatismo, pela ditadura do mercado de valores, onde tudo é comprado, inclusive os corações e as mentes da juventude. Entretanto, a filosofia tem as suas urgências nas veredas contraditórias
do
mundo
contemporâneo
que
nos
remete
à
necessidade de pensar porque “na arte de pensar por nós mesmos aprimoramos a sabedoria de nosso ser como na arte de ouvir aprimoramos o entendimento dos sons Então, no ouvir degustamos o saber do som e pensar degustamos a sabedoria de vida”. (Buzzi 1992, p. 8). A filosofia como também nenhuma outra disciplina escolar carrega em si a varinha mágica da transformação social de que tanto carecemos. Mas, todo o educador consciente tem em vista a importância do ser humano como sujeito histórico e político que passa a dizer sua palavra, deixando de ser repetidor e apropriando-se efetivamente de conhecimento, resignificando e criando os seus espaços na valorização da interação dialógica entre os diversos saberes debatendo criticamente sua inserção no plano existencial. A plenitude da cidadania, não pode e não deve ser apenas expressão que dorme placidamente nos textos oficiais, prescindindo de
prática
permanente,
continua
e
cotidiana.
A
experiência
democracia reflete-se na moldura do modo de vida em que cada ser humano expressa a sua individualidade como desdobramento da ética
da vida e no mundo concreto. “Só se aprende para a vida quando não somente se pode fazer a coisa de outro modo, mas também se quer fazer a coisa desse outro modo. Só essa aprendizagem interessa à vida e, portanto, a escola. Tal aprendizagem é, inevitavelmente, mais complexa que a simples atividade informativa” (Teixeira, 2000, p. 65). Portanto, a educação no seu sentido pleno necessita de homens e mulheres conscientes, informados e com capacidades de solucionar os seus próprios problemas éticos e morais. Os estudos realizados pelo PENSARE, nas escolas públicas de ensino médio, em 2002, destacam que a Filosofia, mesmo sendo um dos mais antigos campos do saber humano, transita nas escolas de ensino médio sem a desenvoltura das demais disciplinas do currículo. Incompreendida pelo sistema escolar, que não tem claro o papel no ensino como um pensar problematizador e não uma coleção de problemas. ”A filosofia impede a estagnação que resulta do nãoquestionamento” (Aranha, 2002, p106). A filosofia na escola ainda carece de legitimação mesmo que legalmente explicitada. Em nossos dias, muitas escolas de ensino médio nas redes públicas e privadas contam com a Filosofia em suas grades curriculares. Porém, o olhar mais detalhado torna perceptível que seu papel no currículo ainda carece de sentido: não existe clareza pelas coordenações pedagógicas e do sistema escolar como um todo acerca do papel da filosofia e sua especificidade. Em
boa
parte
dos
discursos
oficiais
e
na
retórica
das
autoridades brasileiras, o ensino de filosofia é exaltado como um componente indispensável para a formação integral dos jovens e como ferramenta para o desenvolvimento da consciência crítica e da cidadania. Essa glorificação da disciplina de filosofia não está restrita apenas à retórica dos discursos, mas está gravada, no mínimo em dois textos. Trata-se de duas cartas de intenções, assinadas no exterior por autoridades brasileiras: a “Declaração de Paris para a Filosofia”, em 1995, e o “Relatório Jaques Lecors”, em 2001.
A Declaração de Paris, por exemplo, é subscrita por filósofos de várias partes do mundo. É resultado de uma enquête entre os países filiados a Unesco sobre a situação do ensino de filosofia. Contém, além disso, uma vasta reflexão filosófica de caráter propositivo sobre o assunto. A declaração também contempla a urgência em propagar a educação filosófica, tornando-a acessível para a maioria dos cidadãos. No
texto
ainda
destaca
que
“a
educação
filosófica deve ser
assegurada por professores competentes, especialmente formados para esse fim e não pode ser subordinado a nenhum imperativo econômico, técnico, religioso, político e ideológico” (Carta de Paris, 1995). Por sua vez, o Relatório Jaques Delors é o documento dirigido para a Unesco da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, onde recomenda que a educação deva ser organizar em torno de quatro grandes aprendizagens: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Os dois textos documentais, mesmo sendo elaborados em espaços de tempos distintos. Porém, ambos recomendam não só a necessidade
de
conhecimentos filosóficos para a formação da
cidadania e apontam para a urgência da explicitação da filosofia como disciplina que deve fazer parte integrante da grade curricular de forma inequívoca. Neste sentido, é fundamental a investigação sobre o lugar da filosofia no ensino médio e o papel que a disciplina desempenha dentro dos currículos, já que a explicitação legal já é uma realidade em nosso país. Entre as inúmeras deficiências que envolvem o ensino de filosofia são perceptíveis: a carência de referenciais teóricos e metodológicos; a diminuta carga horária; os conteúdos desconexos e desconectados da realidade; e o fato de um número expressivo de professores da disciplina não serem habilitados para tal exercício.
O primordial no ensino de filosofia é despertar o espírito filosófico e possibilitar ao estudante o pensamento reflexivo e critico forjador das próprias idéias, despertando a atitude de diálogo e situálo como um ser que pensa, reflete e interage no mundo com seus semelhantes. ”Ora saber pensar é na essência a capacidade de questionar criticamente, interpretar a realidade e conhecimento disponível, avaliar processos e assim por diante. Simples treinamento não basta porque conserva a pessoa como objeto útil” (Demo, 1994, p. 25). Assim, temos em frente muitos desafios. Como sensibilizar os professores para que possam refletir sobre suas vivências diárias na sala de aula? Como incentivá-los a construir espaços que melhorem o ensino de filosofia? Como proporcionar aos profissionais do ensino uma formação aprofundada nos níveis teóricos, prático e criativo orientada para docência.
Bibliografia
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