Gostamos de ter medo? Cada vez mais me convenço que sim. À falta da requalificada eminência de Santa Comba e do ido José dos Bigodes, nunca tantos se acotovelaram para tentar oferecer-nos tantos estímulos para satisfazer tantos caprichos. A última moda é a gripe suína, cedo rotulada de mexicana para não melindrar israelitas e muçulmanos para quem o porco mete mais medo que o diabo vermelho de rabo em seta e cornos retorcidos. A paranóia é tal que, há dias, um jornalista checo foi despedido por ter produzido um grunhido em resposta a uma pergunta sobre o tema em que estava a trabalhar. Apesar de o virus desta badalada gripe ter sido registado e isolado há anos nos EUA, atribuirlhe esta paternidade provocaria comichões mediáticas e diplomáticas de dimensões e impactos incalculáveis. Antes, assistira-se à parada da gripe das aves, - vinda das Ásias, como convinha -, com sucessivas campanhas de medo, inclunindo a obrigação de o freguês declarar quantos bicos tinha no galinheiro ao fundo do quintal. Para não falar da série de terror do pó de antrax e do famigerado onze de Setembro. Antigamente acotovelávamo-nos para conseguir bilhetes para filmes de terror e violência. Agora eles entram-nos pela porta dentro sem pedir licença, bastando premirmos um botão que transpõe para a tela todo o tipo de medos e terrores. Se não é a gripe suina, é o colapso da economia, com os barões da indústria, da banca e da finança a meterem-nos medo do fim do mundo se não aceitarmos dobrar a espinha e aceitar salários de 500 euros e se o governo não lhes encher o saco de dinheiro para alegadas recuperações, enquanto suas excelências facturam setenta, oitenta ou até mesmo noventa mil euros por mês. Ou então é uma imensa ilha de gelo que vai separar-se de uma calote polar e derreter para abandonar uma comunidade de ursos brancos à fome e inundar meia dúzia de atóis, paraísos de piratas brancos e de olhos azuis até ao momento imunes a este tipo de medos. Ou ainda uma acção de piratas algures no Mar Vermelho, o rapto e desaparecimento de uma criança e a criação de uma Fundação para gerir, digerir e reproduzir os donativos de gente tão pia e solidária, a violação de uma octogenária abandonada pela família por quezílias de heranças, o assalto à mão armada a uma bomba de gasolina, uma facada num aluno de escola preparatória, um aluno que abate a tiro colegas no interior de uma secundária, uma pequena autarquia que instala câmaras de vídeo e microfones no centro da vila. Até o inenarrável bug do milénio, que tanto escabeche e roer de unhas provocou. Os temas já estão tão banalizados que há quem diga e tente provar que é só escolher e pedir por boca, que tudo isto faz parte de uma estratégia global para, metendo-nos medo, melhor nos governar e controlar. E há quem goste. Muito. Várias dúvidas, porém, pairam sobre esta recente campanha de medo. A Ribeira dos Milagres, que há anos regurgita esgotos não tratados de uma procissão de suiniculturas, parece não meter medo a ninguém de uma eventual epidemia local, regional ou nacional. Será possível sermos tão ingratos para quem tão esforçadamente tem contribuído para uma fileira do catálogo do medo? Será que esse medo é decantado pelas chuvas nocturnas que geralmente acompanham as descargas e pelo nome próprio da Ribeira? Ou será porque os porcos, por serem nossos, são bons, - quiçá muito melhores que os mexicanos -, e incapazes de provocar crises sanitárias e pânico generalizado?
Octávio Lima