INVADINDO A FLORESTA: DOENÇAS EMERGENTES E GESTÃO DE FLORESTAS TROPICAIS
Monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em GestãoAmbiental
Prof. Orientador: Prof.Dr. Josimar Ribeiro de Almeida Aluna: Laura Pereira de Melo Março de 2004 RESUMO A expansão humana sobre território ainda ocupados por florestas tropicais é inevitável. Ela se dá de diversas formas, no sentido de que pode ser um movimento “expontâneo” ou organizado; oficial ou clandestino; por parte de particulares ou empresas, ou mesmo de cunho governamental. Em todos os casos o planejamento da ocupação deste território é no mínimo precário. Ele ocorre sem bases organizacionais adequadas, sem respeito ao principio de precaução e sem conhecimento adequado do meio ambiente com o qual as populações humanas serão postas em contato.
Este trabalho tem a intenção de oferecer exemplos e alguns dados e reflexões na tentativa de alertar para este problema; tem ainda a intenção de levantar questões pertinentes ao problema desta interação humano/floresta e apresentar questionamentos úteis ao planejamento de Unidades de Conservação.
ABSTRACT
The civilization expansion over tropical forest lands is inevtable and happens through different ways, in tehe sense that can be a ‘ spontaneous’ move or organized; official or unofficial; held by enterprises or individuals; or even as a governmental decision. The planning in all situations of this mentioned territory is, at leas, precarious.The occupation occurs without basic organization, lacking precoutions procedures and with no proper knowledge of the environment in which people will be exposed to. This work aims not only to do means to aware the Society for this individual/forest interaction become a potential problem, hence bring useful questions for Conservation Units planning.
ÍNDICE. Introdução .................................................................................. ........... 1 Objetivos .................................................................................. ............. 4 Justificativas .................................................................................. ........ 5 Metodologia .................................................................................. ......... 6 I.A exceção e as espécies ..................................................................... 7 II. Histórico de doenças, cidades e migrações ...................................... 10 III. Mudanças globais ............................................................................. 12
IV. Invadindo a floresta: a colonização ................................................... 17 V. As doenças e as alterações: informações e exemplos ....................... 31 VI. Gestão, risco e prevenção .................................................................. 43 Considerações Finais .............................................................................. 47 Bibliografia .................................................................................. ............. 51 Anexos
Introdução. A tendência das populações humanas é a de se expandirem sobre a superfície do planeta. Diversos são os motivos e causas desta expansão, desde os mais simples aos mais complexos: aumento populacional, expansão da fronteira agrícola, problemas fundiários, crescimento urbano desordenado, exploração de recursos naturais ou ocupação estratégica do território. Em todos estes casos, embora de maneiras diversas, o homem está invadindo as florestas. Para Ribeiro de Almeida “Embora seja inevitável que a maior parte do mundo caia sob a administração humana, os sistemas devem ser mantidos tão próximos de seu estado natural quanto possível para manter os processos dos ecossistemas naturais intactos. Como uma regra geral, quanto menos alterarmos a natureza, mais fácil será sustentar o mundo numa condição saudável.” (2001:.22 ) Mais complexo e talvez mais danoso do que meramente reduzir o tamanho das áreas de florestas – o que consiste em outro problema grave – esta invasão representa duas coisas: um tipo de contato específico, caracterizado pela formação de uma espécie de ecótono; uma situação de superposição ou convivência em um mesmo espaço ou ambiente de uma ecologia eminentemente humana e a ecologia própria das
florestas tropicais. Neste caso se enquadram as situações de extrativismo, favelização de periferias urbanas, grilagem e invasão de terras e todas as demais torrentes humanas que acompanham a abertura de estradas e a criação de pontos de colonização. Esta região fronteiriça é uma região crítica para a problemática das doenças infecciosas transmitidas por vetores artrópodes. O segundo tipo de contato está no dos grandes empreendimentos econômicos e de infraestrutura. Nestes casos, além do contato – talvez mais bem estruturado, pelo menos em relação ao espaço ocupado pelo empreendimento em si – há atividades de interferência no meio ambiente que podem atualizar potenciais problemas de saúde com mosquitos transmissores de doenças. A gestão ambiental de florestas tropicais é um desafio, onde quer que tais florestas existam e principalmente quando se trata de um país onde muitos recursos se localizam em áreas florestais, e quando grandes porcentagens do país são cobertas por elas. Nestes casos as estratégias de gestão devem englobar também questões de saúde pública que se coloquem além da preocupação com saúde ocupacional e do trabalho. Isto porque a riqueza destes ecossistemas inclui vários vetores de doenças conhecidas e desconhecidas. Deste tipo de gestão faz parte também a análise dos riscos envolvidos, assim como a busca de maiores conhecimentos destes ecossistemas que ainda permanecem em grande parte desconhecidos do homem. A percepção de que as doenças infecciosas estão voltando à ordem do dia devido a fenômenos como a resistência a medicamentos e ao surgimento de novas doenças, encaixa-se na questão da gestão (uso e ocupação) de florestas, pois o contato mal planejado e o desconhecimento dos efeitos possíveis sobre a ecologia local causado pelos empreendimentos, está demonstrado em diversos trabalhos de levantamento realizados sobre vetores e doenças em áreas de florestas tropicais. Após um período em que tal tipo de doença parecia ter sido controlado, com a maioria das doenças infecciosas sendo mantidas sob controle ou debeladas pelo uso de novos medicamentos, vacinas e avanços da medicina, vemos o problema reaparecer na esteira de diversas atividades humanas. O imperativo do desenvolvimento se mantém em todas as sociedades, com a modificação importante da preocupação com o meio ambiente, que tem levado à busca do desenvolvimento sustentável, à criação de legislação adequada e ao incentivo à educação ambiental em diversos níveis da sociedade. Para atingir esta meta de desenvolvimento sustentável, se faz necessário levar em conta a pratica da gestão ambiental especialmente adequada às florestas tropicais, que têm sido invadidas pela cultura e populações humanas, e assim orientar corretamente e de forma responsável e conseqüente qualquer processo de tomada de decisão em relação ao futuro das florestas tropicais. A espécie humana, como todas as outras espécies, está sujeita ao encadeamento de todas as coisas. Como todas as formas de vida, está inserida em um ecossistema. As sociedades que constituem não são senão uma outra forma sob a qual a noção de ecossistema pode se apresentar; e tais sociedades ou comunidades sociais ocupam um espaço. As interações ecossistêmicas ocorrem neste espaço físico e representam, portanto, cada uma, um reflexo espacial. Há, então, uma espacialidade própria a cada interação, o que inclui as doenças. Em ambiente rural ou urbano as manifestações de doenças, contágios, morbidade, mortalidade, apresentam aspecto espacial. A gestão do espaço humano de modo responsável e proveitoso depende da compreensão de uma série de fatores. Tais fatores envolvem diversas atividades humanas e seus impactos sobre o meio ambiente . Estas atividades podem ser fatores desencadeadores de doenças e problemas de saúde pública, basicamente causados pelo contato ou proximidade de humanos, vetores e agentes patológicos, de maneira que tal contato pode ser explorado pelos agentes patológicos de modos novos e desequilibrados. Vale a pena citar aqui o pensamento de Konrad Lorentz em seu livro Civilização e pecado. Segundo o autor as interdependências que existem entre espécies animais e vegetais, em um mesmo espaço vital formando uma comunidade ou
biocenose são extremamente complexas e a adaptação mútua, que se realizou ao longo de períodos de tempo com ordem de grandeza geológica e não correspondente à história humana, levou a um equilíbrio frágil. As transformações lentas causadas pela evolução ou por mudanças progressivas das condições climáticas compromete este equilíbrio do espaço vital. Por outro lado, mudanças e intervenções súbitas, por menores que pareçam, podem ter conseqüências inesperadas e até catastróficas. A ecologia humana se transforma com rapidez muito maior que a de todos os outros seres vivos, provocando modificações profundas e levando mesmo à ruína das biocenoses nas quais vive e das quais vive. O ser humano tende a fabricar por meio da agricultura, da criação animal e da tecnologia, uma nova biocenose cuja viabilidade, a longo prazo, é problemática. Isto ocorre porque a solução daquilo que para o homem passou a constituir um problema, e antes era um fato natural, geralmente acarreta o surgimento de dois novos problemas, muitas vezes não previstos pelos meios naturais de solução de problemas. Isto se chama desequilíbrio.
Objetivo. O objetivo deste trabalho é trazer para a discussão dois problemas relacionados à gestão de florestas tropicais: • O primeiro se refere a uma crítica quanto à forma como se tem dado o contato entre as populações humanas e os ambientes de floresta tropical, em especial a Amazônia. • O segundo espera levantar a questão de como tem sido feita a gestão destas florestas em termos da prevenção e da análise de risco do surgimento de novas doenças e ao re surgimento de surtos de doenças já conhecidas.
Justificativa. A importância deste trabalho está no pouco e nas poucas vezes que é considerado o impacto microbiológico nas diversas formas de interação humana com os ambientes florestais. É, igualmente, de grande importância na medida em que, de modo geral, os impactos são considerados dentro de prazos de tempo que não correspondem bem aos prazos temporais que a natureza leva para responder aos impactos. Como demonstrado em alguns exemplos apresentados neste trabalho, estudos realizados na Amazônia sobre a incidência de doenças relacionadas a perturbações de áreas florestais e à presença humana nestas áreas perturbadas, há risco de se desencadear problemas de saúde pública relacionados com o surgimentos de doenças novas e com o reaparecimento de doenças já conhecidas e consideradas controladas. Este trabalho, ainda que sendo uma abordagem bastante simples do problema, mostra alguns dados que sugerem a necessidade de se proceder a estudos e análises de risco mais profundos e melhor adaptados, respectivamente, para apoiar as tomadas de decisão quanto à gestão de florestas tropicais nas quais e sobre as quais o homem vem se instalando
Metodologia. Neste trabalho foi usada a pesquisa bibliográfica e consultas à Internet, incluindo os sites www.amazonia.org.com, www.ipam.org.br, www.healthnet.org, www.scielo.org, www.cdc.gov, www.cienciaecultura.bvs.br entre outros. A bibliografia de base para a construção do argumento central foi a transcrição de uma palestra do Prof. Ulisses E. C. Confalonieri, titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz sob o título Ecossistemas, desmatamento e saúde humana; o texto de Pedro F. C. Vasconcelos intitulado Gestão imprópria do ecossistema natural na amazônia brasileira resulta na emergência e reemergência de arbovírus; no livro A próxima peste, de Laurie Garret. Este material foi complementado por diversos textos dos Cadernos de Saúde Pública; Revista de Saúde Pública e Journal of the Brazilian Association for the Advancement of Science. A metodologia empregada baseou-se em apresentar um relato do cenário da ocupação das florestas e os modos de manejo e gestão empregados contrapondo-os a estudos que apresentam evidências da impropriedade dos mesmos, dos riscos inerentes a estes e da questão bastante negligenciada da atenção à discrepância
entre os tempos cultural sócio-econômico humano e o tempo dos processos biológicos e naturais. Para os exemplos de doenças foram escolhidas a malária; o dengue; a febre amarela e diversas doenças consideradas emergentes como as transmitidas pelos vírus oropuche; mayaro, encefalite de São Luís; gamboa gamboa e sabiá, entre outros menos conhecidos. Os vírus a que se refere o trabalho são os arbovírus; vírus e doenças de outras espécies foram mencionados como exemplos do desequilíbrio ecológico em ambientes florestais pela presença imprevidente do homem.
I A exceção e as espécies Para a maioria dos micróbios, a expressão da doença é a exceção. E sabemos que muitos vírus não produzem doença nem mesmo quando são introduzidos em um animal; e, em muitos casos, isto ocorre porque os vírus não conseguem infectar o animal de maneira nenhuma. Por que isso ocorre? Acontece que os vírus, ao contrário das células animais da maioria dos outros microrganismos, não se reproduzem por aumento de tamanho seguido de divisão. Eles penetram na célula e, com a ajuda dela, sintetizam os elementos necessários e os reagrupam para formar novas partículas virais. Para que possa haver continuidade na replicação de um vírus, é necessário que ocorra a síntese de dois elementos principais, isto é: é preciso produzir as proteínas para formar o revestimento externo, dar estrutura ao vírus e facilitar os processos bioquímicos; e é preciso copiar o genoma viral. A infecção de uma célula por um vírus pode se dar de variadas maneiras. De modo geral, o vírus penetra a membrana celular da célula alvo; para isso deve haver a combinação específica de uma parte da camada externa do vírus (no caso de vírus com envelope) com um segmento da molécula de proteína presente na superfície celular. O local da membrana celular onde a interação ocorre chama-se ponto receptor do vírus. No caso de vírus sem envelope, a penetração ocorre por endocitose. A partícula é como que engolfada por uma invaginação da membrana da célula alvo. Uma vez dentro da célula, ocorre a replicação viral. As fases finais desta replicação envolvem a associação dos ácidos nucleicos e das proteínas do vírus. Aqueles que se associam completamente e com isso adquirem “infecciosidade”, enquanto ainda estão dentro da célula, só irão ser liberados quando esta romperse permitindo a saída das partículas virais que se formaram, provocando a morte das células. Os vírus, após completarem este ciclo de replicação e serem liberados da célula, estão livres para infectar outras células alvo. Quando uma quantidade grande de vírus se forma e é libertada num determinado tempo, podemos encontrar no plasma sangüíneo partículas virais “livres”, isto é: fora do interior da célula. Este fenômeno é chamado viremia. A viremia é geralmente transitória e está
associada aos sintomas agudos clínicos, como no caso da febre da malária. O fato de os vírus só conseguirem crescer em células, às quais precisam estar adaptados para poder concluir o processo apresentado, costuma restringir a faixa de hospedeiros do vírus. De modo geral é impossível encontrar um animal capaz de ser infectado por um vírus do ser humano. No caso dos vírus, a norma é uma faixa restrita de objetivos. As moléculas receptoras tendem a ser muito específicas. Muitos vírus não conseguem produzir doenças nem mesmo quando são introduzidos em um animal; em muitos casos só ocorre porque o vírus não consegue infectar o animal em circunstancia alguma. Entretanto, não se pode tirar conclusões apressadas: exemplos demonstram que existe muita variação quando se trata das capacidades de infecção de vírus entre espécies diferentes e até em relação à idade dos hospedeiros. Este é caso ilustrado pelo vírus (no caso, um retrovírus, o que faz alguma diferença) da leucemia no macaco gibão: é capaz de provocar leucemia quando é transmitido a um macaco gibão jovem, mas não provoca nenhuma doença quando é inoculado em outros primatas. Por outro lado, o herpes saimiri não produz doença no seu macaco hospedeiro “normal “ mas, quando é injetado em alguns outros tipos de macaco, consegue induzir um câncer dos gânglios linfáticos (linfoma). Quando consideramos a questão da passagem de vírus que infectam animais e de como podem passar a infectar seres humanos, a história apresenta muitos casos interessantes. Casos que parecem mostrar que esta migração específica não é tão rara assim. “Os principais assassinos da humanidade, ao longo de nossa História recente: varíola, gripe, tuberculose, malária, peste bubônica, sarampo e cólera, são doenças infecciosas que se desenvolveram de doenças animais, embora a maioria dos micróbios responsáveis por nossas próprias epidemias agora esteja, paradoxalmente, quase restrita aos seres humanos.”, segundo Diamond ( 2001 :196 ). Devemos ficar atentos para situações onde a semelhança entre agentes patogênicos pode significar um caminho futuro de mutação. Sabe-se que o vírus do sarampo é parente próximo do vírus causador da peste bovina. Essa grave doença epidêmica se manifesta no gado e em muitos mamíferos ruminantes selvagens, mas não no homem. O sarampo, por outro lado, não atinge o gado. Podemos estabelecer quatro fases na evolução de uma doença humana a partir de um precursor animal. • Diretamente de animais domésticos ou de estimação: a leptospirose dos cães, a brucelose das vacas e a psitacose de galinhas e papagaios. Também podemos contrair doenças de animais selvagens como a tularemia de coelhos . • Um antigo agente patogênico animal evolui até o ponto em que é transmitido diretamente entre pessoas e causa epidemias. Foi o caso do vírus O’nyong-nyong no leste da África, em 1959 e transmitido provavelmente por um vírus de macaco, por meio de mosquitos, a seres humanos. A doença apareceu e desapareceu de forma misteriosa, após “imunizar” aqueles que se recuperaram. Outro caso foi o da sweating sickness, na Europa e Inglaterra, entre 1485 e 1552 e cujos sintomas não puderam até hoje ser relacionados com qualquer doença conhecida. • Antigos agentes patogênicos de animais que se alojaram em seres humanos, não desapareceram e ainda podem, ou não, vir a se tornarem grandes assassinos da humanidade, como o ebola e a febre de Lassa. • Doenças epidêmicas restritas aos seres humanos, que são as sobreviventes evolutivas da passagem dos animais para os humanos. Podemos especular a respeito do que acontece durante estas fases, quando um doença exclusiva dos animais se transforma em uma doença exclusiva humana. Uma transformação pressupõe a mudança do vetor animal intermediário, quando um micróbio, que depende de um vetor artrópode para a transmissão, muda-se para um novo hospedeiro. Neste caso o micróbio pode ser obrigado a encontrar um novo artrópode também. Este foi o caso do tifo. Esta doença era transmitida inicialmente, entre ratos, por pulgas de ratos, as quais por um tempo também foram
capazes de transmitir a doença a seres humanos. Posteriormente, o agente patológico passou a ser transmitido a humanos pelos piolhos do corpo humano, o que foi uma forma mais eficiente de transmissão para humanos. Atualmente uma nova rota foi “descoberta” pelos micróbios para chegar aos humanos: infectar os esquilos voadores americanos que se abrigam nos sótãos das casas . As doenças estão em constante evolução, e os agentes infecciosos se adaptam, pela seleção natural, a novos hospedeiros e vetores, explorando as muitas oportunidades criadas pelas sociedades humanas.
II Histórico de doenças, cidades e migrações O caso do Machupo ilustra extremamente bem a situação de desequilíbrio ecológico causado por mudanças drásticas no uso da terra, em questões políticas e econômicas. O surto irrompeu na Bolívia, na área das cidades de San Joquín e Magdalena, nas margens do rio Machupo, quase na fronteira com o Brasil. A população, constituída de índios e espanhóis, ganhava seu sustento como vaqueiros que cuidavam dos rebanhos de uma rica família brasileira que possuía um frota de barcos refrigerados, no rio Amazonas, e fazia, assim, o comércio de carne. Os índios dependiam da benevolência desta classe e dos donos de fazendas. Em 1952, uma revolução mudou o esquema de poder e o novo partido realizou uma reforma agrária que desapropriou as terras das oligarquias bolivianas e brasileiras. Assim, o modo de vida da população de San Joaquín se modificou. Os aldeões viramse isolados, empobrecidos e tendo que enfrentar grave desnutrição, a menos que passassem a cultivar a terra para suplementar a carne. O uso de herbicidas “selecionou” espécies vegetais daninhas: houve explosão populacional dos ratos que delas se alimentavam, ao passo que o DDT matou os gatos da região. A urina dos ratos, que passaram a entrar nas casa pobres, continha o vírus da doença. O Machupo, como o vírus Junin não são transmitidos por artrópodes (mosquitos) mas são exemplos extremamente bons dos efeitos humanos sobre as condições dos ecossistemicas naturais e suas conseqüências em termos do surgimento de doenças desconhecidas e graves. O Machupo não é apenas um caso em que um vetor (o rato) se aproxima das populações humanas de modo rotineiro, isto é, procurando condições de
vida propícias que a humanidade inadivertidamente lhe oferece. O contato com estes roedores em particular derivou de um impacto anormal sobre a ecologia alimentar da região em que o fator econômico humano foi determinante. Saber a causa de uma doença é apenas o começo. A despeito deste conhecimento, mais de 20.000 pessoas sofreram com o Junin desde sua descoberta, em 1958, e, em 1985, a partir da província de Buenos Aires, o território do rato hospedeiro se expandiu por outras três províncias argentinas. A taxa de mortalidade chegou a 30%. Depois de sua descoberta em San Joaquin, ocorreu outro surto do Machupo em Beni, Bolívia, alguns anos mais tarde. Em termos de influência do tamanho das populações sobre a questão da disseminação das doenças infecciosas, para o estabelecimento bem sucedido em uma população de hospedeiros, um agente precisa atingir uma taxa reprodutiva básica maior do que um. Em geral, isto significa que cada infectado individual infecta, em média, mais de um indivíduo. Assim o tamanho crítico necessário de uma comunidade para a perpetuação da maioria das doenças epidêmicas é determinante para as complexas interações entre hospedeiro e agente patológico. Também devem ser levados em conta fatores como se a transmissão é direta ou indireta; sazonalidade na transmissão; incubação; latência; período de infecção do hospedeiro; existência e duração da imunidade adquirida do hospedeiro e requisitos de reprodução do agente. Tamanho e densidade da população envolvida é variável chave na epidemiologia, influenciando na introdução de novos agentes na população; suas chances de se estabelecer; a taxa de suas disseminações; a evolução de sua virulência e a capacidade da evolução cultural humana em se defender. Outros fatores importantes são a homogeneidade genética das populações, o que pode influenciar sua vulnerabilidade imunológica aos agentes a que são expostas; e as movimentações geográficas de tais populações, o que pode servir para propagar alguns agentes infecciosos.
III Mudanças Globais
Os seres humanos tem sido bem sucedidos em desenvolver sociedades industriais o que, por sua vez, tem aumentando os desafios que enfrentam e tornou a Humanidade uma força global. O que costumamos chamar de “mudanças globais “ inclui mais que mudanças no balanço dos gases da atmosfera. O crescimento populacional é, em si, uma mudança global, acarretando a virtual modificação de cada centímetro da superfície terrestre por meio de suas atividades. A abertura de clareiras nas florestas é o mais comum dos usos da terra causador de modificações, geralmente ocorrendo em conexão com a agricultura, o que pode exercer efeitos positivos ou negativos no meio ambiente epidemiológico. Os efeitos positivos estão em reduzir o contato humano com fontes e reservatórios de doenças que pertençam / habitem a floresta, incluindo primatas que constituem os mais prováveis reservatórios naturais de doenças emergentes. Isto é especialmente verdade no caso de desmatamentos intensos ou homogêneos, que realmente afastam a área de floresta do contato com humanos. Os efeitos negativos estão justamente no caso oposto, quando este contato é facilitado. Este é o caso da febre amarela quando o mosquito haemagogus é levado ao convívio humano, o que pode levar ao início de epidemias de febre amarela, com a doença sendo propagada pelo mosquito vetor doméstico Aedes aegypti. No Brasil, o mais efetivo vetor amazônico da malária é o Anopheles darling uma espécie da floresta e das bordas florestais. Pequenos bolsões isolados de vegetação densa (ilhas ou fragmentos florestais) cercados por áreas de meio ambiente alterado não conseguem sustentar grande biodiversidade. Na Amazônia, muitas áreas apresentam uma configuração semelhante a um tabuleiro de xadrez, com cortes nas áreas florestadas e ilhas de vegetação estreitas, margeadas por faixas desertas ou com algum tipo/grau de ocupação humana. A espécie humana não se limita a ocupar o entorno, mas recorta a floresta com estradas e vias secundárias que mergulham fundo nas áreas florestadas . Quando as ecosferas são submetidas a grandes tensões, ocorre predominância de espécies de flora e fauna que são capazes de se adaptar às condições transformadas e, conseqüentemente, as espécies menos flexíveis tendem a ser preteridas. O resultado é a perda da biodiversidade. Se a área for devastada ou ecologicamente desequilibrada, e as espécies substitutas eventuais tiverem uma diversidade inadequada para assegurar um equilíbrio apropriado entre flora, fauna e micróbios, podem surgir novos fenômenos de doenças. Assim, o desflorestamento bem como o reflorestamento podem levar a emergência microbiana a aumentar. A intervenção humana cria novas ecologias, que apenas parcialmente podem ser controladas pelos desígnios humanos. Um exemplo típico foi a emergência da doença de Lyme, nos EUA. Neste caso, colonos britânicos abriram clareiras nas florestas de Massachusetts e, no final do século XVIII, as florestas remanescentes foram destruídas para abastecer as fundições locais. No século XIX a maioria das florestas de todo o nordeste já fora devastada, levando à importação de madeira de outras áreas para a construção de habitações. A nova ecologia criada substituiu carvalhos, lariços e animais carnívoros grandes por uma paisagem de capoeiras, bétulas, campinas e uma fauna de gambás, cervos, esquilos, roedores e pássaros. Sem a ameaça de predadores, estes animais se estabeleceram e, com eles, o carrapato vetor da doença de Lyme (a bactéria Borrelia burgdorferi). Este vetor explorava bem a nova fauna local, podendo instalar-se em cervos e em camundongos. A mudança climática apresenta um amplo e potencialmente sério efeito sobre as questões da saúde humana, bem como sobre o perigo de desequilíbrio de zoonoses. E isto é válido não apenas em termos de mudanças globais mas também em termos de mudanças regionais, locais e até pontuais (microclimas). Alguns impactos na saúde resultam de efeitos diretos (mortes relacionadas a ondas de calor, desastres metrológicos, etc.) outros são resultantes de distúrbios dos complexos processos ecológicos com mudanças nos padrões de doenças infecciosas. As principais zonas de vulnerabilidade às doenças cujos vetores de
transmissão são insetos localizam-se nas áreas tropicais da América e da Ásia. Os organismos envolvidos são sensíveis à temperatura, umidade, padrões de ventos e chuva, e são, provavelmente, potencialmente sensíveis à alteração climática, especialmente dos microclimas. Doenças como a malária e o dengue são candidatas potenciais a sofrerem mudanças em seus padrões de dispersão devido a este tipo de alteração. Os mais recentes modelos de mudança climática sobre o efeito da variação de temperatura sobre a malária indicam que a população global em risco aumentará em 260-320 milhões, em 2080. O maior risco está nas áreas onde a doença não incide devido às baixas temperaturas. Pesquisas realizadas na escola de Medicina de Harvard, EUA, indicam que haveria um acréscimo de 80 milhões de casos anuais; a doença duplicaria na Amazônia e na África tropical, espalhando-se pelo sul dos EUA e norte da Rússia. Porém não há consenso sobre estes números. Em Yale, EUA, no laboratório de Arbovírus, o cientista Robert Shope realizou pesquisas que o levaram a acreditar que apenas um aumento mínimo da temperatura global poderia expandir o território de duas espécies de mosquitos: aedes aegypti e aedes albopictus. Ambas as espécies eram limitadas geograficamente, nos anos 90, pelo clima. A primeira não conseguia suportar uma exposição prolongada a temperaturas inferiores a 9°C . A segunda também resistia mal ao ambiente de temperatura baixa. Alexandre Adler, da UFRJ, afirma que o calor exagerado prejudica o aedes aegypti e o anopheles (transmissor da malária) pois temperaturas superiores a 38°C deixam o mosquito letárgico, incapaz de se reproduzir e de picar. O ideal para o inseto é a temperatura de 30°a 32°C . Da mesma forma, temperaturas menores que 16°C e maiores que 38°C prejudicam a transmissão do dengue. Para a malária, o ideal é de 30°C, sendo que com menos de 20°C e mais de 33°C o mosquito não transmite com a mesma eficiência. Em nota publicada em 2001 pelo Comitê para o Clima, Ecossistemas, Doenças Infecciosas e Saúde Humana, dos EUA, foram estabelecidas as relações entre clima e doenças infecciosas. A distribuição geográfica característica e a variação sazonal de muitas doenças são evidência de que sua ocorrência está ligada com o clima local e global. Estudos tem mostrado que fatores como temperatura, umidade e precipitação afetam o ciclo de vida de muitos vetores, tanto direta como indiretamente por meio de mudanças ecológicas, e podem potencialmente, afetar o ritmo e a intensidade dos surtos. É preciso diferençar e não confundir a questão dos impactos dos ecossistemas na saúde com a chamada saúde de ecossistemas. Saúde de ecossistemas é ecologia, o que difere do impacto na saúde quando há um desarranjo dos ecossistemas. Assim, nas palavras de Rapport citado por Confalonieri “a elevada prevalência de doenças é um dos indicadores-chave da patologia dos ecossistemas, e os sistemas ecológicos doentes aumentam os riscos para a saúde de seus componentes.” (1999 : 6 ) A perda de biodiversidade pode se dar em vários níveis ou aspectos. Pode se referir à perda intraespecífica (genética) de espécies ou de ecossistemas, o que inclui habitats e processos. Em todos os casos há impacto sobre a saúde dos ecossistemas. As causas de perda da biodiversidade podem ser a fragmentação, degradação e perda dos habitats causados por pressão antrópica, como agropecuária; expansão urbana; exploração de madeira; abertura de estradas; construção de represas; incêndios florestais; fenômenos climáticos e exploração mineral. Podem também se dar pelo excesso de exploração extrativista; mudanças climáticas globais e poluição. No que diz respeito aos habitats, são as diferentes formas de uso da terra que sempre implicam alguma forma de impacto ambiental e sobre os sistemas ecológicos. Os grandes incêndios, como o do começo do ano de 1998, no Estado de Roraima, que queimou 14 mil Km² de floresta natural exemplifica bem um tipo de impacto em que há a conjugação de pressão antrópica, tecnologias tradicionais e fenômenos
climáticos naturais. A estação chuvosa, que normalmente vai de abril a setembro, registrou uma queda pluviométrica muito abaixo da média anual, iniciando-se o período seco praticamente no mês de julho de 1997, muito antes da época habitual que vai de outubro a março. Com o início prematuro da época seca, tiveram início os primeiros incêndios em áreas de vegetação do tipo savana, afetando a zona centro-norte do Estado de Roraima. Estes incêndios estenderam-se posteriormente até as zonas de floresta aberta e, no fim de março, atingiram a floresta densa em zonas adjacentes à reserva indígena Yanomami. A prática tradicional de corte de vegetação e conseqüentes queimadas para o preparo do solo para a agricultura, às quais se deve associar o processo de desmatamento nas áreas de floresta aberta e virgem, bem como as condições climáticas adversas causadas pelo fenômeno El Niño, estiveram na base deste incêndio, que ganhou proporções preocupantes nos meses de fevereiro e março. As conseqüências diretas no ecossistema da região não foram ainda avaliadas, mas estima-se que uma área de aproximadamente 33.000Km² tenha sido queimada, dos quais aproximadamente 10.000Km² de floresta. Os impactos sobre a saúde podem ser assim resumidos: alguns tributários de rios importantes da região, como o Rio Branco, diminuíram muito a sua vazão, o que provocou o surgimento de pequenas poças, ambientes ideais para o desenvolvimento de vetores de doenças como a malária e o dengue. Além disso, a construção de reservatórios de água por parte da população, que ao serem abandonados se converteram em eventuais focos de proliferação de doenças. Quando pensamos na questão da saúde humana relacionada à conservação dos ecossistemas naturais, é importante levar em conta as áreas de convergência entre ecossistemas e saúde. Isto é: os serviços dos ecossistemas essenciais à vida humana e que dependem da integridade, diversidade e estabilidade dos ecossistemas naturais; a questão da bioacumulação de poluentes persistentes na cadeia alimentar (ecotoxicologia) e o problema das doenças infecciosas com focos naturais, especialmente nos sistemas ecológicos sob pressão antrópica, isto é, aqueles que estão sendo fragmentados, destruídos ou simplesmente invadidos. Há um risco associado às atividades humanas praticadas em um sistema ecológico no qual circulam agentes de doenças humanas. DOENÇAS FOCAIS A focalização das endemias depende da combinação de elementos ambientais como clima, vegetação, relevo e elementos sociais como a demografia e o uso da terra, o que leva à formação de paisagens típicas que são propícias à transmissão de doenças. Algumas doenças infecciosas são típicas de determinados ambientes, em geral ambientes naturais e, devido a isso, são chamadas doenças focais. Isto significa que tais doenças existem naquele bioma porque ali há uma fauna que alberga alguns agentes de doenças infecciosas que atingem eventualmente o ser humano. A relação entre desmatamento e doenças focais depende de como é feito o desmatamento; qual a quantidade de pessoas envolvidas e quais os instrumentos usados, o que terá grande influência para se ter uma idéia futura do que poderá ocorrer se alterarmos a floresta. Depende ainda de qual será o uso futuro da terra e de tudo que irá ou poderá ocorrer após o desmatamento. O desmatamento transforma a dinâmica de circulação dos agentes microbianos envolvidos. O impacto do desmatamento é um desajuste que transforma o meio, em geral para pior. Em relação ao que ocorre depois do desmatamento, é necessário avaliar todo um espectro de ocorrências que envolvem a quantidade de gente morando no local, se haverá introdução de animais domésticos e de que tipo e se haverá mudanças no balanço hídrico. A dinâmica pode ser explicitada de modo simples: o mosquito está presente, os animais estão presentes bem como o agente infeccioso. Então há a derrubada da floresta e penetração de seres humanos nela e no nicho da doença. O próximo passo é a interligação destes nichos invadidos por meio de vias de
transporte /comércio e migrações populacionais. As principais formas de uso da terra em regiões florestadas são: a construção de barragens; a abertura de estradas, ferrovias e hidrovias; agricultura; extrativismo; agropecuária, mineração e expansão urbana. É importante notar que a intervenção na cobertura vegetal de uma área (desmatamento) pode se dar em várias escalas. A alteração na dinâmica das doenças pode se dar de várias maneiras. Uma delas é pela invasão do nicho ecológico do agente. Determinada doença já circula pelos hospedeiros do local e surge um novo hospedeiro (humano) suscetível. Foi o caso da leishmaniose, em 1915 , em São Paulo, quando a floresta foi aberta para a construção de uma ferrovia para o oeste. Outro mecanismo envolve o desequilíbrio na relação predador/presa. A presença humana em um ambiente que se mantinha equilibrado sem a sua presença altera a dinâmica entre as espécies locais, o que pode favorecer algumas e prejudicar outras. Freqüentemente há eliminação de um predador, o que causa aumento desordenado da espécie presa. Outro mecanismo diz respeito ao aumento da oferta de habitats para a reprodução de vetores, como é possível ocorrer em represas quando o aumento do espelho de água permite o aparecimento de maior número de mosquitos transmissores de doenças como a malária. Mudanças climáticas / microclimáticas causadas pelo desmatamento, pavimentações e construção também constituem fatores. Segundo Ribeiro de Almeida “Todos os sistemas naturais possuem um elo mais suscetível a mudanças na cadeia de causa e efeito: um ponto em que o mínimo de acréscimo de tensão traz consigo alterações no conjunto do sistema. Uma intervenção humana deliberada ocorrendo naqueles pontos vulneráveis ou de alavanca no meio físico, fará com que o mínimo de esforço produza o máximo de resultado “ (2001:21) A savanização da Amazônia é uma modificação do meio ambiente que provavelmente prejudica algumas espécies de vetores e favorece outras causando um fenômeno de substituição. Um último possível mecanismo é o da eliminação de nichos ecológicos. Uma doença pode desaparecer ou ficar controlada pela completa eliminação de uma floresta que era o nicho do agente patogênico. Porém um vetor de outra doença pode passar a agir como vetor daquela. Conjuga-se assim com o mecanismo de substituição mencionado antes. É o caso do mosquito do dengue, que também serve de vetor para a febre amarela.
IV Invadindo a floresta: a colonização A urbanização precária como a que ocorre na periferia das grandes cidades da Amazônia, com habitações irregulares e em esquema de invasão, próximas à floresta, permite que mosquitos deixem o ambiente silvestre e alcancem estas habitações. A zona de interface urbano/floresta é muito vulnerável. Hidroelétricas também podem afetar as populações de mosquitos no local assim como a exploração de madeira, quando indivíduos entram na floresta e se expõem a diversos mosquitos vetores de arboviroses. Este é ocaso do vírus mayaro, o do oropuche e o da febre amarela . O oropuche parece estar associado à explosão populacional do mosquito vetor, devido à agricultura. A abertura da Transamazônica parece ter sido responsável pela febre de Altamira, causada por um mosquito, que provocava alteração no sangue, na imunologia e causava sangramento. O extrativismo, como o praticado pelos seringueiros, também expõe as populações humanas a certos agentes, no caso, a uma lagarta que vive na árvore
(seringueira). Há ainda o exemplo do garimpo praticado nas florestas de altitude de Roraima. O desequilíbrio causado permitiu a irrupção de uma epidemia de malária no oeste do Estado. O garimpo era clandestino, praticado em uma reserva indígena não demarcada. A invasão durou três anos. Os garimpeiros caçavam, para se alimentar, e causaram o desaparecimento de animais de grande porte. Na região havia morcegos hematófagos que se alimentavam normalmente destes mesmos animais. Os morcegos passaram então a se alimentar da espécie humana. Este desequilíbrio se instalou rapidamente e expôs os garimpeiros a uma fonte potencialmente perigosa de novos vírus além do da raiva que, neste caso em particular, não estava presente. Outro caso, em Alagoas, foi causado pela instalação do Pró-Álcool . A mudança do uso da terra, da criação de gado para o plantio de cana de açúcar, deixou morcegos sem opção de alimentação, e assim passaram a se alimentar do sangue de vítimas humanas e, neste caso, transmitiram o vírus da raiva. Sob a égide do imperativo do desenvolvimento, pelo menos dois biomas florestais (Amazônia e Mata Atlântica) foram alvo de grandes projetos de integração nacional e exploração econômica. As florestas são consideradas os ecossistemas terrestres de maior biodiversidade, embora, na maioria dos trabalhos que lemos, não se leve em conta a diversidade microbiana. Dos vários tipos de florestas existentes, as florestas tropicais úmidas, ou florestas tropicais fechadas, se distribuem pela América Central e do Sul, África e Ásia, correspondendo a cerca de metade da área total coberta por florestas no mundo. Os cálculos em termos desta complexidade variam de 25% a 90% das espécies a nível global. A floresta tropical pode ser visitada, apreciada e até podemos extrair diversas de suas riquezas, mas não moramos realmente nela. O “morador” da floresta, quando muito habita suas margens, perto dos cursos de água ou campos abertos. Onde um ou mais ecossistemas se encontram, os caçadores-coletores conseguem reunir recursos. Quando estabelecem moradia na própria floresta, abrem uma clareira ampla de terra batida procurando manter afastados os insetos nocivos e répteis predadores, que podem assim ser avistados e eliminados. Para viver no meio da floresta, os habitantes humanos necessariamente a derrubam. A área habitada pelo humano é uma área naturalmente perturbada. A trajetória pré-histórica dos lavradores itinerantes foi interceptada pela chegada dos europeus. A derrubada da floresta para fins de assentamento, agricultura, comunicação e guerra ampliou muito a área de perturbação. Locais perturbados muitas vezes são a interface de dois biomas – os ecótonos. Em termos humanos, tais zonas apresentam uma certa analogia com a idéia de fronteira, refletindo o espaço de interação humana com um ecossistema relativamente inalterado, com potencial para ser explorado. Essa exploração foi grandemente intensificada pelo novo habitante da Mata Atlântica, o europeu. Atualmente ainda é alvo de diversas formas de interação/uso por habitantes a ela estranhos. A Mata Atlântica latu sensu é constituída por um conjunto de formações arbóreas e não arbóreas. Em termos de número de espécies está entre os maiores do planeta com cerca de 250 espécies de mamíferos; 1.023 de aves; 197 de répteis; 340 de anfíbios; 350 de peixes e 20.000 de plantas vasculares. Pelo menos 40% das espécies de Mata Atlântica são endêmicas. Um ecossistema pode ser entendido como um reservatório de informações, as geneticamente programadas e também aquelas acumuladas por suas espécies, relevantes a sua sobrevivência e reprodução em seu interior. Os humanos da Mata Atlântica, como as demais espécies, haviam armazenado, durante 12 mil anos, seus próprios estoques de informação. Estes habitantes conheciam os habitats, estações, relações entre as espécies e, ainda, eram adaptados aos ciclos naturais e geneticamente adaptados às doenças locais. Apenas a tradição oral preservava esta cultura. Com a saída dos indígenas, toda esta cultura começou a se perder, e a floresta se tornou estranha e carente de sentido para os humanos. Para este novo habitante, no século XVI, a floresta que estava afastada de portos ou carente de pau-brasil foi deixada em paz. A vila de São Paulo, fundada em uma
colina no meio de uma planície ampla, aberta, em 1587, possuía muitos bosques, e os seus habitantes receberam ordens para cortar as árvores no interior e ao longo de suas paliçadas. Ordens semelhantes foram dadas aos habitantes do Rio de Janeiro em 1620 e 1624. A floresta era desconhecida, inobservada e inimiga. A cidade, por outro lado, era sinônimo de civilidade; a floresta, era “caótica” e ininteligível e incontrolável, era a barbárie. Tanto no caso das capitanias como no das sesmarias as prioridades eram o abastecimento e as exportações. No caso das sesmarias, a taxa de exaustão do solo era freqüentemente exagerada para fundamentar novos pedidos de mais terra. Uma causa importante da destruição da Mata Atlântica foi o fato de o governo não dar valor algum à terra que concedia tão gratuitamente. Tendo esgotado toda a floresta primária de uma sesmaria, o donatário podia vendê-la por uma ninharia e obter outra com facilidade. A fronteira humano/floresta se deslocava assim muito e rapidamente. A colonização não se deu apenas neste ambiente macroscópico. Estabelecia-se um ecótono entre as doenças do Velho e do Novo Mundo. Transferidos para um novo ecossistema os microparasitas do Velho Mundo atuaram com virulência sobre a população nativa do Novo Mundo que era imunologicamente suscetível, causando taxas de mortalidade que superavam em muito as piores epidemias do Velho Mundo e Ásia. O impacto das doenças tem sido inequivocamente mapeado em cada ponto de contato entre europeus e indígenas. A mortalidade sempre aumentava onde quer que os povos suscetíveis fossem contatados por neo-europeus. O caminho inverso também era percorrido, quando do contato de neo-europeus com elementos da fauna do Novo Mundo. No século XVIII a malária e a febre amarela se tornaram freqüentes. Nesta época, a primeira havia se tornado endêmica, à medida que se intensificara o tráfico de escravos e que a população rural se tornava mais densa. As expedições ao rio Tietê haviam se tornado perigosas em 1800. A malária fora introduzida pelo tráfico de escravos os quais eram, naturalmente, mais resistentes a ela. A febre amarela provavelmente também estava se tornando endêmica entre as populações de primatas, já que os mosquitos se reproduziam nas copas das bromélias do dossel da floresta, com influências desconhecidas sobre a distribuição desses animais e sobre a composição da floresta e a dispersão das plantas. Neste contexto estabeleceu-se a crença, acompanhada da atitude de destruição, de que a floresta era insalubre. No período do pós-guerra mundial surge com muita força a ideologia do desenvolvimento econômico, segundo a qual era possível conceber políticas de governo que visassem ao estímulo à acumulação de capital e industrialização. Este programa era também de cunho social, buscando erradicar a pobreza. Neste sentido a Reforma Agrária e a titulação efetiva da terra pertencente ao pequeno produtor era evitada em favor da expansão da colonização sobre faixas remanescentes da Mata Atlântica e da floresta Amazônica. Questões populacionais são também relevantes. O crescimento da população rural e o minifúndio participavam ativamente do problema da extinção florestal. Havia igualmente expectativa no pós-guerra de que a madeira continuaria uma matéria prima muito valorizada que a America Latina continuaria a fornecer à Europa. Em fins dos anos 40 a FAO foi encarregada de promover a silvicultura racional, desencorajar o uso de madeira como combustível e facilitar a modernização de serrarias. É importante notar que as madeiras de lei de espécies variadas se encontram dispersas pelas florestas primárias latifoliadas, e são, por isso, difíceis de cortar e transportar. Todas eram exploradas de maneira diferente e de forma descuidada e destrutiva. A expansão da rede rodoviária da época tornava acessível as formações florestais mais remotas e menos densas. Desde o segundo período de Vargas no poder até o Golpe de 64 nenhum segmento da sociedade estava preocupado com questões conservacionistas. Os ambientalistas, ainda incipientes, sofriam com a desvantagem de as florestas nativas não serem consideradas importantes para qualquer dos setores envolvidos. O ambiente sob o
regime militar tornava difícil a propagação da ideologia conservacionista. Depois de 1964, continuaram em posição precária, uma vez que os direitos civis eram a preocupação mais imediata de todos e, em geral, não apresentavam vinculação direta com interesses políticos fundamentais da direita ou da esquerda, de modo que não conseguiam encontrar expressão nem durante a revolução populista, nem na direita militar, não participavam da discussão nacional sobre a reforma agrária, não conseguindo visualizar a conexão potencial entre reforma e conservação. O sonho de Getúlio de ocupar a Amazonia influiu sobre o comportamento de sucessivas lideranças brasileiras e começou a se tornar realidade com a construção da BelémBrasília e da nova capital no interior do Brasil. Os estudos dos solos da rodovia Transamazônica foram concomitantes com a inauguração das estradas. O trecho Itaituba-Humaitá foi concluído ao mesmo tempo em que o estudo do solo mostrava a inviabilidade da agricultura nessa área específica. Recursos que poderiam ter sido usados para completar estradas até os lotes dos colonos no trecho Maraba´Altamira, ou para asfaltar as áreas mais férteis, foram aplicados no trecho Itaituba-Humaitá, uma área incapaz de absorver colonos. De fato, este tipo de colonização não é eficiente para absorver os excedentes populacionais; as fronteiras agrícolas geralmente não têm sido capazes de tal absorção, já que são abertas preferencialmente de acordo com critérios políticos de ocupação territorial. O desmatamento de grandes áreas de floresta expõe o colono a uma série de arbovírus, retrovírus, protozoários e outros organismos enzoóticos que até então existiam no ciclo silvestre, com um impacto mínimo sobre o homem. O desmatamento de grandes áreas muda essa situação radicalmente, já que uma série de doenças da forma silvestre passa a formas endêmicas, nas quais o homem passa a operar diretamente dentro da cadeia de transmissão. Durante anos, grupos de estudos procuravam elaborar um substitutivo ao Código Florestal de 1934 que não havia jamais sido cumprido e esbarrava em corrupção, inabilidade e direito de propriedade. Pouco após o Golpe os militares atropelaram essa discussão com uma emenda constitucional que devolvia as terras públicas ao governo federal e, em seguida, aprovaram um Estatuto da Terra que afirmava o papel social da propriedade da terra, o qual dependia da justa distribuição e do uso apropriado, incluindo a garantia de sua conservação. De um modo geral, o governo militar se antecipou. Dava ouvidos às advertências sobre redução da floresta, embora por outros motivos, isto é: defesa nacional e ameaça econômica devido à dependência da lenha. A Amazônia constitui uma grande região de floresta ainda pouco conhecida, sobretudo em relação aos seus processos vitais. Desde a época colonial até os dias de hoje, a Amazônia tem sido palco e alvo de uma série de incertezas, interesses e ideologias concorrentes e conflitantes. A região sempre esteve pressionada a adaptar-se a diversas lógicas de ordenação do território. Entre as diversas maneiras como foi encarada ao longo da história, a Amazônia foi sempre entendida como um reservatório de bens econômicos a serem explorados, como espaço de percepção puramente científico, como patrimônio biogenético da humanidade e como palco da Geopolítica de segurança nacional. Entre 30% e 40% das florestas tropicais do mundo localiza-se no Brasil, a maior parte na Amazonia, que abriga uma das últimas grandes extensões contínuas de floresta tropical úmida da Terra. Em termos de banco genético, a Amazônia detém cerca de um terço do estoque genético global. A estimativa gira em torno de 60.000 espécies de plantas; 2,5 milhões de artrópodes; 2.000 espécies de peixes e 300 de mamíferos. Como quer que seja, a Amazônia sempre foi encarada como fonte de recursos e, em conseqüência deste modo de pensar, uma área a ser desenvolvida, colonizada e explorada. Como um espaço vazio a ser integrado. As maneiras de se fazer isso têm-se modificado ao longo do tempo e da história do país. Naturalmente os modos de se ordenar e integrar este espaço têm impacto profundo na floresta. A preservação ou não das áreas florestadas e os contatos humanos com ela sofrem modificações dependendo do modo e das prioridades que se dá ao processo de ocupação e ordenação desse território. Basicamente todos os projetos de uso e ordenamento deste espaço procuraram
integrar a Amazônia sob a justificativa de perceber a região como estrategicamente vulnerável. A idéia de “vazio demográfico” leva consigo a idéia de espaço não civilizado e desperdiçado em seus recursos, também permeiam as diversas estratégias de integração e desenvolvimento, incluindo as mais modernas idéias de desenvolvimento sustentável, ecodesenvolvimento, com exceção talvez do pensamento da Ecologia profunda. A idéia da disponibilidade de terras livres foi um argumento bastante comum entre os políticos e grandes proprietários do Brasil do século XIX. Em 1850 a Lei de Terras ditou uma política de colonização que associou a concentração fundiária ao desenvolvimento do capital. O padrão já fora visto nas sesmarias (e em seu efeito sobre a Mata Atlântica) . Da mesma forma era atribuída grande importância aos meios de transporte para a integração político econômica. De modo geral, os elementos básicos das estratégias adotadas para a região amazônica podem ser assim resumidos: Procurou-se criar uma cobertura extensiva do território por redes técnicas com investimentos públicos para a construção de estradas pioneiras, para a rede de telecomunicações, e à rede de distribuição de energia elétrica associadas às usinas hidroelétricas de grande e médio porte. Foi criado um programa de levantamento (RADAM 1971); houve incentivo à inversão de capital privado com um mecanismo fiscal para estimular o investimento de capital de firmas nacionais, transnacionais e de particulares na região (em 1956). A SUDAM aprovou muitos projetos pecuários e de extração de madeira, sendo que a maioria dos projetos pastoris se localizou em áreas marginais da Belém – Brasília e no sul do Pará. Outro projeto, o POLONOROESTE, destinado ao aproveitamento das áreas de floresta e de savana (cerrado) da região centro-oeste para melhoria da rede de transportes regional, a consolidação dos assentamentos rurais e proteção dos territórios indígenas. Outro elemento da estratégia do Estado foi a criação de territórios sobre os quais tinha jurisdição absoluta e/ou direito de propriedade; a federalização de territórios tem como exemplo o que foi feito em 1970-71 quando o governo determinou que as terras públicas situadas em uma faixa de 100Km de cada lado das estradas construídas, em construção, planejadas, com recursos federais na Amazônia seriam transferidas para domínio federal. Estas medidas foram revogadas em 1987. Este modelo de eixos de desenvolvimento coincide com a construção da Trasamazônica. Outro modelo de organização espacial foi armado em torno dos “pólos de desenvolvimento” que priorizavam atividades de produção agrícola e mineral, em cujo contexto foi formulado o Projeto Grande Carajás (PGC). É extremamente interessante assinalar as palavras do Ministro Mário Andreazza (1985 : 101) sobre a questão do desenvolvimento e integração da Amazônia e sobre os conhecimentos dos vastos potenciais da região revelados pelo projeto RADAM : “Tais conhecimentos, a serem ampliados no dia-a-dia da exploração desses recursos minerais, florestais e agropecuários, indicam que a continuidade do processo de desenvolvimento da Amazônia deverá caminhar para novas áreas de ocupação produtiva, que hoje constituem grandes vazios demográficos e econômicos – o Alto Rio Negro, a região de Trombetas, o Acre, o Juruá-Solimões, o Vale do Guaporé, ao passo que se deverá consolidar o desenvolvimento de áreas hoje objeto de atenção prioritária, de que são exemplos o Programa Grande Carajás, o POLONOROESTE, o Programa do Médio Amazonas, outras áreas compreendidas pelo POLAMAZÔNIA, as bacias dos rios Paraguai e Araguaia –Tocantins , o Projeto Albrás-Alunorte e Tucuruí. “ Salienta ainda, sua preocupação com o meio ambiente:(1985 :105) “Respeitado o necessário equilíbrio que na região deve compatibilizar o processo de geração de riqueza com a preservação da natureza, no quadro heterogêneo dos abundantes recursos naturais ali disponíveis.” Havia declarada preocupação com a exploração racional dos recursos presentes, exploração racional dos recursos florestais, concomitante com a proteção e preservação dos ecossistemas. A retórica parece bastante atual, pelo simples fato de que a idéia de
exploração de recursos permeia políticas novas e antigas. Em um momento histórico bem mais atual, a Amazônia foi foco de atenção internacional, quando da ECO 92. Com o esgotamento do projeto geopolítico que promoveu a ocupação regional entre 1960–1980 a fronteira amazônica passou a ser um dos cenários prováveis para o estabelecimento de um novo padrão de inserção do país na economia mundial e na dinâmica de poder internacional. O crescimento mundial da consciência ecológica, o aumento de pressões geopolíticas ligadas à valorização da biodiversidade como fonte da ciência e tecnologia e fonte de poder e o reconhecimento do desenvolvimento sustentável como novo paradigma, alteraram, em certa medida, as formas de interação com a floresta. Há a preocupação, não exatamente nova como vimos, porém mais desenvolvida, com as gerações futuras. Assim, o contato e a exploração devem dar-se de modo a não destruir a fonte de recursos. O efeito colateral é o aumento dos estudos sobre a ecologia das florestas. No que diz respeito ao conceito de desenvolvimento sustentável, para uns, o conceito implica estratégias que conservem o ambiente e encorajem a participação de comunidades locais, como os pequenos produtores. Outra vertente de pensamento nega a adequação da opção agrícola, o desenvolvimento sustentável demanda que os estoques de capital natural sejam mantidos constantes para que sejam atendidas as futuras gerações. Segundo esta forma de pensar, o desenvolvimento regional se sustentaria não do uso da terra, mas no uso dos “bens e serviços” gerados pela floresta. O uso ótimo dos recursos florestais tem, porém, no que se refere ao extrativismo, baixa sustentabilidade, segundo alguns autores. Uma proposta válida para a sustentabilidade baseada no extrativismo é a apresentada pelos seringueiros, embora não possa ser generalizada para toda a Amazônia. Baseia-se em práticas de pequena escala que, por sua vez, não parecem capazes de atualizar o desenvolvimento regional presente e futuro. A proposta do Ecodesenvolvimento afirma a substituição da floresta, sem queimada, por plantações racionais. Propõe não economicizar a ecologia mas ecologizar o sistema social e produtivo. De todos os esforços recentes para teorizar o desenvolvimento sustentável confirma-se a idéia de que a proteção ambiental é ainda antropocêntrica. Os limites de todos os processos apresentados de transformação ambiental em favor do Homem deixam claro que a premissa principal para sua execução ainda está longe de ser alcançada: o conhecimento da floresta. A expansão da atividade agrícola na região amazônica tem modificado profundamente as extensas áreas de floresta. Uma estimativa conservadora do Censo Agropecuário do IBGE de 1996 aponta 15% da cobertura original, que corresponde a cerca de 783 mil Km² de floresta, como já desmatada. Mais de um quinto desta área alterada, cerca de 165mil Km², está abandonada. A produtividade agrícola é baixa e 77% da área é ocupada com pecuária extensiva com baixíssima taxa de retorno interno (4%) e de capacidade de suporte, com 0,7 Unidade Animal/hectare. A expansão da fronteira agrícola não tem demonstrado melhorar as condições de vida da população regional e produz intenso impacto ambiental. Mais uma vez repete-se o padrão de ocupação de terra verificado nos séculos XVI e XVII, tanto na floresta amazônica como na Mata Atlântica. Para se contrapor a esta situação foi pretendida uma ação governamental de Recuperação de Áreas Alteradas na Amazônia, que integra o Programa Amazônia Sustentável da SCA, conforme consta do PPA 2000-2003. Na verdade, gasta-se para recuperar um dano que não devia ter ocorrido e que sairia mais barato evitar do que desfazer. Uma olhada nos critérios enumerados pela ação para a escolha dos locais a serem recuperados nos permite uma visão critica não do que é dito mas do que não é dito. Entre as áreas de atuação a serem preferencialmente escolhidas estão aquelas que sofrem a influência dos Eixos de Desenvolvimento. Evidentemente o desenvolvimento, se houve, parece não ter sido nada benéfico à área e ser fonte, pelo contrário, de gastos e ônus ambiental. Da mesma forma, os Pólos Madeireiro e da Soja são apontados como áreas de risco de alterações antrópicas desordenadas, classificando, assim, esta área para o projeto de recuperação. Isto parece
significar que ambos os empreendimentos (madeireiro e de soja) estão levando distúrbios à região, ao contrário do que deveriam fazer. Cabe saber como e por quê. Em 2003 o Grupo de Assessoria Internacional (IAG) do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil se reuniu para redigir um relatório sobre “O PPA 2004-2007 na Amazônia: novas tendências e investimentos em infraestrutura”. Neste relatório são apontados os problemas e as características da ocupação espacial na Amazônia atualmente, e corroboram as preocupações já apontadas neste trabalho. As vinculações com as questões epidemiológicas poderão ser feitas/vistas indiretamente. O relatório constatou que a própria perspectiva da instalação de obras de infraestrutura basta para criar o fenômeno de abertura de fronteira na região, sendo que a presença e ação do governo em tais frentes, onde é comum a ocupação de terras e grilagem, é insignificante. Este fenômeno de ocupação desordenada gera intenso desmatamento na região, e parece apresentar tendência para aumentar. O que se verifica, apesar das tentativas de não cometer antigos erros na região, é que eles estão sendo repetidos, uma vez que as primeiras grandes obras planejadas para o PPA 2004-2007 deixaram de incorporar aspectos críticos ao avaliar eficiência econômica, social, ambiental e de uso da terra, tanto nas áreas de impacto direto quanto nas atividades por elas induzidas. As populações tradicionais e os agricultores familiares representam socialmente um ponto de grande fragilidade. O problema da grilagem é critico. A regularização fundiária e o ordenamento territorial são pré-condições fundamentais para a realização sustentável de qualquer grande obra de infraestrutura. O Relatório salienta, ainda, que o Programa Amazônia Sustentável (PAS) deveria dispor de um novo padrão de financiamento, para a geração de fundos sustentáveis para compensar a região por impactos, incluindo as gerações futuras. Sugere-se a criação do pedágio amazônico, baseado em royalties e seguindo a experiência bem sucedida do Alaska Permanent Fund Corporation – APFC, fundado nos anos 60 para compensar os impactos socioambientais do avanço da fronteira petrolífera nos ecossistemas da fronteira norte do Alaska. Em seu relatório o IAG enfocou quatro grandes obras na Amazônia, em relação às quais foi registrada grande pressão de grupos de interesse para a sua inserção no PPA 2004-2007. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Volta Grande do rio Xingu é obra proposta pela Eletronorte, faz parte do PPA 2000-2003 e está sendo considerada para o PPA atual. A área alagada seria de aproximadamente 400KM² atingindo diretamente 3 mil famílias e indiretamente mais de 200 mil, além de terras indígenas. A lógica econômica que embasa esta proposta está radicada nos contratos de fornecimento de energia para empresas eletrointensivas do alumínio. Nas atuais condições, a conta para o contribuinte é enorme, com subsídios de aproximadamente dois terços do preço, que não geram emprego nem renda na região. A pavimentação do trecho paraense da BR-136 (Cuiabá-Santarém) refere-se à pavimentação de 784 Km² da rodovia BR-136 entre a divisa de Mato Grosso e Rurópolis, além de 32 Km² da rodovia Transamazônica (BR-230). È uma obra que já fora prevista para o PPA 2000-2003 e que é defendida para o atual PPA pelo governo de Mato Grosso e por grupos privados ligados ao escoamento da soja. A obra apresenta principalmente grande impactos de desmatamento e ocupação desordenada ao longo de seu traçado. De acordo com o IPAM, por meio do Programa Avança Brasil, a pavimentação de estradas levará a grande processo de desmatamento. Ao longo de quatro trechos de estradas a serem pavimentadas, uma área entre 80.000 e 180.000Km², poderá ser desmatada nos próximos 35 anos. Considerando-se apenas as faixas de 50Km ao longo da cada lado das estradas, serão afetadas diretamente 31 terras indígenas e 26 Unidades de Conservação, responsáveis por 8,4% e 16,8% do total existente na Amazonia Legal. Entre 73 unidades de conservação estaduais existentes na Amazonia também serão afetadas 6 Áreas de Proteção Ambiental, 1 Parque Estadual e 1 Floresta Estadual de rendimento sustentável. Além do impacto sobre as áreas protegidas, haverá impacto em 68 áreas que são consideradas como de
altíssimo interesse para a conservação da biodiversidade, segundo critérios de riqueza de espécies, diversidade biológica, endemismos, riqueza de espécies raras/ameaçadas e fenômenos biológicos excepcionais (migrações, comunidades especiais). O Poliduto Urucu-Porto Velho é uma obra proposta pela Petrobrás em parceria com a norteamericana El Paso, consta no PPA 2000-2003 não tendo sido licenciada. Sua licença prévia foi suspensa em abril de 2003 atendendo a ação civil pública do MPF do Amazonas, por graves irregularidades do EIA-RIMA. O duto cortaria 520Km² de floresta nas regiões mais preservadas da bacia do Purus e em proximidade de populações indígenas, algumas não contatadas, e visava abastecer com gás natural a Termoelétrica de Porto Velho e da El Paso. A obra pode acelerar e estimular o avanço de um processo de intensa ocupação e invasão no sul do Amazonas. A obra das hidrelétricas do rio Madeira e hidrovias do sistema Alto Madeira-Guaporé-Beni foi proposta pelo consórcio Furnas-Odebrecht, em fevereiro de 2003. Ainda não foram completados os estudos de inventário e de viabilidade. As duas barragens, à jusante de Porto Velho, alagarão uma área de aproximadamente 250Km² de terra firme e mais 250Km² de várzea. A obra poderá permitir a navegação do Madeira e sua conexão com os rios Beni e Guaporé estimulando a produção de 25 milhões de toneladas/ano de soja e causando a conseqüente expansão de 80mil Km² de área de agricultura mecanizada. Outras obras em discussão são as rodovias Humaitá-Lábrea e Manaus-Porto Velho; o linhão de interligação de Rondônia com Mato Grosso; o linhão SantarémManaus e o Centro de Biotecnologia da Amazonia (CBA) em Manaus. O linhão que integraria Porto Velho à rede nacional não foi realizado embora fosse uma obra simples, barata e sem impactos significativos, representando uma economia expressiva para o contribuinte. Porém tornaria definitivamente obsoleta a proposta do poliduto Urucu-Porto Velho, com seus problemas ambientais e custos. Cabe observar que o EIA-RIMA da Gaspetro sobre o poliduto nem sequer apresenta um levantamento da situação fundiária ao longo de seu traçado. No caso das hidrelétricas do rio Madeira, não há dados suficientes para avaliar o empreendimento do ponto de vista econômico. Segundo o relatório a implantação de infraestrutura na Amazônia é essencial para a redução do custo Brasil e para integração continental, mas o sucesso dessas possibilidades depende de se levar em conta experiências passadas e a complexidade da região, bem como o rigor da execução dos projetos. A transversalidade de políticas e práticas não está, porém, ocorrendo nas frentes de expansão da Amazônia, onde se observa a retomada e aceleração na apropriação de terras públicas, na degradação das florestas pela ação dos madeireiros e na expansão da pecuária para amansar o solo para a expansão da soja. Os governos estaduais parecem assistir passivamente à ocupação. O IAG observou que em muitos locais basta o anúncio de obras cuja realização não está garantida para desencadear ou exacerbar tendências de ocupação do território e grilagem. Em muitos casos o fator tempo representa um agravante uma vez que, na medida em que se mantêm as expectativas para a realização de determinada obra, há a tendência de alteração profunda do quadro social e fundiário na região de sua abrangência. O Relatório alerta para questões criticas do ponto de vista ambiental e social. A área necessária para a produção de 25 milhões de toneladas/ano de soja só pode ser conseguida ou por meio de desmatamento ilegal (uma vez que isso implicaria legalmente propriedades privadas agregando mais de 400Km², ou seja maiores do que a região em si) e/ou de expulsão de agricultores familiares e populações tradicionais. Da mesma forma, levando em conta que o Brasil é um dos mais importantes países megadiversos, é questionável desenvolver uma economia baseada exclusivamente em commodities que podem ser geradas somente com a conversão e degradação irreversível dos recursos naturais. A pecuária, segundo parecer do Banco Mundial, está se tornando mais viável mesmo sem os incentivos fiscais e, por isso, continua se expandindo à custa do
desmatamento de novas áreas de floresta. O uso da terra mais comum, nas proximidades das rodovias, hidrelétricas e hidrovias tem sido e continua a ser a exploração florestal predatória e a agropecuária . Neste sentido, ao longo da BR 136 está surgindo um grande interesse pela produção intensiva de grãos em uma área já antropizada de aproximadamente 500.000 hectares entre Santarém e Belterra, adjacente à Floresta Nacional do Tapajós, com implicações ainda difíceis de serem previstas. De modo geral, a grilagem se realiza para além de alguns quilômetros das estradas cuja beira é composta por pioneiros. Vastas áreas alteradas foram degradas ao ponto de serem abandonas. A reabilitação destas áreas permitiria uma redução da pressão sobre as florestas. Como foi visto antes, quanto ao Projeto de Recuperação de Áreas Alteradas na Amazônia, que consta do PPA 2000-2003, esta é uma necessidade real mas que surgiu a partir de uma gestão inicial inadequada. A pressão sobre as florestas já poderia ter sido aliviada se as terras fossem melhor usadas desde o início . Estamos vivendo um momento na história das doenças infecciosas que parecia já ter sido superado como o desenvolvimento das vacinas e das variedades de antibióticos. Os anos 50 e 60 pareceram ter permitido à humanidade vencer doenças extremamente perigosas reduzindo-as a infecções controláveis. É a época em que se dá a transição do perfil de morbidade das doenças infecciosas e parasitárias para problemas crônicos e degenerativos. O pós Segunda Guerra Mundial foi o início de uma era de otimismo no que diz respeito à vitória que aparentemente se conseguira sobre todas as doenças infecciosas . A Organização Mundial da Saúde acreditava poder conter a malária com o uso do DDT, os cientistas podiam usar as ferramentas químicas e farmacêuticas para bactérias, parasitas e vírus. No início da década de 60 a Secretaria de Saúde, Educação e Bem-Estar dos EUA achava poder afirmar que a ciência e a tecnologia haviam modificado inteiramente os conceitos do homem em relação ao universo, ao lugar que nele ocupa e ao seu próprio sistema fisiológico e psicológico, sendo o seu domínio sobre a natureza maior do que nunca antes, o que incluía sua capacidade de enfrentar doenças. O tempo iria mostrar como eram ingênuos. Do início dos anos 70 ao início dos 90 o mundo passou por transformações muito rápidas, especialmente nas regiões menos desenvolvidas como a América, África e Ásia, e que se caracterizaram por intenso processo de urbanização, resultando em grandes fluxos migratórios resultantes deste mesmo processo ou causado por guerras civis, perseguições políticas, incorporação desordenada de tecnologia que muitas vezes desestruturaram formas tradicionais de enfrentamento de problemas; inúmeras oportunidades de comércio, comunicação e interação entre países de áreas antes isoladas. Estas novas condições tiveram papel importante na modificação do perfil de morbidade, acarretando o aparecimento de novas doenças e agravos á saúde e a alteração do comportamento epidemiológico de antigas doenças tornando mais complexo o quadro sanitário. Surpreendentemente, as doenças infecciosas estão voltando à ordem do dia, sob a forma de doenças reemergentes, doenças conhecidas que se tornaram resistentes a medicamentos e doenças eminentemente novas. Estas últimas têm estimulado discussões políticas e levantado questões. Especula-se sobre as possíveis conexões entre engenharia genética/novos agentes patogênicos e disseminação global de viroses. Mais do que nunca a humanidade se vê confrontada com a necessidade de discutir e repensar suas ações e escolhas em relação ao meio ambiente que a cerca. As questões de saúde são cada vez mais claramente vistas como inseparáveis das tomadas de decisão políticas e gerenciais com respeito ao meio ambiente. Surtos de doenças não previamente reconhecidas, de origem infecciosa têm tido incidência crescente em um período de tempo recente, e parecem apresentar tendência progressiva. O CDC (Center for Disease Control) define doenças emergentes como as doenças infecciosas cuja incidência aumentou nas duas últimas décadas ou tendem a aumentar no futuro. Várias são as circunstâncias que podem caracterizar tais doenças: o surgimento de um novo agente etiológico anteriormente desconhecido (AIDS/HIV) ou o aumento da incidência e disseminação de doença antes controlada
(cólera). Outras doenças têm sua incidência aumentada em decorrência do crescimento do grupo exposto; surgimento de agentes microbianos resistentes; exposição a animais vetores ou hospedeiros a que antes não se estava exposto e doenças cujo aumento de incidência decorre diretamente de uma vigilância ineficiente ou insuficiente. Os novos agentes etiológicos têm provavelmente a sua origem nas amplas transformações sociais observadas nos últimos 25 anos, acompanhadas de várias transformações nos ecossistemas importantes. Os novos comportamentos epidemiológicos observados para doenças antigas, por sua vez, indicam alterações importantes na resistência, infectividade e patogenicidade de vários agentes etiológicos, relacionadas à habilidade e versatilidade genética de genes carregados por elementos extracromossômicos tais como plasmídeos e fagos, transferidos de organismo para organismo por conjugação, transdução ou transformação, acelerando assim as mutações. É preciso acrescentar que a extrema versatilidade genética dos vírus e bactérias permite, em muitos casos, por simples mutação, o surgimento de variabilidades adaptativas que permitem a eles não específicar como escapar às barreiras imunes naturais. Nestes casos, um “novo” patógeno surge a partir de um outro já conhecido. Aparentemente foi este o caso da mais destruidora das pandemias enfrentadas pela humanidade, a Gripe de 1918. Por volta de 1988, importantes cientistas americanos, virologistas e especialistas em medicina tropical estavam bem conscientes desta nova problemática. Sabiam que a Natureza segue seu próprio curso; que organismos vivos adaptam-se; que a humanidade não está isolada dos processos do planeta; e que, na maioria dos casos, o que ela tem conseguido ao tentar livrar-se dos micróbios é apenas selecioná-los. O historiador William MacNeill descreveu em linhas gerais como as doenças têm acompanhado o Homo sapiens e seus progressos, de modo que “É bom ter em mente que quanto mais conquistamos, mais impelimos infecções aos limites da existência humana, mais abrimos caminho para uma possível infecção catastrófica. Jamais escaparemos aos limites do ecossistema. Queiramos ou não, somos apanhados na cadeia alimentar, comendo e sendo comidos.” ( GARRET,1995 :18) Embora melhoras na saúde humana representem um aspecto crucial do desenvolvimento mundial, muitas tendências associadas ao desenvolvimento global parecem estar reduzindo a segurança dos povos em termos de saúde pública. O conceito de meio ambiente epidemiológico consiste nas condições e processos, tanto biofísicos como sociais, que influenciam a interação entre seres humanos e os agentes patogênicos. Esta situação compreende um complexo de fatores interrelacionados entre os quais podemos citar: os próprios agentes patogênicos; determinantes biofísicos do sucesso reprodutivo de tais agentes, o que inclui condições de temperatura e umidade, disponibilidade de vetores, evolução da virulência, coevolução da imunidade humana, resistência dos agentes ao sistema imunológico e às medidas defensivas humanas; determinantes sociais do sucesso reprodutivo dos agentes incluindo freqüência e natureza do contato interpessoal, padrões de viagens e migrações, urbanização, pobreza, política de saúde pública e liderança política. As ligações e relações envolvidas são pouco apreciadas (reconhecidas) porque os agentes patogênicos envolvidos são invisíveis. Mas “os velhos inimigos da humanidade são, afinal, os microrganismos. Eles não desaparecem apenas porque a ciência inventou medicamentos, antibióticos e vacinas. Eles não desapareceram do planeta quando americanos e europeus limparam seus municípios e cidades na era pós-industrial. E os microrganismos não serão aniquilados simplesmente porque seres humanos resolvem ignorar sua existência.” (GARRET, 1995 : 21 ) Tanto as mudanças recentes quanto as projetadas para o futuro, no meio ambiente epidemiológico, se apresentam como a maior ameaça à segurança da saúde, e se manifestam atualmente de várias maneiras: ressurgimento de velhas doenças; resistência a medicamentos, novos agentes patogênicos. Todas as especulações teóricas e especialmente as pesquisas sobre doenças emergentes como a AIDS, machupo e marburg, levam a perguntas tais como: de onde
veio isso? Há outros agentes biológicos por aí? Serão as doenças novas os resultados negativos da ação humana sobre os ecossistemas naturais levados à degradação? Sabe-se que as infecções emergentes surgem e acometem pessoas vivendo ou trabalhando em áreas que atravessam mudanças ecológicas de origem antrópica: o desflorestamento e o reflorestamento aumentam a exposição a insetos, a animais e a fontes ambientais que podem albergar agentes infecciosos novos ou incomuns. Estudos da distribuição geográfica de parasitas e de doenças transmitidas por vetores revelam a existência de sinergias entre a destruição das florestas tropicais, perda de biodiversidade e alterações climáticas, com impactos potenciais à saúde. Animais e plantas também passam a apresentar maior vulnerabilidade. No Brasil, soma-se ao recrudecimento da malária em áreas de garimpo, do dengue e da AIDS, o aparecimento de novas febres viróticas como a febre oropuche e a encefalite do vírus rocio. Recentemente foi isolado um novo arenavírus, denominado sabiá, agente de uma febre hemorrágica. Na América do Sul, na Amazônia, diversas novas viroses, especialmente arboviroses, têm sido descritas nas últimas décadas.. Muitas destas doenças chamadas emergentes, pertencem à categoria das zoonoses. Isto deixa clara a questão do envolvimento de humanos com ambientes silvestres. Em certos casos o reservatório animal destas doenças é desconhecido até hoje, como nos casos do ebola e do vírus sabiá. Esta informação é especialmente relevante, quando se pensa em estratégias de gestão ambiental em florestas, uma vez que é difícil planejar quando falta uma informação desta importância. Qualquer tentativa de previsão de impactos fica claramente prejudicada em tais circunstâncias. Como foi devidamente salientado pelo cientista americano Joshua Lerderberg, Nobel de 1955, estamos mais expostos a um tipo de “acidente” como a pandemia da Gripe Espanhola atualmente por uma série de razões: o aumento no número e no ritmo de contatos e interações humanas; a degradação do meio ambiente humano e natural pela busca e exploração selvagem de recursos naturais; o aumento da promiscuidade em megalópoles superpopuladas; o fenômeno da invasão e ocupação de novas áreas geográficas graças às novas tecnologias. Neste sentido, o Brasil é um bom exemplo da acumulação destes fatores. No que concerne às interações populacionais, apenas algumas décadas atrás, a maior parte das fronteiras naturais (com exceção da Argentina e Uruguai) era escassamente povoada; o acesso à região Amazônica era possível apenas por via fluvial, a qual era pobre e limitada; a área central, onde agora há Brasília, era pouco populosa; a comunicação entre as regiões sul e norte eram praticamente dependentes de rotas marítimas pelo Oceano Atlântico do mesmo modo que toda comunicação internacional. Com a construção de Brasília e a abertura da rodovia Belém-Brasília (1961), a construção da Transamazônica (1970) e o desenvolvimento do transporte aéreo estas condições mudaram dramaticamente. As viagens aéreas no Brasil aumentaram de 6 milhões ao ano, em 1970, para 39 milhões, em 1996. A rodovia Transamazônica permitiu o acesso às fronteiras com as Guianas, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia promovendo o aumento da interação humana e intensificando a migração interna com pessoas das mais diversas áreas do país se deslocando basicamente em dois sentidos principais: das áreas rurais do nordeste para áreas urbanas do sudeste, resultando no processo de megalopolização do Rio de Janeiro e São Paulo; e das áreas rurais do sul e nordeste para a nova colonização da região amazônica. Neste último caso, as pessoas eram atraídas pela oferta de terra nas fronteiras agrícolas e pala busca de ouro. As conseqüências foram o aumento de população em novas áreas: em Rondônia, na fronteira coma a Venezuela, a população aumentou de 110 mil habitantes, em 1970, para 1.5 milhões, atualmente; no Amapá, fronteira com as Guianas, a população aumentou de 130 mil para 400 mil e em Roraima, na fronteira com a Venezuela, de 50 mil para 300 mil. Com esta nova população, muitos eram suscetíveis às doenças da região para onde se dirigiam, não apresentando a imunidade natural das populações locais. Estas novas condições já provocaram as conseqüências epidemiológicas: a
reinvasão do país pelo Aedes aegypti, que havia sido erradicado na década de 1950, e que penetrou pelo norte da Guiana Francesa e pela fronteira oeste do Paraguai e Bolívia, com a conseqüente volta do dengue. Outro exemplo foi a explosão de malária na região amazônica, com 50 mil casos, em 1961, e 500 mil, em 1990, e que resultou da brutal migração, desmatamento e colonização de novas áreas na região durante a década de 1970. O intenso fluxo migratório de e para a região amazônica produziu em outras regiões, em época recente, esporádicos e pequenos surtos de malária. Da mesma forma, doenças consideradas patologias clássicas de áreas rurais estão se estabelecendo atualmente em áreas urbanas. É o que vemos nos casos de malária aparecendo em Manaus e de leishmaniose cutânea no Rio de Janeiro. É, entretanto, necessário considerar a emergência de novas doenças como um aspecto normal e permanente da aventura humana no planeta, uma realidade de um mundo darwiniano.
V As doenças e as alterações: informações e exemplos Trinta e quatro arbovírus dentre 183 isolados, até o momento, na Amazônia têm sido relacionados com doenças humanas. O dengue e o oropuche são associados à doença humana epidêmica em áreas urbanas, enquanto o mayaro e a febre amarela são em áreas rurais. O oropuche determina um quadro febril algumas vezes acompanhado com meningite asséptica; o mayaro e o dengue apresentam quadro febril exantemático, e a febre amarela é uma febre do tipo hemorrágica. Com exceção do dengue, todos os arbovírus envolvidos em doenças humanas na Amazônia são mantidos por meio de ciclo silvestre onde diversas espécies de insetos hematófagos e vertebrados silvestres atuam como vetor e hospedeiro, respectivamente. No Brasil os arbovírus estão espalhados por muitas regiões. Entretanto, o número de tipos que causam doenças humanas é pequeno. Dos mais de 200 sorotipos diferentes isolados no Brasil, menos de 30 levam a doenças humanas. Entretanto, os impactos sociais e econômicos dos poucos surtos é significativo. De 183 dos tipos isolados, com 34 associados à doenças humanas, 27 deles pertencem a 3 gêneros: Alphavirus, Bunyavirus e Flavivirus e apenas 7 pertencem a outros gêneros. Com poucas exceções todos os isolamentos de vírus foram obtidos de indivíduos infectados na natureza. Apenas 4 doenças arbovirais, porém, foram consideradas de importância para a saúde pública na Amazônia. Todos os quatro tipos respondem por 90% de todos os casos de doenças arbovirais na Amazônia. Oropuche. Trata-se de um vírus do gênero Bunyavirus, da família dos Bunyaviridae, serologicamente relacionado ao grupo simbu. Os surtos de febre oropuche causam impacto socioeconômico devido à sua natureza explosiva, de modo que centenas de pacientes são acometidos simultaneamente. Tais pacientes, algumas vezes, apresentam doença severa, incluindo comprometimento neurológico, embora não haja registro de mortes. Quando o equilíbrio ambiental (ecológico) é rompido e as condições epidemiológicas (suscetibilidade, circulação viral e de vetores ) são propícias, o surto tem início.
Sua ocorrência cíclica tem início na estação chuvosa (geralmente de janeiro a junho). Foram registrados 3 surtos em Belém nos últimos 30 anos: em 1961, em 1968/1969 e 1979/1980 sendo que este último envolveu outras localidades. Até 1980 todos os surtos ocorreram no Pará. Do final de 1980 até o primeiro quarto de 1981, uma grande epidemia foi assinalada em Manaus, no Estado do Amazonas e se espalhou até Barcelos. Em 1988 novas áreas afetadas por surtos de febre oropuche: Porto Franco e Tocantinópolis nos Estados do Maranhão e Goiás respectivamente. Em 1991 uma grande epidemia foi relatada no Estado de Rondônia, nas cidades de Ariquemes e de Ouro Preto do Oeste. Acredita-se que ao menos 500.000 pessoas foram provavelmente infectadas pelo oropuche nos últimos 30 anos (1961-1991) na bacia amazônica brasileira. Quando da última ocorrência em Belém, foi observado envolvimento neurológico, caracterizado por meningite. Não foram registrados casos de segunda infecção. O mosquito culicoides paraensis é o vetor urbano do oropuche durante as epidemias. Os pacientes infectados transmitem o vírus para o c. paraensis durante os 2 primeiros dias de doença (período da viremia). Tem sido sugerido que o oropuche apresenta 2 ciclos distintos: um urbano (epidêmico) no qual o ser humano é o principal hospedeiro, sendo o c. paraensis o vetor; e um ciclo silvestre responsável pela manutenção do oropuche na natureza. Trata-se de um ciclo no qual preguiças, primatas e pássaros são os hospedeiros vertebrados, sendo o vetor desconhecido. Dengue. Trata-se de um vírus do gênero Flavivirus, família Flaviviridae. Os serotipos 1 e 4 são membros do grupo B dos arbovírus. Duas grande epidemias de dengue foram relatadas na região amazônica: em Boa Vista, Roraima em 1982 e em Araguaína, Tocantins em 1991, sendo a primeira pertencente aos serotipos 1 e 4 e o segundo do tipo 2. O dengue 2 foi pela primeira vez isolado no Brasil em um paciente chegado a Belém, provindo de Luanda, Angola, em fevereiro de 1989. Mortes causadas pelo dengue, na Amazônia brasileira, não foram relatadas. O Aedes aegypti foi reintroduzido no Estado do Pará em 1992 e já, em 1995, foram registrados casos de dengue em Rondon e Redenção. Em 1996, oito casos foram registrados em Belém, cidade localizada na confluência do Rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Em 1997 os tipos 1 e 2 foram identificados e, desde então, têm sido relatados. O surto de 1997 foi o primeiro, nos últimos 70 anos, em Belém, e o terceiro da doença ocorrido na região amazônica. Surtos prévios foram relatados em 1981-82 em Boa Vista (Roraima) e em 1991 em Araguína (Tocantins). A distribuição epidêmica foi acompanhada em 1997 por uma intensificação da estação chuvosa típica da Amazônia brasileira. O dengue é uma doença de origem africana. A doença era provocada por quatro diferentes subtipos do vírus, afins com o da febre amarela. À medida que se conduziam campanhas para a erradicação do Aedes aegypti, durante o início do século XX, para combater a febre amarela, os surtos de dengue praticamente cessaram. Em 1953, em Manila, houve um surto de um tipo aparentemente novo da doença, que provocava o aparecimento de petéquias e febre elevada. A doença parecia ser mais grave do que os surtos precedentes do vírus do tipo 2. Cinco anos depois, esta forma hemorrágica atingiu Bangcoc e infectouu 2297 pessoas, causando 240 mortes. Médicos americanos determinaram que ocorrera o mesmo que acontecera com a febre amarela: o mosquito tornara-se inteiramente urbanizado. Uma infecção anterior, razoavelmente benigna, tornava o indivíduo suscetível à forma hemorrágica da doença. O novo padrão do dengue espalhou-se pelo leste da Ásia, transmitido por ondas sempre crescentes de Aedes aegypti e Aedes albopictus. Este último era um inseto resistente e adaptado para coexistir não apenas com seres humanos mas com uma grande variedade de animais de sangue quente. Durante os anos 50 e 60, os tipos 1,
2 e 3 do dengue apareceram esporadicamente nas Américas. Um fator decisivo para a expansão do dengue nas Américas foi a chegada ao continente do A. albopictus, em 1985. Transportados em um carregamento de pneus usados, cheios de água estagnada, enviados do Japão para serem recauchutados em Houston, esses mosquitos agressivos e portadores também do vírus da febre amarela, dominaram as espécies menos agressivas que encontraram. Quando o cientista americano Tom Monath procurou entender os acontecimentos que levaram à emergência global da febre hemorrágica do dengue, percebeu que estava ligada às atividades humanas. Examinando registros históricos e evidências laboratoriais concluiu que a Segunda Guerra Mundial era responsável pelo aparecimento do dengue transmitido pelo A. aegypti na Ásia. Migrações humanas maciças, bombardeios aéreos, campos de refugiados densamente ocupados e a redução de todas as campanhas de controle permitiram o aumento sem precedentes da população do vetor. A movimentação rápida de tropas, por via aérea, associada a migrações maciças de refugiados, permitiu aos vários tipos de dengue a entrada em novas ecosferas. Ao tempo em que o dengue chegou à América Latina, nos anos 60, as ecologias favoráveis ao Aedes aegypti na Ásia também o eram no hemisfério ocidental, como resultado das ondas de migração das maiores cidades. Nestas cidades pôde ser estabelecido o ciclo urbano da doença.
Mayaro. O vírus da febre mayaro é um Alphavirus da família Togaviridae serologicamente relacionado ao grupo A dos arbovírus. É endêmico na Amazônia, e as taxas de anticorpos são diretamente proporcionais às populações que mantêm contato com a floresta devido a algum tipo de trabalho nestas áreas. A imunidade ao mayaro cresce com a idade e de acordo com a área das comunidades rurais (variando entre 10% a 60%). Algumas tribos indígenas apresentam imunidade. Atualmente, pelo menos 3 epidemias do mayaro ocorreram na Amazônia, duas das quais em associação com a febre amarela. Os surtos de mayaro geralmente se limitam a áreas rurais próximas ou dentro da floresta onde o Haemagogus janthinomys é o principal vetor, e é encontrado em abundância. O contato com a floresta parece ser o grande fator de risco para a infecção pelo vírus. Os hospedeiros vertebrados naturais do mayaro são primatas não humanos, pássaros atuam como hospedeiros secundários. Febre amarela. O vírus da febre amarela é o protótipo do gênero Flavivirus da família Flaviviridae. Trata-se de uma febre hemorrágica. Todos os primatas não humanos são altamente suscetíveis à infecção, sendo que muitas espécies desenvolvem uma forma fatal da doença. Por outro lado, pássaros, roedores, marsupiais, morcegos, anfíbios e répteis são altamente resistentes. Todo ano, no Brasil, são relatados casos humanos em áreas endêmicas e/ou epizooticas por meio de transmissão silvestre. Em muitos casos, humanos desempenham importante papel na disseminação do vírus em áreas onde não existia antes mas onde há abundância de vetores. Modificações nas proximidades da floresta por meio de atividade madeireira, agricultura, criação de gado, instalação de rodovias e demais atividades que aumentam o contato de população não imune e vetores silvestres. Foi erradicada no ciclo urbano mas representa perigo onde haja abundância de Aedes aegypti, pois este pode ser vetor do vírus da febre amarela. Dados sobre o Aedes albopictus:
Há uma crescente e acelerada expansão do Aedes albopictus desde que surgiu no Brasil pela primeira vez. Apenas em sete Estados brasileiros sua presença não foi relatada: Amapá, Roraima, Acre, Tocantins, Piauí, Ceará e Sergipe. No Pará e Alagoas sua presença foi registrada em apenas um município de cada Estado: Medicilândia e Maceió, respectivamente. O Aedes albopictus apenas está sujeito a controle na medida em que ocorre onde há controle do Aedes aegypti, devido ao controle do dengue. É importante assinalar que se trata de uma espécie que tem demonstrado potencial para ocupar áreas rurais e silvestres – suas larvas podem ser encontradas em ocos de árvores e imbricações de folhas de plantas. A penetração no ambiente natural poderá incluir o Aedes albopictus em ciclos de transmissão mantidos por espécies silvestres brasileiras. A espécie apresenta competência para a transmissão do vírus da febre amarela, e com sua expansão geográfica há o perigo do aumento de áreas de risco de febre amarela, uma vez que a espécie transita em ambientes silvestres antrópicos. Devido à sua amplitude ecológica, o A. albopictus pode ser de difícil controle na região amazônica. Esta região representa um ambiente rico em populações de vírus, tanto conhecidos quanto novos, e a presença do A . albopictus poderá torná-la mais receptiva à emergência de arboviroses em áreas de constantes alterações ambientais. Malária. A malária pode ser considerada como uma das mais ubíquas e complexas doenças. O ciclo vital do parasita malárico é bastante complexo. Diversas cepas do mosquito Anopheles podem ser portadoras dos parasitas. A rapidez e a gravidade dos eventos vão depender de qual das quatro principais espécies de parasita malárico foi injetada pelo mosquito, sendo as mais perigosas o Plasmodium vivax e o P. falciparum. Diversos tipos de macacos servem de reservatório para o parasita. Deste modo, a doença é capaz de ficar por longos períodos escondida no habitat destes macacos. O Anopheles pode alimentar-se tanto do sangue destes macacos como do de seres humanos que estejam presentes em sua ecosfera. O tamanho das populações de Anopheles pode variar drasticamente em uma determinada área, dependendo de precipitações atmosféricas, práticas agrícolas, natureza das comunidades e das habitações humanas, altitude, proximidade das florestas ou matagais, desenvolvimento econômico, estado nutricional dos habitantes e numerosos outros fatores que podem afetar os locais de reprodução do mosquito e a suscetibilidade de populações humanas do lugar. A interrupção brusca de programas de controle tende a garantir taxas mais altas de letalidade por malária, especialmente em países pobres que não possuem sua própria infra-estrutura de controle da doença. Depois de 1963 a incidência da malária voltou a crescer em países em desenvolvimento, de modo que se viram forçados a alocar maiores recursos em orçamentos de saúde pública. A Revolução Verde – projeto financiado pelo Banco Mundial para melhorar a situação do Terceiro Mundo pelo cultivo comercial em grande escala – estava em andamento. Mas a conversão de milhares de acres de terra onde anteriormente a lavoura era diversificada ou de glebas incultas em monoculturas de café, arroz, sorgo, trigo, abacaxi e outros, com fim de exportação, fez aumentar ainda mais o uso de pesticidas. Quando em uma área havia espécies vegetais diversificadas, a população de inseto também era muito variada, de modo que uma só espécie nociva não tinha oportunidade de dominar tanto a ponto de destruir a plantação. Um quadro de desequilíbrio ecológico começa a se instalar, não apenas pela derrubada de florestas nativas mas também pela alteração das populações locais de insetos, propiciando a colonização destes espaços por novas espécies adaptadas a esse meio alterado. O governo brasileiro e a PHAO conseguiram reduzir os casos de malária no
Brasil a quase zero em 1960. Porém, em 1983, o país teve 297.000 hospitalizações devido a esta doença; número que chegou a dobrar em 1988. Apesar do grande uso do DDT e de outros pesticidas, o Anopheles darling proliferou na Amazônia contaminando indivíduos não imunes que invadiam a região em busca de ouro e pedras preciosas. Em 1989 o Brasil foi responsável por 11% dos casos não africanos de malária no mundo. Em 1987 uma pesquisa revelou que 84% dos casos amazônicos era de malária resistente à cloroquina, 73% resistiam à amidiaquina e quase todos revelaram algum tipo de resistência ao Fansidar, apenas a mefloquina permanecia eficaz. Dez por cento da região sudoeste da Ásia é coberta de florestas tropicais, o que inclui dezesseis tipos de florestas ecologicamente diferentes. A malária desta região é do tipo “ de floresta” o que significa que seu controle pelos meios padronizados de controle de mosquitos é ineficaz, se isso significar espalhar DDT em toda floresta tropical úmida. A situação asiática oferece um exemplo interessante para a questão do equilíbrio ecológico homem/floresta na questão das doenças infecciosas transmitidas por vetores artrópodes (mosquitos). No mínimo, 30 espécies de mosquitos transmitiam a malária na Ásia, muitas das quais se alimentavam de sangue humano e do de vários outros animais. Estavam adaptados para se reproduzir e se alimentar em todos os ambientes de floresta asiática e ocupavam a maior parte das elevações do sul da Ásia, sugando o sangue humano a qualquer hora do dia e da noite. Muitos eram resistentes a pesticidas, e a maioria era do tipo silvestre, preferindo o ambiente de mata fechada. Pessoas que viviam ou entravam para trabalhar nas regiões de floresta eram constantemente picadas por eles. Isto estabeleceu um duradouro equilíbrio ecológico entre humanos e parasitas transmitidos pelos mosquitos. Aqueles que sobreviviam a alguma doença na infância ficavam “vacinados”, vacina essa que era renovada constantemente em sua novas entradas na floresta. Ironicamente, esforços para erradicar a malária acabaram por romper esse equilíbrio, pois os programas de controle de mosquitos, tendo tido sucesso, acabaram com as “vacinações “ diárias , e a imunidade desapareceu. O uso profilático de antimaláricos evitava a doença, mas também diminuía a imunidade. Os habitantes dessas regiões asiáticas eram extremamente nômades, movendo-se constantemente devido a guerras, lutas civis, perseguição religiosa, necessidades econômicas e calamidades naturais. Isto trazia um grande contingente de migrantes de regiões onde não havia malária, e não tinham imunidade, ou estavam transitando entre regiões onde as espécies ou variedades da doença diferiam nitidamente. A febre amarela, cujo vetor principal é o Haemagogus janthinomys tem como hospedeiros macacos e possivelmente marsupiais e é capaz de infectar humanos. O oropuche, cujo vetor principal é o culicoides parensis, hospeda-se em preguiças, macacos e pássaros, e é capaz de infectar humanos. O tacaiuma tem como vetor principal o Haemagogus janthinomys, hospeda-se em macacos e pode infectar o ser humano. Os arbovírus do grupo guama apresentam com principal vetor o culex portesi, se hospeda em roedores, marsupiais e pode infectar humanos. O vírus mayaro tem como vetor o Haemagogus janthinomys e talvez outros tipos de Haemagogus, hospeda-se em macacos, pássaros e possivelmente outros animais, sendo capaz de infectar humanos. O mucambo tem como vetor o culex portesi, hospeda-se em roedores e marsupiais e também pode infectar humanos. Dos vírus citados alguns claramente causam doenças em humanos. O dengue , o oropuche e a febre amarela podem causar surtos epidêmicos e estão relacionados respectivamente com fatores como controle deficiente do mosquito vetor e aumento da urbanização; desmatamento e colonização humana; falta de imunização em larga escala, processo de urbanização e desmatamento. Os vírus do grupo guaroa apresentam como possível fator de emergência a construção de represas e reservatórios de hidroelétricas e é capaz de causar esporádicos casos de doença em humanos. Um exemplo de vírus emergente associado à construção de tais reservatórios é o dos vírus do grupo gamboa e os vírus a ele associados (gamboa – like) . O mayaro apresenta como possível fator de emergência o desmatamento e é
responsável por surtos limitados de doenças. É importante deixar claro que muitos vírus novos e vírus a elas relacionados foram encontrados na região da floresta Amazônica. Entre estes novos vírus muitos foram encontrados associados a construções de estradas; práticas de mineração e construção de reservatórios de hidroelétricas. Relacionados com a abertura de estradas, na década de 70 , os novos vírus encontrados incluíam seis membros do serogrupo Phlebotomus; doze membros do serogrupo changuinola; cinco membros de diversos serogrupos da família Bunyaviridae além de quatro vírus pertencentes a outras famílias e seis subgrupos de vírus. Relacionados com a construção de represas, em 1990, estudos mostraram em Balbina e Samuel cinco membros do serogrupo Phlebotomus; trinta do serogrupo changuinola e três do serogrupo Anopheles A; um do serogrupo gamboa, seis vírus não classificados e um Togaviridae. No caso de Tucuruí, noventa e uma cepas de vírus relacionados ao tipo gamboa foram encontradas. Durante o mesmo período três cepas de vírus relacionados ao gamboa foram isolados em várias espécies de aves. Em relação ao uso do subsolo e atividades de mineração, estudos em Carajás e em outras áreas como Jari, Porto Trombetas, Cachoeira Porteira e Santana isolaram vinte e quatro novos vírus, entre eles cinco membros do serogrupo Phlebotomus; onze do changuinola; seis Rhabdoviridae; um de cada família Arenaviridae, Bunyaviridae, Flaviridae e Paramyxoviridae, além de cinco pertencentes a viroses não classificadas. Num período de 1954 a 1998, um total de 187 diferentes espécies de arbovírus, além de outros vírus de vertebrados, foram identificados pelo Instituto Evandro Chagas entre as mais de 10.000 cepas de vírus isolados em seres humanos, insetos hematófagos e vertebrados-sentinelas e silvestres. Destes, 32 agentes são patogênicos para o Homem, causando febres, doenças hemorrágicas e encefalites. Quatro destes vírus são de relevância para a saúde pública por causarem doenças sérias e até a morte e epidemias. São eles: dengue; febre amarela; mayaro e oropuche. ASPECTOS ECOLÓGICOS De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os arbovírus se mantêm na natureza em ciclos que envolvem artrópodes hematófagos como vetores, e animais hospedeiros. Estes vírus são transmitidos biologicamente por seus vetores a hospedeiros vertebrados suscetíveis. Quando estes desenvolvem viremia de duração suficiente podem infectar os vetores quando estes se alimentam de seu sangue. A infecção do vetor geralmente dura toda a sua vida. Ocasionalmente, artrópodes hematófagos servem como vetores de arbovírus. Podem existir dois tipos de hospedeiros vertebrados; de particular importância são aqueles que servem de fonte de infecção para o vetor e aqueles em quem a doença se manifesta. Do ponto de vista epidemiológico os primeiros são mais importantes pois, junto com os vetores, servem como reservatórios, disseminadores e amplificadores das doenças. A infecção humana é geralmente acidental, sendo em geral um beco sem saída para o vírus ou constituindo um hospedeiro tangencial. Dá-se, em geral, pela invasão humana do nicho ecológico do agente infeccioso. Com exceção da febre amarela, do dengue e do oropuche urbanos, os seres humanos não parecem ter papel essencial na manutenção e disseminação das doenças por arbovírus na região amazônica. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS A epidemiologia de cada vírus é determinada por seu ciclo natural. No caso dos arbovírus, sua atividade pode ser classificada como enzoótica (envolvendo casos esporádicos e intermitentes) ou epizoótica (com surtos significativos). Infecções de arbovírus em ciclos enzoóticos são geralmente causadas por invasão
humana ou animal no ciclo natural; neste caso tais ciclos viróticos são designados como rurais ou silvestres. Infecções epidêmicas resultam normalmente quando um arbovírus é introduzido em uma população suscetível em associação com populações adequadas de vetores. Normalmente estas situações estão associadas a condições naturais cíclicas, como fenômenos climáticos. É importante enfatizar que diferentes arbovírus podem ser transmitidos pelo mesmo mosquito e podem também infectar diferentes espécies de vertebrados, incluindo humanos. Um único vírus pode infectar e ser transmitido por várias espécies de mosquitos de gêneros diferentes. Um bom exemplo é o da febre amarela, que tem como principal vetor silvestre o Haemagogus janthinomys mas que pode ser transmitida também por outros tipos silvestres de Haemagogus, Sabethes e Aedes para macacos e possivelmente humanos. A isto se soma o fato de que o Haemagogus janthinomys está freqüentemente infectado com vírus mayaro, tacaiuma, jurona e outros. Desta forma fica clara a complexa relação que há entre os vírus e seu meio ambiente. Em 1823 os mosquitos de Jessore, em Bengala, passaram a injetar parasitas da leishmaniose ao picarem humanos. Surtos de leishmaniose visceral (calazar) transmitidos por mosquitos-pólvora irromperam em Assã, na Índia, em 1818, matando mais de 200.000 pessoas. Outro surto ainda atingiu a área em 1944. Em curto espaço de tempo, organismos de várias espécies causadores da leishmaniose, estavam aparecendo em mosquitos que infestavam as cidades da América Latina e do subcontinente indiano, provocando tanto o calazar como a leishmaniose cutânea. Vários fatores pareciam ter contribuído para a emergência da leishmaniose urbana, inclusive a ampla aplicação do DDT para controle da malária, uma vez que as populações de mosquitos transmissores da leishmaniose ocuparam os nichos ecológicos deixados vagos pelas mosquitos da malária exterminados pelo inseticida. Diversas cidades da America Latina se viram invadidas por esses mosquitos, que atingiram populações totalmente despreparadas imunologicamente para esse avanço. Pioneiros em busca de riquezas nas vastas florestas do Amazonas quase sempre voltavam para as cidades do leste do Brasil infectados. Essas pessoas deram início ao ciclo urbano da doença. As cepas parasitárias do calazar indiano podia infectar animais domésticos além de seres humanos, o que garantia a sua presença nas comunidades. Em 1980, o mesmo fenômeno foi detectado no Brasil e Colômbia, envolvendo cães e galinhas. Os mosquitos da subfamília dos Phebotominae são transmissores das espécies de Leishmania, agentes etiológicos das leishmanioses. A região amazônica é notável pela alta diversidade de espécies de Phebotominae e de espécies e variedades de Leishmania. A epidemiologia de leishmanioses na Amazônia varia conforme o local, as espécies de flobotomíneos e parasitas envolvidos mas, na maioria dos casos, os reservatórios dos parasitas são animais silvestres. Algumas espécies de flebótomos são capazes de colonizar ambientes peri-domiciliares, em áreas desmatadas, mantendo focos de transmissão de Leishmania no novo ambiente antrópico. A descoberta e descrição da espécie Lutzomia derelicta, em 1999, na Amazônia, com características intermediárias entre espécies americanas e africanas, sugere que seja um vicariante pleistomorfo das espécies africanas, ilhado pela formação do Oceano Atlântico no Cretáceo, e confinado a um pequeno refúgio seco pela evolução da floresta amazônica. A localidade é a base da escarpa da Serra do Cachorro na margem direita do Rio Imabu , afluente do Trombetas do Pará. O local é de interesse também devido ao fato de ser a única localidade conhecida para a bromélia saxicola Pitcairnia crinita Pereira e Martinelli. É importante para o escopo deste trabalho assinalar que esta região se encontra dentro da área de influência do projeto para a construção de uma usina hidrelétrica em Cachoeira Porteira. As matas nas encostas inferiores da Serra do Cachorro abrigam uma rica fauna de flebotomídeos, com 44 espécies representadas numa amostra de 4232 espécimes coletados em armadilhas de luz. Entre seis espécies do subgênero Evandromya
coletadas no local, duas são espécies novas. Ambas já foram coletadas em outras áreas na Amazônia. A espécie Lutzomia douradoi Freitas e Fé 1998 encontrada no município de São Gabriel da Cachoeira, no médio Rio Negro, pertence a um subgênero que inclui vetores de Leishmania basiliensis e Leishmania naiffi. No Amapá, em 1999, foram constatadas altíssimas taxas de infecção por Leishmania na população humana e em L. umbratilis. Há indícios de que, nesta área, um dos fatores de risco para a doença humana seja a extração de cipó. Entre os areaviridae, o guanarito, o flexal , o junin e o sabiá estão classificados no nível 4 de risco biológico, junto com agentes como o lassa e o machupo. Entre os bunyaviridae (mesma família a que pertencem vírus como o criméa Congo, que pertence ao nível 4), o oropuche ocupa o nível 3 de risco biológico, juntamente com o vírus Hantaan e Rift Valley. Entre os flaviviridae o rocio, o dengue, o vírus da febre amarela e o da encefalite de São Luís, ocupam o nível 3, junto com os vírus das hepatites C e G. Desta mesma família é o vírus omsk que pertence, porém, ao nível 4. Na família dos togaviridae, o mayaro, o mucambo, chikungunya e o das encefalites eqüinas do Leste e do Oeste, pertencem ao nível 3. É importante lembrar que o retrovírus do HIV pertence ao nível 3, e o vírus nipah que ataca humanos e está relacionado à proximidade de florestas e à presença de morcegos frugívoros, pertence ao nível 4. De acordo com estudos realizados entre 1970 e 1980, nas regiões de Altamira e Tucuruí, o inadequado manejo ambiental mostrou poder causar desequilíbrios capazes de desencadear uma série de fenômenos, o que inclui o aumento na incidência de vetores conhecidos e/ou a emergência de novas viroses. O padrão de transmissão dos seguintes vírus foi provavelmente alterado devido às modificações ecológicas causadas pela construção da represa e pela inundação: seis diferentes tipos de Anopheles grupo A, gamboa, guaroa, turlock, kwatta, oropuche, encefalite de São Luís, Mmaguari/Xingu e triniti. O i grupo A, em 1984, apresentava apenas 3 tipos diferentes na Amazônia brasileira: tacaiuma, lukuni e trombetas, sendo os 2 primeiros patogênicos para os humanos. Todos eles e mais 3 tipos apareceram na área da represa durante a inundação ou pouco depois, como conseqüência provável da proliferação dos mosquitos hospedeiros. Foi igualmente a primeira vez que o tacaiuma foi isolado em anofelinos noturnos. O vírus gamboa é novo no Brasil, sendo largamente distribuído na América Central e do Sul. As duas primeiras cepa isoladas no Brasil, de sangue de pássaros, foram coletadas apenas um mês antes do início da inundação. O segundo tipo provavelmente é migrante. Setenta e seis cepas foram isoladas em mosquitos, todas coletadas na área da barragem durante um período pós-inundação, ou no mínimo um ano depois dos isolamentos iniciais. Os únicos vertebrados silvestres que apresentaram anticorpos para o vírus guaroa foram três espécies de macacos, capturados durante o período da inundação. Dados disponíveis sobre este arbovírus indicam claramente que foi favorecido pelas novas condições ecoepidemiológicas, devido à construção da represa e à inundação. O vírus turlock é um agente transmitido tipicamente no ciclo culex-pássaro na Amazônia brasileira, tendo sido isolado esporadicamente em pelo menos onze diferentes espécies de pássaros. Duas cepas foram encontradas na área da represa, antes e durante a inundação. Embora o vírus não tenha sido isolado novamente na área – como também aconteceu no caso da região de Altamira desde 1974 – é provável que a enorme proliferação de culex spp. durante a inundação tenha favorecido a emergência da circulação enzoótica. O vírus do tipo kwatta é ecologicamente comparável ao turlock, com um ciclo cúlex-pássaro. Estava presente na área antes da inundação (uma cepa) e mostrou uma circulação aumentada durante a inundação, apresentando quatro cepas isoladas em culex sp. Ao contrário do turlock, também está presente na área de Altamira (com 3 cepas isoladas em 1982-83) indicando a possibilidade de condições ecoclimáticas favoráveis independentes das mudanças causadas pela represa. Cepas possivelmente de um ou dos dois tipos de vírus maguari/Xingu mostraram
a interessante possibilidade de mudanças de mosquito hospedeiro. Na área da represa de Tucuruí quatro foram isoladas de mosquitos de hábitos noturnocrepusculares. O ciclo silvestre do vírus triniti não fora caracterizado até recentemente. Aparentemente é transmitido por espécies de mosquitos de hábitos diurnos. Foi isolado de vetores diurnos, em 1983, na área de Altamira e em Tucuruí, durante o período de inundação. Um ano depois da inundação, na área da represa, quatro cepas foram inexplicavelmente isoladas em espécies noturno-crepusculares de Anopheles triannulatus. Assim como o maguari/Xingu, parece ter apresentado uma mudança de hospedeiro. Também na área da represa, o vírus da encefalite de São Luís foi isolado, em 1982, e em 1984 antes da inundação e durante um período de dois meses depois do começo da inundação, e uma vez mais, um ano depois, em 1985. Embora a inundação causada pela represa tenha favorecido uma grande proliferação de vetores, e seis cepas terem sido isoladas (contra 3 em Altamira) os presentes dados não revelaram um claro corte diferencial entre os padrões de transmissão nas duas regiões. No caso do desmatamento para uso agrícola, é trazido para a região um grande contingente de indivíduos não imune. Trata-se, portanto, do fator principal da reemergência e do aumento do número de casos de febre amarela. Durante a década de 70, a proliferação de estradas e extensas redes de vias de transporte na região amazônica resultou no isolamento de grande número de arbovírus conhecidos e desconhecidos pela ciência. A construção de represas, com o alagamento de extensas áreas, favorece também o surgimento de novas viroses. A ecologia de artrópodes hematófagos e de vertebrados pode ser bastante afetada pelas alterações ambientais. A colonização de novas áreas, que ocorre ao longo das construções humanas pode ser relacionada ao surgimento e disseminação devido ao fluxo demográfico e às alterações ambientais que causa. Este é o caso do vírus oropuche. Práticas inadequadas de mineração podem facilitar o contato entre humanos, vetores e arbovírus. O caso do ouro em Serra Pelada, em 1990, é um exemplo disso. As atividade ilegais de mineração são igualmente responsáveis por intensas modificações ambientais que resultam na introdução e/ou transmissão de muitas doenças, algumas em populações totalmente novas. Em 1991 as alterações ambientais causadas pela mineração resultaram em casos de malária e febre Amarela entre os Yanomãmis. Na área de Carajás, estudos revelaram a existência de novas espécies de vertebrados e de artrópodes que abrigavam diversas linhagens de arbovírus novos. As mudanças climáticas estão claramente relacionadas a pelo menos 3 vírus: oropuche, mayaro e febre amarela. Arbovírus ocorrem naturalmente na floresta amazônica, mas dependem de um complexo mecanismo para sua manutenção. A grande biodiversidade em termos de número de espécies e de quantidade de indivíduos de cada uma é um fator chave para a existência de um grande número de arbovírus. Os impactos ambientais causados pelo Homem ao desmatar ou inundar vastas áreas, atingem a fauna local de modo que deve se adaptar ou morrer. Esta fauna constitui o principal fator de manutenção do ciclo silvestre dos arbovírus. Conseqüentemente, os arbovírus hospedados por esta fauna tendem a desaparecer rapidamente visto que o ecótopo de muitos deles é limitado: sua distribuição é focal, restrita a pequenos espaços ou nichos ecológicos. Qualquer modificação ambiental pode levar a conseqüências negativas ou positivas. Caso as novas condições sejam positivas e favoráveis à sobrevivência do vírus, este pode sobreviver e se espalhar infectando humanos e, conforme o caso, causar epidemias limitadas ou explosivas, o que irá depender da distribuição e abundância dos seus vetores. No caso das alterações serem negativas para o vírus, eles tenderão a desaparecer.
VI Gestão, risco e prevenção Quando se pensa em termos de gestão ambiental é necessário pensar em capacidade de previsão. Quando se pensa a gestão de florestas tropicais, no que diz respeito à doenças infecciosas, qualquer análise de possíveis riscos futuros depende desta capacidade de previsão. Previsão é uma ação que ocorre necessariamente ao longo do tempo, e o problema de sua executabilidade se apresenta exatamente quando se percebe que as escalas de tempo não são as mesmas para os processo humanos e os processos naturais. Este problema envolve um outro agravante, ou elemento dificultador: o que a humanidade deseja obter com suas ações sobre a natureza. O tempo social é fundamentalmente de curto prazo; o tempo do desenvolvimento científico e tecnológico é, basicamente, de longo prazo; enquanto que o tempo da dinâmica evolutiva dos sistemas naturais é, essencialmente, de longuíssimo prazo. Em termos de gestão, é a previsibilidade do risco de ocorrência de eventos que permite orientar qualquer intervenção seja a análise de riscos à saúde, avaliação de desastres naturais ou a possibilidade de encontrar uma nova doença cujo ciclo e cujo impacto sobre as populações humanas são desconhecidos. A previsão de futuros riscos só pode ser feita dentro do âmbito dos conhecimentos atuais e obedece à temporalidade e à lógica de curto prazo do tempo social. Está sujeita, ainda, à temporalidade igualmente de curto prazo do desenvolvimento socioeconômico. Este descompasso pode gerar uma falsa sensação de segurança quanto ao risco que se corre ao estabelecer contato com novas áreas ecologicamente complexas que não conheceram ainda a presença humana ou, pelo menos, a presença de humanos cujos sistemas imunológicos não estão preparados para o contato com as formas de vida deste ecossistema. Este é, muitas vezes, o caso das florestas tropicais, como diversos exemplos históricos demonstram. O perigo atual reside no fato de julgarmos que todos os sistemas ecológicos do planeta são conhecidos ou praticamente conhecidos, e os humanos são igualmente deles conhecidos. Isto cria uma falsa sensação de segurança. Isto está longe da verdade. Como já disse Albert Einstein, a mãe natureza não é cruel, mas está longe de ser simples. Os processos que podem tronar uma doença infecciosa transmitida por vetor um problema para populações humanas está associado aos longos intervalos de tempo dos processos evolucionários. Ocorre que o processo evolucionário da espécie humana, com o advento do paradigma da informação, das técnicas de computação, tornaram a capacidade humana de acumular e transmitir informações muito mais rápidos em comparação com os processos de outras espécies biológicas. Entretanto, se o tempo é maior, para a assimilação de informações necessárias a outras espécies para tornar o ser humano parte de sua “cadeia alimentar”, por outro lado, as variações são tão complexas que desafiam a capacidade humana de previsão. O desenvolvimento da espécie humana é, em sua maior parte, tributado à evolução cultural a qual possibilita que a experiência adquirida oriente seus processos de previsão futura. O conhecimento adquirido através da experiência é, quase sempre, de cunho apenas indutivo. As conseqüências negativas são as de que muitas mudanças, qualitativas e quantitativas, verificadas nos componentes de incerteza e risco inerentes das interações com os ecossistemas podem passar desapercebidos, devido à complexidade inerente dos mesmos e à falta de experiência anterior. Os problemas ambientais (as doenças emergentes são um deles) e ecológicos
são, em geral, resultado e conseqüência dos sucessos biológicos da espécie humana e do papel dominante da ação humana sobre os diversos ecossistemas e de sua capacidade de dominar mecanismos de controle biológico. A acumulação de conhecimentos nas ciências da vida, ao permitir interferências e manipulações, implicou também um crescente processo de simplificação dos ecossistemas naturais. As mudanças na sociedade, na tecnologia e no ambiente podem levar a uma nova era de confronto à morte e à invalidez. Estaria favorecendo a evolução/disseminação de agentes patogênicos, fazendo com que o espectro de doenças infecciosas se altere e expanda. Assim, o homem representa um forte impacto selecionador sobre os patógenos, especial e ironicamente, na medida em que luta contra eles. Ao erradicá-los abre nichos ecológicos para outros patógenos, sobre os quais pouco se pode prever em termos de comportamento futuro; ao mantê-los sob pressão sem erradicá-los completamente, força-os a se modificarem para criar resistência aos medicamentos e a criarem mutações que podem vir a ser mais prejudiciais ainda e que não podem ser previstas. Ecologicamente é um problema interessante: a introdução de uma espécie como o homem, que tem múltiplas relações com as outras espécies, em um sistema natural, não aumenta a complexidade do sistema, mas de fato pode mesmo acarretar uma simplificação do sistema sob a forma de danos, incremento descontrolado de algumas espécies, destruição de ecossistemas inteiros. Os resultados desta ação simplificadora dos sistemas naturais são a desertificação, desflorestamento, erosão do solo, degradação das terras irrigadas, poluição ambiental e agrícola, aquecimento global, destruição de espécies e emergência de novas doenças. A questão da previsão da emergência de novas doenças e da reemergência de doenças já conhecidas diz respeito ao estudo das complexidades dos sistemas naturais e de seu comportamento ecológico. Da mesma forma, o problema da emergência e da re emergências de doenças deve ser contemplado em qualquer plano de manejo de áreas protegidas que envolvam áreas florestadas relativamente desconhecidas; os EIA RIMA a serem feitos para qualquer empreendimento de infraestrutura a serem implantados em áreas florestais e planos de expansão de áreas urbanas. A discussão das complexidades diz respeito à teoria do caos, à aplicação da geometria fractal à sistemas naturais e à ecologia, ou ao estudo de sistemas que podem ser alterados, de infinitas maneiras e, freqüentemente, imprevisíveis maneiras, a partir de estímulos ou mudanças mínimas. Partindo da idéia de complexidade dos sistemas ecológicos, é necessário reconhecer a necessidade de contemplar a necessidade de abordar os problemas atuais que afetam ecossistemas e seres humanos, de maneira diferente e contemplar à tradicional. Por outro lado, o raciocínio não é novo, já tendo sido tratado pelo filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) tanto em seu sistema lógico como na versão metafísica deste. Em suas palavras : “quando uma regra é muito complexa, tem-se por irregular o que lhe está conforme.“ (1974 § 6) Dentro deste paradigma, uma doença emergente pode ser considerada como um fenômeno inesperado, que resulta de múltiplas condições, derivadas de mudanças observadas ou não no ambiente, que incluem mudanças na ecologia, mudanças climáticas e nos padrões econômicos. As novas doenças infecciosas podem estar questionando a previsibilidade implícita em trajetórias ou perfis epidemiológicos paralelos ao processo de desenvolvimento econômico. Desafiar a previsibilidade é desafiar a capacidade de prevenção e intervenção adequados. Cada vez é mais difícil dar conta das relações que se estabelecem entre as mudanças sociais, ambientais e surgimento de novas doenças infecciosas: desequilíbrio ambiental e alterações climáticas, explosão populacional humana, crescente mobilidade de bens, serviços e pessoas, avanços técnicos, mudanças comportamentais e guerras. Todas, mudanças que propiciam novos contatos de seres humanos com insetos e animais que são reservatórios de doenças, assim como a criação de novos nichos para agentes de doenças e vetores. Atualmente, os processos usados para as previsões em questões como essas traem um determinismo histórico que embasa o raciocínio de que nada deu errado até
agora, então, nada dará errado no futuro. Se até agora nenhum agente patológico emergente de grande impacto foi encontrado/contatado pelo homem em sua penetração de novos ecossistemas, então nenhum deverá ser encontrado no futuro. Então, como interpretar, no contexto global atual, os diversos contatos que ocorreram como os vírus ebola, da AIDS, de diversas febres hemorrágicas e gripes, e que têm raiz na imprevisibilidade dos sistemas naturais complexos? Como abordar o futuro da saúde no mundo e antecipar o que significará para o homem? O futuro é um cenário de diversas incertezas . Especialmente quando se tem em mente as obras de infraestrutura que visão satisfazer o imperativo do desenvolvimento das necessidades humanas cria-se a necessidade de optar entre um futuro preferível com sua expectativa de satisfação de valores e um futuro provável, com suas expectativas talvez mais realistas, e que permite aos homens se preparem para enfrentá-lo. A grande raiz para os problemas futuros é que os modelos de previsão partem da pressuposição de um conhecimento perfeito da realidade. Esta idéia traz em si a concepção de que os elementos deste sistema estariam necessariamente em harmonia e as variáveis e padrões envolvidos seriam controláveis e manipuláveis pelo detentor do conhecimento. A própria eficiência dos sistemas científicos se baseia na super simplificação dos fenômenos em leis gerais. Até hoje, em quase todos os aspectos, isto tem funcionado, mas nos sistemas bio-ecológicos, especialmente, têm-se demostrado cada vez menos eficientes. Daí o grande impacto do trabalho de Mandelbrot, com seu livro A geometria fractal da natureza” que deu origem ao uso de fractais e da teoria do caos em ecologia. A idéia do equilíbrio dinâmico em ecologia passa pelo conceito de caos-fractais. Para Mandelbrot um fractal tem como características básicas a auto-similaridade; independência de escala; complexidade infinita; poder ser gerado por processo simples de realimentação e relacionar-se com processos não lineares ou lacunaridade. A confrontação de previsões feitas no passado com a realidade atual mostra divergências que têm relação com a ocorrência do inesperado. É a imprevisibilidade que permite pensar diferentes cenários alternativos e analisar imagens prospectivas do futuro, baseados em nossos conhecimentos presentes. É necessário, portanto, aliar prognóstico e prospectiva, na tentativa de estabelecer modos e ação e gestão ambiental de florestas tropicais no que diz respeito ao contato humano/agentes patológicos novos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nos dados apresentados podemos tecer algumas considerações finais. Entre estas, podemos comentar brevemente alguns dos principais projetos e ações que tem sido planejados e executados pelo governo ou por empresas, e que significam contato estreito com áreas de floresta tropical. Basicamente, os contatos de maior risco entre população humana e ecossistemas florestais são aqueles que ocorrem sem maiores estudos ou planejamento prévio. Enquadram-se especialmente neste caso , as situações que envolvem problemas fundiários e a atração exercida , sobre as populações, pelos grandes projetos de infraestrutura . Em todos estes casos, o contato e a invasão da floresta se dá de forma totalmente desordenada. Esta falta de planejamento cria condições de contato entre humanos e vetores de possíveis doenças novas que podem ser ainda mais danosas. Ou seja, um ecossistema ainda bastante desconhecido é contatado/penetrado por populações desprovidas de defesa imunológica e infraestrutura sanitária adequada. Por outro lado, qualquer infraestrutura se torna difícil de planejar quando não se sabe o que esperar, o que combater. A tendência porém é de se acreditar que tudo o que importa já é conhecido e se sabe tudo o que se pode esperar. As medidas de combate a vetores ou de assistência médica são, entretanto, medidas que se toma depois do ocorrido, medidas de remediação de um dano. Mais estimável é evitar o dano, o custo de sua remediação e o problema. Em saúde sempre é melhor seguir o ditado segundo o qual é melhor prevenir do que remediar. Os estudos que aqui foram mencionados como exemplificação, mostram que sem dúvida há uma estreita relação entre diversas interferências humanas nas regiões de floresta e modificação dos padrões de reprodução ( no mínimo ) e proliferação de vetores artrópodes. Da mesma forma ficou clara a grande quantidade de vírus novos e desconhecidos presentes em regiões que se julgava conhecer bem, e passíveis de transmissão para humanos por diversos tipos de mosquitos. O que temos então é uma grande quantidade de perturbações ocorrendo sobre ecossistemas complexos e razoavelmente desconhecidos causadas por populações humanas e que quase ao mesmo tempo estão se expondo a um contato mal planejado ( se tanto ) com a fauna artrópode destas mesmas áreas. A incidência de diversas doenças antes desconhecidas, felizmente e apenas por sorte, benignas e coincidentes com as datas ou momentos no tempo das perturbações, parece apontar para um cenário de surgimento de incidência de doenças novas. Como foi visto, algumas não são tão benignas e pelo uma , o vírus Sabiá, pode levar a morte e tem seu hospedeiro desconhecido. O mesmo é válido para o ressurgimento de doenças já conhecidas, devido à criação de condições e de ambiente propícios à proliferação dos vetores responsáveis, aliado à falta de medidas profiláticas, ausência de condições sanitárias adequadas e ao fenômeno mundial da resistência aos medicamentos disponíveis. Soma-se a isso o fenômeno observado, tanto para as doenças re emergentes como para algumas das novas, da mudança de vetor responsável pela transmissão. O caminho que tomará o desenvolvimento de um sistema vivo depende de acasos internos e externos. Qualquer previsão é muito mais difícil quando se trata de organismos vivos. Um caso típico do retorno de uma doença já conhecida é o da malária. Em informe recente, de Manaus, de 16 /01/2004 a Susam Secretaria Estadual de Saúde detectou aumento nos casos de malária em todo o Estado em 2003. Os casos aumentaram para 124.708 em 2003 contra os 71.165 de 2002. Dados da mesma Secretaria demonstram que cerca de 50% dos casos da doença no Amazonas estão em locais onde houve a ocupação desordenada e desmatamentos. Pode-se, portanto, especular se o progressivo contato entre humanos e ambientas de floresta tropical como a Amazonia tem sido conduzido com os devidos
cuidados e as devidas análises do risco envolvido. Se a gestão ambiental que norteia ou deveria nortear os diversos processos inerentes ao assim chamado desenvolvimento sócio econômico tem levado em consideração os fatores de risco representados pelas doenças emergentes. O homem é o principal ser na natureza capaz de improvisar, modificar e plasmar o meio ambiente de modo a troná-lo mais adequado ao seu tipo de vida. Porém, como afirmou René Dubos ( GARRET, 1995 : 23 ) “ Qualquer tentativa de moldar o mundo e modificar a personalidade do homem, a fim de criar um padrão de vida por ele escolhido, acarreta muitas conseqüências desconhecidas. O destino humano está fadado a continuar sendo um jogo, porque, em um momento impossível de prever e de forma também imprevisível, a natureza revidará.” Ou nas palavras também muito verdadeiras de Sir MacFarlane Burnet (GARRET,1995:20) “ è quase um axioma que as ações em benefício do homem, a curto prazo, mais cedo ou mais tarde causarão problemas ecológicos ou sociais a longo prazo, que acabam por exigir esforços e despesas inaceitáveis para sua solução.” Ambas as idéias aqui citadas refletem a problemática que está envolvida quando se procura prever e diminuir os riscos do progresso, da expansão da raça humana sobre a superfície do planeta e os próprios meios dos quais ela está se valendo para colonizar, explorar os recursos disponíveis e mesmo tornar esse processo sustentável e reverter danos causados ou impedi-los de ocorrer. É evidente que desde os tempos do regime militar, quando ocorreu um grande impulso rumo ao tipo de progresso e rumo à uma política de integração nacional, acarretando a invasão da floresta tropical, muitas modificações ocorreram no modo de fazer isso. Da lá para cá, se sobreviveu a idéia básica do progresso, integração e desenvolvimento, a tecnologia e as preocupações com o meio ambiente se desenvolveram e aumentaram respectivamente. Por outro lado, é de se notar que permanece uma idéia subjacente de confiança extrema na tecnologia e na capacidade humana de, com ela, ser capaz de moldar a natureza a seu bel-prazer sem prejuízos quaisquer. A idéia do “ nós sabemos trabalhar” , “ podemos recompor tudo igualzinho ou melhor”. Mas a catástrofe adora excesso de confiança. Nas palavras de Konrad Lorenz (1986 :21 )“ Apesar de o surgimento de novos valores pressupor um desenvolvimento, não se segue a este como uma conseqüência inelutável. O processo de um desenvolvimento( tomando-se o termo num sentido lamentavelmente estrito ) já se transformou na própria concepção do que seja uma criação de valores, no contexto do ordenamento tecnocrático da sociedade. O desenvolvimento humano é intrinsecamente um processo simplificador. Por ignorância do nível de detalhamento necessário, por limitação de recursos, por falha ética, por questões de tempo necessário e o que é mais perturbador, devido ás necessidades humanas. Estas necessidades impõe ao homem viver em um ambiente “domado” pois ele não está mais apto a suportar os rigores da vida natural, quer seja física ou psicologicamente. O habitat humano é a cidade. Sobre isso, recorremos mais uma vez a Lorenz quando se de sua oportuna comparação entre a cidade e o tumor. Segundo Lorenz ( 1974 :38 ) “ a analogia entre as imagens do subúrbio e do tumor é impressionante. O corte histológico das células cancerosas , uniformes e de estruturas rudimentares, é assustadoramente parecido com a vista aérea de um subúrbio moderno, com suas casa todas idênticas.” Esta incrível simplificação é necessária a vida humana, embora nem sempre se apresente de forma tão óbvia como no caso do subúrbio, e encontra rebatimento naquilo que é o pilar do pensamento científico – leis gerais, simples de aplicação muito ampla, isto é a base da tecnologia – e que é o que permite ao homem “controlar” a natureza no sentido baconiano. Na verdade a realidade se compõe de elementos que estão em tensão e conflito, e é duvidoso que se possa chegar a um conhecimento de todas as variáveis que determinam seu funcionamento e a direção em que evolui o sistema. Isto não significa pregar romanticamente o fim de empreendimentos e do desenvolvimento necessários à espécie, mas alertar para um excesso de confiança e, principalmente, apelar para o desenvolvimento de estruturas cognitivas como as da geometria fractal para a criação de sistemas de modelagem e previsão capazes de resolver os
problemas. Igualmente, é o momento de acordar para a necessidade de desenvolver um aparato de cunho ético aplicável à questão da gestão ambiental. Com a chegada do século XXI ficou claro, de acordo com inúmeros casos e observações, que a humanidade subestimou grosseiramente os micróbios: eles nunca estiveram tão controlados como se pensava. Em geral a ecologia se preocupa com aspectos e relações macroscópicas dos ambientas naturais e humano. A saúde pública , com o controle de vetores, a cura e alguma profilaxia. Acreditava-se que as doenças atuais eram as da fome, da longevidade, das condições sanitárias como esgoto, água potável, lixo e no máximo alguma vacinação. Os grandes flagelos infecciosos estavam sob controle. Não houve jamais uma preocupação ou mesmo uma disciplina voltada para a ecologia microbiana médica , embora alguns cientistas excepcionais tivessem tentado ao longo dos anos delimitar problemas ambientais e doenças de modo a abranger toda a série de eventos de nível microscópico. Para Ribeiro de Almeida “ A atividade humana agora afeta todas as regiões da Terra ( nenhum refúgio, nem mesmo no mais profundo abismo oceânico, existe mais em estado primitivo natural ), assim mais e mais espécies estão suscetíveis à extinção. Muitas desaparecerão antes mesmo de tornarem-se conhecidas pela ciência. Algumas carregarão para sua tumba recursos genéticos valiosos e insubstituíveis. “ ( 2001:22)
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