ENTRE A AMPLITUDE E A INDEFINIÇÃO: EXPECTATIVAS, LIMITES E PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO EM PEDAGOGIA. Gislene Valério de Barros Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-BH; IEC_PUC Minas
1 INTRODUÇÃO
Desde a sua instituição no final da década de 1930, o curso de Pedagogia freqüenta a cena social e educacional na qual se depara com o questionamento quanto a sua possível identidade. Estudos como o de Scheibe e Aguiar (1999) explicitam como as rupturas, as descontinuidades e a diversidade dos ordenamentos legais e das práticas institucionais ao longo da história do curso de Pedagogia no Brasil foram repercutindo na instabilidade da formação do pedagogo. As dicotomias evidenciadas na formação do pedagogo desde a sua instituição enredaram indefinições sobre a área de atuação profissional dos egressos, pois corroborando Silva (2003) criou-se um curso, mas sem elementos que pudessem caracterizar este novo profissional. Atinente aos percalços que marcam a trajetória do curso de Pedagogia, muitas das disputas e das intervenções de diferentes agentes se dão em defesa de uma pedagogia que, mais do que apenas se ocupar dos processos educativos escolares, seus métodos e técnicas, se constitua como “[...] um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa” (LIBÂNEO, 2000, p. 22). Buscando conjugar as críticas e as possibilidades de uma Pedagogia de caráter mais amplo foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia - Resolução CNE/CP No. 1, de 15 de Maio de 2006. No entanto, as DCN respondem às expectativas dos docentes e estudantes? Qualquer tentativa de resposta a esta questão pode resultar como superficial, evasiva ou mesmo equivocada, uma vez que para os sujeitos envolvidos - estudantes e profissionais da educação - a Pedagogia e a escola são percebidas de modos muito diversos. Nossa preocupação é, portanto, ao evidenciar estas expectativas, buscar compreendê-las e as suas circunstâncias.
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Como pedagoga e professora do curso de Pedagogia lido cotidianamente com as dúvidas e com o questionamento dos alunos em relação a sua identidade profissional. As falas apontam para múltiplas direções e, não raramente, parecem sinalizar para outro curso, que não a Pedagogia: “Não quero trabalhar em escola.” “Sala de aula, nem pensar!” “Adoro lidar com crianças.” “Quero trabalhar em empresa, quero fazer treinamento.” “Não quero fazer licenciatura, quero fazer bacharelado.” “Trabalho em escola e resolvi fazer o curso de Pedagogia para ter outra opção profissional.” Estas falas nos fazem ver a Pedagogia como um campo polimorfo e instável, sobre o qual, inclusive, não há uma concordância de aspirações e de demandas de formação. Mas o que nos dizem sobre qual Pedagogia deve ser constituída em nossa prática? Qual formação é requerida pelos estudantes? Como responder às expectativas tão diversas em um mesmo percurso de formação? O fato é que a complexidade na qual estamos imersos assinala que não podemos nos limitar a falar uns com os outros, a responder evasivamente, ou ignorar tais questões. Muito menos, dizer que nos períodos finais os alunos vão entender o processo, ou tentar “adaptar” ou “ajeitar” estágios e práticas para contemplar os desejos dos alunos. Também não podemos pensar que as recentes Diretrizes Curriculares vão responder a todas estas questões. Minhas investigações sinalizam que as expectativas quanto à atuação profissional reverberam, muitas vezes, no questionamento da formação que é oferecida nas instituições de ensino. Em contrapartida, são feitos (re)arranjos visando incluir novas perspectivas que atendam ao que os alunos requerem. No entanto, até que ponto estes “ajeitamentos” se sustentam, são coerentes, são reais, são relevantes, são importantes? Quais são as expectativas dos alunos ao ingressarem no curso de Pedagogia? Qual visão da Pedagogia está engendrada nos discursos desses alunos? Estas e outras tantas interrogações, muitas vezes esmaecidas pelas urgências do dia-a-dia, conduzem esta pesquisa que procurou investigar os anseios por uma possível identidade do curso de Pedagogia e do profissional pedagogo a partir das concepções expressas por alunos do referido curso de uma Instituição de Ensino Superior em Belo Horizonte. O que pensam os alunos e como se constituiu esse pensar sobre a atuação do pedagogo? Qual formação é requerida pelos estudantes? Buscou-se, ao explicitar estas questões, contribuir para um diálogo entre os discentes, docentes e as instituições formadoras; desvelar as
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concepções e as expectativas dos alunos e como isto repercute na formação dos profissionais da Pedagogia. É nessa direção que caminhou esta pesquisa: realizar um estudo cujo objetivo é a reflexão sobre o curso de Pedagogia tendo como fio condutor as concepções dos alunos do curso sobre a atuação do pedagogo. 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Os saberes e fazeres dos alunos são construídos no esteio de uma realidade multifacetada e plural; inseridos no cotidiano mais imediato da escola que, por sua vez, se constitui em um contexto mais amplo da sociedade da qual faz parte. O espaço escolar, em todos os níveis, é complexo e permeado por múltiplos atravessamentos de ordem política, econômica, social, cultural e histórica. Assim sendo, trabalhar questões que se engendram neste espaço/tempo demanda um estudo em profundidade e uma análise criteriosa, a fim de compreender a complexidade presente na construção das concepções dos estudantes referentes à formação e à atuação do pedagogo. Dessa forma elegemos a pesquisa qualitativa e o estudo de caso como o procedimento mais adequado para nosso estudo. Segundo Chizzotti (1991), o estudo de caso permite coletar e registrar dados de um ou mais casos particulares, com o objetivo de organizar um relatório ordenado e crítico de uma experiência. Nesse procedimento, o caso é tomado como um marco de referência de complexas condições socioculturais envolvidas em uma situação, retratando uma realidade e revelando a multiplicidade de aspectos globais presentes em tais situações. Na pesquisa o contexto gerador destas concepções é o espaço escolar, espaço este que abriga em si diferenças individuais que são regidas pelo coletivo, constituindo-se em um lugar privilegiado no sentido de propiciar o desenvolvimento e sustentação de saberes de um grupo sobre si mesmo. Sendo assim, tornar visíveis as formas como os estudantes concebem a Pedagogia possibilita planificar o próprio espaço/tempo da formação e da atuação do pedagogo, desvelar suas ambivalências e, conseqüentemente, constituir um curso que aproxime expectativas, necessidades e conhecimentos que sustentam o campo. Portanto, considerando a natureza do objeto a ser pesquisado, bem como do material empírico coletado optou-se nesse estudo pela utilização de questionário e das entrevistas semi-estruturadas gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. O questionário foi
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aplicado nas 17 turmas, nos três turnos do curso de pedagogia da IES pesquisada, no primeiro semestre de 2007. Para realização das entrevistas foram convidados alunos de todas as turmas e formados grupos para encontros que aconteceram nos meses de fevereiro a julho de 2007. Ao final do trabalho de coleta de dados tínhamos oito entrevistas gravadas e 217 questionários respondidos. Reconhecemos as limitações do recorte sob o qual procuramos desvelar aspectos do curso de Pedagogia. No entanto, ainda que não dê conta da complexidade na qual está inserida a formação e as perspectivas de atuação do pedagogo, é certo que através de sua formação e do seu cotidiano, os alunos constroem saberes e fazeres sobre o exercício de sua profissão, os quais orientam ações e redimensionam sua realidade profissional. Tal perspectiva evidencia a dimensão do aluno como sujeito sóciohistórico, produto e produtor da sua realidade. E, neste sentido, ainda que se integre a um projeto de formação construído a priori, a agência do aluno é fundamental na construção da sua trajetória de formação. Nossa perspectiva de análise considera, sobretudo, que os conhecimentos construídos e compartilhados pelos alunos referentes à sua realidade profissional constituem-se como parte dessa realidade, fazendo circular informações e, sobremaneira, direcionando suas ações. Assim, os sentidos produzidos pelos estudantes constituem-se em um saber legítimo que deve ser considerado como constituinte da realidade na qual o sujeito vive, ou seja, qualquer projeto de formação deve levar em conta os sujeitos que se pretende formar. Nessa dinâmica é que se evidencia a complexidade envolvida na relação entre o conhecimento para pensar a educação e o conhecimento para fazer a educação. Trata-se de, ao invés de falarmos para, falarmos com. Tal postura certamente define a concepção de educação com a qual buscamos operar. 3 QUAL PEDAGOGIA PARA QUAL ESCOLA?
Olhar a instituição escolar pelo prisma do cotidiano permite vislumbrar a dimensão educativa presente no conjunto das
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relações sociais que ocorrem no seu interior (DAYRELL, 1996, p.150).
Sabemos que uma escola é uma instituição coletiva de trajetórias individuais, organizada dentro de um projeto pedagógico e das relações que se estabelecem entre professores, alunos, pais, métodos e conteúdos de ensino, funcionários técnico-administrativos. Estas relações não estão, no entanto, desprendidas do espaço/tempo no qual estão imbricadas a organização e as normas da instituição, as interdições, as representações que os sujeitos constroem a respeito da escola e uma complexidade de elementos nem sempre visíveis ou permanentes. Analisar a escola sob este aspecto é entendê-la como um Espaço sócio-cultural, como um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar. Fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição, esse processo, como tal, é heterogêneo. Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada, no cotidiano, pela apropriação, elaboração, reelaboração ou repulsas expressas pelos sujeitos sociais. (DAYRELL, 1996, p.123) Ainda que os fatores sejam de ordens diversas, os discursos que circulam socialmente são concordantes quanto à complexidade que envolve a escola na contemporaneidade. Questões como a diversidade dos estudantes e suas diferentes – ou ausentes – expectativas quanto à escolarização, os baixos salários, a falta de reconhecimento social são elencadas ao se procurar definir um projeto de formação para a docência. É neste contexto, no qual se evidenciam as instabilidades e incertezas em todos os campos sociais, que adquirem centralidade os debates quanto aos rumos da educação e da escola e do papel que exercem na (re)construção da vida social. Trabalhos como os de Libâneo (2000; 2006); Arroyo (2002); Pimenta (1996) e Dayrell (1996) nos levam a perceber que a grande expectativa – e o desafio posto hoje - é conceber uma formação que dê conta da complexidade instaurada no campo social e, sobretudo, opere com as (re)definições do que seja a educação, a escola e a docência.
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O cenário atual torna-se, destarte, propício e fecundo para a discussão da formação docente, sobremaneira do curso de Pedagogia. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96 estabeleceu mudanças em todos os níveis de ensino. No que tange ao ensino superior aponta para uma ressignificação dos cursos de formação de professores, principalmente através dos artigos 61, 63, 64,65 e 67. A partir dos artigos citados entendese que a Lei amplia as possibilidades de formação dos profissionais da educação, acentuadamente no artigo 61 no qual está expresso que A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.
O texto legal explicita como constituinte do processo de formação, o aproveitamento de experiências anteriores em instituições de ensino, inclusive em outros tipos de atividades, redimensionando a própria idéia de formação. Evidencia, também, que a formação em nível superior é fundamental para o exercício da prática docente, em especial na educação básica. Pode-se inferir, portanto, que a LDBEN 9394/96 busca garantir a maior qualificação dos educadores pela via da instrução acadêmica - o que de alguma forma redobra a responsabilidade da formação e da atuação docente para a melhoria do ensino. Como isso é interpretado pelos estudantes da Pedagogia? Buscando responder às inúmeras questões sobre a formação docente e atender aos reclames das instituições e entidades quanto aos rumos do curso de Pedagogia, em 2006 as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia instituíram que Art. 4º - O curso de Licenciatura em pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
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Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares (RESOLUÇÃO CNE/CP n. 01/2006).
Abre-se, assim, amplo horizonte para a formação e para a atuação profissional dos pedagogos. Mas, as DCN conseguem resolver a questão recorrente de que há uma falta de identidade da Pedagogia e do profissional pedagogo? Compreender a problemática da formação do pedagogo nos remete aos estudos referentes à história do curso de Pedagogia no Brasil, que revelam uma sucessão de ambigüidades e de indefinições, com repercussões no desenvolvimento teórico do seu campo de conhecimento e na formação intelectual e profissional do pedagogo (LIBÂNEO, 1996). . A instituição das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia - permeada por debates, conflitos, encontros e desencontros - muda substancialmente a organização do curso de Pedagogia visando assegurar na formação do pedagogo a articulação entre a docência, a gestão educacional e a produção do conhecimento na área da educação. Conforme Aguiar et al (2006, p. 832): A formação proposta para o profissional da educação do curso de pedagogia é abrangente e exigirá uma nova concepção da educação, da escola, pedagogia, da docência, da licenciatura. Uma nova compreensão que situe a educação, a escola, a pedagogia, a docência, a licenciatura no contexto mais amplo das práticas sociais construídas no processo de vida real dos homens, com o fim de demarcar o caráter sócio-histórico desses elementos. Mas, como
conjugar a imagem do pedagogo como “sinônimo” de escola
com o
pedagogo “fora” da escola? Esses lugares são incompatíveis? Quais as reminiscências da trajetória da profissão que predominam no imaginário coletivo? Como aliar as imagens e
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auto-imagens do pedagogo a um projeto de formação possível nos dias atuais? Como se articulam no pensamento dos estudantes a multiplicidade de informações, de expectativas não realizadas, de perspectivas tão diversas dentro de um mesmo curso? Quais marcas os estudantes vão imprimindo ao curso no percurso da sua formação? 4 MAPEANDO EXPECTATIVAS E TENSÕES Ao longo da sua existência, o curso de Pedagogia experimenta um processo de estigmatização reforçado por políticas e práticas que, ora negam o seu trabalho pela indefinição de seus saberes e de suas funções nos ambientes institucionais; ora o esquadrinha de tal forma que pulveriza e acaba por torná-lo invisível ou desnecessário. Os conflitos gerados pela indefinição do exercício profissional do pedagogo e pela falta da explicitação de seu objeto de estudo contribuem para a desqualificação e descaracterização da imagem do pedagogo e, não raramente corroboram as críticas que o ligam aos discursos do fracasso da escola. Outra questão que se constitui como problemática, provoca inúmeros conflitos entre os estudantes e acirra os debates no campo é a articulação (ou a cisão?) entre Pedagogia e docência. Com a instituição das DCN o foco se dirigiu novamente neste sentido, fomentando mais uma vez as discussões sobre a especificidade da Pedagogia e seu entrecruzamento com o curso Normal Superior – e a formação do professor dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil. Diante as DCN vários educadores – muitas vezes amparados por entidades representativas da classe - manifestaram indignação quanto ao que foi considerada uma alteração na identidade da Pedagogia, restringindo-a as salas de aula e significando, cada vez mais, a preparação metodológica do professor e, cada vez menos, o campo de investigação sistemática da realidade educativa. Ao problematizar o que considera uma redução da Pedagogia à docência Libâneo (2006) afirma que, a partir das DCN de 2006, a Pedagogia fica restrita à docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental: A Resolução CNE/CP n. 1, de 15/5/2006 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
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pedagogia, na modalidade licenciatura. O artigo 2º estabelece que o curso de pedagogia se destina à formação de professores para o exercício da docência em educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, cursos de ensino médio na modalidade Normal, cursos de educação profissional na área de serviços e apoio escolar, cursos em outras áreas que requeiram conhecimentos pedagógicos. O artigo 4º repete o enunciado do artigo 2º com uma variante: o curso de pedagogia é denominado explicitamente de licenciatura, tal como ocorre também nos artigos 7º, 9º e 14. A Resolução trata, portanto, da regulamentação do curso de pedagogia exclusivamente para formar professores para a docência naqueles níveis do sistema de ensino. Para outros a mesma questão pode ser interpretada de forma diversa, pois entendem que o conceito de docência nas DCN é ampliado para além da prática em sala de aula. Tanto a circunscrição do conceito de docência a sala de aula, quanto a sua ampliação são lidas a partir do artigo 2º, parágrafo 1º da Resolução CNE/CP n. 1: Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendose na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo.
Embora as tensões – e as possíveis imprecisões das DCN – o que nos sugere esse quadro é que não se pode mais admitir um curso de formação que não articule a reflexão sobre a identidade dos profissionais em processo de formação. A concepção que as identidades “[...] são compostas e definidas por [e nas] relações sociais” (LOURO, 1999, p. 11) ajuda-nos a compreender como a constituição da identidade profissional do pedagogo foi – e é - moldada no cenário turbulento das políticas educacionais e nas representações dos estudantes que incorporam as ambigüidades, a desvalorização social e, até, mesmo a idéia de são as características pessoais que determinam o exercício da profissão.
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Quem são os estudantes da pedagogia? Quais são seus projetos para a profissão? Como lidam com as lutas estabelecidas no campo da sua formação? No sentido de mapear e compreender as expectativas dos estudantes e desvelar aspectos da tessitura complexa que é o curso de Pedagogia buscou-se ouvir nossos agentes sobre três pontos que julgamos mais relevantes no contexto da pesquisa: 1. O que os levou a ingressar no curso de Pedagogia e quais as suas perspectivas de atuação; 2.
As imagens a partir das quais reconhecem o pedagogo – a sua identidade;
3. Quais saberes, competências ou conhecimentos entendem como necessários ou imprescindíveis no percurso da formação. Uma das questões emergentes nas discussões sobre os rumos do curso de Pedagogia é a expectativa de uma formação que contemple a atuação nos espaços escolares e nãoescolares. No entanto, ainda que a amplitude da formação possibilite um alargamento nos horizontes da atuação profissional – o que pode representar um ganho em termos de competitividade no mundo do trabalho - uma tensão é colocada no dia a dia da sala de aula, principalmente quanto às definições sobre a organização curricular. Isto se torna um problema à medida que, ao ingressarem no curso, os estudantes já trazem uma opção da atuação futura (espaço escolar ou não escolar) e requerem que os conteúdos curriculares convirjam para essa especificidade. Na instituição pesquisada esta questão é claramente colocada: Vim fazer Pedagogia, mas não quero saber de escola. Vou trabalhar com treinamento... Vim interessada na Pedagogia extra-escolar, mas acho que o curso está focado demais na escola. Queria alguma coisa mais específica para a empresa. Esse curso não prepara para a sala de aula, deveria ter mais metodologias. Não me sinto preparada para chegar numa escola e assumir uma classe. Isso de formar para muita coisa é complicado, acaba não formando para nada. Nesse ponto eu preferia fazer Normal Superior, pois lá se aprendia a ser professor. Eu escolhi o curso dessa faculdade porque disseram que aqui a ênfase era no extra-escolar. Não estou vendo nada disso, tudo é
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dirigido para a escola: os estágios, as práticas, as disciplinas... Para quem não quer dar aula o curso deixa muito a desejar. Na verdade, a Pedagogia agora é Normal Superior de salto alto (grifos nossos). Eu já sou professora, por isso escolhi a Pedagogia, porque o que me interessa é a docência. É pra isso que o curso forma, não é? Essa cisão entre a prática do pedagogo nos espaços escolares e não escolares tem a ver tanto com as ambigüidades e indefinições que sempre perpassaram o campo da Pedagogia, quanto tem a ver com dois pontos que destacaremos: a) a restrição do conceito de prática educativa como exclusivamente intraescolar e, b) o não entendimento da graduação como um curso de formação inicial – o que acaba fazendo crer ao estudante que, ao graduar-se, estará preparado para o exercício profissional. No primeiro caso está implícita a discussão sobre o próprio conceito de educação. Neste sentido, é preciso entender [...] no conceito de educação a idéia de que o acontecer educativo corresponde à ação e ao resultado de um processo de formação dos sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por determinado contexto social (LIBÂNEO, 1998, p.65). Assim entendido o termo educação, passamos a operar em um contexto no qual a prática educativa deve ser vista como algo que ultrapassa os limites da sala de aula constituindo-se como um fazer ordenado voltado para o ato educativo que se dá em todos os processos e espaços da formação humana. O que parece escapar aos nossos alunos é o entendimento da Pedagogia em seu sentido original: a condução do saber, “[...] a preocupação com os meios, com as formas e maneiras de levar o indivíduo ao conhecimento” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1987, p. 8). Evidentemente, à medida que redimensionamos a prática educativa, o pedagogo encontra sentido para sua atuação em todos os espaços sociais nos quais se desenvolvem processos de educação e de ensino. Nestes contextos, a especificidade da formação – e da atuação - não está centrada na dicotomia escolar/não escolar, mas na organização de um currículo que possibilite a construção de conceitos e de esquemas de ação que
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ajudem a compreender os processos de aprendizagem e os sujeitos aprendentes; criar formas de ensinar adequadas às situações de ensino e ressignificar a própria aprendizagem, reorganizando conhecimentos de modo que possibilitem incorporar novas aprendizagens e ampliar os espaços de atuação. Em relação à imagem que trazem do pedagogo, identificamos uma questão interessante que, novamente, está associada à cisão entre o pedagogo escolar e o não escolar: a idéia que o desprestígio do pedagogo deve-se ao pouco valor atribuído ao profissional que atua na escola. Isto ficou evidente em várias falas que enfatizaram a diferença de status entre o pedagogo da escola e o pedagogo da empresa1. Assim percebe-se que é o próprio espaço da escola que está desqualificado e, segundo muitos de nossos agentes, insalubre, violento, desorganizado, empobrecido. Em contrapartida, ao falarem do espaço da empresa, estes mesmos agentes o identificam como organizado, seguro, propício à melhoria de cargos e salários e ao desenvolvimento profissional. Outra questão também visível no material analisado, refere-se à forte ênfase nas características pessoais do pedagogo: ter carisma, ter amor à profissão, ser criativo, ser compreensivo, ser tolerante, ter postura diante da classe, aspectos que pouco dizem da sua competência técnica. Ao interrogar essas falas buscamos entender como se articulam práticas discursivas tão polifônicas dentro de um mesmo campo: de um lado a permanência da ideologia do dom, da requisição do afeto maternal, do trabalho missionário. Desta forma percebe-se que o profissional pedagogo revelado nas falas dos estudantes é, de certa forma, conflitante com o espaço que eles mesmos dizem preferir atuar: um espaço empresarial, compartimentado e formal, regido por rituais e normas rígidas. Essas constatações levam-nos a questionar os significados e sentidos da formação do pedagogo na contemporaneidade e
desconstruir os discursos que orientam a as
expectativas dos estudantes.
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Notei no decorrer da coleta de dados, que os estudantes restringem Pedagogia não-escolar à Pedagogia empresarial.
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5 PALAVRAS FINAIS As análises empreendidas dão conta que é um desafio para o curso de Pedagogia a tarefa de conciliar expectativas tão diversas em um mesmo percurso de formação. As possibilidades múltiplas de atuação apontam para uma formação ampla e complexa que exige, portanto, uma reflexão permanente; implica a necessidade de uma mediação teórica e metodológica disciplinada e a investigação de como as mudanças no curso e na escola impactam sobre a forma como o pedagogo passa a ser percebido. Tanto quanto complexa, indagar a Pedagogia é uma tarefa urgente e necessária. Nossa busca é, destarte, avançar do discurso de que há uma crise de legitimidade e de qualidade nos cursos de Pedagogia e discutir o percurso desta formação cujas vicissitudes e pregnâncias são inscritas nos sujeitos desde os primeiros anos na escola.
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