FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC BRUNO GRANERO PENTEADO GALILEU E O COPERNICANISMO
Artigo apresentado como parte dos requisitos para a conclusão da disciplina Filosofia da Natureza, Mecanicismo e Cosmologia do bacharelado em Filosofia da UFABC Orientador: Prof Dr Paulo Tadeu da Silva.
São Bernardo do Campo - SP 2015
A importância de Galileu Galilei à física, matemática, astronomia e filosofia é já muito reconhecida. Ele foi responsável pelos primeiros estudos consistentes sobre o movimento pendular e o movimento acelerado, pela elaboração de um princípio de inércia que foi precursor da mecânica newtoniana. De qualquer forma, sua fama ao longo da história provavelmente derivou de sua defesa do modelo heliocêntrico. Galileu também foi responsável pelo aperfeiçoamento do telescópio, tornando-o um aparelho valioso à observação astronômica. Suas observações foram cruciais à defesa do modelo copernicano, ou antes, a um abatimento das teorias aristotélicasptolomaicas sobre astronomia e cosmologia. Em 1610, as descobertas ao telescópio feitas por Galileu foram apresentadas no livro Sidereus Nuncius (Galilei, 2010), sendo esta uma das publicações mais impactantes para a astronomia até a época. Logo na folha de rosto, Galileu anuncia que a publicação conta com a observação da face da Lua, estrelas fixas, a Via Láctea e quatro planetas que giram ao redor de Júpiter (Las Casas, 2010 e Galilei, 2010). No decorrer desse mesmo ano, outras observações foram relatadas após a publicação do livro. Galileu observou sombras na Lua análogas às ocasionadas por montanhas e depressões na Terra e com isso pode concluir que a Lua tinha este relevo acidentado, contrariando a teoria aristotélica na qual caberiam apenas formas perfeitas aos corpos cósmicos supralunares. (Penereiro, 2009). Também foi anunciada a descoberta de quatro novos corpos astronômicos, que orbitam Júpiter com períodos diferentes. Estes seriam as quatro maiores luas deste planeta, como hoje sabemos. Esta observação é importantíssima, por diversos motivos. Primeiramente, por se tratar da descoberta de novos astros foi possível a Galileu batizá-los em homenagem ao Grão Duque da Toscana, Cosimo II de Médici, o que no futuro garantiu a vaga de primeiro matemático deste nobre. Para a cosmologia, essa novidade mostra a possibilidade que alguns astros orbitem outros e sejam carregados por este, o que poderia então analogamente ocorrer com a Lua e a Terra ao orbitarem
o Sol. (Penereiro, 2009 e Las Casas, 2010). Assim se faz presente um argumento em favor da plausibilidade do heliocentrismo. As fases de Vênus foram sistematicamente observadas em 1610 por Galileu, o que o levou a concluir que este planeta girava em torno do sol, e que não tinha luminosidade própria, apenas refletindo a luz solar. Essas observações mostram que a hierarquia cosmológica aristotélica entre os mundos sublunar e supralunar é inconsistente, já que os astros observados atentamente se comportam similarmente à Terra (Penereiro, 2009). A essas observações se pode associar a origem da forte postura de Galileu em favor do copernicanismo, já que o astrônomo valorizava imensamente a observação. A grande contribuição de Galileu para a história da filosofia não reside no pioneirismo das suas observações ao telescópio ou na formulação das leis fundamentais do movimento, mas sim no sua abordagem em relação aos fenômenos, na criação de um método científico (Pessanha, 1999). O método galileano tem como princípios a observação e experimentação e a matematização. A observação dos fenômenos deve ser livre dos preconceitos não científicos que induzam o pesquisador a uma interpretação pré-concebida. A prática experimental é essencial para qualquer teoria que se queira sustentar como ciência, para dar-lhe legitimidade. E finalmente, Galileu acredita que a interpretação da natureza se dá por meio da linguagem matemática (Pessanha 1999). Pelo método, a ciência vai do sensível ao sensível, da observação à experiência. É somente no experimento controlado, com manipulação de variáveis conhecidas que se pode solucionar os problemas. Quando observamos a trajetória científica de Galileu, é possível notar sua obediência ao método, o que o faz opor-se à tradição religiosa e filosófica da época. Vale observar que a ciência de origem aristotélica já fora muito lapidada e se coaduna com as interpretações das sagradas escrituras pela igreja católica. O corpo filosófico aristotélico-tomista é uma grande barreira a ser vencida, já que é adotado cegamente pelos intelectuais da igreja. Na obra Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
mundo ptolomaico e copernicano (Galilei, 2001),Galileu aborda largamente o tema da autoridade. O Diálogo é uma obra muito popular de Galileu, e visa mostrar como o sistema heliocêntrico corresponde com as observações, e seja talvez mais coerente. No fundo é uma defesa do copernicanismo feita de forma a tornar a obra publicável, já que a Igreja comandada pelo para Urbano VIII exigiu que a apresentação do sistema heliocêntrico fosse em termos de uma hipótese matemática. O texto corre na forma de um diálogo entre três personagens que discutem sobre mecânica e astronomia argumentando a favor tanto do heliocentrismo como do geocentrismo. Na segunda jornada do diálogo, Galileu mostra como os aristotélicos seguem cegamente sua obra, mantendo-se firmes nas posições mesmo contra as experiências sensíveis. Para ele, os estudiosos de Aristóteles dão peso à obra superior ao que deveriam, e por meio da exegese dos textos e conexões forçadas entre trabalhos com diferentes propósitos extraem sempre algum conteúdo explicativo para qualquer assunto. (Galilei, 2001). No diálogo, a personagem Saviati clama por uma ciência experimental livre de autoridade: “apresentai as razões e as demonstrações, vossas ou de Aristóteles, e não com textos e meras autoridades, porque nossos discursos hão de ser sobre um mundo sensível, e não sobre um mundo de papel.” (Galilei, 2001). No Diálogo, diversos argumentos são apresentados em favor da possibilidade do movimento da terra, incluindo diversas experiências de pensamento. A favor do movimento diurno, o de rotação, os princípios de simplicidade, harmonia bem como a coerência com as observações norteiam os argumentos. Atribuir movimento à Terra torna mais simples o movimento aparente das estrelas fixas, já que apenas um pequeno movimento cria o mesmo resultado do grande orbe. Também por exemplo a disparidade do movimento entre as estrelas, que descrevem pequenos círculos próximos ao polo celeste e grandes na região do equador é um problema resolvido (Galilei, 2001) Galileu usa também na segunda jornada um argumento que relaciona às orbitas conhecidas da Lua, de Marte, de Júpiter e de Saturno, mostrando que cada uma delas
aumenta quanto mais distante está o planeta. Seria desarmonioso com o resto do universo que o gigantesco orbe das estrelas fixas fizesse uma revolução a cada 24h, a mais rápida de todas. Seria coerente atribuir o movimento à Terra para sanar este problema (Galilei 2001). Embora argumentos como este não sirvam de prova ao heliocentrismo, ao menos fortalecem sua possibilidade. É necessário de qualquer forma, refutar argumentos contrários. Como diz Penereiro (2009), os defensores do geocentrismo discutem especialmente com base em duas categorias. A primeira de que corpos terrestres provisoriamente desligados de seu suporte (pedra que cai da torre, movimento dos pássaros etc) deveriam apresentar um movimento para oeste devido à rotação do planeta, mas não é isso o que se vê. A segunda categoria seria relativa à força centrífuga, que projetaria os corpos terrestres para fora da superfície, em direção ao espaço. Ao primeiro tipo de argumento, Galilei responde que um movimento que ocorra conjuntamente em vários corpos não afetaria outros movimentos que ocasionalmente ocorram. Como a clássica experiência do barco, na qual ao soltar do mastro uma pedra, esta cairá perpendicular para um espectador que esteja no navio, indiferentemente deste estar em movimento ou não, desde que não seja abrupto, os corpos terrestres também compartilhariam o movimento do planeta que seria indiferente a outro movimento que possam ter (Penereiro, 2009 e Martins, 1994). Com relação ao segundo tipo de argumento, a resposta galileana é complicada, e discorda de nossa compreensão atual. Incialmente, se um corpo se solta de outro em movimento circular, esta “expulsão” ocorrerá pela tangente. Galileu observou também que o afastamento da trajetória pela tangente é menor quanto maior for o raio. Ele atribui, equivocadamente, que os efeitos centrífugos tem proporção inversa em relação ao centro, e logo, devido ao grande diâmetro da Terra, a gravidade seria o bastante para evitá-lo (Penereiro, 2009 e Martins, 1994). Os esforços de Galileu na refutação dos argumentos geocentristas não representaram, em absoluto, o fim da discussão, já que a física subjacente às explicações não existia e
nem pode ser anunciada por ele. No campo teórico suas noções de inércia e movimento,
mesmo
que
não
claramente
formuladas,
foram
contribuições
extremamente relevantes para a pesquisa científica posterior, mas na corroboração do heliocentrismo, talvez suas descobertas astronômicas observadas ao telescópio tenham sido mais eficazes. Seguramente, o pensamento galileano carregou os intelectuais posteriores ao seu programa de investigação.
Bibliografia
GALILEI, G. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Tradução, introdução e notas de Pablo Rubén Mariconda, Discurso Editorial, São Paulo, 2001. _________. Sidereus Nuncius: O mensageiro das Estrelas. Tradução, estudo introdutório e notas de Henrique Leitão. Fundação Calouste Gulbernkian. Porto. 2010 LAS
CASAS,
R.
Aconteceu
em
1610
[Internet].
Disponível
em:
http://www.observatorio.ufmg.br/Pas95.htm. Acesso em 09 de abril de 2015. MARTINS, R. A. Galileo e a rotação da Terra. Caderno Brasileiro de Ensino de Física.
Florianópolis
v.
11
n3
p.
196-211
dez
1994.
disponível
em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7147 acesso em 09 de abril de 2015 PENEREIRO, J.C. Galileu e a Defesa da Cosmologia Copernicana: sua visão do universo. Cardeno Brasileiro de Ensino de Física. Florianópolis, v26 n1 2009. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/2175-7941.2009v26n1p173/10026 09 de abril de 2015 PESSANHA, J. A. M. Vida e Obra, in os Pensadores. Editora Nova Cultural, 1999.