"Como continuam as histórias? Cada escolha vocabular ou de construção é solução de continuidade para o narrar. Assim se desenrolam, por exemplo, as viagens de Fabiano e família com que começa e termina Vidas secas, eles que n/ao se sabe de onde vêm nem para onde vão. Ao mesmo tempo em que são interrogação sobre o destino dos personagens, interrogam também o destino da escrita, do seu método. Nessa trajetória tão arduamente palmilhada, os livros são marcas da evolução da viagem. E, apesar da reiteração de significados, caracteres e situações, cada livro constitui uma nova experiência, em termos de estrutura narrativa. Cada livro reabre o outro, mas não como continuidade nem o tomando a partir do ponto em que foi interrompido, mas como se estivessem todos inacabados, como se o autor estivesse recomeçando sempre a mesma pesquisa, em um processo obsessivo, que culmina com o texto autobiográfico, mas mesmo aí sem se fechar. Não é, portanto, por acaso que às Memórias do cárcere falta(m) o(s) último(s) capítulo(s)." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 15) "Cada experiência presentifica-se outra vez nas Memórias do cárcere, inclusive a experiência do inacabamento, mas redimensionada. Os significados, os problemas e as técnicas, assim como discutidos, criticados, avaliados, relidos, em suma. As Memórias do cárcere realizam, dessa maneira, uma reflexão, muitas vezes de extrema impiedade, sobre as obras, e a obra de Graciliano Ramos, sobre as limitações da literatura em geral." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 16) "Se a biografia é, como quer Gusdorf, uma segunda leitura da experiênca, e se é mais verdadeira do que a experiência porque soma à experiência as memórias de um escritor, no sentido pleno do termo (isto é, não apenas no sentido de que o escrito relembra acontecimentos significativos da sua vida, mas também no sentido de que ele escreve a memória da(s) sua(s) obra(s)), são a autoconsciência da sua trajetória literária. Para Hegel, a consciência de si é o lugar de nascimento da verdade, quando então um novo modo de ser aparece. Esse modo de ser que antes não existia passa agora a determinar a compreensão das experiências vividas." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 17) "A releitura da obra pode se realizar por o autor desdobra-se em personagem e como tal revive as tramas das suas obras anteriores, quer de modo declarado, por intermédio de ocmentários, quer veladamente, misturando-as, confundindo-as com a trama das Memórias do Cárcere. Logo no segundo capítulo da Prieira Parte, o autor comenta o seu processo de criação referindo-se às dificuldades de escrever Angústia: 'Na casinha de Pajuçara fiquei até a madrugada consertando as últimas páginas do romance. Os consertos não me satisfaziam: indispensável recopiar tudo, suprimir as repetições excessivas'." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 17)
"Aí ressurge, na pele do personagem José, da Colônia Correcional, o moleque José, de Infância. Não se trata de mera coincidência de nomes, as das condições de vida que são comuns aos dois e, ao mesmo tempo, do relacionamento deles com o personagem Graciliano. A condição que une os dois é a opressão. Já o personagem Graciliano vive aí a dubiedade de quem nutre simpatia pelos oprimidos sem, entretanto, poder estar efetivamente do seu lado. Essa percepção dos conflitos de classe está presente em todos os livros de Graciliano Ramos. Como veremos, a lucidez e a sinceridade com que ele descreve e expõe a sua condição dúbia de classe torna única a sua obra na literatura brasileira." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 17-18) "Projetando-se como personagem, o autor cria um duplo de si mesmo, desdobra-se em herói. O desdobramento já é um ato de diferenciação. Isso posto, procura recompor a identidade, embora ela pareça irremediavelmente perdida. A diferenciação é condição par a busca da identidade, é o caminho para a autoconsciência. É a partir dela que a identidade se torna um projeto. É o outro que o torna o eu possível. Embora sejam o mesmo ser, unidos inclusive pelo uso do pronome de primeira pessoa, autor e personagem separam-se assinalando uma distância de voz e de ponto de vista. Eles não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, muno menos no tempo. A busca da identidade entretanto continua. Narrase, então, um processo de identificação que não se completa, mas avança, não retilineamente e sim perfazendo um círculo ou espiral." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 18) "O outro permanece outro, embora seja um momento do eu. Graciliano Ramos retoma essa questão (colocada de modo mais ou menos pertinente por vários críticos e mesmo por ele em entrevistas, cartas, etc.) e reafirma a 'outridade' como condição do eu. Ele não é Luís da Silva ou Fabiano, mas estes são pedaços dele." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 18-19) "A literatura é uma questão na obra de Graciliano Ramos desde Caetés. É tratada como instituição que deve ser combatida como a sociedade da qual faz parte. É dessa forma que na quase totalidade dos seus romances o protagonista é escritor. Critica-se então o beletrismo. Ao mesmo tempo, a literatura aparece como algo vital, algo capaz de dar sentido à vida." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 22-23) "Ela é necessária porque tem a natureza do testemunho. Entretanto, não se realiza plenamente, ainda que os romances do autor estejam entre os mais bem realizados da língua portuguesa. A nao-realização da literatura decorre de que ela é culpada, no sentido assinalado por Bataille. Também Adorno sublinha na arte contemporânea a condição de culpabilidade: as obras de arte são a priori culpadas, pois sua existência serve, contraditoriamente, para reforçar as esferas do espírito e da cultura marcados pela cumplicidade com a sociedade que querem combater. Existir obra de arte implica aceitação
da barbarie, certa frieza e indiferença diante da sociedade administrada. Com isso, ela se torna cúmplice da barbárie, mesmo que sua participação seja nela como opositora." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 23) "Faltara ao autor o tempo necessário para dar os retoques finais, suprimir repetições e escrever o(s) capítulo(s) final(is). Às vezes, em conseqüência disso, o texto pode dar uma ideia de desorganização, de imperfeição. Entendemos, porém, que o desdobramento do testemunho sobre o "fascismo tupinambá", desdobramento em várias outras narrativas, resulta em uma mistura necessariamente imperfeita na qual os subtextos não perdem suas especificidades. A aparente desorganização e certas falhas na costura dos textos integram a estrutura do livro." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 25) "Quanto à tentativa que o PCB fez de censurar as Mc, sabe-se hoje que ela de fato ocorreu e que foi energicamente repudiada por Graciliano e, após a sua morte, pela família. Filiado ao PCB logo após sair da prisão, Graciliano sempre manteve o distanciamento necessário à construção de uma obra independente e crítica, isto é, autônoma. As suas dificuldades dom partido acentuaram-se a partir de 1948, algum tempo depois de acabada a guerra e já na fase da Guerra Fria. Como nos conta Dênis Moraes, o endurecimento das relações entre os Estados Unidos e a União Soviética, antigos aliados na luta contra o nazifascismo, resultou em uma política cultural maniqueísta, que separava os artistas e os intelectuais em dois grupos antagônicos e sem conciliação possível. Os escritores comunistas, segundo a orientação então vigente, deveriam se pautar pela doutrina do realismo socialista, que legava a arte a segundo plano, estabelecendo o trabalho de conscientização das massas como meta primordial. A Graciliano interessou sempre a literatura colmo forma superior de testemunho sobre o homem e a história e, como tal, outra não poderia ser a sua reação que não a de repulsa a essa orientação. Para ele, importava produzir uma representação da realidade na perspectiva das massas, mas não de fazer da sua literatura um instrumento de doutrinação, o que transformaria o discurso literário em discurso político ou pedagógico." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 25) "As Mc são um texto escrito dez (ou onze?) anos após os acontecimentos narrados e vividos pelo autor. A unidade da narrativa é problemática de qualquer forma, tenha ou não o autor tido tempo de dar os retoques finais, pois não é uma obra de ficção e sim um livro de memórias, de lembranças de fatos realmente ocorridos. A distância entre o eu que narra e o eu que viveu os acontecimentos é já, por si mesma, um problema, insolúvel, de unidade. É como se alguém estivesse retrabalhando um texto de outrem. Na obra ficcional, pelo contrário, a identidade do eu é colocada ficcionalmente e assim também resolvida. Entendemos, assim, que o último capítulo não foi escrito porque não há outro capítulo além do 27 da Quarta Parte: após este já estava o personagem-autor fora da cadeia..., e seria uma outra história. Também Clara Ramos entende que não finalizar o livro foi intencional. Graciliano lançou mão de várias formas de racionalização para não terminar a obra. Ele necessitava de justificativas 'para deixar o livro inacabado'. Sendo assim, ele ficava 'impedido de dar unidade às quatro partes da obra, limpá-las das repetições'. Assim, as Mc que conhecemos n;ao resultam de uma impossibilidade de finalizar: o texto é o que é, a
sensação de que falta um fim (assim o leitor irá perceber) é parte dele." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 27) "Como se pode observar, a questão da identidade faz-se presente em vários níveis nas Mc, assim também no conjunto da obra de Graciliano Ramos. inicialmente, a questão da identidade coloca-se entre Graciliano-autor e Graciliano-personagem, por um lado, e por outro entre o autor-personagem e os personagens fictícios; em seguida, manifesta-se como um problema de gênero, a respeito das fronteiras entre ficção e memórias e entre literatura e testemunho; em terceiro lugar, deparamos com o problema da identidade entre Gracilianoautor e Graciliano-leitor, uma vez que, para rever sua obra ele se desdobra, avaliando-a, muitas vezes de maneira extremamente impiedosa; Graciliano-leitor prevê a recepção da obra, prepara-a, reponde a possíveis questionamentos, etc. Ao lado disso, um outro problema de identidade é caracterizado, é o conflito de classe vivido pelo leitor-autor, dividido entre dominantes e dominados, situando-se de modo ambíguo como intelectual em uma não-posição, em um terreno movediço. Acentuando essa aporia, ele não poupa críticas à própria obra, por manter-se prisioneira dessa ambivalência. Por fim, as Mc colocam-se de duplo modo no conjunto da obra, como parte do conjunto e, ao mesmo tempo, como projeto que dele se formula, elaborado no fim ao invés de no começo. Ele se constrói ao mesmo tempo que a obra, e só no final, retrospectivamente, se completa." (Hermenegildo Bastos. Memórias do Cárcere: Literatura e testemunho, p. 29) "A dor é uma constante na obra do escritor, a dor social e a dor humana, presentes em seus romances e em sua obra memorialística. Essa presença temática o levou a enveredar pela confissão, pelos meandros da memória, resgatando suas experiências como criança (Infância) e como preso político (Memórias do cárcere), passagens que o marcaram profundamente e foram ficcionalizadas seguindo o princípio de só "expor a coisa observa e sentida." (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoristarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 30-31) "Evidentemente, essa característica de não enquadramento de Ramos, aparece em suas outra sobras, cujos temas fundamentais são: A sociedade reificada, a falta de comunicação humana, os indivíduos animalizados, a injustiça social, a submissão, tudo isso sempre veiculado através do 'subterrâneo do espírito' de algum personagem central, pertencente a classes sociais diversas, mas, por motivos várias, à margem da vida.
(Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoristarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 29-30. A citação em fonte menor é de Afrânio Coutinho, em A literatura no Brasil.) "Se a análise de sua obra, em conjunto, deixa entrever o exercício da técnica literária de escritor, não encobre também o conflito social, a tensão que ocorre entre o homem /
homem, homem / natureza, homem / sociedade. [...] Se o ser humano não é popado, a sociedade não permanece impune e emerge enquanto geradora das 'lesões humanas'. A universalidade de sua obra parece sustentar-se justamente sobre essa gama variada da humanidade [...], obra que coloca em questão a moralidade, a solidariedade e a sensibilidade humana." (Tânia Reina de Souza. A infância do velho Graciliano. IN: (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoristarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 28-29) "Nessa fase, o gênero de ensaio histórico-sociológico se desenvolveu como forma de pensar, conhecer e interpretar um Brasil culturalmente multifacetado e repleto de mazelas sociais. Escritores como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior desenolveram obras que se tornaram clássicas no estudo da nossa realidade. ?Sça elas respectivamente, Casa grande e senzala, Raízes do Brasil, Formação do Brasil contemporâneo. Esse boom ensaístico, apesar de importante, não foi o único filão deste período. Bosi (em História concisa da literatura brasileira) considera que entre 1930 e 1940, temos a era do romance brasileiro. Nesses decênios os escritores brasileiros procuraram ultrapassar o realismo científico e impessoal da narração-documento, dando lugar às interpretações de vida e história por meio de pesquisa humana e social, propondo-se a expor a fraqueza e a força do ser humano frente às intempéries sociais, políticas, econômicas e culturais do Brasil. Preocupações que perpassam os escritos de Graciliano Ramos e o marcam como um dos grandes representantes do gênero, seja como memorialista (Infância, Memórias do cárcere) ou romances (Caetés, São Bernardo, Angústia, Vidas secas). (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 28) “Podemos perceber que a pretensa objetividade fotográfica, almejada e praticada por alguns setores da literatura brasileira no começo do século XX, não era total. Ela foi pouco a pouco perdendo espaço para análises sociológicas, econômicas e históricas. Escritores, como Graciliano Ramos, romperam com essa estética ao tornar explícito em seus romances, nos quais a série se opõe ao ciclo, o trabalho de linguagem, “jogando por terra a obsessão fotográfica e documental dominante no neonaturalismo de trinta. [...] Graciliano foge a regra. [...] Uma literatura que se afirma como ficção à obsessão fotográfico-documental do decênio de trinta.” (Flora Sussekind, Tal Brasil, tal romance? IN: Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 29) “Se nessa geração de escritores anteriores a Ramos, a noção de objetividade pressupunha uma postura de imparcialidade e neutralidade, ele com suas Memórias, produziu uma obra que expressou com clareza e exatidão a realidade sob o ponto de vista de um prisioneiro, acusando e denunciando as condições de vida nas prisões varguistas.” (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 29)
“Retrato nu, feito por um escritor já famoso quando preso, das condições da prisão e dos feitos da polícia de Getúlio Vargas. Ficava agora para um público maior a narrativa pormenorizada e emocionada de uma verdade que todos sabiam existir, temiam que existisse e tentavam encobrir sob a raiz do conservadorismo político, do resguardo da imagem do grande ditador e da cumplicidade com as ações do Estado policial e totalitário.” (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 32) “As prisões pelas quais o escritor passou são uma metáfora da sociedade brasileira. Com elas, Graciliano construiu um microcosmo de um Brasil marcado pelas desigualdades expressas nos vários tipos humanos encontrados e nos lugares nos quais esteve preso. Lugares que configuram uma descida de preso de alta classe, passando por prisioneiro remediado, até ser atirado a enxovia da ralé, na Colônia Correcional de Dois Rios, na Ilha Grande, litoral do Rio de Janeiro.” (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 34) “O primeiro salto para baixo na escala das prisões foi dado durante a transferência no porão do navio Manaus para o Rio de Janeiro. Nele estavam espremidos cerca de trezentos prisioneiros detidos no Nordeste sob a acusação real ou suposta de participação na Intentona Comunista. Todos eles fazendo uma viagem ao sul por conta do governo, num calhambeque muito vagabundo, insalubre, sem higiene, no qual os pés machucavam coisas moles, dando a impressão de pisar lesmas, num terrível fedor acrescido do calor da fornalha e da fumação dos cigarros, formando espesso nevoeiro: uma escuridão brfanca de trevas luminosas num mar de redes, fardos humanos abatidos pelos cantos, a arquejar no enjoo, a vomitar. O ato de escrever o salvou de enlouquecer, tanto neste como em outros momentos.” (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 35) “Como já abordado anteriormente, Graciliano não escreveu sobre sua libertação; Memórias é uma obra inacabada, mas ainda assim é um dos seus livros mais dolorosamente construídos, sofridos e tocantes. O leitor se vê envolvido pela história e mal percebe que trilho quase setecentas páginas de uma das narrativas mais densas sobre a despersonalização, a violência e o arbítrio cometidos contra seres encarcerados por um governo autoritário.” (Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 37) “Graciliano nada tivera com a rebelião de Natal e o levante do 3o Regimento. Também não é comunista. Nunca fora. Limitara-se a acompanhar com interesse pelos jornais a Revolução Russa. E, no começo dos anos 30, a dizer ‘cobras e lagartos do fascismo’ no Bar Central. Os que convivem com ele são unânimes em proclamar seu total alheamento da militância esquerdista.
A repressão que se abate sobre o país irá, no entanto, eleger o escritor como exemplo. Há evidente intencionalidade na agressão que lhe preparam.” (Clara Ramos. Mestre Graciliano: confirmação humana de uma obra. IN: Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 39) “Marilena Chauí em O silêncio dos intelectuais nos dá a seguinte definição de intelectual engajado: o intelectual engajado é o escritor de atualidades que opina e intervém em todos os acontecimentos relevantes (...) deve manter um estado de vigília permanente.” (Adauto Novais. O silêncio dos intelectuais. IN: Tania Nunes Davi. Subterrâneos do autoritarismo em Memórias do cárcere de Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, p. 58) "Isso nos leva a pensar numa das suas qualidades fundamentais: respeito pela observação e amor à verdade. Como escritor, era compelido por força invencível a registrar os frutos da observação segundo os princípios da verdade. Apesar de toda a severidade para com a própria obra e o pavor vaidoso de lançá-la à publicidade, não pode deixar de escrever, estilizar ou, mais tarde, registrar o que via. No tremendo porão do navio, na cela, na colônia correcional quando o horror ou o tédio da situação o levaram ao jejum, à repulsa pelo mundo, vai anotando a sua experiência febrilmente, sem parar." (Antônio Candido. Ficção e confissão, p. 57) "No porão do navio que o traz preso ao Rio de Janeiro, faz a experiência realmente infernal da imundície, da promiscuidade, à mercê de determinações que ignora, sem noção do destino que o aguarda. O seu ajuste à situação é eloquente; fecha o corpo, não ingerindo alimento, nem o eliminando, numa crispação negativa; e, no meio do pandemônio e da abjeção, redige sem parar notas em que descreve, pesa a situação, embora perdidas depois, elas formarão o núcleo germinal das Memórias do Cárcere. Resiste, pois, tenazmente ao meio, nega-se à suas leis e encontra equilíbrio, precário mas decisivo, nas pequenas folhas de papel em que afirma a sua autonomia espiritual. A literatura é o seu protesto, o modo de manifestar a reação contra o mundo das normas constritoras. Como em quase todo artista, a fuga da situação por meio da criação mental é o seu jeito peculiar de inserir-se nele, de nele definir um lugar." (Antônio Candido. Ficção e confissão, p. 63) "No entanto, persiste em Memórias do Cárcere o pouco entusiasmo pelos homens, mesmo quando os admira – pois ao faz~e-lo admira-se igualmente de que sejam dignos disso." (Antônio Candido. Ficção e confissão, p. 67)
Graciliano Ramos: entre dois mundos. O mundo burguês e do proletariado O mundo do PCB e o mundo da “sinceridade artística” Exemplo deste último: quando diz que mostrar gestos bons de militares pode dar uma falsa idéia da cadeia, mas não faze-lo seria faltar com a verdade. História dos vencidos, de Benjamin. Hermenegildo, p. 32. Interpretação com sentido político. Por que a literatura? Memória é a arma dos vencidos.