Heitor Moura 2004 Escala Foco E Microhistoria

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em História Social

ESCALA, FOCO E MICRO-HISTÓRIA

HEITOR PINTO DE MOURA FILHO

S eminário “A micro- his tória em deb ate” P rofª J acqueline Her man n

FEVEREIRO 2004

-1-

Í ND ICE

1. I N T R O D U Ç Ã O 2. E S C A L A S

EM HISTÓRIA

2.1.

POLISSEM IA DE ESCALAS

2.2.

ESCALAS SOBRE EIXOS TEMPORAIS

2.3.

ESCALAS SOBRE EIXOS ESPACIAIS

2.4.

ESCALAS SOBRE EIXOS SOCIAIS

3. F O C O 3.1.

OBJETO, FOCO E ESCALAS

3.2.

COM BINAÇÕES DE ESC ALAS

3.3.

MICROFOCO E MACROFOCO

3.4.

EVENTO E ESTRUTURA

4. M I C R O - H I S T Ó R I A

E ESCALAS

4.1.

HISTÓRIA DO ESPECÍFICO E MICRO-HISTÓRIA

4.2.

MICRO ESCALA COMO EXPERIMENTO

4.3.

MICRO FOC O E INTENSIDADE

REFERÊNCIAS BIBLI OGRÁFI CAS

-2-

"Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é garantido. Tudo é construído." Gaston Bachelard em A formação do espírito científico “[L’historien] est conscient qu’il choisit, dans ce passé, ce dont il parle, et que, ce faisant, il pose, à ce passé, des questions sélectives. Autrement dit, il construit son objet d’étude en délimitant non seulement la période, l’ensemble des événement, mais aussi les problèmes posés par cette période et ces événements, et qu’il faudra résoudre.” François Furet em “De l’histoire-récit à l’histoire-problème” in L’Atelier de l´Histoire “...a atitude experimental que coagulou, no final dos anos 70, o grupo dos estudiosos italianos de microstoria (...) era baseada em uma consciência aguda que todas as fases que modulam a pesquisa são construídas e não dadas.” Carlo Ginzburg em Microstoria: due o tre cose che so di lei 1

1. INTRODU ÇÃO

Inicialmente motivado pela discussão em torno do uso de escalas pela micro-história, propusemo-nos a examinar a noção em termos comparativos, incluindo contextos historiográficos mais amplos. Logo descobrimos ser impossível ir além de polaridades como "micro e macro" ou "estrutura e evento" (distinções reais, porém em si pouco esclarecedoras) sem procurar compreender como e porque o historiador faz uso de tais escalas. Embora G.Bachelard, no texto em epígrafe, se referisse essencialmente às ciências matematizadas, assumimos a validade de sua afirmação também para a história, como explicitado por F.Furet, o que vimos reafirmado para o contexto da micro-história por C.Ginzburg. Assim, ampliou-se o escopo da análise, primeiramente, para loci conceituais sobre os quais ordenar as escalas. Para isso, recorremos aos eixos fundamentais sobre que tudo se define na terra: tempo, espaço e, tratando-se de história, também um eixo social. Em segundo lugar, impôs-se como referencial a prática historiográfica.

1

Citado por (Lima Filho 1999 p.376). Original em Quaderni Storici, a. XXIX(2), n.86:p.531, ago 1994. -3-

O que iremos descrever daqui em diante pode ser compreendido como se passando entre três "personagens": o objeto do historiador, o historiador e seu público. O historiador encara seu objeto através de um foco próprio, pelo qual delimita e compreende o objeto. A partir dessa delimitação e desse entendimento, poderá produzir sua narrativa, a ser oferecida ao público. Para examinar o trabalho historiográfico, adotamos este arcabouço – centrado no historiador, que apreende um objeto (uma realidade ?) e o apresenta a seu público – por considerá-lo o mais abrangente e flexível, pois permite compreensões distintas, seja empirista, seja teórica, seja ainda textualista. E também aceita, é claro, as possíveis combinações intermediárias desses extremos epistemológicos. Iremos concentrar-nos sobre o foco do historiador, que abrange tanto elementos de localização (eixos temporais, espaciais e sociais), quanto aspectos de sua prática (fontes e ambiente teórico). Examinaremos, inicialmente, escalas próprias a cada um dos eixos fundamentais, comentandolhes algumas particularidades. Definimos, em seguida, a noção de foco, que será usada para integrar as idéias de eixos e escalas ao trabalho historiográfico. Alguns dos aspectos da prática do historiador são então analisados, sempre em vista das noções de foco e escala. Por último, procuramos identificar as relações específicas da micro-história com escalas e foco.

*

*

*

O repertório das polêmicas sobre método historiográfico inclui, desde sempre, questões envolvendo a noção de tempo (cronologia, periodização, duração, passado/presente,...) e a de espaço (história e geografia, história e ecologia, história regional, nacional, mundial,...). A conjugação de ambos é central tanto à história, quanto à geografia. F.Braudel, em sua obrasíntese (Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-XVIIIe siècle), começa o 3º volume (Le Temps du Monde) definindo suas "economias-mundo" como fenômenos baseados essencialmente sobre um espaço e uma duração específica. Retorna, em seguida, a preocupações mais dirigidas ao tempo, para decompor os ritmos cronológicos em movimentos seculares, movimentos conjunturais variados e movimentos de curto prazo (Braudel 1979a p.7-70). Em aproximação inversa, um geógrafo, como Milton Santos, esforça-se para incluir o tempo no escopo de sua disciplina, mesmo para o deixar de lado em seguida2.

2

"O tempo como sucessão, o chamado tempo histórico, foi durante muito tempo considerado como uma base do estudo geográfico. Pode-se, todavia, perguntar se é assim mesmo, ou se, ao contrário, o estudo geográfico não é muito mais essa outra forma de ver o tempo como simultaneidade: pois não há nenhum espaço em que o uso do tempo seja idêntico para todos os homens, empresas e instituições. Pensamos que a simultaneidade das diversas temporalidades sobre um pedaço da crosta da Terra é que constitui o domínio propriamente dito da Geografia." (Santos 2002a p.159-160) -4-

Embora todo historiador tenha a percepção da complexidade de seu objeto, foi a partir da entrada em cena da microstoria, nas últimas décadas do século XX, que se explicitou nominalmente uma discussão sobre usos e significação de "escalas" na História, que foi além desses dois eixos. As discussões passaram a focalizar oposições entre o particular e o geral, entre o indivíduo anônimo e as personalidades históricas e, principalmente, entre uma história "vivida" e uma história teórica. Embora seus praticantes tenham repetidamente enfatizado que, "para a micro-história, a redução da escala é um procedimento analítico, que pode ser aplicado em qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto analisado" (Levi 1992 p.137), o qualificativo micro deu o tom para associações mal-informadas e dessintonizadas com o espírito do grupo italiano que erigiu a micro-história em método – tais como entre micro-história e história de temas subalternos3 ou entre ela e uma "história vista de baixo", interpretada por pessoas anônimas4, ou ainda para descrever a história qualificada de micro por tratar de um único evento ou personagem5. Ao tratar mais adiante da microstoria, buscaremos apontar em que efetivamente se distingue dessas abordagens. Procuramos, no que segue, dar contornos mais formais à noção de escala, construindo um sistema conceitual que permita atravessar o acúmulo de significados, que tanto dificulta sua análise6.

3

R.Vainfas discute "O que a micro-história não é" em (Vainfas 2002 p.13-52), expondo as polêmicas e distinguindo entre história de mentalidades, nova história e micro-história. 4 O termo foi cunhado por E.P.Thompson em 1966 e se refere, na historiografia de influência marxista inglesa, a relatos sobre os atores anônimos da história. (Sharpe 1992) 5 Nesse amplo grupo podemos incluir, por exemplo, memorialistas tradicionais que se dedicam a "exaurir" seu temafetiche. Exemplo típico destes são os estudiosos de uma única batalha, como a de Gettysburg, na Guerra da Secessão. Ver www.militaryhistoryonline.com/gettysburg, onde a batalha é o centro de múltiplas atividades. 6 Como referência, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define: "escala 1. série de degraus por onde se pode subir e descer; escada 2. relação entre a configuração ou as dimensões de um desenho e o objeto por ele representado (...) 7. FIS graduação de um instrumento de medida que se encontra em correspondência com o observável medido por intermédio de uma calibração de referência (...)" (Houaiss & Villar 2001) -5-

2. ES CA LA S EM H ISTÓ RIA

2. 1.

PO LI SS E M IA DE ESC ALA S

Bernard Lepetit levanta diversas questões sobre o que seriam escalas e como podem ser úteis na História (Lepetit 1998). Retomamos três oposições mencionadas por ele, que serão importantes para afinar algumas distinções: a)

REPRESENTANTE–REP RESENTADO;

b)

P ARTE–TODO;

e

c) P A R T I C U L A R – G E R A L . Em todas essas oposições, fala-se em escalas: conforme se focalize uma parte (o Beauvaisis) ou seu todo (a França), conforme se focalize uma instância particular (a Câmara do Rio de Janeiro setecentista) ou um correspondente conceito geral (governos locais nas colônias ibéricas), ou ainda na simples proporcionalidade entre um representante (um mapa do Brasil) e o objeto que se propõe a representar (o Brasil). Em cada uso, a palavra escala apresenta significado diferente. Que noção de escala pode ser útil na produção historiográfica ? Começando pela oposição

REP RESENTANTE–REPRESENTADO,

o representado em História é

comumente uma unidade geográfica, mas vale lembrar que qualquer objeto pode ser representado. O representado é, em geral, muito maior que o representante, mas nada o restringe a essa condição, podendo acontecer o inverso, por exemplo, com uma microalga, desenhada milhares de vezes maior, conforme vista através do microscópio. Extremismos epistemológicos à parte, o representado é algo empiricamente identificável, "concreto" (em oposição a um conceito ou mesmo a um conjunto de objetos concretos, o que também é um conceito). O representante, embora tenha sua materialidade (uma folha de papel, um arquivo eletrônico), será sempre uma construção intelectual e uma representação simbólica7. Existe uma infinidade de escalas de representação, desde a teórica (e quase sempre impossível) escala de 1 para 1, até aquelas cujo representante resulte de tamanho manuseável ou compreensível. Assim, escala na oposição

R E P RE S E N T A N T E – R E P R E S E N T A D O

7

é a proporção

Apesar da aparência empirista do enunciado acima, consideramos que essa formulação, devidamente relativizada e contextualizada, poderá não só incorporar pontos de vista "desconstructivistas", mas também evoluir além do "pântano textualista". Assim, registramos, logo, nossa concordância com a relativização discutida por R.Chartier entre os objetos "concretos" da história e suas representações: "...on espère lever les faux débats engagés autour du partage, donné comme irréductible, entre l'objectivité des structures (qui serait le territoire de l'histoire la plus sûre, celle qui, en maniant des documents massifs, quantifiables, reconstruit les sociétés telles qu'elles auraient été véritablement) et la subjectivité des représentations (à laquelle s'attacherait une autre histoire, vouée aux illusions de discours à distance du réel)." (Chartier & Jouhaud 1989 p.75) Queremos deixar o leitor livre, contudo, para formar sua própria opinião sobre as possíveis dinâmicas entre os três polos epistemológicos (empírico, teórico, textual), nas discussões que têm acertadamente alertado os historiadores para mundos a que não estavam acostumados a navegar, mas aos quais, uma vez conhecidos, eles não podem ficar amarrados sob pena de deixarem de ser historiadores para tornarem-se filósofos. -6-

entre duas medidas físicas: o tamanho do representado e o tamanho do representante. É expressa, portanto, por um número que indica quantas vezes um é maior do que o outro. Sobre o uso da oposição parte–todo, na historiografia, cabe uma distinção preliminar, entre a oposição que trata de unidades geográficas (Beauvaisis–França), aquela que se refere a indivíduos e seus conjuntos (Jacob Fugger–a família Fugger) e ainda aquela entre conceitos (banqueiros–capitalistas). Na oposição P A R T E – T O D O geográfica, o todo engloba fisicamente a parte (o Beauvaisis fica na França). Portanto, a escala aqui se refere a que pedaço de uma área maior está em consideração. Embora se possa criar alguma medida sobre essa relação

P ARTE–TODO

(uma proporção entre

medidas de área ou de população, por exemplo), essa noção de escala não é numérica. Atribuise a ela simplesmente um qualificativo, associado à sub-área em análise (escala local, regional, nacional...). Embora se possa imaginar uma infinidade teórica de tais escalas, é mais sensato ater-se à prática, que comumente divide a gama espacial entre, por exemplo, uma casa e o planeta em aproximadamente de 10 a 20 níveis (ou escalas). A oposição

P ARTE–TODO

associada a indivíduos e conjuntos de indivíduos já apresenta outro

status conceitual. Jacob Fugger é um membro da família Fugger e se define esta como um conjunto de indivíduos com certas relações de consangüinidade. Pode-se, analogamente, falar da família Fugger como pertencente ao conjunto de famílias da Europa quinhentista, construindo conjuntos de conjuntos, ou alternativamente dizer que Jacob Fugger pertence ao conjunto de "negociantes" europeus, localizando-o num conjunto mais abrangente que o de sua família. Mais uma vez, a prática é nomear a escala por referência ao conjunto em estudo (escala/nível da família, da corporação, da classe,...). Ao contrário da partição geográfica, onde há pouca margem para criatividade, a oposição

PARTE–TODO

sobre conjuntos de indivíduos é um campo fértil e

amplo para a imaginação teórica, pois as "direções" em que se agregam os indivíduos, isto é, os critérios de formação de conjuntos e subconjuntos são ilimitados. A relação

P ARTE-TODO

tende a ser permanente (Jacob Fugger não deixará de ser membro da

Família Fugger), embora seja prudente lembrar que quase qualquer relação pode ser desfeita ou refeita noutro formato ou ainda deixar de ser aplicável em novo contexto, principalmente quando tratamos de situações que existem no tempo, com ampla margem para mudanças. Por último, temos a oposição

P ARTICULAR–GERAL,

que relaciona entidades específicas a

categorias genéricas às quais pertenceriam à vista de alguma de suas características.

-7-

A "Câmara do Rio de Janeiro colonial", por exemplo, pode ser considerada como instância específica dos conceitos de "governos locais nas colônias ibéricas" ou de "associações de cidadãos" ou de "governos representativos". Uma mesma entidade pode, assim, ser considerada como instância particular de inúmeras categorias, e, inversamente, uma categoria qualquer pode agrupar diversas instâncias específicas, conforme se privilegie alguma de suas características. Não há sentido numérico atribuível a essas escalas, que são identificadas somente por referência às entidades ou conjuntos envolvidos. Semelhantemente, o número de escalas existentes depende exclusivamente dos objetivos e da criatividade teórica do estudioso. Essas oposições citadas por Lepetit trazem imbutidas, portanto, três conceitos de escala bem distintos: a)

um número que indica a proporção entre os "tamanhos" de um representado e seu representante;

b)

um qualificativo para identificar que parte de um todo, possivelmente geográfico, o estudo focaliza; e

c)

um qualificativo para identificar que subconjunto de indivíduos, dentro de conjuntos mais abrangentes, o estudo focaliza; ou, semelhantemente, um nome específico que identifica um elemento individual dentro de uma categoria genérica (ou dentro do conjunto de elementos com pelo menos uma característica associada a esse elemento específico).

Esse breve exame de oposições geradoras de "escalas" de análise sugere algumas definições que nos ajudem a compreender a noção e os usos de escala em história.

*

*

*

Para estruturar a noção (um pouco) mais formalmente, definiremos escala através da combinação de duas outras noções: um eixo conceitual (relativo, como veremos a seguir, a tempos, espaços e grupos sociais) e um recorte qualquer deste eixo, ao qual o autor dá sua atenção. Alternativamente, podemos compreender eixo como um conjunto de recortes, possivelmente ordenados segundo um ou mais critérios. Intuitivamente, pensa-se logo num critério de tamanho, o que corresponde de fato a grande parte das situações, mas não é necessariamente o caso. Dentro dessa segunda alternativa, podemos definir escala como sendo a posição ocupada por um recorte, selecionado dentro de uma seqüência de recortes análogos, ordenados segundo algum critério. Mantemos uma distinção entre recorte e escala ( = posição do recorte) para reforçar a idéia de que escala qualifica um recorte com referência aos demais

-8-

recortes sobre aquele eixo. O critério de referência pode ser de tamanho ("uma escala é maior do que outra") ou totalmente convencional (essa escala vem antes dessa outra"). Com certa dose de informalidade, adotaremos a terminologia costumeira, ao nomear esta posição do recorte pelo próprio nome do recorte (escala secular, escala regional etc.). Ao falarmos em eixos e recortes, logo chegamos à divisão em conjuntos de tempos, espaços, sociedades e idéias. Embora tal procedimento pareça inevitável, devemos nos precaver contra a banalidade avisada por F.Braudel: "C'est donc une division banale que de distinguer...à l'intérieur de ce grand ensemble qu'est la société, plusieurs ensembles et des mieux connus: l'économique,... le cadre social,... le politique; le culturel – chacun de ces ensembles se décomposant à son tour en sous-ensembles, et ainsi de suite." (Braudel 1979b p.409)

Para evitar esse risco, pelo menos numa primeira etapa, propomos escolher como eixos fundamentais três dimensões, conceitualmente independentes, que sempre deverão estar combinadas em qualquer análise sobre a sociedade humana: o tempo, o espaço e os homens. Deixaremos de fora o que poderia possivelmente ser tido como um quarto eixo, o das idéias. O referencial de tempo-espaço é tão inevitável, quanto desejável. "Si rien d'humain n'échappe au temps, rien non plus n'échappe à l'espace." (Chaunu 1978 p.30)

A essa base, a geografia acrescenta como categoria analítica uma população de "objetos geográficos", considerando o espaço como forma-conteúdo (Santos 2002a). A economia, por sua vez, irá dar preferência a "valores" e "meios de produção". Na história, o primeiro eixo a ser considerado após o tempo-espaço não pode deixar de ser o do homem e suas sociedades. Assim, consideraremos, no que segue, os seguintes tipos de eixos como fundamentais para os estudos historiográficos: a)

eixos temporais, referidos a uma cronologia real ou lógica;

b)

eixos espaciais, referidos a um ambiente geográfico;

c)

eixos sociais, referidos a indivíduos e conjuntos de indivíduos;

Examinaremos, agora individualmente, as escalas sobre cada tipo de eixo.

-9-

2. 2.

E SC A LA S SOB R E E I XOS TE M POR A I S

Ao se falar de tempo, é fundamental ter-se em mente, de início, a idéia de que a própria noção de tempo evoluíu junto com nossos antepassados. S.Brandon argumenta que, desde que o homem se distinguiu com tal, desenvolvendo sua capacidade de pensamento conceitual e como fazedor de ferramentas, certamente já dispunha de uma noção de tempo, isto é, das noções de passado, presente e futuro: "The making of tools presupposes not only their future use, but also the utilization of past experience for future benefit – in fact such production involves all three of the temporal categories; for it means that the toolmaker, instead of taking his ease in the present, occupies his leisure and his energies fashioning the hand ax or arrowhead, according to past experience with such objects; and he does so with the intention of using them on what he foresees as a future occasion." (Brandon 1981)

Assim, a noção de tempo faz parte de nosso arcabouço mental desde as épocas mais remotas da existência da espécie. Boa parte das discussões sobre tempo e História refere-se ao próprio contexto cronológico. E.Hobsbawm deixa bem claro seu papel essencial em história: "The history of society is history; that is to say it has real chronological time as one of its dimensions. We are concerned not only with structures and their mechanisms of persistence and change, and with the general possibilities and patterns of their transformation, but also with what actually happened. If we are not, then (as Fernand Braudel has reminded us...) we are not historians." (Hobsbawn 1972 p.10)

Mesmo assim, a onda desconstructivista pós-moderna investiu, sem repercussões mais duradouras, é verdade, contra o "tempo histórico", seja criticando a noção de causalidade histórica8, seja ampliando essa crítica para rejeitar o tempo seqüencial, sob argumentos díspares9. Comentaremos, a seguir, alguns dos diversos usos que são feitos do termo "escala", na prática historiográfica, quando relacionado ao tempo.

O primeiro eixo, e mais intuitivo, se situa no contexto cronológico da humanidade e se refere à abrangência de um período, por exemplo, "10 anos", "um século" ou "a Idade Média".

8

"The concept of historical causation is itself merely an element in the arbitrarily constructed discursive formation of professional historiography." Keith Jenkins, Re-thinking History (Londres, 1991, p.32-3), apud (Evans 1999 p.120) 9 (Evans 1999) cita, entre outros, Frank R.Ankersmit, History and Tropology: The Rise and Fall of Metaphor (Berkeley, 1994); Pauline M. Rosenau, Post-modernism and the Social Sciences: Insights, Inroads, and Intrusions (Princeton, 1992); Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob, Telling the Truth about History (New York, 1994); Robert Young, White Mythologies; Writing History and the West (Londres, 1990). - 10 -

Lembrando que as escalas abaixo não se referem a prazos decorridos do presente até o passado, mas sim a durações que começam e acabam em qualquer época, podemos imaginar esse eixo de escalas temporais cronológicas como partindo de períodos muito curtos, até fora do interesse historiográfico, em direção a períodos sucessivamente mais longos:

horas – dias – meses – 1 ano – 10 anos – 100 anos – 1.000 anos – 10.000 anos – 100.000 anos... ESCALAS FORA DE UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

ESCALAS USUAIS DOS ESTUDOS DE HISTÓRIA

ESCALAS DE ESTUDOS SOBRE EVOLUÇÃO DO HOMEM E HISTÓRIA ECOLÓGICA

Figura 1-1 O eixo temporal de escalas cronológicas

Desmembrando a dupla

E S C A L A - E I XO

em

RECO RTE-CRITÉRIO,

tem-se como recorte da

escala cronológica um período de tempo sobre o qual se debruça o historiador. Os possíveis períodos (escalas) são ordenados num eixo simplesmente segundo sua extensão. Alguns comentários: A prática historiográfica privilegia certas escalas cronológicas (entre algumas décadas e vários séculos), embora muitos estudos (por exemplo, sobre momentos de crises, como a Revolução Francesa ou a Revolução Russa) possam dedicar-se a períodos bem mais curtos. Stefan Zweig, identificando o "momento supremo", em que um único indivíduo comandaria o destino da humanidade, ilustra a escala extrema10. Abaixo dessa zona de escalas mais comuns, encontram-se sérias dificuldades para caracterizar a análise como historica, devido justamente a sua pequena abrangência temporal e conseqüente falta de "perspectiva histórica". Acima dessa zona, entra-se, mesmo sem deixar o escopo histórico, em território até recentemente tido como praticamente exclusivo de ciências como a biologia, a zoologia ou a geologia. Entretanto, estudos históricos abordando a evolução humana e a história ecológica têm-se aventurado com sucesso nesses "longuíssimos" períodos. É interessante lembrar que a escolha de uma mesma escala cronológica, de duas décadas, por exemplo, terá conseqüências específicas para a pesquisa conforme esse período esteja mais ou menos distante do presente. Assim, a periodização e o desenvolvimento analítico num estudo 10

Escreve no prefácio: "Aqui se pretende demonstrar que o destino de séculos é, amiúde, decidido no espaço de um único momento, e como um homem pode influir assim no porvir de milhões." Mas logo em seguida dilui o indivíduo na humanidade: "Se este utiliza corretamente ou não o fatal instante – dificilmente se pode responsabilizálo – uma vez que é a vontade mais alta da Humanidade que se expressa em tais minutos, essa vontade superior que condicionou todas as nossas vidas e que nos serve até quando lhe parecemos resistir..." (Zweig 1982) - 11 -

referente ao período 1880-1900 será distinto de outro sobre o período 880-900, não só – é claro – pelas especificidades de cada momento, mas em grande parte devido aos diferentes distanciamentos cronológicos e os conseqüentes efeitos sobre a intensidade de nosso conhecimento de cada época e sobre a disponibilidade e tipos de fontes. Cabe menção à prática de "contar a história para traz", invertendo o fluxo cronológico, o que podemos considerar simplesmente como um recurso narrativo, sem interferência em escalas ou no eixo temporal11. P.Burke, contudo, considera que tal forma narrativa pode ser utilizada para “relacionar mais intimamente a estrutura aos acontecimentos”12

Um segundo eixo temporal, originado por F.Braudel, situa-se claramente num ambiente teórico, apesar do referencial cronológico13: a "longa duração", acompanhada de seus complementos, a "média" e a "curta duração". Não se trata mais da abrangência de um período, mas do nome para um contexto, isto é, uma situação hipotética durante a qual certas características de uma sociedade permanecem imutáveis (ou que pouco se alteram). Esse eixo braudeliano poderia ser representado como uma seqüência de escalas:

curta duração > média duração > longa duração Figura 1-2 O eixo temporal de escalas "braudelianas"

Neste caso, os recortes da "escala braudeliana" são contextos teóricos (prazos hipotéticos durante os quais certos tipos de eventos acontecem ou não), nomeados por um qualificativo cronológico (longa, média e curta duração) e inspirados em durações cronológicas efetivas. O critério de ordenamento dos objetos é a duração desses prazos hipotético. Tais escalas são discontínuas, não sendo considerados estágios intermediários e proporcionais entre cada escala.

11 "Historical narratives do not necessarily have to be bound to a forward direction of time's arrow. Some of the most celebrated historical works of modern times move backward in time instead. (...) F.W.Maitland Domesday Book and Beyond (1897)... Hellmut Diwald, Geschichte der Deutschen (1978)" (Evans 1999 p.130-1) 12 Cita como exemplos B.H.Sumner Survey of Russian History e Norman Davies Heart of Europe (sobre a Polônia). “Esta forma de organização tem suas dificuldades, mais obviamente o problema de que embora os capítulos sejam dispostos em ordem inversa, cada capítulo tem de ser lido para diante. A grande vantagem da experiência, por outro lado, é permitir, ou mesmo forçar o leitor a sentir a pressão do passado sobre os indivíduos e os grupos...” (Burke 1992b p.345) 13 F.Braudel associa a longa duração simultaneamente às estruturas (Braudel 1992a), entidades teóricas, e à tendência secular (Braudel 1979a p.56-70), conceito eminentemente empírico, cronológico. Ao longo de sua obra, de fato dialoga com os dois conceitos, ora enfatizando o aspecto estrutural, teórico, ora o aspecto cronológico.

- 12 -

É importante frisar também que a ordenação implícita nos qualificativos "curta", "média" e "longa" não tem rígido referencial cronológico ou numérico. Tratando-se de ambientes teóricos distintos, embora geralmente associados a períodos cronológicos, sua caracterização e contornos incorporam outros conceitos além do estritamente temporal. Esses conceitos (e seus respectivos ponto de vistas) já estão incorporados ao instrumental da historiografia, embora nem sempre haja uma compreensão precisa de que "longa duração" não seja um período longo, acarretando, em conseqüência, tratamento analítico pouco adequado. Existem exemplos, também, de um "encurtamento radical" do referencial cronológico do conceito, que é mencionado como aplicável a período de poucas décadas!14 Como mencionado em nota acima, o próprio F.Braudel trabalha a idéia teórica de longa duração, acoplando-a à noção bem empírica de tendência de longo prazo. Ao final do século XIX, Alfred Marshal já havia introduzido em Economia terminologia semelhante, de "longo", "médio" e "curto prazo". É interessante notar que, embora se tratasse de termos referentes a um contexto analítico de modelo logico-matemático e não de interpretação histórica, os conceitos foram concebidos para nomear exatamente a mesma idéia braudeliana – o que se mantêm invariante durante um período dado, em oposição à extensão do período ou ao período em si. Ao longo desses cento e alguns anos de sua existência, esses termos extrapolaram os limites do vocabulário técnico de Economia, passando ao uso quotidiano, principalmente jornalístico, mas também informalmente dentro da própria comunidade de economistas, para qualificar intuitivamente a duração de um período. Fica o alerta para a ortodoxia conceitual na História.

Devemos comentar um terceiro uso do tempo, embora se refira mais a construções logicomatemáticas do que a análise ou interpretação histórica. É a noção de tempo como variável de um modelo logico-matemático. O eixo "cronológico", nesse caso, é um conjunto matemático de números inteiros (no caso de um modelo com tempo discreto) ou de números reais (em modelos de tempo contínuo), que são associados a "datas". A escala seria a amplitude do sub-conjunto desse eixo sobre o qual recai a atenção do autor. Ou seja, os objetos da escala logico-matemática são intervalos numéricos (discretos ou contínuos) e o critério de ordenação é sua extensão (a amplitude entre a primeira e a última "data").

14

A autora referenciada abaixo trata de diversas teses sobre história regional, organizando-as quanto a vários aspectos, inclusive quanto ao tratamento do tempo. Menciona um caso, classificado como "uma visão linear de longa duração", que se refere a um período de 30 anos. (Machado 2001 p.78) - 13 -

Ao contrário do que ocorre com escalas cronológicas, que são intrinsecamente distintas entre si (abordar uma década levanta problemas diferentes dos que surgem ao se abordar um século), as escalas temporais logico-matemáticas são essencialmente análogas entre si, simplesmente variando sua extensão. Deixando de lado filigranas de modelagem, que não alteram esta conclusão, pode-se afirmar que um modelo logico-matemático não se torna diferente por ser aplicado a alguns anos ou a vários séculos. Embora os resultados mudem, a lógica do modelo, isto é, seu "funcionamento" é rigorosamente idêntico. Mesmo que um modelo seja criado para refletir situações características de um período secular, por exemplo, ele apresentará resultados para um único ano através da mesma concatenação lógica, embora a variável tempo (medida aqui em anos, por exemplo) variasse, no primeiro caso, no intervalo [0 – 100 anos], e no segundo somente entre [0 – 1 ano] 15. Assim, podemos representar o eixo temporal logico-matemático de escalas como uma simples seqüência de números que indicam a amplitude da escala considerada:

1, 2, 3, ..., 10,..., 100,..., 1.000,..., 10.000,... Figura 1-3 O eixo temporal logico-matemático.

lembrando que um modelo qualquer não se altera necessariamente por estar sendo calculado para uma "escala" de 10 ou de 1000 anos.

A história tem abordado os longuíssimos períodos, tendo como tema seja a terra e seus fenômenos, através da história ecológica ou do clima, por exemplo, seja o próprio homem, visto em sua evolução filogenética16. Essas abordagens, que aproximam a história da biologia, da geologia e de outras ciências "não-sociais", nos levam às escalas temporais biológicas. Três níveis são usualmente focados: a escala metabólica, a escala epigenética e a escala evolucionária17. Na escala metabólica, transcorrem os processos intra-celulares e intra-orgânicos que mantêm vivo um organismo, medidos entre frações de segundo e alguns minutos. Na escala epigenética, examinam-se os processos de crescimento, desenvolvimento e envelhecimento das células e de grandes organismos, como o homem, medidos entre semanas e várias décadas. A 15

Não discutiremos aqui a possibilidade de se construir modelos em que, efetivamente, o funcionamento seja dependente da amplidão considerada em certa análise, o que de fato não acontece nos modelos logico-matemáticos nas ciências sociais e na cliometria. 16 Sobre a historiografia da pré-história ver (Barraclough 1991 p.106-9). Sobre o clima (Ladurie 1976). 17 (Kalmus 1981) discute as escalas de tempo geológicas e define as escalas biológicas mencionadas. - 14 -

escala evolucionária permite focar processos bem mais lentos, que levam de várias gerações e milhares de anos. As medidas usuais da velocidade de evolução são a taxa de aparecimento de gêneros ou espécies durante certa época geológica, a taxa de variação métrica de alguma característica dos indivíduos de populações de uma mesma linhagem e a taxa de variação das freqüências de certos gens, em momentos diversos da evolução de certa população. Os temas históricos ficam restritos, portanto, a faixas a partir das escalas epigenéticas.

de frações de segundo a alguns minutos

de semanas a muitas décadas

de várias gerações a milhões de anos

ESCALA METABÓLICA

ESCALA EPIGENÉTICA

ESCALA E VOLUCIONÁRIA ESCALAS HISTÓRICAS

Figura 1-4 O eixo temporal de escalas biológicas

Um eixo específico de escalas temporais, relacionado às escalas biológicas, são as escalas cíclicas, que envolvem processos que se repetem com periodicidade regular, em geral acompanhando processos planetários (dias, meses ou anos) ou biológicos (ciclo vital de um organismo, de uma população, de um sistema ecológico). A historiografia se pauta freqüentemente nesses ciclos, não só por razões de medições do tempo (pelo calendário solar ou lunar), mas principalmente pelos limites naturais de seus objetos: a vida do biografado ou o ciclo de crescimento, apogeu e declínio de uma sociedade. Enfatizamos que, ao contrário do que acontece com a longa duração de Braudel, essas escalas biológicas não se descolam do eixo cronológico, preocupando-se somente em abranger um período suficientemente longo para tornar compreensível a dinâmica de certo tipo de fenômeno (como a evolução de uma espécie) cuja duração pode ser longuíssima, se comparada à vida de um homem. Por outro lado, como em toda teorização, ao modelar o ciclo vital de uma família ou de uma sociedade, estaremos nos afastando do eixo temporal cronológico, para um eixo temporal logico-matemático, pois tal família ou sociedade teórica poderá aparecer, desenvolver-se e desaparecer quantas vezes seu criador deseje... sem vínculos com o tempo cumulativo, cronológico. Períodos longuíssimos também são tratados pela geografia, biogeografia ou pela ecologia. (Conti & Furlan 2003 p.112) citam as seguintes escalas:

- 15 -

até 100 anos

até 12.000 anos

daí até 500+ milhões de anos

ESCALA SECULAR

ESCALA MILENAR

ESCALA FILOGENÉTICA

Biogeografia ecológica: sucessão ecológica

Biogeografia pós-plistocênica: teoria dos refúgios, pulsações da biota

Biogeografia histórica: deriva dos continentes, glaciações, dispersão/vicariância

Figura 1-5 Um eixo temporal de escalas biogeográficas e ecológicas

Embora se trate de tema talvez marginal para a historiografia, vale mencionar que não há um padrão absoluto para o tempo biológico (ao contrário do que ocorre com o tempo cronológico, hoje definido por fenômenos físicos), já tendo sido demonstrado (com referência ao homem e a outros animais) que este sofre variações conforme a taxa metabólica do organismo de referência. Assim, uma pessoa tem a sensação de que o tempo "passa mais rápido" quando sua taxa metabólica se reduz (em estado de sedação ou ao envelhecer) e, inversamente, de que o tempo "passa devagar", quando seu metabolismo se acelera (em estado de excitação ou quando é jovem) (Fischer 1981). Esse tema adquire maior importância, sem dúvida, dentro do referencial de um indivíduo, em escalas temporais mais curtas do que as de interesse histórico, sendo mais um indício de como "a verdade depende de quem fala". No entanto, ficamos tentados a desenvolver, por analogia, conceitos como uma "taxa metabólica social" que medisse a velocidade de variações da sociedade com referência ao ciclo vital humano. O progresso técnico dos últimos dois séculos teria sem dúvida gerado uma aceleração das mudanças sociais relativamente à vida de um homem. Embora se possa coloquialmente falar na "aceleração das mudanças sociais", aliás com concordância de todos, existem problemas epistemológicos sérios ao se procurar formalizar essa noção. Ao contrário do que é feito em biologia ou ecologia, há dificuldades teóricas consideráveis para se definir, em história, o que seria uma medida de "mudanças sociais" aplicável, simultaneamente, à Idade Média e aos dias de hoje. Como comparar alterações em características específicas à sociedades medievais com alterações em características específicas das sociedades do século XXI ? A noção de velocidade tem sido estudada, contudo, como elemento integrante da sociedade humana. Desde 1977, Paul Virilio trouxe essas idéias para a discussão, com seu livro Velocidade e Política, em que mostra, assustado, como a aceleração da velocidade militar (do deslocamento de tropas e armas) acabou com a guerra de posição, em que o objetivo era conquistar espaços, impondo a guerra pelo tempo, em que a dominação de espaços se torna irrelevante, diante da velocidade das armas, que agora podem atingir qualquer espaço do planeta em poucos minutos

- 16 -

(Virilio 1996). A história veio confirmar suas predições pessimistas, como se viu na invasão iraquiana do Kweit e Guerra do Golfo, na década de 1990, e na invasão norte-americana do Iraque em 2003. Entretanto, como ocorre comumente, os analistas não conseguem prever todas as circunstâncias que irão matizar suas previsões, no caso, que uma invasão ganha pela velocidade logo se transformaria numa antiga guerra espacial, mas agora sem posições fixas, como é a guerrilha.

O que nem está incorporado a teorias históricas, como a subjetividade da noção de tempo, que vimos depender até do metabolismo de um indivíduo, pode, contudo, ser analisado "de fora", através da crítica textual. R.Chartier lembra a crítica de Paul Ricoeur, fundada na análise da narrativa histórica, que identifica como: "... as temporalidades históricas mantêm uma forte dependência em relação ao tempo subjetivo: em páginas soberbas, Ricoeur mostra como La Méditerranée au temps de Philippe II de Braudel repousa, no fundo, sobre uma analogia entre o tempo do mar e o do rei e como a longa duração é aí uma modalidade particular, derivada, da mise em intrigue do acontecimento." (Chartier 2002b p.86)

Enquanto Braudel se esforçava para conceber e reconstituir uma longa duração que atravessava acontecimentos e movimentos conjunturais, estaria de fato simplesmente articulando os enredos de seus personagens Longa Duração, Tempo do Mar e Tempo do Rei !

2. 3.

E SC A LA S SOB R E E I XOS ES P AC IA I S

Aparentemente óbvia e bem definida para todos, a idéia de espaço envolve, ao ser associada ao tempo, diversos problemas conceituais. Trata-se de uma categoria extra-histórica ou deve ser vista unicamente a partir de seus momentos históricos específicos ou integrada a processos desenvolvidos ao longo do tempo ? Pode ser desvinculada, nas ciências sociais, da idéia de natureza ? Como se integram o espaço, o tempo e a sociedade em perspectivas que buscam a "totalidade social" ? Em que a relação entre tempo e espaço, vista por um geógrafo, difere do enfoque de um historiador ? Essas questões, entre outras relativas a espaço de um ponto de vista social, abordadas por muitos autores, foram resenhadas por Milton Santos em várias de suas obras, onde se pode obter um panorama abrangente das discussões (Santos 2002a; Santos 2002b; Santos 2003b) - 17 -

Atendo-nos a aspectos relevantes para a discussão de escalas, vamos enfocar algumas dificuldades que deparamos ao procurar recortar o espaço. Por indicar simplesmente a extensão genérica da região à qual se dirige o interesse do historiador – escala local, regional, nacional, mundial – as escalas sobre eixos espaciais parecem até mais intuitivas do que aquelas definidas sobre eixos temporais. No formato

RECORTE- CRITÉRIO,

escalas sobre eixos espaciais teriam como recorte áreas,

ordenadas segundo um critério de inclusão (as áreas em escala maior incluem as áreas em escala inferior: áreas nacionais incluem áreas regionais, que, por sua vez, incluem áreas locais).

ÁREAS DE NÍ VEL 1 d ÁREAS DE NÍ VEL 2 d ... d ÁREA DE NÍ VEL n Figura 1-6 O eixo espacial por inclusão.

Na organização de um espaço, uma seqüência de escalas não é única. Não só há diferentes recortes possíveis a partir de um mesmo critério de divisão do espaço (fronteiras administrativopolíticas que se alteram ao longo do tempo, por exemplo), como há diversas opções de critérios para dividi-lo (fronteiras topográficas, lingüísticas, de interação econômica etc.).

ESCALA 4 (p.ex. mundo)

MUNDO

ESCALA 3 (p.ex. país)

ESCALA 2 (p.ex. região) ESCALA 1 (p.ex.cidade)

PAÍS

REG IÃO

11

1

PAÍS

RE G IÃO

12

REG IÃO

21

2

REG IÃO

22

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

ÁREA

111

112

113

121

122

123

211

212

213

221

222

223

Figura 1-7 Conformação em árvore de uma seqüência de escalas espaciais. Não é necessário que haja simetria, dentro de qualquer escala relativamente às escalas de nível inferior ou superior, ao contrário do que está ilustrado aqui.

Além disso, ao contrário de escalas temporais, que se encadeiam em seqüências lineares, as instâncias de uma única seqüência de escalas espaciais formam, de fato, uma árvore, como representado pela Figura 1.7. - 18 -

Imaginando, hipoteticamente, que todo o espaço terrestre fosse homogêneo, o problema do recorte não se poria, pois qualquer área poderia representar qualquer outra, independentemente de seu tamanho. Partimos da heterogeneidade do espaço terrestre, portanto, como uma certeza, que modifica o entendimento que podemos ter das sociedades, em função de onde elas se localizam. Nosso problema, agora, tornou-se dois: como reconhecer, nomear, classificar, ordenar a heterogeneidade do espaço e, diante desses achados, como (e porque) recortá-lo. Fica claro, assim, que quanto mais homogênea for uma área, mais abrangente poderá ser a escala espacial em que poderá ser tratada sem perda de conteúdo. Francisco Carlos T. da Silva e Maria Yedda L. Linhares citam a "vaguidão da história do Brasil", qualificada por Francisco Iglésias, referindo-se às amplas generalizações que encompassavam grandes regiões que, embora heterogêneas, foram homogeneizadas pela falta de detalhes locais (Silva & Linhares 1995). Lembram a longa tradição – de Roberto Simonsen a Caio Prado Jr., Nélson Werneck Sodré e Celso Furtado – dessas afirmações sobre a ocupação do espaço brasileiro feitas a partir de um corpo documental pouco representativo (como se veio a comprovar posteriormente) da diversidade efetiva do país. Merece transcrição a avaliação abalizada de G.Barraclough sobre a necessidade de pesquisa pontual, que se junta a esse ponto de vista: "... what has become obvious with this change of emphasis [the shift of focus from periods to problems] is that the sources and materials used by earlier historians rarely provide the sort of information required for dealing with socio-economic questions. General books, such as those of Celso Furtado, covering the whole range of Latin American economic history or even that of one country, are valuable in providing working hypotheses; but at the present stage the first necessity is detailed, archival study of particular areas, regions, cities or industries, from which eventually a veracious picture can be built up. The predominant impression left is the weakness of the basis for generalization, and the need to review the broad issues and test them against primary materials at the level of the village, municipality, state, province and department." (Barraclough 1991 p.117)

Barraclough também adverte sobre a forte diversidade entre os países latino-americanos, que impede generalizações apressadas18. É preciso, portanto, ter em mente que a escolha de uma escala espacial deve considerar o objetivo de cada trabalho (monográfico ou de síntese, por exemplo) e a disponibilidade de fontes correspondentes. Ao abordar a classificação do espaço, impõe-se analisar as relações do homem com a natureza. Neste campo, as relações econômicas são geralmente colocadas como fundamentais: "La actividad económica del hombre es siempre un processo de intercambio de energia del mismo con la naturaleza. De ahí la necesidad de conocer el medio geográfico en el cual se desarrolla la actividad económica humana, la cual es de una trascendencia especial para el historiador debido 18

"Furthemore, all generalizations must take account of the extreme diversity of the twenty Latin American republics in history, racial composition, social structure and economic development. Only in the broadest sense are the historical questions confronting them comparable. And, finally, the danger of treating their history by analogy with European or Asian models is very real." (Barraclough 1991 p.117) - 19 -

a la variabilidad histórica del citado medio y mucho más aún por cuanto los diferentes elementos que lo componen y su misma estructura juegan un papel distinto en las condiciones sociales..." (Kula 1973 p.521)

É importante lembrar, entretanto, que as relações homem-natureza sempre foram bem mais complexas do que indica um ponto-de-vista puramente econômico. Suas milenares relações míticas e simbólicas com florestas e cavernas, por exemplo, foram estudadas com cuidado e trazem surpresas para os que acreditam termos há muito superado as crenças e medos de nossos "primitivos" ancestrais (Harrison 1992; Sheldrake 1991). Abordaremos, outros tipos de relações do homem com a natureza, como a questão microbiana, ao tratar das escalas sociais. A tese de F.Braudel sobre o Mediterrâneo é o exemplo clássico de abordagem histórica com base geográfica,

entendendo-se

por

"geográfica"

principalmente

as

características

(topográficas, hidrográficas, climáticas e edafológicas) de uma região.

físicas

Criticou-se,

posteriormente, seu procedimento, que, segundo os analistas, colocaria a história numa camisa de força geográfica. Podemos guardá-lo, contudo, como exemplo de um recorte espacial determinado, no caso, principalmente pela topografia, que se impõe à história, forçando o historiador a buscar seus personagens e construir seus objetos de estudo a partir das partições geográficas que identificou19. Um procedimento, aparentemente semelhante, mas de fato metodologicamente distinto, é aquele usado por Mário Lacerda de Melo, em "Aspectos da geografia do açúcar no Brasil" (Melo 1954), que parte das áreas que lhe interessam (as regiões açucareiras do Brasil), para então buscar suas características e diversidades. O primeiro tipo de recorte espacial a ser utilizado sistematicamente e o mais comum até hoje é a divisão politico-administrativa. Trata-se de recorte muitas vezes enganoso, pois nem sempre o objeto histórico de interesse corresponde exatamente a essas fronteiras. Assim como, numa série estatística cronológica, a ausência de informação sobre um período, ladeado por outros dois períodos com informação, chama atenção e requer uma decisão (procurar tal informação em outras fontes ou estimá-la, de alguma forma), também devemos adotar atitude semelhante num contexto especial. Primeiramente (o que talvez seja o mais difícil), é preciso reconhecer que existe uma lacuna; em seguida avaliar se tal lacuna requer preenchimento a partir de novas fontes ou nos bastam as informações à mão sobre as áreas contíguas. 19

"The history of 'structures' (...) requires different methods still. Its affliliations are with geography, demography, ethnography, climatology and botany. There were few matters about which Bloch and Febvre were more emphatic than the links between history and geography; their subject-matter, Bloch maintained, was basically identical. The unit of history was (...) the geographical region: a conception to which Braudel gave palpable shape when he devoted the first part of his book on the Mediterranean at the time of Philip II to a géohistoire of the Mediterranean region as a cultural and historical unity." (Barraclough 1991 p.40) - 20 -

A questão de se reconhecerem as lacunas de informação espacial está sem dúvida correlacionada ao tipo de divisão da qual se parte, seja porque assim estão classificadas as fontes, seja pela força metodológica dos recortes político-administrativos. A abordagem de tradição geográfica procurou ultrapassar as divisões convencionais e sofisticar as formas de se encarar uma região ao basear-se sobre recortes delimitados pelo ambiente físico (relevo, hidrografia, clima) e sua ocupação humana. R.Chartier relata o movimento pendular de atitudes dos estudiosos franceses com relação ao recorte geográfico das informações estatísticas: desde o entusiasmo pelo acúmulo de informações regionalizadas, passando pelas inferências generalizantes baseadas somente em algumas características, seguindo pela adoção de recortes arbitrários, geométricos, até chegar aos debates sobre o que constitui uma "região natural" e que tamanho mínimo esta deve ter para ser significante ao estudo histórico (Chartier 2002a). Assim, é importante certificar-se da validade de algumas condições para o local e o período em estudo, pois os contornos da área a ser estudada envolvem diversos aspectos que precisam ser considerados em conjunto, seja na escolha do objeto de estudo, seja no trabalho de pesquisa: As escalas definidas seguem efetivamente uma seqüência por inclusões sucessivas? Todo o espaço nacional está dividido em espaços regionais, todos os espaços regionais estão divididos em espaços locais? Os critérios definidores das escalas usadas existiram para todos os locais do estudo, durante todo o período de estudo? São homogêneos e compatíveis? Divisões do espaço segundo critérios juridico-institucionais, por exemplo, se misturam com divisões segundo outros critérios, topográficos, ecológicos, econômicos? Uma eventual heterogeneidade é defensável? O critério de divisão das áreas corresponde ao objetivo de estudo? Como utilizar uma divisão administrativa moderna, tal como atualmente aplicada pelo IBGE, por exemplo, num estudo sobre o período colonial? Tais questões, mais propriamente técnicas, imbricam-se inevitavelmente com problemas de maior relevância metodológica e teórica ao procurarmos estudar ambientes fortemente dependentes de contornos geográficos, como ocorre em estudos de história agrária, por exemplo. Vale ressaltar aqui alguns aspectos em que a escala espacial assume importância maior do que lhe é comumente atribuída.

Como reação a um possível "determinismo geográfico", pouco informado pela história e pelas relações econômicas em geral, a terminologia espacial adquiriu feições teóricas, como ocorreu com algumas escalas temporais. Assim como Braudel nomeia um conceito (a longa duração) pelo seu referencial cronológico, geógrafos e outros estudiosos também associaram ao espaço

- 21 -

conceitos teóricos, isto é, definidos dentro de contextos axiomáticos ou logico-dedutivos, mas dando-lhes um referencial espacial20. Surgia um amplo vocabulário teórico: pólo, noyau, centroperiferia, rede, irradiação. As diversas escolas teóricas apropriavam-se, simultaneamente, de termos até então genéricos, para designar conceitos seus: "região" e "espaço", por exemplo, adquiriram acepções particulares21. A distinção feita por Milton Santos entre "circuitos regionais de produção" e "circuitos espaciais de produção" é exemplo desse uso22. Ao se tornar específica, a terminologia adquire as propriedades teóricas associadas à teoria-mãe, com suas vantagens e desvantagens. Com relação à aplicação do marxismo a conceitos espaciais, por exemplo: "A cada produto, em cada lugar, corresponde um preço, cuja formação resulta de um jogo do qual participa a totalidade das mercadorias. (...) Cada lugar, pelos modos de produção que abriga, tornase assim capaz de, num dado momento, atribuir taxas específicas de lucro a cada fração de capital e de remunerar diferentemente também os diversos segmentos da mão-de-obra empregada. (...) se desejamos verdadeiramente encontrar uma lei espacial do valor, é preciso procurá-la sobretudo no funcionamento da economia mundial e, em seguida, em suas repercussões locais." (Santos 2003a p.155)

Tal combinação, dos conceitos marxistas e espaço, acarreta dificuldades sérias para a compreensão histórica: "Tais determinações ["espaço é o produto direto da ação do homem"] teriam um caráter histórico, portanto dinâmico, interligadas diretamente à forma pela qual os homens organizam o modo de produção em que vivem. Neste sentido, o espaço é expressão do modo de produção historicamente dado e sua função é por ele determinada, participando dos movimentos de reprodução mais gerais da formação economico-social. Evidentemente, do ponto de vista do historiador, tais afirmações colocavam mais problemas do que aqueles que pretendiam resolver. (...) ao atrelar espaço ao conceito de modo de produção e formação economico-social (...) o historiador caía num atoleiro teórico de proporções muito maiores que seus esforços." (Silva & Linhares 1995 p.4-5)

Embora ainda se encontrem casos de usos mais draconianos dos conceitos espaciais, muitos estudos recentes têm trabalhado de modo mais flexível23. A escolha de uma escala espacial, portanto, não é uma simples questão de "quão ampla área" desejamos investigar. É preciso conhecer preliminarmente a abrangência das fontes e optar por 20

Diversos livros de Manuel Correia de Andrade exemplificam esse enfoque geográfico-analítico, com foco no caso sobre aspectos regionais: (Andrade 1981; Andrade 1984; Andrade 1988). 21 “Pour échapper à la diversité régionale, il faut restituer non plus des régions mais des profils agricoles et ruraux, non plus des territoires pré-déterminés par des critères administratifs mais des ensembles spatiaux caractérisés par les orientations agricoles, les structures sociales...les phénomènes de pouvoirs. Cela peut donner pour la France cinq profils agricoles...” (Jessenne 1999). 22 "As regiões hoje são contidas de diversos subespaços que podem ter, e geralmente têm, relações com outros espaços, mesmo fora da região e até do país, um fenômeno que não é estranho na nossa história. ... os subespaços produtores de frutas no Nordeste... mantêm relações diretas com o exterior...e se integram de forma débil com os espaços vizinhos."(Vieira 1998 p.268-9) 23

Notar, por exemplo, a oposição entre "região" e "espaço" em (Cunha & Godoy 2003) e a combinação de recorte administrativo e conceitual em (Lamas, Saraiva et al. 2003). - 22 -

recortes espaciais que compatibilizem o uso dessas fontes com o objeto em estudo. Além disso, deverá ser dada atenção específica à noção de espaço e aos recortes geográficos empregados sempre que o tema ou a abordagem adotada forem especialmente dependentes dos aspectos espaciais. Nem se poderá esquecer de dar atenção aos entendimentos diversos dos conceitos espaciais em cada autor.

2. 4.

E SC A LA S SOB R E E I XOS SOC I AIS

Escalas sobre eixos sociais, talvez mais do que escalas sobre outros eixos, introduzem problemas fundamentais de método na historiografia. Peter Burke, na introdução a seu A Escrita da História, apresenta o problema indiretamente: "[as tendências culturais e sociais] requerem mais explicação estrutural. Quer gostem, quer não, os historiadores estão tendo de se preocupar com questões que por muito tempo interessaram a sociólogos e outros cientistas sociais. Quem são os verdadeiros agentes na história, os indivíduos ou os grupos ?" (Burke 1992a p.31)

A essa pergunta vêm sendo dadas sucessivas respostas: são os “grandes homens”, são as massas, são todos, desigualmente... Antes mesmo de entrar na questão de quem seria tal agente, o historiador escolhe seus personagens, isto é, sua escala social de trabalho. Ao fazer isso, já estará respondendo parcialmente à pergunta, pois dificilmente poderá concluir algo sobre categorias fora daquelas em que desenvolveu sua argumentação: “grandes homens” não podem ser a resposta para um argumento baseado em “classes sociais” e vice-versa. Essas questões se refletem em diversas polaridades ou oposições:

INDIVÍDUO–GRUPO, INDIVÍDUO ANÔNIMO–

INDIVÍDUO SINGULAR, CONJUNTO GENÉRICO DE INDIVÍDUOS–CONJUNTOS TEÓRICOS DE INDIVÍDUOS.

A primeira oposição,

INDIVÍDUO–GRUPO,

diante da idéia mais forte que opunha

foi, durante muito tempo, relegada a segundo plano

INDIVÍDUO ANÔNIMO–INDIVÍDUO SINGULAR,

pela qual os

indivíduos singulares eram considerados não só líderes de seus grupos, mas tão identificados a eles que, ao se falar deste líder se estaria falando ipso facto do grupo. Sabina Loriga, ao tratar da “Biografia como problema”, localiza o foco sobre esses “heróis” a partir da historiografia no século XIX24. Por falar-se em biografia tanto para estudos de “existências pessoais com dimensões historico-universais”, como para panegíricos e relatos anedóticos ou meramente

24

“O princípio da individualidade podia aplicar-se a todos os povos e a todas a nações do mundo ocidental, mas não a todas as pessoas. Para Ranke, a biografia só se torna significante na medida em que a ‘existência pessoal atinge uma dimensão histórica universal’.” (Loriga 1998 p.233-4) - 23 -

“curriculares”, estendeu-se uma confusão adicional entre uma narrativa na escala social do indivíduo, por um lado, e menor interesse historiográfico, por outro. A reação dos annalistes, que viraram o foco de indivíduos para grupos, resolveu essa dificuldade pela mudança radical de escala25. Abandonavam indivíduos, singulares ou anônimos, em favor dos grupos de indivíduos, de preferência organizados em categorias com respaldo teórico. Giovanni Levi resumiu jocosamente essas passagens: “Raymond Queneau diz que ‘houve épocas em que se podia narrar a vida de um homem abstraindo-se de qualquer fato histórico’. Também poder-se-ia dizer que houve épocas – talvez mais próximas – em que era possível relatar um fato histórico abstraindo-se de qualquer destino individual.” (Levi 1996 p.167)

Prossegue, colocando sua visão sobre as relações correntes [1989] entre biografia e historiografia: “Vivemos hoje uma fase intermediária: mais do que nunca a biografia está no centro das preocupações dos historiadores, mas denuncia claramente suas ambigüidades. (...) A meu ver, a maioria das questões metodológicas da historiografia contemporânea diz respeito à biografia, sobretudo às relações com as ciências sociais, os problemas das escalas de análise e das relações aos limites da liberdade e da racionalidade humanas.” (Levi 1996 p.167-8)

O novo recurso à biografia – melhor não falar em retorno – está no centro das iniciativas que ganharam o nome de micro-história. As ciências físicas e biológicas trabalham há quase meio século com um recorte do universo conhecido (e também do desconhecido) em níveis de entidades que se encaixam hierarquicamente, a partir do homem (isto é, da "escala humana"), tanto na direção de entidades sucessivamente menores, quanto na direção de entidades sucessivamente maiores, numa composição aberta ao infinito em ambas as direções:

...

< partículas sub-atômicas < moléculas < células < sistemas fisiológicos < homem homem < sistemas ecológicos < planeta < sistema solar < galáxias < . . . Figura 1-8 O eixo fisico-biológico-ecológico-astronômico.

Semelhantemente ao que acontece com referência ao eixo de escalas temporais, a gama de níveis aos quais a História se dedica fica concentrada numa faixa intermediária desse espectro, entre o homem e a escala planetária (embora se possa até falar em "história cósmica"). Diferentemente do que fazem as demais ciências, a atenção historiográfica (mesmo ampliada, nas últimas 25

“Entre um rei e o povo, entre um homem e uma massa, era indiscutível que a História se afirmava melhor como ciência humana e social através de um povo e de uma massa”. (Levillain 1996 p.159) - 24 -

décadas, para estudos ligados a fenômenos da natureza – como o clima, por exemplo – e a sistemas ecológicos) dá primazia às relações entre os homens, aí incluídas suas criações intelectuais. Assim, o eixo social de escalas que interessa à História pode ser representado como:

homem < grupo social 1 < grupo social 2 < grupo social 3 <

...

< humanidade

Figura 1-9 O eixo social humano.

Esse eixo social histórico contempla desde escalas biográficas até a amplitude máxima, dirigida ao conjunto da humanidade. Quanto ao extremo biográfico, vale mencionar que o foco sobre a vida de um indivíduo deixou de representar unicamente a história de "grandes vultos" ou de um personagem "menor", escolhido pelo historiador por suas afinidades familiares, profissionais ou regionais. A retomada de estudos prosopográficos, cujo surgimento L.Stone identifica nas décadas de 1920 e 30 (Stone 1972), tem contemplado tanto grupos menores, das elites políticas ou econômicas, quanto grupos mais extensos, localizados em qualquer classe social. Exemplos de estudos brasileiros recentes baseados sobre informações prosopográficas são (Fragoso 2000; Fragoso 2002). No extremo oposto, da história mundial, existe um acúmulo de abordagens díspares. Dadas as dificuldades intrínsecas a um projeto abrangente, de âmbito mundial, cobrindo uma escala temporal possivelmente multi-milenar, encontramos muitos projetos que reúnem estudos distintos de vários historiadores, inclusive coletâneas produzidas como compilações de estudos independentes sobre diversos países, que não se qualificam, exatamente por isso, como histórias mundiais pensadas de forma coerente e integrada. Dentre as obras coesas, mencionaremos duas abordagens divergentes: as obras de filosofia da história e as de World History. Ao longo do XIX e do século XX, surgiram tentativas mais comumente qualificadas de "filosofia da história", em que os detalhes historiográficos foram menos importantes do que a exposição ordenada de uma teoria/filosofia sobre a evolução geral da humanidade26. Certamente a mais conhecida, embora nem sempre considerada como filosofia da história e sim como história, foi a 26

"Philosophers of history are more concerned with theory than with facts; they use the factual sub-structure, often non-sequentially, to adumbrate and illustrate a view of the meaning of man's nature and development." (Barraclough 1991 p.163) E ainda: "... é preciso estabelecer, e não postular, a existência de uma estrutura unificada, de um todo coerente, de um Zusammenhang: a unidade é um problema, não um princípio de onde se possa partir. É por esse motivo que o verdadeiro historiador (...) sentirá uma repugnância invencível em relação à maior parte das teorias da civilização (...) ele deverá rejeitar não só as elucubrações delirantes de Spengler, em quem a metáfora do 'organismo', uma vez aplicada às grandes civilizações, é objeto de uma exploração sistemática e paradoxal, mas também a síntese que, apesar de tudo, foi tão conscienciosa e razoavelmente leborada por esse grande e nobre espírito que é Arnold Toynbee..." (Marrou 1978 p.139-140) - 25 -

visão marxista da evolução humana27. Projetos de fôlego, como o de Arnold Toynbee, A Study of History, sofreram críticas por seus erros factuais, mas principalmente pela ausência de uma coerência interna, que eclipsa suas intuições criativas e seus ataques bem-dirigidos à divisão da história em especialidades estanques e (na época) a seu europeocentrismo (Barraclough 1991 p.163-8). Por outro lado, ensaios filosóficos como o de Karl Jaspers, Origem e metas da história, têm escapado à crítica da comunidade de historiadores profissionais por seu enfoque claramente teórico (Jaspers 1968). O grupo de historiadores, entre os quais W.H.McNeill, seu filho J.R.McNeill e Alfred Crosby, que produzem o que veio a ser chamado de World History, tem buscado abordar, em escala mundial (num eixo geográfico), não a história individual de cada civilização, mas os grandes movimentos da humanidade, através dos encontros e comunicações entre essas civilizações (no extremo "humanidade" do eixo social)28 (Crosby 1993; McNeill & McNeill 2003). Conseguiram, através de enfoque próprio, em que a história política e econômica é conjugada a histórias “heterodoxas” como a de doenças e dos armamentos, mapear o processo da gradual unificação física, econômica e cultural levada a cabo pela expansão planetária das civilizações de origem européia. Distintamente do que acontece na seqüência de níveis hierárquicos bio-físicos (moléculas < tecidos < órgãos < sistemas < indivíduo), não há uma seqüência necessária ou prioritária de grupos sociais que se incluem sucessivamente. A adoção de um aparato teórico específico, por exemplo baseado no conceito de classes ou no recorte positivista da sociedade29 (ilustrado abaixo), restringe, de certo, a diversidade de opções.

Homem < Família < Pátria < Humanidade Figura 1-10 O eixo social dos positivistas.

27 "Though non-Marxists and anti-Marxists may be reluctant to accept the fact, it would be difficult to deny that Marxism is the only coherent theory of the evolution of man in society, and in that sense the only philosophy of history, which exercises a demonstrable influence over the minds of historians today." (Barraclough 1991 p.164) 28 Este grupo se reúne em torno do Journal of World History (http://www.uhpress.hawaii.edu/journals/jwh/). 29 Na ortografia original: "A revolução moderna tem um objetivo mais elevado: o estabelecimento da república no sentido próprio deste vocábulo, isto é tende para o estabelecimento de um regimen escluzivamente bazeado na consideração preponderante do bem público como lei suprema, eliminando qualquer pretenção a direitos individuais. Em similhante regimen só se reconhecem deveres de todos para com todos; deveres que são definidos pelas relações em que cada hômem está com o grande organismo de que fás parte. Esse organismo é a Humanidade, à qual somos sucessivamente ligados pela Pátria e pela Família. De sórte que no regimen definitivo só se reconhecem deveres para com a Família, a Pátria e a Humanidade." (Lemos & Mendes 1902 p.23)

- 26 -

Devemos lembrar que, assim como ocorre com as escalas espaciais, as possíveis escalas sociais também se desmembram em árvores, embora nem sempre de forma simétrica ou completa.

ESCALA 4 (p.ex. cidadãos de um país)

C ID AD Ã O S DE UM PAÍS

ESCALA 3 (p.ex. classes)

ESCALA 2 (p.ex.grupos) ESCALA 1 (p.ex.subgrupos)

CLASSE

GRUPO

11

SG

SG

111

112

SG

1

GRUPO

12

SG

SG

CLASSE

GRUPO

SG

121 122 123 124

13

GRUPO

2

21

SG

SG

SG

SG

SG

131

132

133

211

212

Figura 1-11 Conformação em árvore das escalas sociais. Exemplo de escalas sucessivas assimétricas.

No limite, cada historiador poderia reescrever a lista de escalas, recortando o eixo social entre cada indivíduo e o total da humanidade segundo seus próprios critérios e idiosincrasias. Nem é necessário que cada historiador se contente com uma seqüência; cada tema poderia inspirar-lhe um recorte particular, multiplicando indefinidamente as seqüências possíveis. A própria evolução da historiografia, no entanto, reduz significantemente tais alternativas, ao fixar conceitos e práticas de contornos bem-definidos e de grande aceitação, como “classe” e “nação”, por exemplo. Deve-se reconhecer, além do mais, que a escala propriamente histórica começa não com um indivíduo isolado, mas com um grupo de indivíduos que convivem (e sobrevivem) num lugar e num momento específico do passado, e que, além disso, se reproduzem biologica, lingüistica, cultural e institucionalmente. A História, embora use e abuse do foco sobre indivíduos, tem como objeto prioritário a sociedade. Esta não só permite a sobrevivência do indivíduo, mas também se reproduz, tanto pela reprodução biológica dos indivíduos, como através de mecanismos sociais, supra-individuais. " 'Science des hommes', said Marc Bloch: not of the individual man, but of men, and not of men in general, but of men in society. (...) This was the key to the revolution which Bloch and Febvre inaugurated: the switch from the individual, the 'homme isolé', to the 'homme en groupe' ..." (Barraclough 1991 p.41)

- 27 -

Esse aspecto intrínseco ao homem – viver em sociedade – autoriza comparação com outros tipos de populações. W.McNeill propõe uma analogia entre micro-parasitas, que sobrevivem através da sobrevivência do organismo hospedeiro, e "macro-parasitas", humanos, que extraem mercadorias ou serviços de outros grupos humanos e, assim, também dependem da sobrevivência dessas "vítimas" para eles mesmos sobreviverem30. A mudança de escala – do indivíduo, vítima de micro-parasitas, para uma população de indivíduos, ela também vítima, agora de macro-parasitas – mostra-se essencial para validar a analogia. McNeill passa ao degrau acima no eixo social e constrói uma analogia que retoma os papéis desempenhados pelos personagens

PARASITA-VÍTIMA,

com isso criando um campo

conceitual diferente para explicar o que a teoria marxista, por exemplo, atribui a contradições e conflitos de classes. Cabe, aqui, uma distinção metodológica entre eixos sociais que ordenam uma seqüência de conjuntos de indivíduos e eixos que ordenam conjuntos de outros elementos que não indivíduos. Exemplos de tais elementos seriam "empresa" e "feudo", que, embora contenham indivíduos, se definem por relações entre os indivíduos e outros elementos (meios de produção, capital, no caso de "empresa"; e terras, no caso de "feudo"). Critérios de agregação entre os indivíduos são suficientes para definir as seqüências de escalas sobre conjuntos de indivíduos, enquanto seqüências de escalas sobre entidades como "empresas", por exemplo, se tornam inevitavelmente "mistas", por precisar adotar, nos níveis mais agregados, conceitos como "setor econômico" ou "truste", que incorporam alguma noção teórica adicional e são, por isso, logicamente distintos dos conjuntos de indivíduos.

30

"(...) if one thinks not of individuals but of biological populations, the dependence of a macroparasite on the survival of the plants or animals whose tissue it eats is similar to the dependence of the tax and rent consumer on the survival of tax and rent payers. Accordingly, customs and institutions that regulate the amount of tax and rent payments so as to allow the survival of the payers are analogous to the balances of nature that keep prefators relatively few and their prey comparatively numerous ..." (Mcneill 1980 p.7) "Our only significant macroparasites are other men who, by specializing in violence, are able to secure a living without themselves producing the food and other commodities they consume. Hence a study of macroparasitism among human populations turns into a study of the organization of armed force with special attention to changes in the kinds of equipment warriors used." (Mcneill 1982 p.vii)

- 28 -

3. FO CO

3. 1.

OB J E T O, FOC O E ESC A LAS

Havíamos definido escala como a posição ocupada por um recorte, numa seqüência de recortes análogos, ordenados segundo algum critério. Esta definição implica, primeiramente, que o historiador distingue seu objeto entre objetos análogos, isto é, faz um recorte com relação a certas categorias. Todo estudo historiográfico (como tantas outras atividades humanas) pressupõe a percepção de um objeto31. Tratando-se de história, este deverá situar-se no tempo, no espaço, estar referenciado ao mundo concreto através de fontes e, sem dúvida, ter um referencial no homem e suas sociedades. Além de escolher esse seu objeto, o historiador deverá defini-lo, pensá-lo e expor essas idéias e procedimentos a seus pares. Chamaremos o objeto com esse conjunto de atributos – de estar situado no tempo e no espaço, de estar referenciado ao mundo concreto e a grupos sociais e, ainda, de ser apresentado por um historiador – de objeto histórico. Ora, ao decidir-se por seu objeto, nosso historiador, embora pensando numa única entidade, estará, simultaneamente, pensando no objeto histórico que acabamos de definir. Pela própria maneira como o definimos, este objeto histórico estará posicionado nos três eixos comentados acima – o temporal, o espacial e o social. A maneira como isso pode ser feito, contudo, não será única. Mesmo sendo seu objeto "amarrado" a um tempo, a um local e às sociedades que então viveram ali, caberá ao historiador decidir que escala temporal, que escala espacial e que escala social usará para pensá-lo e apresentá-lo. Precisará, então, dentro de um universo tecnicamente infinito, recortar seu objeto, para começar a estudá-lo. Ao fazer isto, terá focado seu objeto. Podemos, portanto, acrescentar mais uma definição a nosso rol. Consideraremos o foco de um historiador sobre seu objeto como o conjunto quíntuplo composto por um objeto histórico, pelas três escalas de localização (temporal, espacial e social) e por um conjunto de fontes. Poderíamos talvez acrescentar os outros aspectos da prática historiográfica, como teoria e argumentação, mas 31

Alguns insistiriam em dizer existência de um objeto. Como afirmamos no início, não cremos que o enfoque epistemológico altere o que estamos expondo. Para referência, o Dicionário Houaiss define: "objeto 1. coisa material que pode ser percebida pelos sentidos 2. coisa mental ou física para a qual converge o pensamento, um sentimento ou uma ação 3. assunto sobre o qual versa uma pesquisa ou ciência 4. móvel de um ato; agente, motivo, causa (...) 6. objetivo 7. FIL qualquer realidade investigada em um ato cognitivo, apreendida pela percepção e/ou pelo pensamento que está situada em uma dimensão exterior à subjetividade cognoscente (≠ sujeito) (...) 9. MAT tudo que é definido ou postulado em uma teoria matemática (...) 11. PSIC aquilo que é discriminado no ato de percepção, representação ou pensamento pela universalidade dos indivíduos independente dos desejos e opiniões destes (...)". (Houaiss & Villar 2001) - 29 -

preferimos deixá-los fora da noção de foco, para serem incorporados somente no processo de produção historiográfica, no pensamento do historiador e na sua apresentação do objeto. Com isso, acreditamos manter uma seqüência de atitudes e conceitos que reproduzem o trabalho historiográfico: a) o historiador seleciona um objeto/tema, b) transforma esse objeto/tema em objeto histórico ao examiná-lo a partir de um foco específico, e c) produz sua apresentação/narrativa historiográfica, ao tratar seu objeto histórico segundo considerações teóricas, apoiadas numa argumentação. Em todas essas etapas estará absolutamente livre em suas escolhas, mas, em seguida, sua produção enfrentará um público, seja acadêmico, seja geral, que irá julgá-lo segundo considerações próprias e flutuantes. É sobre este foco que nosso historiador irá pensar e escrever. A Figura 2.1 abaixo traz uma representação gráfica desse foco quíntuplo, onde o objeto é compreendido pela conjugação das escalas de localização e do recorte das fontes.

EIXO

ESCALA

TEMPORAL

RECORTE

FONTES POSSÍVEIS

EIXO

FONTES ESCOLHIDAS

RECORTE

OBJETO RECORTE

SOCIAL

RECORTE

EIXO

ESCALA

ESCALA

ESPACIAL

Figura 2.1 – Representação gráfica do FOCO: a conjunção de objeto, escala temporal, escala espacial, escala social e fontes.

Vejamos, agora, como poderiam ser classificados os focos do historiador. É interessante estendermos a analogia para perceber que não só o objeto é "iluminado" a partir de cada escala escolhida, como o próprio objeto, por sua vez, "ilumina" cada uma das escalas, tornando-se uma instância das possibilidades daquela escala particular, num dos processos

- 30 -

iterativos pelos quais a historiografia evolve, com sucessivas gerações de historiadores reafirmando, contrapondo-se ou superando idéias, métodos e intenções das anteriores32. Como vimos acima, de cada tipo de eixo (por exemplo, temporal), existem diversas variantes possíveis (no caso de eixos temporais, o eixo logico-matemático, o eixo braudeliano etc.). Cada um desses eixos específicos é composto por uma seqüência de escalas. Encontramos, portanto, uma grande diversidade de escalas, de todas as variantes, de todos os tipos de eixos. Se imaginarmos as possíveis combinações que incluam uma escala de cada um dos três tipos de eixos (isto é, uma escala temporal, uma escala espacial e uma escala social), além de uma abordagem própria, chegaremos facilmente a centenas ou mesmo milhares de alternativas. Esta é uma maneira de se imaginar o universo conceitual que acompanha o historiador enquanto ele desenvolve seu estudo e constrói seu relato historiográfico. Mesmo que se queira listar um elenco de escalas e suas possíveis combinações, dificilmente se chegaria, por este caminho "censitário", a conclusões produtivas. Preferimos analisar, como exemplo, algumas combinações de somente dois eixos, um número "manuseável" de dimensões, para ilustrar esse universo de combinações.

3. 2.

C OM B INAÇ ÕES DE E SC ALA S

A combinação mais natural cruza escalas temporais e escalas espaciais: onde fica nosso objeto e durante quanto tempo estaremos atentos a ele ? A Figura 2.2 abaixo ilustra alguns focos conhecidos, referenciados a esses dois eixos. Percebemos, de imediato, que existem combinações consideradas "fora da historiografia". Estas se referem ou a perspectivas temporais muito curtas, quando combinadas com escalas espaciais mais amplas, ou a escalas temporais muito extensas, mas referidas a escalas espaciais restritas. Quase todas as demais combinações poderão ser tratadas historiograficamente, embora a maior produção se localize hoje em dia no conjunto

HISTÓRIA MONOGRÁFICA.

Incluímos outros

conjuntos, cujas combinações de escala temporal e escala espacial são bastante claras: HISTÓRIA (lato

MICRO-

sensu), HISTÓRIA SÍNTESE E HISTÓRIA ECOLÓGICA.

32

Do Dicionário Houaiss: "foco (...) 4. FIG ponto para o qual converge alguma coisa 5. FIG ponto central de onde provém alguma coisa (...)" (Houaiss & Villar 2001). - 31 -

ESCALAS ESPACIAIS

O MUNDO

ZONA FORA DA HISTORIOGRAFIA

HISTÓRIA ECOLÓGICA HISTÓRIA SÍNTESE

CONTINENTES PAÍSES UM PAÍS

HISTÓRIA MONOGRÁFICA

UMA REGIÃO ZONA FORA DA HISTORIOGRAFIA

MICRO-HISTÓRIA

UMA LOCALIDADE UMA PROPRIEDADE 1

10

100

1.000

10.000

100.000

ESCALAS TEMPORAIS (EM ANOS)

Figura 2.2 Alguns focos historiográficos, referenciados ao eixo temporal e ao eixo espacial

Podemos fazer comparação análoga entre escalas sociais e escalas temporais, conforme mostra a Figura 2.3, abaixo, na qual transparece a semelhança de posicionamentos entre as escalas espaciais e sociais. Será que isso corresponde efetivamente à realidade dos estudos ? Ou seja, qual a relação entre as possíveis seqüências de escalas espaciais, sucessivamente mais abrangentes, e as possíveis seqüências de escalas sociais ? ESCALAS SOCIAIS

A HUMANIDADE

ZONA FORA DA HISTORIOGRAFIA

HISTÓRIA ECOLÓGICA

VÁRIAS NACIONALIDADES

HISTÓRIA SÍNTESE

UMA NACIONALIDADE VÁRIOS GRUPOS

HISTÓRIA MONOGRÁFICA

UM GRUPO MICRO-HISTÓRIA

ZONA FORA DA HISTORIOGRAFIA

UMA FAMÍLIA UM INDIVÍDUO 1

10

100

1.000

10.000

100.000

ESCALAS TEMPORAIS (EM ANOS)

Figura 2.3 Alguns focos historiográficos, referenciados ao eixo temporal e ao eixo social

Em ambos os eixos, temporal e espacial, existem múltiplas possibilidades de escalas e a totalidade máxima também é a mesma, o planeta, no caso espacial, e a humanidade, no caso social. Podemos identificar, além disso, certas escalas espaciais e sociais que se mantêm próximas em alguns degraus: os indivíduos, as famílias e até grupos sociais maiores, na grande

- 32 -

maioria das situações, podem ser localizados espacialmente de modo bastante claro, mantendose, portanto, colados nos dois tipos de escalas. Por outro lado, enquanto as possíveis escalas espaciais redesenham fronteiras de diversas formas, criando sub-espaços contíguos que sempre se somam para chegar à área total do planeta, as escalas sociais reordenam os indivíduos e conjuntos de indivíduos segundo qualquer regra imaginável, não autorizando uma correspondência regular entre elas e as escalas espaciais. Ou seja, enquanto uma escala "familiar-nacional"33: INDIVÍDUO

d FAMÍ LIA d GRUPO d NACIO NALIDAD E d HUMANIDAD E

se mantém, certamente, associada à escala espacial correspondente em todos seus degraus, uma escala "familiar de classes": IN D IVÍD UO

d FAMÍLIA d CLASSE d HUMANIDADE

pode ser associada a uma escala espacial nos seus dois primeiros degraus, mas perderá essa correspondência nos degraus em que o recorte envolve a noção de classe, que atravessam as fronteiras espaciais, só recuperando alguma correspondência no último degrau.

ESCALAS ESPACIAIS O MUNDO UM PAÍS UMA REGIÃO UMA LOCALIDADE UMA PROPRIEDADE INDIVIDUO

FAMILIA

GRUPO

NAÇÃO

HUMANIDADE

ESCALAS SOCIAIS

ESCALAS ESPACIAIS O MUNDO UM PAÍS UMA REGIÃO UMA LOCALIDADE UMA PROPRIEDADE INDIVIDUO

FAMILIA

CLASSE

HUMANIDADE

ESCALAS SOCIAIS

Figura 2.4 Comparação gráfica entre dois recortes sociais diferentes, associados ao mesmo recorte espacial, em que a área escura indica uma alta correspondência entre os membros dos dois recortes, enquanto a área quadriculada indica uma correspondência somente parcial, ficando alguns membros do recorte espacial distribuídos em diversos recortes sociais.

33

Um detalhe de notação: estamos usando aqui o símbolo "d " empregado para indicar que uma entidade é um subconjunto de outra (em oposição a ser elemento de um conjunto), sem querer, com isso, entrar em considerações matemáticas sobre o assunto, pouco relevantes a nossa discussão. - 33 -

Cabe um cuidado, aqui, pois, mesmo que o conjunto máximo seja o mesmo nos dois casos, estaremos tratando de entidades subdivididas de formas absolutamente distintas, devendo apresentar, conseqüentemente, diferentes características analíticas. A mesma precaução vale, inversamente, quanto aos indivíduos e famílias, que pertencerão a entidades diferentes, nos degraus intermediários da escala. Tais representações gráficas são, no entanto, meramente heurísticas, pois dificilmente se poderia generalizar uma tipologia de combinações, fazendo associações diretas entre contextos teóricos distintos, mesmo quando qualificados pelo mesmo termo, por exemplo, "pátria" numa argumentação da Igreja Pozitivista ou simplesmente assemelhada ao conjunto de cidadãos de um país qualquer. Uma outra questão que surge ao se considerar as possíveis combinações de escalas é a da compatibilidade entre degraus de escalas em eixos diversos, como base para estudos historiográficos. Exemplos de casos extremos: uma localidade ao longo de mil anos ou um país inteiro analisado em escala familiar. As Figuras 2.2 e 2.3 mostram, aproximadamente, as áreas fora de consideração para estudos historiográficos e indicam que existe uma tendência à compatibilidade de escalas, no sentido de que um foco histórico geralmente se compõe de degraus "compatíveis", isto é, com referenciais espacial ou temporalmente próximos. Exemplos seriam a combinação de duas escalas nacionais (país – cidadãos desse país) ou a combinação de escalas da World History (mundo-humanidade). Esta associação não é rigorosa, mas decorre de questões por vezes bastante práticas34. Há também a necessidade de se compatibilizar aspectos conceituais com o foco escolhido, de forma a produzir um entendimento mínimo. Por exemplo, estudar o Brasil tendo como único grupo analítico "os brasileiros" significa reduzir todos a certas características médias ou restringir-se a banalidades sem relevância ("a maioria dos brasileiros nasceu no Brasil e fala português" !) ou opor esses “brasileiros” a “estrangeiros”, genéricos ou particulares, mas igualmente banais, quando qualquer sambista reconhece as diferenças mais sutis: "O distinto quando samba se rebola no salão / mas a ginga do malandro não é rebolado, não" (do samba Malandro Bamba, de Pedro Caetano, cantado por Cyro Monteiro)

34 Para manter nossa terminologia, poderíamos considerar, dentro do eixo social, uma primeira escala, "sem ninguém", dentro da qual se encaixariam estudos onde não há participação dos homens, como a história do clima, por exemplo. Não vamos esquecer, contudo, que, até nessa seara deshumanizada, a civilização moderna já se impõe como participante decisivo, mesmo que no papel de "vilão".

- 34 -

Todo texto histórico precisa trabalhar sobre distinções ou oposições para daí tirar suas conclusões35. A própria seleção dessas distinções não somente traz embutida uma concepção teórica, mas, muitas vezes, já encaminha as conclusões36.

3. 3.

M IC R OFOC O E M AC R OFOC O

De um modo geral, poderíamos qualificar de "micro" qualquer escala próxima ao limite inferior (de menor duração, de menor abrangência espacial ou envolvendo conjuntos com menor número de indivíduos) de um eixo e, inversamente, de "macro", as escalas próximas ao seu limite superior. Essa compreensão mais intuitiva corresponde, em grande parte, ao uso comum desses termos. Sem entrarmos na aplicação da expressão à microstoria, essa oposição (ou, melhor, esses extremos) de escalas merece(m) comentário pois atravessam muitas das polêmicas da historiografia e se superpõe(m) a outras oposições (ou duplas de extremos) fundamentais: estrutura–evento, teoria–descrição, dedução–indução... Em primeiro lugar, é importante repetir a distinção entre escala e foco. Tomando um exemplo do microfoco: dentro do contexto descrito aqui, teríamos também três tipos básicos de micro-escalas (temporal, espacial e social). Sendo possível identificar diversas escalas de cada tipo, também teremos diversas micro-escalas diferentes. Quando é feita alguma referência a "micro", contudo, trata-se em geral de uma referência simultânea a vários desses eixos, ou seja a várias escalas combinadas para gerar o que chamaremos aqui de um microfoco. Consideramos que essa nova polissemia explica algumas das dificuldades encontradas nas discussões sobre micro-história. É interessante comentar que, no extremo oposto – do "macro" – o termo, também polissêmico, é muito mais usado para significar uma abordagem feita através de categorias agregadas ou teóricas abrangentes do que simplesmente estudos sobre grandes extensões territoriais ou populações numerosas.

35

Podemos citar como exemplo a oposição entre a atitude espanhola e a atitude portuguesa nas Américas, feita por Sérgio Buarque de Holanda no último capítulo de seu Visão do Paraíso (Holanda 2000 p.383-403). 36 Maria Odila Dias elogia a obra de Sérgio Buarque de Holanda justamente por ser "...um conhecimento polêmico e engajado [que] chega a uma visão de conjunto por meio da percepção de fenômenos para os quais não formula hipóteses iniciais" pois "A historiografia do Império foi durante muito tempo matriz do estudo das instituições políticas e do discurso fundador da nacionalidade. (...) Era impossível dentro desta visão de sistema, de equilíbrio maior de uma sociedade, que se via do prisma do poder, chegar a documentar a pluralidade, as diferenças, os regionalismos, as conjunturas, que envolviam modos de sobrevivência de grupos sociais oprimidos." (Dias 1998 p.12-13) - 35 -

Podemos supor que a polaridade

MICRO–MACRO,

em conceito, embora não em termos, exista

desde os antigos historiadores e seus relatos de monarcas, pois os eventos individuais comentados (micro) eram apresentados, reunidos, como a "história do reino" ou da tribo (macro). Até o iluminismo, variantes desse entendimento dominaram a historiografia. Uma compreensão diferente de "macro" surgiu, de fato, concomitantemente ao desenvolvimento dos sistemas estatísticos "nacionais", associando o termo a agegados estatísticos37. O próximo componente a ser incorporado à polissemia do termo iria surgir somente com a École des Annales e suas noções de estrutura e de longa duração. Que sentidos podemos distinguir para a polaridade MICRO-MACRO ? A primeira noção é a do MACRO como continente ou como agregação de micro entidades, isto é, como conjunto formado por essas micro entidades: um século composto de décadas, um país composto de estados ou municípios, o conjunto de cidadãos de um país composto por subconjuntos de cidadãos que nasceram ou residem nesses estados ou municípios. A segunda noção, muito próxima porém distinta da primeira, refere-se à contagem dos elementos desses conjuntos. O

MACRO

aqui é somente um número, igual à soma das quantidades de micro

entidades consideradas: a população total de um país é igual à soma das populações de suas subregiões. Uma terceira noção, muito confundida com as duas primeiras, tem no

MACRO

um conceito

genérico, que pode até vir a ser desmembrado em micro elementos. Representa, portanto, algo teoricamente distinto desses micro elementos. Um bom exemplo é o conceito de classe: seria possível identificarem-se seus elementos individuais e, portanto, contá-los, mas nem por isso "burguesia francesa", por exemplo, deve ser compreendida meramente como a soma dos "burgueses" da França. Tampouco se deve supor iguais, sem qualificativos precisos, tal noção e conceitos empíricos (no exemplo anterior, igualar "burguesia francesa" ao "conjunto de franceses com renda acima de x mil francos anuais" ou ao "conjunto de franceses donos de empresas com mais de y empregados"). Nesse contexto teórico, é importante procurar associar ao macro seus 37 (Martin 2001) descreve o surgimento dos sistemas estatísticos como uma conjugação de três tradições: a) a francesa: "Ao lado de suas motivações ligadas às necessidades de administração e de controle do território e dos súditos do reino, e ao menos durante os regimes monárquicos, os empreendimentos de contagem tiveram um outro objeto: a educação do príncipe." b) a inglesa: "A aritmética política inglesa (...) a partir da segunda metade do século XVII, tem olhares teóricos precisos: conseguir calcular os fenômenos relativos à cidade a fim de fornecer instrumentos matemáticos quantitativos aos governantes." e c) a alemã: "Por sua vez, a Statistik alemã tinha por ambição principal o conhecimento sintético de toda sociedade humana (burgo, cidade, região ou Estado): ela visava alcançar a 'potência singular' desta sociedade pela descrição de todos os seus traços (clima, geografia, poderes e atividades econômicas, recursos naturais, demografia, poderes políticos etc.), pelo conhecimento de sua 'morfologia'. Os produtos desta abordagem, fortemente empíricos e pouco explicativos, não eram necessariamente (e mesmo raramente) quantitativos: no essencial, eram de natureza literária."

- 36 -

micro elementos compatíveis, isto é, também pertencentes ao mesmo quadro teórico. Como toda noção que envolve amarras teóricas importantes, essa acepção de

MACRO

e

tem alta

MICRO

capacidade de gerar confusões semânticas e ideológicas. É possível distinguir uma quarta acepção para a polaridade, em que fugidio, a eventos, e

MACRO

MICRO

fica associado ao

ao permanente, a estruturas. Tal associação, sem dúvida surgida

junto com a conceituação da longa duração braudeliana, apoia-se na combinação de macro escalas – temporal, espacial e social – envolvidas no conceito estrutural dos annalistes. Inversamente, a noção de MICRO fica também associada a três escalas, agora micro-escalas, o que ocorre em especial no termo micro-história. Supõe-se, assim, por transferência, que uma oposição entre micro-história e história das estruturas e das longas durações seja análoga à polaridade microescala–macroescala. Um último uso do termo, impreciso e coloquial, simplesmente opõe

MACRO

a

MICRO

praticamente como sinônimos de grande e pequeno. Vemos, portanto, que existe uma multiplicidade de sentidos para os termos

MICRO

e

MACRO,

compondo conseqüentemente múltiplas polaridades MICRO-MACRO. No quotidiano, os termos são por vezes usados, inclusive, com um sentido para o polo MICRO e outro para o polo MACRO ! Ao se imbricar com a polissemia usual referente à noção de escalas, esses diversos sentidos geram usos desordenados e nem sempre coerentes para as idéias que procuramos definir aqui através dos termos foco, escalas e eixos.

3. 4.

E VENT O E ES TR UTU R A

Abordaremos esse tema em seguida a “microfoco e macrofoco” para reforçar as semelhanças entre essas polaridades. Partimos da dupla

EVENTO–ESTRUTURA,

procurando mostrar suas

relações com outras duplas conspícuas: a primeira HISTÓRIA-NARRATIVA – HISTÓRIA-PROBLEMA e a segunda DESCRIÇÃO–TEORIA. Começando por “evento”, temos a descrição inspirada de François Furet: “Car l’événement de cette histoire [biographique et politique], c’est un moment. C’est même ce qui le caractérise par excellence: il est ce point de temps unique où quelque chose ce passe qui n’est réductible ni à ce qu’il y a eu avant, ni à ce qu’il y aura après. Ce ‘quelque chose’, c’est-àdire le fait historique revêtu de cette dignité d’événement, n’est jamais comparable, rigoureusement parlant, à un fait antérieur ou postérieur, puisque c’est son caractère empiriquement unique qui en fait l’importance: la bataille de Waterloo ou la mort de Staline ne - 37 -

sont arrivées qu’une seule fois, ne sont comparables à aucune autre bataille, à aucune autre mort, et elles ont transformé l’histoire du monde.” (Furet 1982 p.74)

Temos, assim, um foco com escala pontual nos dois eixos, temporal e espacial. Quanto ao eixo social, o acontecimento poderá ser relativo a um indivíduo ou a multidões. Embora cada historiador possa privilegiar certos aspectos de um evento, há um conjunto significativo de aspectos de cada evento que se tornam firmados e, a menos de novas descobertas ou reinterpretações, válidos para qualquer pesquisador e, conseqüentemente, definidores daquele evento. Entretanto, o acontecimento em si não constitui um fato histórico. Como disse F.Furet, os fatos não se classificam em eventos e não-eventos. “A história é um evento permanente.” (Furet 1982 p.75) Cada evento torna-se “histórico” na medida em que é colocado dentro de um contexto, de uma narrativa histórica, pelo historiador. Na historiografia até meados do século XIX e início do século XX, esta narrativa encadeava eventos, no que passou a ser conhecido como histórianarrativa. Ainda segundo F.Furet, tratava-se de uma história teleológica, pois “mesmo que único e não comparável por natureza, o evento ganhava significado por sua posição no eixo da narrativa, isto é, do tempo”, onde “somente o fim da história permite escolher e compreender os eventos que a compõem”. Constituía uma abordagem focada essencialmente no curto prazo, sobre escalas micro-temporais. Escalas macro-temporais seriam compostas por simples seqüenciamento, agregação ou generalização de micro-escalas. Esta narrativa não excluía conceituações, embora estas não fossem explicitadas: “... l’histoire-récit est la reconstruction d’une expérience vécue sur l’axe du temps: reconstruction inséparable d’un minimum de conceptualisation, mais cette conceptualisation n’est jamais explicitée. Elle est cachée à l’intérieur de la finalité temporelle qui structure tout récit comme son sens même.” (Furet 1982 p.76)

Ao buscar fugir dessa história-narrativa, a École des Annales, como se sabe, criou e desenvolveu a história-problema, abandonando o evento como sua matéria-prima em busca de outras matérias-primas mais “estruturáveis”, pelo que se afastou da lógica “muita particular da narrativa, do post hoc ergo propter hoc” (Furet 1982 p.77)38. A força motriz da prática historiográfica deixava de ser as fontes, “testemunhas” de fatos históricos pré-existentes, transferindo-se para o problema imaginado pelo historiador. As fontes 38

“... a grande renovação teórica propiciada pela reconstrução do tempo histórico pelos Annales foi a históriaproblema. Ela veio se opor ao caráter narrativo da história tradicional. Ela veio reconhecer a impossibilidade de se ‘narrar os fatos tal como se passaram’. Reconhece-se que não há história sem teoria. A pesquisa histórica é a verificação de respostas-hipóteses possíveis a problemas postos no início. Nela, o historiador sabe que escolhe seus objetos no passado e os interroga a partir do presente. Ele explicita a sua elaboração conceitual, pois não pretende se apagar na pesquisa, em nome da objetividade.” (Reis 2000 p.25) - 38 -

não ficavam desprezadas, mas, de testemunhas, tornam-se coadjuvantes na argumentação, coadjuvantes necessários, mas claramente subordinados ao problema posto. Neste sentido, a historiografia adquire um grau adicional de subjetividade, decorrente da imaginação problematizadora do historiador. Isso não significa, contudo, que imputamos ao antigo historiador uma maior “objetividade empírica”; sua subjetividade ficava restrita a outros aspectos, como escolha das fontes, escolha de categorias interpretativas, escolha vocabular e de narrativa – decisões subjetivas, aliás, que todos os historiadores têm em comum. Simultaneamente, a história busca novos temas, aproxima-se dos métodos das ciências sociais e sagra como fontes documentos, objetos, imagens e idéias até então desconhecidas nos rodapés e bibliografias39. A quantificação torna-se requisito de análise e de exposição, pois “Os historiadores deveriam ... se afastar do único, do acidental (o indivíduo, o acontecimento, o caso singular) para investir na única coisa que poderia tornar-se objeto de um estudo científico: o repetitivo e suas variações, as regularidades observáveis a partir das quais seria possível induzir leis.” (Revel 1998 p.17)

E esse problema-guia, o historiador só poderá definir a partir dos recortes que operar nos eixos temporal, espacial e social. As escalas, de simples etiquetas para um contexto determinado pela fontes, na história-narrativa, transformam-se, na história-problema, em auxiliares na definição do objeto-problema e também em variáveis integrantes das possíveis soluções. Um problema formulado em torno de fato ocorrido no Brasil, em 1822, deverá ser considerado sob outros pontos-de-vista além de sua localização e data. O historiador é forçado a se perguntar se, para compreendê-lo, basta olhar para o ano de 1822 ou deve examinar a década ou talvez o século que lhe antecedeu. Será suficiente saber o que acontecia na corte ou precisará examinar eventos nas províncias ou talvez até em países vizinhos ? Não se trata meramente de comparações ilustrativas; as respostas a essas perguntas serão decisivas no encaminhamento de sua argumentação e na resposta que dará ao problema concebido ao redor do evento pontual. E quem deverá ele acompanhar ? O príncipe D.Pedro e sua entourage ? Reinóis na corte ou brasileiros educados em Lisboa ? Agricultores fluminenses ou banqueiros ingleses ? Dará precedência a personagens individuais ou a grupos ?

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“Essa abertura e ampliação do campo dos objetos, das fontes e técnicas históricas, estão associadas à inovadora proposta teórica da história-problema. O historiador não estaria mais submetido à tirania da heurística. (...) sem um sujeito que pesquisa, sem o historiador que procura respostas para questões bem formuladas, não há documentação e não há história. É o problema posto que dará a direção para o acesso e construção do corpus necessário à verificação das hipóteses que ele terá suscitado. A história-problema devolve ao historiador a liberdade na exploração do material empírico. (...) Ele é um construtor, recortador, leitor e intérprete de processos históricos.” (Reis 2000 p.24)

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A partir da decisão sobre que recortes temporal, espacial e social irá utilizar, o historiador poderá montar sua argumentação. Ao buscar reforçar seu argumento, talvez precise inverter o processo, alterando algum recorte inicial. As escalas deixam de ser somente uma identificação dos problemas, passam a integrar as soluções. Além disso, a história-problema impõe teoria onde a história-narrativa se contentava com descrição. Pede estruturas mais permanentes, onde bastava uma seqüência de eventos. Quais as relações de descrição e teoria com foco e escalas ? Johan Huizinga, no início do século XX, para não ir mais longe, já explicitava as ambigüidades entre descrição e síntese, que percebia no cotidiano dos historiadores40. Nos tempos da histórianarrativa, esta polaridade havia mantido a história afastada da sociologia; enquanto o sociólogo teorizava, o historiador preocupava-se “em descrever os fatos”. Ao adotar a história-problema, a historiografia optou por se aproximar das ciências sociais. A aproximação da geografia deu-se por ímpeto próprio, pela inevitabilidade do contexto temporal-espacial. Por outro lado, a história talvez tenha sido empurrada para perto da antropologia por imposição externa, como parece indicar a gênese (ou, com maior propriedade, a consolidação) da noção de longa duração, ao longo do debate entre historiadores, Braudel à frente, e antropólogos, comandados por LevyStrauss. Segundo F.Falcon, em conferência sobre F.Braudel, este teria expandido seu conceito na direção das críticas estruturalista, para manter o caráter temporal, histórico, da história, ainda que incorporando certo grau de estruturalismo, atemporal, do que resultou sua criação mais conhecida. A proposição dos três níveis, da longa duração, da conjuntura e dos acontecimentos, teria sido o desenvolvimento lógico para fazer a ponte entre a "história imóvel" e os acontecimentos (Falcon 2003). Alban Bensa resume e fecha essa primeira aproximação: “O encontro das duas disciplinas, quando a longa duração se eternizou na estrutura, permaneceu contudo problemática. (...) Mas os estruturalismos antropológicos e históricos, quer procurassem aliar-se, quer procurassem distinguir-se, logo seriam descartados, sem que que a razão fosse dada a nenhum dos dois.” (Bensa 1998 p.40)

40 "We constantly return to that series of polarities between which historical thought must operate. Does history strive after knowledge of the particular or of the general, of the concrete or of the abstract, of the unique or of the repetitive ? Does historical knowledge consist in graphic presentation or in concepts ? Is the aim of historical method analysis or synthesis, its subject the individual or the mass, particular actions or collective ? / (...) by reason of its natural bent historical sense always inclines toward the particular, the graphic, the concrete, the unique, the individual.(...) On the other hand, we have already seen that for historical understanding, indeed, for an understanding of life itself, the particular must always relate to something more general, that it is always general compared with the still more particular. The unique event is comprehensible only in its general context. (...) The concrete can be distinguished only by means of the abstract. Presentation and idea are not diametrically opposed. / Once this polarity of historical knowledge is thoroughly understood (...) To all these apparently contradictory questions (...) the answer is clear. Both, the one contained within the other." (Huizinga 1950 p.297-8)

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Um dos debates que se seguiram, em torno da micro-história, contém uma extensão das polêmicas entre história e antropologia, entre os polos "estruturais" e "descritivos"41.

4. MICR O-H IS TÓRI A E ESC ALAS

4. 1.

HIST ÓR I A DO E SPE C ÍFI C O E M IC R O-HIST ÓR I A

Antes de abordar o tema escalas nos textos que passaram a constituir o que hoje se denomina micro-história, vale lembrar textos e autores que, apesar da associação ao micro, representam tradições e práticas historiográficas bem distintas. Veremos que, mesmo adotando o que se poderia classificar de micro foco, esses textos escapam aos métodos e intenções da tradição da microstoria.42. O próprio Carlo Ginzburg43 identificou o que seriam os primeiros usos do termo micro-história com significado de história com micro foco num autor norte-americano, George R. Stewart, que o empregou no subtítulo de seu livro de 1959: Pickett’s Charge. A Microhistory of the Final Attack at Gettysburg, July 3, 1863. Trata-se de foco minúsculo sobre os eventos de um único dia, em torno da cidade de Gettysburg, notabilizado pela infrutífera carga de cavalaria comandada pelo general confederado George Pickett. Interessantemente, o termo também seria utilizado, pelo autor mexicano Luis González y González em 1968, como subtítulo de sua história de um pequeno vilarejo ao longo de quatro séculos ! Agora, uma micro escala geográfica, combinada com extensa escala temporal. Edoardo Grendi, por seu lado, também lembra o uso do termo na década de 60 para caracterizar a história local inglesa44.

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"... assistimos à reedição de um velho debate ..., mas que evidentemente se reveste agora de características totalmente diversas, consagrando definitivamente a vitória de um certo olhar antropológico na pesquisa histórica. Nas palavras de Edoardo Grendi, ... a abordagem micro-histórica estaria indelevelmente marcada pelo signo da antropologia na medida em que educou seu olhar para ver o passado a partir de uma perspectiva de estranhamento, vendo-o como efetivamente uma terra estrangeira..." (Guimarães 2000 p.218) 42 Em boa parte do que segue, estaremos nos baseando num texto sem autor identificado, publicado na internet como editorial do site espanhol www.tepatoken.com (Tepatoken 2003). 43 Em Microstoria: due o tre cose che so di lei. Torino: Quaderni Storici, v.XXIV(2), n.86, 1994, p.511-539. Referência em (Lima Filho 1999 p.411). 44 (Grendi 1998 p.252). - 41 -

Ainda contrastando com o significado que iria adquirir através dos italianos, o termo foi empregado por F.Braudel como sinônimo de história évenementielle45. Esses sentidos, hoje considerados negativos, iriam perder espaço com a divulgação do termo por Giovanni Levi, em seus debates com Edoardo Grendi, defensor do termo micro-análise. Ainda hoje, após quase 30 anos de discussões e polêmicas em torno da prática da micro-história, percebe-se que a gama dos métodos historiográficos continua a abranger textos produzidos a partir de intenções diversas, referidas ou não ao termo micro-história, mas dirigidas a micro focos. Como exemplos, podemos citar desde o capítulo de V.Gatrell sobre “The rape of Elizabeth Cureton. A microhistory”, parte de sua história das execuções na Inglaterra, entre 1770 e 1868 (Gatrell 1994), em que relata, como case-study, os eventos relacionados àquele episódio, até, um texto como Montaillou, de E. Le Roy Ladurie (Ladurie 1982), que foca sobre um pequeno vilarejo ao longo de várias décadas, mas com uma perspectiva ampla, não só de reconstituição de eventos, mas também de interpretação de mentalidades de toda uma região e época. É importante mencionar que a micro-história influenciou diversas comunidades de historiadores mundo afora e que possivelmente esta influência tem sido conseqüência mais freqüentemente da perspectiva de redução de escala do que de outros aspectos de sua metodologia. Um exemplo típico são os estudos de história local na França, decididamente tributários da micro-história46, mas dirigidos a suprir interesses bem diversos das intenções da microstoria. Nesse caso, um número crescente de historiadores formados que passaram a atuar fora das instituições acadêmicas, combinado com a busca de preservação da memória local por prefeituras, governos regionais e associações patrimonialistas, vem produzindo grande quantidade de estudos focados sobre cidades e regiões francesas, mas em nada mais ligados à tradição de micro-história (Vadelorge 2003). Em que o uso de micro escalas por historiadores mais próximos à tradição da micro-história se diferencia das múltiplas abordagens que, em comum com ela, só têm o fato de adotarem um micro foco ?

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“Seria muito fácil pôr em correspondência, termo a termo, o que tentam os sociólogos e o que nós, historiadores, fazemos; a sociologia do conhecimento e a história das idéias; a micro-sociologia e a sociometria de uma parte, e de outra, a história de superfície, dita factual, essa micro-história onde são vizinhos o fato corriqueiro e o evento brilhante, explosivo, sociodrama, a bem dizer, e que pode se estender às dimensões de uma nação ou de uma mundo...” (Braudel 1992b p.100). 46 “Trois facteurs me semblent toutefois renforcer le statut de l’histoire locale au sein de l’historiographie française depuis les années 1970. Le premier est l’incontestable écho de la micro histore italienne, révélée aux historiens français dans les années 1980.” (Vadelorge 2003) - 42 -

4. 2.

M IC R O E SC ALA C OM O E XPE R I M E N TO

Seja pelo próprio nome, seja pelo conteúdo dos debates na qual surgiu e se firmou, a prática da micro-história centra-se necessariamente sobre considerações de escalas. Jacques Revel descreve como cresceu a reação à história na tradição dos Annales, enfatizando três características que marcaram essa tradição e contra as quais se deu a reação: a mensuração de fenômenos sociais a partir de indicadores simplificados, a busca de regularidades acima dos eventos acidentais e uma tendência a reificar seus objetos de trabalho, que teriam perdido seu caráter experimental e hipotético (Revel 1989). Henrique E. R. Lima Filho, em sua tese Microstoria. Escalas, indícios e singularidades (Lima Filho 1999), indica que o “cansaço” com esses métodos se congregou em preocupações com “o tamanho dos objetos de estudo”. Essas reações aos processos globais e à longa duração tornaram-se um dos pilares da historiografia que veio a ser chamada de micro-história. “A microstoria pode ser pensada...no interior de um conjunto mais amplo de discussões que constituíram o contexto da disciplina histórica nas últimas décadas. Este panorama geral seria marcado, presumivelmente, pelo deslocamento desde uma perspectiva histórica mais globalizante, preocupada com as continuidades dentro de processos históricos longos e largos espaços geográficos, em direção a um recorte mais circunscrito e voltado sobre as trajetórias individuais e de grupo.” (Lima Filho 1999 p.3)

Para procurar entender as relações da micro-história com escalas, podemos deixar de lado interpretações cuja tônica seja simplesmente restringir o tema, no tempo, no local e em seus personagens. Isto também acontece na micro-história, mas não é suficiente para caracterizá-la. Os historiadores italianos cujos textos formaram a prática da micro-história tinham inegavelmente em comum duas características que marcaram essa abordagem: preocupações com aspectos sociais, originárias de formações marxistas, e interesse pela história local, por opção decorrente de seus vínculos regionais (Lima Filho 1999 p.20-34). A primeira dessas características transparece claramente nos temas escolhidos por esse grupo, dirigidos para a compreensão dos processos e mentalidades ligadas a personagens populares ou anônimos, em oposição às elites. À medida que o programa da micro-história se expandiu por outros países, entretanto, esse foco foi ampliado, passando a abranger também personagens pertencentes às elites. Hoje em dia, ao examinar-se o amplo leque de estudos que buscam associar-se à microhistória, essa característica ainda se mostra dominante, mas não exclusiva. A segunda característica, de foco sobre história local, casou-se diretamente com a perspectiva sobre um indivíduo ou sobre um pequeno grupo de indivíduos, quase sempre residentes numa única localidade. Esses dois aspectos não determinam, no entanto, o que viria a ser a micro-história. - 43 -

A idéia de “redução de escala como experimento” é o ponto de partida preferencial: analisar um indivíduo ou um grupo de indivíduos não porque se trate de uma opção possível ou meramente desejada, mas porque isso levanta novos problemas e oferece novas perspectivas sobre certos ambientes históricos. Como explica J.Revel: "... a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimento. Variar a objetiva não significa apenas aumentar (ou diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modificar sua forma e sua trama. (...) Notemos ... que a dimensão "micro" não goza ... de nenhum privilégio especial. É o princípio da variação que conta, não a escolha de uma escala em particular." (Revel 1998 p.20)

Tal compreensão não surge automaticamente da simples alteração de escalas. É um procedimento necessário para extrair do objeto de estudo uma realidade plurifacetada e não meramente contextualizada num ambiente maior. A micro-história mostrava-se, pelo menos nisto, herdeira e continuadora da preocupação annaliste com a construção historiográfica através do enunciado e da solução de problemas. Complementando essa redução intencional de escala, surgiram, desde o início, duas abordagens micro-históricas distintas, protagonizadas principalmente por Carlo Ginzburg e Edoardo Grendi47. Ginzburg buscou, por esse caminho, reconstruir um universo cultural específico, com uma preocupação essencialmente hermenêutica. Seu livro O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição (Ginzburg 1987) tornou-se emblemático dessa linha. Grendi, por outro lado, teve por objetivo a reconstrução das redes interpessoais de certo ambiente, aproximando-se mais das ciências sociais. Seus estudos sobre o movimento operário inglês são o marco dessa abordagem. O próprio Grendi faz a distinção: “Na outra vertente da microanálise histórica – a da contextualização social, para distingui-la da contextualização cultural de Ginzburg –, seriam outros tipos de procedimentos analíticos que se mostrariam operacionais; eles se interessariam pela reconstrução de redes de relações e pela identificação de escolhas específicas (individuais ou coletivas); donde o destino ambíguo do termo ‘estratégia’...[que] a historiografia clássica reservava apenas às elites.” (Grendi 1998 p.253)

A simples redução de escala, contudo, não é o objetivo desses estudos. Ambos têm preocupações mais ambiciosas, pois desejam, através da análise das estratégias (Grendi) e dos limites de comportamento (Ginzburg) iluminar o que seriam as relações “normais”, acobertadas nos agregados ou conceitos ideais da macro-história. Focam decididamente sobre a heterogeneidade e pluralidade individual, que está, sem dúvida, presente nas escalas macro, mas que só transparece quando examinadas à escala micro. Giovanni Levi, em seu também emblemático L’eredità immateriale (Levi 1989), traz abordagem alternativa, a partir da reconstrução biográfica de todos os habitantes de um vilarejo sobre os quais pôde conseguir informações. 47

Baseamo-nos, no que segue, principalmente em (Lima Filho 1999 p.372-401). - 44 -

Além da reconstituição genealógica, adota métodos descritivos quantitativos, demonstrando não haver contradição entre esses métodos, associados a tratamentos macro, e as intenções microhistoricas. No famoso capítulo sobre “Reciprocidade e o mercado de terras”, segue caminho inverso ao preferido por Ginzburg e Grendi, pois sai de uma apresentação sobre agregados, tratados quantitativamente, para inferir relações entre indivíduos. Como termo comparativo, podemos lembrar o estudo em que Ciro Flamarion Cardoso examina as exceções ao sistema escravista constituídas pelas atividades de subsistência realizadas por cativos, por escravos fugidos ou por ex-escravos, nas economias do Brasil, do Caribe e do sul dos Estados Unidos, analisando a chamada "brecha camponesa" nesses regimes. A partir de uma tipologia de situações, reúne exemplos e argumentos que mostram que tais exceções de fato existiram, mas que, de forma alguma, foram suficientemente importantes para desqualificar o regime escravista, como sugeriram alguns autores48. Ciro Cardoso não está “fazendo microhistória” neste texto; simplesmente analisa casos empíricos que trazem complexidade para conceitos teóricos macro: "...continuamos achando que seria um grande exagero querer transformar este aspecto – importante, sem dúvida – do escravismo americano num argumento favorável à afirmação de que o escravo deve ser visto como um 'servo' ou como um 'proletário'. A brecha camponesa nuança mas não põe em dúvida o sistema escravista dominante." (Cardoso 1979 p.150)

Trata-se, assim, de dar maior realidade empírica (a variedade de situações individuais) a conceitos teóricos considerados gerais (o sistema escravista).

4. 3.

M IC R O FOC O E INTE NSI DADE

Vimos, assim, que a micro-história parte de um micro foco, mas que isso em si não é suficiente para caracterizar um estudo histórico como de micro-história. Sem buscar definir o que seria micro-história, podemos analisar em que a micro-história se destaca de outras abordagens que também adotam um micro foco. Isso se dá em dois aspectos fundamentais: as fontes e o método. O historiador está sempre livre para escolher seu tema. Como declarou J.Huizinga:

48

"..continuamos achando que seria um grande exagero querer transformar este aspecto – importante, sem dúvida – do escravismo americano num argumento favorável à afirmação de que o escravo deve ser visto como um 'servo' ou como um 'proletário'. A brecha camponesa nuança mas não põe em dúvida o sistema escravista dominante." (Cardoso 1979 p.150)

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"(...) history is not the same for everybody, ...the very choice of a particular field is determined by attraction, attachment, congeniality. (...) Imagination plays a large part, temperament a still larger one." (Huizinga 1950 p.300)

Para transformar este tema num objeto histórico, entretanto, precisará encontrar fontes compatíveis com seu objeto e foco, isto é, fontes que informem sobre o objeto, no período escolhido, na escala espacial escolhida e sobre os personagens escolhidos. Em micro-história, muitas vezes são as fontes que determinam, para o historiador, sobre que objeto irá escrever e a partir de que foco. Ou seja, uma fonte principal pode trazer para o historiador um evento-chave ou tratar de um personagem-chave, que se tornará seu objeto, e sobre o qual precisará buscar novas fontes49. Por outro lado, as intenções do historiador (e sua criatividade) irão também dirigi-lo para certo tipo de fonte e para certo método de trabalho. Nas diversas características atribuídas à microhistória por G.Levi e James Amelang (ver Quadro 4-1 abaixo), percebe-se a importância do micro foco, seja no objeto escolhido, seja no método de trabalho. Dos 11 aspectos listados em conjunto por G.Levi e J.Amelang, em 4 podemos dizer que há uma relação direta com micro focos: na redução de escala, no paradigma indiciário, no papel do particular e na preferência pelo singular ou extraordinário. Em outros 5 aspectos, o micro foco não é necessário, mas foi através dele que a micro-história optou por exercitar essas características: no debate sobre a racionalidade, na definição específica dos contextos, em rechaçar o relativismo, na aproximação transparente ao conhecimento histórico e na predileção pela forma narrativa. Quadro 4-1 Tipo de relação das características da micro-história com micro focos Característica redução de escala paradigma indiciário papel do particular preferência pelo singular ou extraordinário debate sobre a racionalidade definição específica dos contextos rechaçar o relativismo predileção pela forma narrativa aproximação transparente ao conhecimento histórico história social baseada nas classes populares atenção à recepção e ao relato

Levi

Amelang

sim sim sim

sim sim sim

sim sim sim sim sim sim

Relação com micro foco DIRETA DIRETA DIRETA DIRETA INDIRETA INDIRETA INDIRETA INDIRETA INDIRETA

sim

Fonte: Para as características: (Tepatoken 2003). Tipo de relação com micro foco: nossa classificação.

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Encontramos um exemplo interessante de como as fontes sugerem e informam o trabalho do historiador na “polimicro-história” em torno de uma fazenda fluminense anterior à abolição, apresentada como uma coletânea de textos, Resgate. Uma janela para o Oitocentos (Castro & Schnoor 1995). - 46 -

Talvez mais relevante que a adoção de um micro foco, seja a atitude geral exigida do historiador, que acreditamos transpareça nessa listagem de características. Ao se fazer micro-história, se estaria fazendo uma “história total”, não de abrangência ampla, nacional ou global, mas restrita a uma localidade e a um pequeno grupo de indivíduos. E mais, o “total” aqui não descreveria uma ambição de compreender tudo o que se passou, antes indicando o objetivo de entender melhor – e de formas inesperadas – os universos pessoais e as relações interpessoais naquele pequeno mundo, assim como suas relações com o ambiente em que se situa. Uma rápida menção às características listadas podem esclarecer melhor essa idéia. “Redução de escala” – Não se fala aqui de aplicar uma escala menor e, sim, em reduzi-la, isto é, sair de uma escala mais abrangente para a de foco menor, podendo, sem dúvida, voltar a um foco maior. A escala se impõe como uma variável experimental do historiador. “Paradigma indiciário” – O próprio qualificativo já indica a intenção: busca-se um indício de algo; ou seja, o micro foco é instrumental para algo mais, quase certamente, maior do que o indício ou de outra qualidade. “Papel do particular” e “preferência pelo singular ou extraordinário” – O particular, o singular, em oposição ao geral, pode representar algo diferente do simples estudo de caso ou do exemplo de uma situação mediana, o que se explicita ao falar de extraordinário, cujo estudo ilumina as fronteiras do normal e as dinâmicas entre o normal e o extraordinário. “História social baseada nas classes populares” – O interesse prioritário sobre o singular como instrumental para a compreensão do geral leva ao interesse pelas classes populares, até então pouco conhecidas em suas particularidades. “Debate sobre a racionalidade” – A proposição de uma dinâmica entre o normal e o extraordinário já leva à questão de uma racionalidade específica naquele contexto. “Definição específica dos contextos” – Trata-se de definir, isto é, descrever o contexto de estudo de modo que isto seja relevante para a análise desejada de estratégias, racionalidades ou processos mentais. “Rechaçar o relativismo” – Entendo esta expressão como significando um distanciamento de construções teóricas. Os personagens e as situações abordadas são todos absolutamente específicos. “Predileção pela forma narrativa” e “atenção à recepção e ao relato” – Um contexto complexo no qual se pretende tratar de dinâmicas múltiplas só pode ser apresentado ao público por uma

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narrativa cuidada, que passe sistematica e sequencialmente por todo o quadro que se quer mostrar. “Aproximação transparente ao conhecimento histórico” – Como premissa implícita em todo esse procedimento existe a noção de que tal método, a descrição gerada por ele e o entendimento que se poderá obter a partir daí sejam intrinsecamente “mais transparentes” como prática historiográfica do que construções teóricas, baseadas majoritariamente em macro focos e conceitos agregados e, portanto, virtuais. Torna-se necessário, portanto, intensificar o micro foco, Para isso, serão necessárias fontes adequadas e um método que, sem impor ao historiador a obrigação da omnisciência, ajude-o a compreender “totalmente” as ações, as atitudes, as escolhas de seus personagens. Assim como as macro abordagens, a micro-história procura uma compreensão “a mais total possível”, agora partindo do micro foco. A partir do salto em direção “ao vivido” empreendido pela micro-história, pode-se construir mais uma acepção MICRO-MACRO, opondo contexto social a “história vivida”. R.Vainfas descreve: "História-síntese e micro-história não são, portanto, necessariamente excludentes. São abordagens que se podem combinar, em graus variáveis, num mesmo livro, numa mesma pesquisa. Talvez o ideal seja mesmo tentar buscar no recorte micro os sinais e relações da totalidade social, rastreando-se, por outro lado, numa pesquisa de viés sintético, os indícios das particularidades..." (Vainfas 1997 p.447) “... as escalas macrossocial e microanalística são muito diferentes e alcançam realidades distintas do tecido social. Podem ser vistas como complementares, o que não significa que a conjugação de escalas seja fácil. Ambas possuem limitações e se poderia mesmo dizer que uma oculta o que a outra alcança e vice-versa.” (Vainfas 2002 p.149)

Concluímos com um exemplo de “entendimento total” a partir de um macro foco, com Gilberto Freyre, e um de “dialética micro-macro”, com Emmanuel Le Roy Ladurie. A superposição de eixos esculpida por G.Freyre ao identificar a área do massapê (eixo geográfico), o homem nordestino (eixo social) e a civilização do açúcar (eixo teórico), opondo a dureza do sertão à moleza da terra do açúcar, é um exemplo clássico de metáfora mista: "Quase se podem fixar as fronteiras entre as terras de massapê [macias] e as terras ásperas, por esse detalhe do leite de mãe-preta – em vez do da comadre-cabra dos sertões..." (Freyre 1937 p.34)

O terreno é que determina a vida. Por outro lado, Ladurie praticamente deseja que suas analogias expliquem o acontecido:

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“Percorrendo a ‘floresta de símbolos’, abordamos as diferentes ações...que marcam os últimos dias do episódio romanês. Elas giram em torno dos valores carnavalescos da aliança, da cortesia, do amor. (...) As justas, os jogos de argola, os bailes, as rainhas que marcam as festividades de nossos últimos dias gordos exprimem a uma só vez o culto cortês que os jovens dedicam às belas romanesas e o eixo perigoso que vão formar Guérin e Laroche, contra Paumier. Os pobres ... deixam-se prender na armadilha dessa brincadeira muito maliciosa. Em agosto, eles haviam enganado Catarina de Medicis; em fevereiro, cedem grosseiramente ao atrativo do baile, arranjada para montar-lhes a emboscada. Caem na armadilha do duplo significado.” (Ladurie 2002 p.338-9)

Micro individual, específico aos personagens, e macro mental, genérico ao grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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