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Interpretações Analítico-Comportamentais De Histórias Infantis Para Utilização Lúdico-Educativas1 Laércia Abreu Vasconcelos2 A Análise do Comportamento, uma ciência que tem como base filosófica o behaviorismo radical proposto pelo psicólogo Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), considera que os fenômenos comportamentais podem ser estudados por meio do método científico, sejam eles comportamentos de fácil observação ou comportamentos que somente o indivíduo que os apresenta tem acesso, como os pensamentos. O termo radical refere-se a uma análise voltada para a raiz de um determinado fenômeno comportamental. Nessa filosofia, diferente das outras formas de behaviorismo anteriores, a visão do homem é global, humanista e histórica (e.g., Patterson, Reid & Dishion, 1992/2002; Skinner, 1989/1995; Todorov, 1989). A Análise do Comportamento adota um modelo de seleção por conseqüências. A multideterminação do comportamento é ponto de partida e reflete a complexidade do comportamento humano ao considerar as variáveis filogenéticas (a seleção natural), ontogenéticas (a história de aprendizagem) e culturais (Skinner, 1953/1981; Skinner, 1989/1995). O conceito de contingência é fundamental para o analista do comportamento, a partir do qual se busca a compreensão da função do comportamento em interação com eventos ambientais antecedentes e conseqüentes. As explicações funcionais são fundamentadas na história passada e no contexto presente de cada indivíduo. Assim, o comportamento é um conceito interacional, é a interação recíproca entre o organismo e o ambiente. As pessoas agem sobre o mundo, transformam-no e são, por sua vez, influenciadas a todo o momento pelo resultado de sua ação. As causas de um determinado comportamento são investigadas a partir das contingências e não da mente ou de uma estrutura cognitiva. A perturbação não está na mente, mas nas contingências perturbadoras às quais o indivíduo tem sido exposto. A possibilidade de correção está nas contingências (Skinner, 1989/1995). Análises funcionais possibilitam o conhecimento das regras vigentes na família, na escola, no ambiente de trabalho, facilitando a compreensão dos comportamentos emitidos pelos indivíduos. Por exemplo, crianças altamente expostas a contingências coercitivas como a ameaça de punição ou a punição física ou verbal podem apresentar padrões de
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comportamentos tais como: auto-avaliações desfavoráveis, pobre interação social, com um padrão de comportamentos de esquiva de contatos sociais com outras crianças, seus pares. Críticas freqüentes e altos níveis de exigência podem tornar a criança resistente à estimulação aversiva, não alterando tais contingências. Diante de comportamentos como isolamento social ou agressão física e verbal, e sentimentos de medo, não há um pacote de procedimentos ou técnicas previamente estabelecidos para corrigi-los. Os educadores devem adotar uma postura mais investigativa e não de diagnóstico ao incluir todas as variáveis contextuais que podem auxiliar os profissionais a planejar um ambiente propício para o desenvolvimento da criança ou do jovem. Rótulos podem obscurecer as reais contingências, além de produzirem discriminação do rotulado. Segundo alguns especialistas em saúde infantil,
Temos aplicado rótulos a padrões de [comportamentos] problemas e a síndromes diagnosticadas, quando a evidência de que muitos desses comportamentos perturbados realmente se enquadram em síndromes verdadeiras não é ainda convincente. (Brazelton & Greenspan, 2000/2002, p. 101).
Esses profissionais alertam para uma mudança necessária de um modelo patológico para um modelo preventivo, ao lidar com as crianças e os jovens. É urgente que os profissionais de saúde e da educação considerem as diferenças individuais, o perfil único de cada criança com suas infinitas possibilidades de variação. As crianças são remediadas para dentro de buracos mais profundos. ...Quando recebem ajuda já foram tão machucadas que estão exaustas e não têm mais esperança. (Brazelton & Greenspan, 2000/2002, p. 113).
Ao criticar os paradigmas educacionais, o psiquiatra brasileiro Augusto Cury alerta: Elogie o jovem antes de corrigi-lo ou criticá-lo. Diga o quanto ele é importante, antes de apontarlhe o defeito. A conseqüência? Ele acolherá melhor suas observações e o amará para sempre.” (Cury, 2003, p.95). ...Sempre há motivos para valorizar. Encontre-os.” (Cury, p. 145).
Nossa sociedade não questiona a aplicação da punição física ou verbal na interação com as crianças e os jovens, porém, teme os efeitos de contingências de reforçamento positivo como aquelas indicadas por Cury. Ame, observe, ouça e brinque muito com suas crianças. Este quarteto resulta no respeito pleno aos seus direitos. Os efeitos intergerações serão observados quando as crianças e os jovens de hoje, futuros pais e educadores de
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amanhã, replicarem estas práticas com seus descendentes. Pense no elogio como uma forma de expressar seu amor. Suas palavras animam seus filhos e fazem com que se sintam apreciados e valorizados. (Nolte & Harris, 1972/2003, p. 89). As contingências familiares têm sido significativamente alteradas do século XX ao XXI. A entrada da mulher no mercado de trabalho e a alta demanda do mundo profissional alterou a definição dos papéis a serem desempenhados por pais e mães (e.g., Biasoli-Alves, 1997; Donatelli, 2004). As crianças estão entrando cada vez mais cedo em instituições de ensino e os resultados dessa mudança deverão ainda ser cuidadosamente analisados. À ausência das figuras parentais no acompanhamento da rotina das crianças e jovens soma-se a alta exposição à televisão. Por meio desta, eles estão expostos ao mercado de consumo3, que anuncia seus mais novos produtos sem, necessariamente, um compromisso éticoeducativo. Uma alta velocidade de informações alcança os indivíduos por meio das mídias eletrônicas e impressas. E, assim, uma imensidão de especialistas voltados para a criança e o jovem tem influenciado as interações familiares (ver o Projeto Remoto Controle desenvolvido em parceria pela Andi, Unicef, Petrobrás e editora Cortez, 2004 e Pacheco, 1998/2002). Nesse cenário, reflexões críticas implicam na sobrevivência em nossos dias. As crianças e os jovens precisam aprender a criticar e a filtrar informações que freqüentemente transmitem estereotipia sexual ou étnica, além de conceitos estereotipados sobre o jovem, o adolescente e a criança. Uma visão crítica é um padrão de comportamento que adquire em nossos dias um valor de sobrevivência, devido também a outra variável, a violência urbana. A comunicação com crianças e jovens é facilitada pela utilização de recursos lúdicos (e.g., de Rose & Gil, 2003; Gil & de Rose, 2003). O comportamento de brincar possibilita o desenvolvimento de um amplo repertório, desde os aspectos éticos valorizados por uma sociedade, uma família, a disciplinas acadêmicas apresentadas nas escolas. O pai da literatura infantil e juvenil no Brasil, Monteiro Lobato (1882-1948), enfatizou a união do didático e recreativo; do conhecer, da não-competição; da integração racial e social em um maravilhoso mundo do faz-de-conta, um termo por ele inventado (e.g., Carvalho, 1982/1987; Pereira, 2002; Távola, 1998/2002). Seu objetivo era a formação do leitorcriança, um cidadão com uma visão crítica do mundo. Todos os comportamentos da criança
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são tratados com respeito e ela não é uma mulher ou um homem com idéia reduzida. Ela é capaz de lidar com temas sérios e contraditórios, formando sua própria opinião. Toda criança é capaz de compreender diferentes conteúdos, desde que apresentados em uma linguagem acessível. É necessário respeitar a criança no sentido de preservar sua fantasia, seus sonhos e opiniões; de apresentar informações graduando o nível de complexidade e de problemas experienciados no mundo dos adultos. As características de Monteiro Lobato realçam sua genialidade e contemporaneidade, ao interagir com a criança enquanto um cidadão com plenos direitos. Esta é a visão apresentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Ministério da Justiça, 1990/2002), o código mais completo, no cenário mundial, de proteção da criança e do adolescente (Mendez & Costa, 1994).
A literatura infantil e interpretações analítico-comportamentais
A literatura é um meio eficiente de transmissão da cultura de um povo. Valores, crenças, mitos e outros padrões de comportamentos específicos são transmitidos pelos diferentes personagens. A iniciação à leitura de histórias infantis, nos primeiros anos de vida, possibilita o desenvolvimento de diferentes áreas que poderão resultar em uma criança observadora, reflexiva, crítica, sensível às necessidades do outro, capaz de expressar seus sentimentos e pensamentos, entre tantos outros benefícios. Ao brincar com livros, filmes e músicas a criança mantém contato com o mundo. O rico intercâmbio entre fantasia e realidade possibilita a compreensão dos vários aspectos do que lhe são apresentado e, sobretudo, expressar suas próprias opiniões, contribuindo para sua interação social. Portanto, o desenvolvimento de instrumentos que possam ser utilizados na educação infantil e juvenil que facilitem a formação ampla do indivíduo, incluindo seu repertório emocional faz parte da sobrevivência do homem contemporâneo. A família e a escola estariam ocupando um papel de gestoras da curiosidade. A televisão, filmes, museus, teatros, fábricas, oficinas, enfim, os recursos da cidade poderão ser incorporados no processo de educação (Dimenstein & Alves, 2003). O projeto Histórias infantis: uma abordagem funcional de contingências apresentadas às crianças, desenvolvido por nossa equipe de pesquisa, tem como objetivo
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geral apresentar uma ampla discussão dessas histórias, com alternativas de ação para os comportamentos inapropriados4, como os comportamentos anti-sociais emitidos pelos personagens, além de destacar os comportamentos apropriados, a exemplo dos comportamentos pró-sociais. As principais contingências presentes dentro de uma história são discutidas, sugerindo-se reflexões dos temas em atividades lúdicas com fantoches, músicas, danças, fantasias, jogos ou passeios. Estas reflexões, portanto, poderão ser temas de brincadeiras e discussões entre pais e filhos, professores e alunos ou outros profissionais que lidam diretamente com crianças ou jovens. Vale ressaltar que não se trata de crítica literária, mas da análise dos comportamentos dos personagens, envolvendo várias passagens de uma história. Os educadores poderão selecionar os trechos que julgarem importantes para suas diferentes audiências, adaptando as histórias ao destacar pontos específicos que contribuam para o desenvolvimento das crianças e dos jovens em seus diferentes momentos. Os profissionais que lidam com a população de crianças e de jovens poderão utilizar também algumas destas análises na interação com os cuidadores ou os pais. Por meio destas discussões estamos transmitindo noções importantes sobre a proteção dessa população, além de oferecer alternativas para a interação entre pais e filhos, mediadas por instrumentos lúdicos. A apresentação das contingências - Eventos antecedentes ¨ Comportamento ¨ Eventos conseqüentes - possibilita a observação da forma como alguns comportamentos se desenvolvem e como podemos ser agentes em nossa interação com o mundo. Como podemos contribuir, defender nossos direitos, nossas opiniões. O respeito à criança deve ser tema não do período pré-natal de um jovem casal, mas desenvolvido desde a sala de aula do ensino fundamental (Brazelton & Greenspan, 2000/2002). Brincando a criança estaria ouvindo sobre os cuidados especiais que devemos ter com o bebê, com a criança; sobre o planejamento diário, por parte dos pais, do dia-a-dia de um filho, com atividades como brincar, conversar e ouvi-lo pelo menos durante uma hora. A escola daria destaque ao desenvolvimento pessoal pautado em fatores afetivos e intelectuais. Segundo a utopia sócio-científica de Ardila (1992/2003), uma criança pode sempre ensinar ao adulto uma nova dimensão do mundo e uma revolução direcionada para uma sociedade comprometida
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com o bem-estar da coletividade começa com uma discussão e modificação da forma como tratamos a infância. As histórias de Branca de Neve e os Sete Anões (versão de Walt Disney 1937/2001), Pinóquio (versão de Walt Disney 1940/2000), Peter Pan (versão de Walt Disney 1953/2002) e, No Reino das Águas Claras (versão da Rede Globo de Televisão, 2001) e Viagem ao Céu (versão da Rede Globo de Televisão, 2002)
de Monteiro Lobato foram
inicialmente selecionadas para interpretação analítico-comportamental por serem amplamente divulgadas para crianças de vários países (Vasconcelos, Silva, Curado & Galvão, 2004; Vasconcelos, Naves, Silva, Barreiros e Arruda, no prelo; Vasconcelos & Barreiros, no prelo; Vasconcelos, Curado, Arruda & Naves, no prelo; Vasconcelos, Curado e Arruda, no prelo). Em cada história, várias contingências são identificadas, sendo cada uma seguida por discussões que possibilitam a introdução de teorias voltadas para vários temas de interesse na interação com as crianças. O conceito de criança; o comportamento de brincar; o aprender pela interação direta com as contingências (“o aprender fazendo”) ou o aprender por meio da exposição a regras que descrevem as contingências (“o aprender por meio de instruções ou regras sobre o fazer”); as características das contingências coercitivas; a importância de contingências de reforçamento positivo (a apresentação de um evento contingente a uma resposta, resultando no aumento da probabilidade futura da emissão dessa resposta); a expressão de opiniões e sentimentos das crianças, entre outros. O comportamento de fantasiar das crianças deverá sempre ser respeitado. As análises sugeridas podem ser selecionadas ou, ainda, adaptadas a cada criança ou grupo de crianças. Não é necessário utilizar todas as contingências identificadas com todas as crianças. A seguir, serão apresentadas algumas passagens das primeiras histórias utilizadas neste projeto.
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Branca de Neve e os Sete Anões
A história de Branca de Neve e os Sete Anões, adaptada por Walt Disney em 1937, é conhecida pela inveja e crueldade da Rainha, a madrasta de uma jovem e bela Princesa. A contingência que se apresenta é descrita pelos seguintes elementos: Diante da beleza da Princesa ¨ a Rainha planeja sua destruição e busca como conseqüência ¨ ser a mais bela. Sentimentos considerados negativos como raiva e inveja, assim como o conceito de madrasta podem ser cuidadosamente discutidos com as crianças, a partir dessas relações entre o comportamento e eventos ambientais. Nas famílias reconstituídas do século XXI a madrasta está presente em diferentes formas de organização familiar. Assim, é possível refletir sobre suas características ou as alternativas que poderíamos oferecer à madrasta da história. A modelagem da expressão do sentimento de raiva é um tema potencialmente importante. A sociedade valoriza uma criança alegre e educada que saiba interagir com seus pares e adultos. Entretanto a expressão do sentimento de raiva sem a agressão verbal do outro é fundamental para a adaptação do indivíduo ao seu grupo social. A não habilidade em lidar com tais sentimentos pode contribuir para o desenvolvimento de sentimentos de tristeza, de auto-avaliações desfavoráveis ou a esquiva de situações sociais. Os conceitos de beleza, de competição também podem ser abordados. O que é ser belo? É importante ser a(o) mais bela(o)? Branca de Neve e os Sete Anões apresenta também contingências que realçam a importância da música e do trabalho na vida dos personagens. Lindas canções apresentam os sonhos de amor e a importância do trabalho na vida da Princesa e dos sete anões. A contingência, neste caso, é constituída por: na presença de tarefas a serem cumpridas num
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contexto musical, ¨o comportamento de trabalhar cantando e, as ¨ conseqüências positivas em forma de benefícios individuais e coletivos. ...Aprenda uma canção... E com muita alegria é mais fácil trabalhar... Na história, a divisão de trabalho é graciosamente feita com os pequenos amigos do reino animal, assim como entre os anões. Interações com animais, conceitos de higiene e organização de uma casa são contingências que podem ser descritas a partir das cenas desenvolvidas na casinha entre as sete colinas da floresta. As diferenças individuais são respeitadas na convivência dos sete anões – Mestre, Zangado, Feliz, Dengoso, Atchim, Soneca e o Dunga, que não nunca falou. O que pode ocasionar discussões sobre a importância do respeito à diversidade presente entre os membros de uma sociedade. Ao favorecermos a participação de todos os membros, as trocas sociais se tornarão mais ricas com as diferentes manifestações étnicas. A criança tem uma clara sensibilidade para perceber a presença de comportamentos de discriminação apresentados pelos seus cuidadores, amigos ou personagens apresentados pela televisão. Ela poderá repetir tais comportamentos em grupo, utilizando rótulos e classificações pejorativas, o que a colocará em situações de risco, de contra-controle, um retorno igualmente ofensivo por parte daqueles que se sentirem ofendidos pela criança. As cenas de ação de Branca de Neve e os Sete anões possibilitam a discussão do sentimento de medo. Ao descobrir os objetivos da Rainha e do Caçador de matar a princesa Branca de Neve ¨ a Princesa corre pela floresta durante a noite, sentindo medo e imaginando monstros por todos os lados. ¨ Como conseqüência ela sofre durante a fuga, porém, sobrevive aos ataques da Rainha. Em outra passagem, diante de um evento desconhecido: fenômenos, objetos, animais ou pessoas, ¨ os comportamentos de fuga e de interpretar os eventos como sendo monstros, fantasmas ou demônio são ¨ conseqüenciados com sofrimento e a não resolução dos problemas. E ainda, após ter envenenado a Princesa que caíra paralisada, ¨ a Rainha deixa a casa sob uma forte tempestade e é perseguida pelos anões que chegaram para salvar Branca de Neve. ¨ Em uma corrida sob aquela tempestade, a Rainha sofre uma queda fatal. Como se tratam de cenas de ação, os comportamentos de um contador de histórias de aumentar a intensidade de sua voz, diminuir a luminosidade da sala e aumentar o volume do som da televisão podem resultar em respostas de sobressalto e sentimentos de medo de
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uma criança que está sendo iniciada na sétima arte. Os fenômenos naturais como vendaval, chuva, trovão e relâmpago são, em geral, parte de um cenário que envolve perigo, riscos e ameaças em várias histórias infantis. Uma criança poderá desenvolver a relação entre os conceitos noite-monstro e chuva-morte. Assim, as cenas podem ser apresentadas às crianças mais jovens sem intensificá-las. Brincadeiras e discussões poderão ampliar o conhecimento relativo aos temas envolvidos. Recursos oferecidos pela cidade como bibliotecas com seus livros e vídeos; parques, zoológicos e centros de estudos climáticos podem ser contextos propícios para estas discussões. A abordagem dos fenômenos naturais pode passar pela educação ambiental conduzindo a criança à conclusão de que todos podem contribuir para o equilíbrio do planeta ao transmitir para nossos amigos e familiares o conhecimento que adquirimos sobre o cuidado com as plantas, os rios e, sobretudo, com o lixo gerado nos grandes centros urbanos. Além das palavras, nossas ações podem também se tornar modelos para o outro, fortalecendo padrões de comportamentos adaptativos.
Pinóquio
Pinóquio, uma versão de Walt Disney de 1940, é facilmente lembrado pelo comportamento de dizer inverdades, quando se encontra em situações difíceis. A contingência – Ao ser solicitado pela Fada Azul a explicar o porquê de não estar na escola, ¨ o boneco feito de pinho relata inverdades. ¨ O crescimento de seu nariz é a conseqüência sofrida por ele, que o denuncia e o faz se desculpar. Ao fantasiar, uma criança poderá criar uma história sem que isso represente um problema. Entretanto, vale ressaltar que ao considerar o comportamento de dizer inverdades, o emprego do rótulo mentira traz consigo inúmeros conceitos negativos adotados pela nossa comunidade verbal. Na
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linguagem coloquial, a mentira é uma afirmação contrária à verdade a fim de induzir a erro. Qualquer coisa feita na intenção de enganar ou de transmitir falsa impressão (Instituto Antônio Houaiss, 2002). Ao rotular o comportamento da criança poderá haver uma transferência de rótulo para a pessoa - uma mentirosa - o que poderá levá-la a ser desacreditada por amigos e familiares. Um resultado que se pode esperar é o rótulo funcionar como um sinal na presença do qual o indivíduo aumenta os comportamentos característicos do rótulo. Em um caminho diferente, os educadores poderiam abordar questões reflexivas tais como: o que sentimos quando ouvimos a palavra mentira ou mentiroso? As pessoas, em algum momento de suas vidas podem dizer inverdades? Como poderíamos nos comportar diante de uma inverdade? Por que uma inverdade pode envolver problemas para quem as relata? Pinóquio aborda um tema atual, o sonho da paternidade. A participação efetiva do pai na educação dos filhos tem se tornado uma área de estudo (e.g., Brazelton & Greenspan, 2000/2002; Gomes & Resende, 2004) e de criação no mundo do cinema, a exemplo da bela produção cinematográfica dos estúdios Disney e Pixar, Procurando Nemo. Pinóquio mostra o sonho do entalhador de ter um menino de verdade. Porém, a transformação do boneco feito de pinho dependia apenas dele ser sincero, valente e generoso, o que significa dizer, os comportamentos inapropriados de Pinóquio o impediariam de se tornar uma pessoa. A contingência torna-se uma ocasião para discutir práticas educativas que tratam como sinônimos os comportamentos inapropriados da criança, da criança como pessoa. O que pode estar em questão são os comportamentos inapropriados e não a criança como pessoa com todos os seus comportamentos. Há diferença entre dizer: “O papai te ama muito, mas este seu comportamento não foi legal, podemos pensar em outra forma de resolver este problema?...” e dizer, “ Não gosto mais de você porque você fez x...”, descartando uma pessoa de sua vida. Esta análise pode ser estendida para as interações entre as crianças, assim como, entre os jovens, quando dizem: “não gostei desse seu comportamento...” o que é diferente de dizer, “não sou mais seu amigo porque você fez x...”. Essas reflexões os incentivariam a buscar por soluções alternativas ao descarte das pessoas. Como em Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio apresenta também um belo contexto musical com lindas canções. O pai de Pinóquio, Gepeto, comemora todos os seus
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momentos felizes dançando e cantando. Em ambas as histórias há uma marcação de rotinas, de horários determinados para trabalhar e descansar, o que possibilita uma discussão sobre a importância de uma rotina aliada à determinação flexível de regras familiares. O estabelecimento de rotina na vida das crianças e dos jovens contribui para a modelagem de padrões de comportamentos saudáveis, evitando, por exemplo, distúrbios de sono e de alimentação, problemas de saúde causados pela falta de atividade física ou pelo excesso de atividades envolvendo computador, videogame e televisão. É interessante notar que em Pinóquio todas as conseqüências adversas recaem sobre ele em seus descaminhos, enquanto se dirigia à escola. Os novos “amigos”, João Honesto e o Gato Gedeão, que o orientam a descumprir uma instrução do pai, com o objetivo de ganhar dinheiro com a venda do boneco; o proprietário do teatro de marionetes que o tratava apenas como um objeto para enriquecer; o bruxo disfarçado em cocheiro que conduziu as crianças à Ilha dos Prazeres para que elas pudessem comer, beber, fumar e destruir o que quisessem, com o objetivo de transformá-las em burrinhos a serem vendidos. Todos esses personagens, embora emitam comportamentos inapropriados não têm conseqüências adversas. Todos os riscos são reservados aos comportamentos inapropriados de Pinóquio, das crianças que teimavam e gazeteavam, além de colocar em risco o pai, seus animais de estimação - a “peixinha” Cléo e o gato Fígaro - bem como sua consciência, o Grilo Falante. Os valores e a definição da escola podem ser temas discutidos, a partir de Pinóquio (ver Alves, 2001/2002 e Dimenstein & Alves, 2003 como fontes para enriquecimento destas reflexões). O seguimento de uma orientação dada por estranhos ou pelos novos “amigos” de Pinóquio contrárias às instruções do pai; o ganhar dinheiro rápido versus o longo caminho da escola; o objetivo de ganhar dinheiro; o ganhar dinheiro desrespeitando os direitos do outro são temas que podem ser explorados a partir das contingências citadas anteriormente. Os novos “amigos” conseguem também convencer o boneco de que ele está gravemente doente. A rotulação ou o diagnóstico apresentado por João Honesto a Pinóquio o convence de um mal iminente e o faz partir rumo à Ilha dos Prazeres, em busca de recuperação de sua saúde. As conseqüências adversas da rotulação podem ser analisadas em meio a atividades lúdicas, incluindo também a rotulação do outro, a partir de características físicas.
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No Reino das Águas Claras
Na história de Monteiro Lobato, No Reino das Águas Claras, versão da Rede Globo de Televisão, 2001, a partir do livro Reinações de Narizinho (Lobato, 1993/2003). Um conjunto significativo de comportamentos apropriados são apresentados pelos personagens, quando comparada aos clássicos adaptados para crianças, como Branca de Neve e os Sete Anões e Pinóquio. Em 1921 foi criado o Sítio do Picapau Amarelo. O ribeirão que passa por ele conduz ao Reino das Águas Claras com seus seres fantásticos. O Sítio é um lugar onde todos demonstram extremo respeito e incentivo às crianças, sejam elas meninos ou meninas (Bichara, 2001). Na contingência: na presença da mata, do ribeirão ou mesmo do desconhecido, ¨ menino e menina interagem com todos os estímulos e as ¨ conseqüências são liberdade, diversificação de brincadeiras, além da construção de diferentes pontos de vista sobre as mesmas experiências vividas. A estereotipia de gênero nas brincadeiras tem sido reduzida desde as décadas de 1970 e 1980. Entretanto, as mulheres, as maiores fornecedoras de brinquedos para as crianças ainda demonstram estereotipia na seleção de brinquedos para meninos e meninas (Bichara, 2003). A possibilidade de participação em diferentes tipos de atividades disponibilizada aos meninos e às meninas, o brincar e o inventar juntos são temas que podem ser trabalhados a partir de contingências extraídas da história. A contingência – férias escolares de Pedrinho, ¨o levou a viajar para o Sítio e como ¨ conseqüência brincar com sua prima, conviver com sua avó Benta, saborear os quitutes da tia Nastácia, a boa conversa do Tio Barnabé, além de pescar e caçar. O planejamento de férias pode ser discutido junto às crianças. Em outra situação, a relação entre saúde, bem-estar físico e psicológico e os ares do campo é mostrada pelo Príncipe Escamado, quando ele segue a receita do Dr. Caramujo de tomar ares do campo para
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recuperar-se de algumas escamas perdidas. O contato com a natureza pode ser destacado em oposição a se manter apenas dentro de grandes centros de compra, nas cidades. Os parques, zoológicos, hortos, centros de plantio orgânico podem ser utilizados como recursos a serem visitados, em meio à estas discussões. A contingência – diante de brincadeiras propostas ou inventadas, ¨ construir e recuperar brinquedos e ¨ ter como conseqüências o brincar com sua própria criação é um aspecto a ser enfatizado junto às crianças. Os meninos do Sítio valorizam seus brinquedos confeccionados em casa – a boneca de macela e o sábio visconde inventado por Narizinho. O exercício da criação, a diminuição do consumo de brinquedos ou a crítica voltada para alguns brinquedos podem ser ocasionados por esta contingência. Lobato incentiva o contato com o folclore brasileiro, o brincar com a língua portuguesa, o contato com temas nacionais e com os mais variados personagens das histórias infantis tradicionais. A música pode ser um dos estímulos a ser utilizados com as crianças, aproximando-a de suas raízes culturais (e.g., Vasconcelos, 2003). Um país com a riqueza de estilos musicais como o Brasil oferece inúmeras canções que podem ser apresentadas às crianças – o chorinho, o samba, a bossa nova, as modas clássicas de viola, a música popular de raiz, a música popular brasileira e a música regional. No repertório infantil de qualidade também encontra-se excelentes compositores - o Projeto Palavra Cantada, dos compositores Sandra Peres e Paulo Tatit; as canções de Bia Bedran, do Sítio do Picapau Amarelo, do Castelo Rá-Tim-Bum, do Coro Infantil do Teatro Municipal do Rio de Janeiro – Villa Lobos para crianças, canções de Toquinho, Vinícius de Moraes, Hélio Ziskind, entre outros. A contingência: na presença de uma instrução ou pedido feito à criança, ¨ o comportamento de não seguimento ou de desatenção é ¨ conseqüenciado por atenção social, pela correção carinhosa e criativa, por parte dos adultos. O seguimento de instruções é um comportamento ensinado às crianças que, inicialmente, pode não mostrar generalização. A criança pode não colocar o dedo na tomada da sala, mas poderá fazê-lo em outra parte da casa. Essa interpretação por parte de um cuidador pode contribuir para estratégias educativas fundamentadas na repetição de instrução, na ilustração com exemplos e em elogios para as partes que foram cumpridas pela criança. Entretanto, ao interpretar que a criança de 2 anos o está desafiando, desrespeitando ou provocando ela
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poderá ser punida por seu comportamento. Os efeitos colaterais da punição ou de contingências aversivas na educação das crianças devem ser cuidadosamente considerados (Azevedo & Guerra,2001; Sidman, 1989/1995). A discriminação de expressões faciais é fundamental para interações sociais das crianças, o que é discutido em Pinóquio, assim como No Reino das Águas Claras. Na contingência: Narizinho nas margens do Ribeirão tem a boneca ao seu lado, ainda sem o dom da fala- ¨ o Príncipe as convida para um passeio em seu reino e, diante do silêncio da boneca ele interpreta como uma resposta negativa ao seu convite. ¨ Narizinho, imediatamente explica-lhe que não se trata de estar emburrada, o que ela precisa é de alguém que a ajude a falar. Erros de avaliação como este pode afastar as pessoas ou gerarem sentimentos de tristeza ou raiva, para o rotulado e o rotulador. Atividades de roda poderiam envolver as diferentes formas de expressão facial com a solicitação de que as crianças as descrevam, relatando os diferentes sentimentos envolvidos em cada expressão. A alimentação das crianças pode ser um outro tema tratado a partir da história. A seguinte contingência poderá orientar discussões nessa área: a freqüente disposição para as crianças de mesas servidas com inúmeras tortas, bolos e docinhos ¨ o comportamento de comer em mais do que seis episódios ao dia e, como conseqüência, ¨ os riscos para o organismo advindo de distúrbios de alimentação ou do consumo freqüente de alimentos de alto valor calórico e baixo valor nutritivo.
Contingências dos séculos XX e XXI e a integridade física e emocional da criança
A adaptação das crianças ao mundo moderno necessita de novos arranjos. É inquestionável a importância de relacionamentos sustentadores e contínuos entre pais-filhos e mães-filhos. A autoridade dos pais não é sinônimo de práticas coercitivas. Atualmente, as crianças estão aprendendo mais sobre outras espécies do que sobre seres humanos. Dominam a lógica e máquinas, mas não sabem lidar com suas emoções, conflitos contradições e desafios (Cury, 2003). Ambientes punitivos, negligentes ou abusivos, assim como a exposição a substâncias tóxicas podem ter um impacto significativo na vida das crianças e dos jovens, indivíduos com um rápido desenvolvimento do sistema nervoso
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(Brazelton & Greenspan, 2000/2002). Muitas crianças e jovens estão crescendo sem o contato rotineiro com seus principais cuidadores e estão cada vez mais sendo rotulados. A pulverização de imagens e de conteúdos por meio da televisão tem formado estes cidadãos num mundo de consumo, com o domínio do ter sobre o ser. Assiste-se passivamente a este domínio sem um repertório crítico. Sem um filtro para tantas informações e necessidades veiculadas.
Educar é contar histórias. Contar histórias é transformar a vida na brincadeira mais séria da sociedade. A vida tem perdas e problemas, mas deve ser vivida com otimismo, esperança e alegria. Pais e professores devem dançar a valsa da vida como contadores de histórias. (Cury, 2003, p. 132).
Em nossa constante falta de tempo devemos planejar momentos com nossos filhos. Devemos adotar uma postura de investigação e acolhimento - observar mais e não rotular nossas crianças e jovens. Limites e amor são inseparáveis na tarefa de educar para a vida. Em momentos de crise de uma criança o contar uma historieta pode fazê-la recuperar o fôlego e tornar-se atenta a padrões de comportamentos contrários ao gritar, maldizer ou chorar. A história estaria fazendo uma ponte de ligação entre o que a criança está fazendo e o que ela poderia fazer. Assim, estaríamos evitando uma alta freqüência de mandos instruções, pedidos ou conselhos - o que pode resultar em contra controle por parte dos educandos. O excesso de punição verbal ou física e a constante comparação da criança com outra criança contribuem também para o desenvolvimento de sentimentos de raiva e tristeza. Contingências de reforçamento positivo – elogios, aprovação e sorriso como conseqüência para os comportamentos apropriados - é o caminho para a felicidade, para a sensação de liberdade, de segurança, para a emissão de comportamentos criativos (e.g., Skinner, 1989/1995). As análises de histórias infantis nos fazem refletir sobre nossas práticas educativas e sobre nossas interações com as crianças e os jovens. Na cultura brasileira, muitos educadores não questionam a utilização de punição. Uma alta porcentagem de pais, por volta de 80%, batem em seus filhos quando pequenos (e.g., Azevedo & Guerra, 2001; Zagury, 1996). Entretanto, conversar e ouvir uma criança com atenção e carinho, valorizando suas formas de expressão são comportamentos que poderão contribuir para um mundo menos coercitivo. A análise do comportamento tem como ponto principal a ênfase nas contingências de reforçamento positivo e não na
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utilização de contingências coercitivas. Reforços arbitrários como pontos e outros poderão ser substituídos gradualmente por reforços naturais advindos da interação social ou obtidos em diferentes atividades. Ser a favor da educação é reconhecer que o comportamento é analisável e controlável (Sidman, 1989/1995 p.66) e, que o controle não é sinônimo de coerção. O professor ou o educador é um aprendiz há mais tempo e esse é o segredo para trocas genuínas com nossos filhos e alunos (Dimenstein & Alves, 2003).
Referências Bibliográficas
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Instituto de Psicologia, Departamento de Processos Psicológicos Básicos. Email:
[email protected] A década de 1980 é reconhecida como a década do mercado infantil. No senso do IBGE de 1991, o Brasil tinha aproximadamente 50 milhões de crianças entre 0 a 14 anos de idade (Giacomini Filho, 1998/2002). As crianças identificam logomarcas antes mesmo de serem alfabetizadas, o que é claramente sabido pelos processos de marketing de muitas empresas. As crianças estão em média quatro horas diárias diante da televisão, vinte e oito horas semanais (Carmona, 1998/2002), os dados dos Estados Unidos e Europa são de cinco e onze horas semanais, respectivamente (Guareschi, 1998/2002). 4 Comportamentos apropriados são aqueles que refletem adaptabilidade do indivíduo ao seu meio, resultando em efeitos favoráveis àquele que os emite. Os comportamentos inapropriados representam comportamentos que não são aprovados por um determinado meio social e que poderão resultar em efeitos desfavoráveis ao indivíduo. Eles poderão ser considerados adaptativos, porém, com efeitos adversos a longo prazo para aquele que os emite. Exemplo, em um ambiente altamente punitivo, o comportamento de dizer inverdades pode ser adaptativo, garantindo que o indivíduo não receba punição física, porém, pode ser seguindo a longo prazo por conseqüências adversas para aquele que o emite. 3