TV DESTINO Central Destino de Produção
Cap. 17
14/04/2008
FOGO SOBRE TERRA Novela de
Walter de Azevedo Inspirada no original de
Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo
Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo DIOGO BÁRBARA EDUARDA ANDRÉ CELESTE LEILA CHRISTIANE JANE BICHO-BRABO BRISA LUCENA
PEDRO TONHO SANDOVAL NARA VINÍCIUS LEONOR RODRIGO FLÁVIA LÍVIA ADRIANO GUSTAVO
VERA HEITOR FRIDA LOURDES CORINA MINERVINA CHICA JULIANO
Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”
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Capítulo 17
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CENA 01. AVIÃO DE HEITOR. INTERIOR. TARDE DIOGO, BÁRBARA, EDUARDA E ANDRÉ ESTÃO SE AJEITANDO EM SEUS ASSENTOS PARA INICIAR A VIAGEM. BÁRBARA
— Não suporto andar em avião pequeno. Sempre acho que vai cair.
DIOGO
— Às vezes eles caem.
BÁRBARA FICA SEM GRAÇA. BÁRBARA
— Ai Diogo. Desculpa! Eu nem me lembrei.
DIOGO SORRI. DIOGO
— Não faz mal. Já faz tempo. Eu não me incomodo mais.
TODOS SE SENTAM E APERTAM OS CINTOS. DIOGO PERCEBE QUE EDUARDA NÃO COMPREENDEU DO QUE ELES ESTÃO FALANDO. DIOGO
— Meus pais morreram num acidente de avião. Claro que não era um como esses. Era um daqueles bimotores velhinhos. Os dois saíram de noite pra ir de Divinéia até Cuiabá, mas o avião caiu.
EDUARDA
— Eu sinto muito.
DIOGO
— Obrigado. (p) Mas como eu disse, faz tempo. Eu era criança.
BÁRBARA
— Gente, vamos mudar de assunto né? Falar de acidente de avião... Dentro de um avião? De péssimo gosto!
ANDRÉ
— Eu concordo.
BÁRBARA
— Isso! Quero todo mundo contente na nossa excursão pantaneira. Vai ter muito mato, muito mosquito, muito matuto, enfim, vai ser um porre! Acho que nós vamos nos divertir bastante!
OS QUATRO RIEM. CORTA PARA:
CENA 02. AEROPORTO. PISTA DE POUSO. EXTERIOR. TARDE Sonoplastia: “SÓ PRA VARIAR” – BARÃO VERMELHO. O JATINHO COMEÇA A TAXIAR PELA PISTA, ATÉ ALCANÇAR VELOCIDADE E DECOLAR. CORTA PARA:
CENA 03. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE
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Capítulo 17
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CELESTE E LEILA ESTÃO CONVERSANDO. LEILA
— Você pediu pro Gustavo vir aqui?
CELESTE
— Pedi.
LEILA
— Mas pra quê?
CELESTE
— Porque eu resolvi ajudar esse rapaz a conquistar a Bárbara.
LEILA OLHA PARA CELESTE POR ALGUNS SEGUNDOS E DEPOIS RI. LEILA
— Você tá doida, Celeste?
CELESTE
— Doida por quê?
LEILA
— Você me disse que a Bárbara não suporta o Gustavo.
CELESTE
— Também não é assim. Não suportar é uma coisa um pouco forte. (p) Ela acha ele chatinho. E é. Nesse ponto eu tenho que dar o braço a torcer. Bárbara tá certa.
LEILA
— O menino deve ser chato mesmo.
CELESTE
— Pegajoso. Vive correndo atrás. Mas é bonito, rico, de boa família. Acho que ele seria um bom marido pra Bárbara.
LEILA
— Não tô te entendendo, Celeste. Resolveu agora dar uma de cupido e ainda por cima com a Bárbara? Vocês duas não se suportam. O que tá passando aí na sua cabeça? Qual é o seu plano?
CELESTE
— Plano?! Que coisa horrível, Leila! Plano soa tão maquiavélicos. (p) Tá. Eu sei que é estranho mesmo, mas é claro que eu tenho os meus interesses.
LEILA
— É claro.
CELESTE
— Se eu consigo fazer a Bárbara se interessar pelo Gustavo, pra mim vai ser ótimo. Já pensou se ela se casa e vai embora? Essa casa ia ficar uma maravilha.
LEILA
— Doce ilusão a sua. Celeste, você tá cansada de saber que a Bárbara não quer casar. Ainda mais com o Gustavo! Se ela souber que você está ajudando então, pior ainda.
CELESTE
— É claro que ela não vai saber. (p) Eu ainda não pensei direito no que eu vou fazer. Vou conversar com o rapaz, estudar o jeito dele, pensar um pouco, aí eu vejo direitinho qual vai ser a melhor estratégia.
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LEILA
— Só quero ver no que vai dar isso. Se você conseguir juntar esses dois, eu vou passar a acreditar que você pode conseguir qualquer coisa.
CELESTE
— Então pode começar a acreditar. Meu bem, quando eu boto uma coisa na cabeça, não têm quem tire. Eu vou juntar o Gustavo e a Bárbara de qualquer jeito. (p) Pode apostar.
CORTA PARA:
CENA 04. VANCOUVER/CANADÁ. EXTERNA. TARDE Sonoplastia: “NEVER SURRENDER” – COREY HART. PONTOS DE VANCOUVER.
TOMADAS MOSTRANDO
CORTA PARA:
CENA 05. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. TARDE CHRISTIANE ENTRA APARENTANDO ESTAR DE PÉSSIMO HUMOR. APANHA O CELULAR DE DENTRO DA BOLSA E FAZ UMA LIGAÇÃO. AGUARDA ALGUNS INSTANTES, REPETE A LIGAÇÃO E NOVAMENTE NÃO CONSEGUE. CHRISTIANE
— Caixa postal! Odeio quando o Diogo coloca essa porcaria desse celular na caixa postal!
CHRISTIANE FAZ OUTRA LIGAÇÃO. CHRISTIANE
— Alô! Mãe? (p) Mãe, sou eu. (p) Mãe, eu tô completamente perdida. Preciso tanto da sua ajuda!
CORTA PARA:
CENA 06. CASA DE JANE/SÃO PAULO. EXTERIOR. TARDE A CAM MOSTRA UMA IMENSA CASA NOS JARDINS. É ANTIGA PORÉM MUITO BEM CONSERVADA. JANE (OFF)
— Ajuda pra quê? Minha filha, o que é que está acontecendo?
CORTA PARA:
CENA 07. CASA DE JANE. SALA. INTERIOR. TARDE JANE, FALANDO AO TELEFONE E SEGUIDA PELA EMPREGADA, VAI ANDANDO DA SALA DE JANTAR, PASSA PELA SALA E VAI ATÉ O ESCRITÓRIO. JANE
— Christiane, fala devagar que eu não estou entendendo nada. (p) O Diogo está aqui no Brasil? (p) Não vá me dizer que vocês se separaram? (p) Calma! Não precisa ficar nervosa! Eu só perguntei. Não ia ser a
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primeira vez. (p) Não filha. Se eu estou perguntando se ele está aqui no Brasil é porque o Diogo não me procurou. Faz tempo que ele chegou? (p) Sei. AO CHEGAR AO ESCRITÓRIO, JANE DISPENSA A EMPREGADA COM UM MOVIMENTO DE MÃO E SE SENTA NA POLTRONA. JANE
— Como é? O Heitor quer que vocês voltem para cá?
CORTA PARA:
CENA 08. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. TARDE CONTINUAÇÃO. CHRISTIANE, NERVOSA, ANDA PELA SALA. CHRISTIANE
— Quer! Ele quer construir uma porcaria de uma hidrelétrica e cismou que o Diogo precisa trabalhar com ele!
JANE (OFF)
— Mas isso vai ser ótimo pro seu marido, Christiane!
CHRISTIANE
— Mas vai ser péssimo pra mim, mãe! Será que ninguém me entende?!
CHRISTIANE COMEÇA A CHORAR. CHRISTIANE
— Mãe, eu mudei a minha vida toda pra poder fazer o Diogo feliz! Eu vim pra cá só por causa disso! (p) Eu sei que já fiz um monte de burrada. Sei que sou neurótica, possessiva, mas eu tô me esforçando tanto pra mudar, mãe. (p) Eu não quero colocar tudo isso a perder.
JANE (OFF)
— Calma, minha filha. Não é porque vocês vão voltar pro Brasil que alguma coisa vai mudar. Pode até ser bom.
CHRISTIANE
— Mas pode não ser! (p) Eu estou tão perdida, mãe. Queria tanto que a senhora estivesse aqui comigo.
JANE (OFF)
— Não fala assim, meu amor. Eu fico com o coração partido. (p) Você quer que eu vá pro Canadá? Eu vou.
CHRISTIANE ENXUGA AS LÁGRIMAS. CHRISTIANE
— Não, mãe. Deixa. Eu... Eu vou dar um jeito nisso.
JANE (OFF)
— Têm certeza?
CHRISTIANE
— Tenho. Fica tranqüila.
JANE (OFF)
— Se precisar, me liga que eu vou.
CHRISTIANE
— Ligo sim.
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JANE (OFF)
— E a Vivi?
CHRISTIANE
— Tá ótima. Tá na escolinha agora. (p) Mãe, eu vou desligar. Um beijo.
JANE (OFF)
— Outro, meu amor.
CHRISTIANE DESLIGA O TELEFONE. Sonoplastia: “ME DEIXAS LOUCA” – ELIS REGINA. CHRISTIANE VOLTA A CHORAR, DESSA VEZ COMPULSIVAMENTE. CORTA PARA:
CENA 09. CASA DE JANE. ESCRITÓRIO. INTERIOR. TARDE A MÚSICA DA CENA ANTERIOR CONTINUA. JANE ESTÁ SENTADA, TRISTE, PENSANDO NA FILHA. JANE
— Você não precisava passar por nada disso, minha filha. Tão bonita. Tão inteligente.
JANE LEVANTA, APANHA A BOLSA E SAI. CORTA PARA:
CENA 10. EXTERNA. TARDE A TOMADA MOSTRA O AVIÃO DE HEITOR VOANDO. CORTA PARA:
CENA 11. AVIÃO. INTERIOR. TARDE DIOGO, BÁRBARA, EDUARDA E ANDRÉ ESTÃO SENTADOS CONVERSANDO. BÁRBARA
— Então a Eduarda é a única de nós que se livrou da praga de ter nascido em Divinéia?
EDUARDA
— Eu sou de Santos. Não sabia que você também era de Divinéia.
BÁRBARA
— Pois é, menina! Me diz se eu mereço uma coisa dessas!
DIOGO
— Bárbara é de lá, mas só morou quando era pequena.
BÁRBARA
— Graças a Deus!
EDUARDA
— E você, Diogo? Morou quanto tempo lá?
DIOGO
— Saí de Divinéia quando eu tinha uns dez anos. Logo depois que meus pais morreram.
EDUARDA
— E foi pra São Paulo?
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DIOGO
— Pra Cuiabá. Naquela época o tio Heitor morava lá. Só mais tarde é que nós nos mudamos pra São Paulo.
BÁRBARA
— E que foi a melhor coisa que podia acontecer. Eu nasci pros grandes centros. Alguém aqui consegue me imaginar numa cidadezinha?
ANDRÉ
— Mas Cuiabá é uma capital. Uma cidade moderna.
BÁRBARA
— Eu sei disso, mas ainda assim, é pequena demais pra mim. Já tô achando que nem São Paulo me segura.
OS QUATRO RIEM. BÁRBARA
— O que demorou mais tempo pra sair de Divinéia foi o André.
ANDRÉ
— É. Saí pra fazer faculdade.
BÁRBARA
— Você precisava ver quando ele chegou que bonitinho o jeito que ele falava. Capiauzinho!
ANDRÉ RI. ANDRÉ
— Também não era assim, Bárbara.
BÁRBARA
— Era sim. Era um tal de “ocê” pra lá, “ocê” pra cá. Parecia o Chico Bento.
EDUARDA
— Eu queria muito ver isso.
BÁRBARA
— Vai ver. Não com o André, claro, porque ele já aprendeu a falar que nem gente, mas espera a gente chegar lá no povoado que você só vai escutar gente falando assim.
DIOGO
— A Bárbara fala, mas Divinéia têm as suas qualidades.
BÁRBARA
— Têm, claro. A maior delas é ficar quilômetros de distância longe de mim.
DIOGO
— Eu sinto falta de muita coisa de lá.
EDUARDA
— Do quê?
DIOGO
— Andar a cavalo, tomar banho no rio. Pescar!
BÁRBARA
— Que coisa mais bucólica. A criatura nem parece que mora no Canadá. Me senti do lado do Jeca Tatu agora. Só falta me dizer que sente falta de ter bicho de pé, também.
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DIOGO
— Aí também é exagero. (p) Mas eu sinto falta de bastante coisa. Parece que antigamente, quando eu morava lá, a vida era mais simples. Eu não tinha que me preocupar com tanta coisa.
EDUARDA
— Vai ver porque você era criança.
DIOGO
— É. Eu sei disso. Racionalmente eu sei, mas nessas horas, o que conta mesmo é o sentimento, né? É essa sensação de que a gente era feliz e não sabia.
BÁRBARA
— Enquanto vocês ficam nesse momento nostalgia eu vou pegar alguma coisa pra beber. Vocês querem?
ANDRÉ
— Eu quero.
EDUARDA
— Eu aceito também.
BÁRBARA
— Pelo jeito todo mundo aqui gosta de uma birita e só a Bárbara é quem leva a fama. Eu sou é uma santa. Quer alguma coisa, Diogo?
DIOGO
— Não, obrigado.
BÁRBARA SE LEVANTA PARA PEGAR AS BEBIDAS. DIOGO ENCOSTA O ROSTO NA JANELA NOSTÁLGICO, OLHANDO PARA FORA. Sonoplastia: “SAUDADE DA MINHA TERRA” – SÉRGIO REIS. EDUARDA FICA OBSERVANDO DIOGO SEM QUE ELE PERCEBA. CORTA PARA:
CENA 12. DIVINÉIA. CAMPO. EXTERNA. TARDE AINDA COM A MÚSICA DA CENA ANTERIOR, SÃO MOSTRADAS TOMADAS DO GADO NO PASTO, AS PESSOAS TRABALHANDO NAS PLANTAÇÕES, ALGUMAS AMARELADAS PELA SÊCA, ALÉM DAS CRIANÇAS BRINCANDO ÀS MARGENS DO RIO JURAPORI. CORTA PARA:
CENA 12. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. EXTERNA. TARDE BICHO-BRABO ESTÁ SENTADO NA VARANDA. A CHARRETE TRAZENDO BRISA APARECE NA PORTEIRA E VAI ATÉ A PORTA DO SÍTIO. O RAPAZ SE LEVANTA E VAI ATÉ ELA. BRISA
— O que ocê tá fazeno aqui, Bicho-Brabo?
BICHO
— Vim lhe vê.
BICHO AJUDA BRISA A DESCER DA CHARRETE.
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BICHO
— Até parece que ocê num gostô de me vê.
BRISA
— Ocê num seja tonto! Claro que eu gostei. Só que ocê ainda num pode ficá passeando por aí. Tá se recuperano do tiro.
BICHO
— Tô bão já.
BRISA
— Vamo entrá que eu lhe passo um café.
BRISA E BICHO-BRABO VÃO ANDANDO NA DIREÇÃO DA CASA E CONVERSANDO. CORTA PARA:
CENA 13. FAZENDA DE JOÃO. ESCRITÓRIO. INTERIOR. TARDE LUCENA ESTÁ SENTADO. PEDRO ENTRA. PEDRO
— Tonho me disse que ocê quer falar comigo.
LUCENA
— Quero sim, Pedro. Entra e senta.
PEDRO
— Dá licença.
PEDRO FECHA A PORTA E SE SENTA. LUCENA
— Acho que ocê já sabe qual é o assunto.
PEDRO
— Imagino. A minha briga com Nilo.
LUCENA
— É isso mesmo.
PEDRO
— Tá todo mundo de prova que foi ele quem me provocou.
LUCENA
— Ocê num precisa me dizê isso. Lhe conheço desde pequeno, Pedro. Sei que ocê num é home de molecagem e nem de criá confusão.
PEDRO
— Bom saber disso, Lucena.
LUCENA
— Também num tô dizendo que Nilo num seja uma boa pessoa. Num é isso. Ele é um home de confiança, um ótimo funcionário. Pau pra toda obra. O problema é esse gênio dele. Esse jeito meio encrenqueiro.
PEDRO
— E parece que ele gosta de encrencar comigo.
LUCENA
— Claro que não, Pedro. Num tome isso como uma coisa pessoal. (p) É claro que o santo dos dois num bate. Num vô ficá aqui tentando cobri o sol com a peneira. Acontece que Nilo provoca todo mundo. Eu quero que ocê releve. (p) E também quero lhe pedi que num aceite mais esse tipo de provocação. Todos os outros peões lhe respeitam. Ocê têm que dá o exemplo.
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PEDRO
— Tenho que dar o exemplo, mas também não posso deixar o sujeitinho chegar e falar pra mim o que quiser.
LUCENA
— Quanto a isso, ocê fique tranqüilo. Já conversei com Nilo. Isso num vai se repetir.
PEDRO
— É só ele não me provocar, Lucena.
LUCENA
— Ele me garantiu que não vai mais fazer. (p) Mas por enquanto acho melhor deixar vocês separados. (p) Vou lhe mandar pra Araguaiana.
PEDRO FICA SURPRESO. PEDRO
— Como é?
LUCENA
— É. Preciso de uma pessoa lá em Araguaiana. Tô tendo um problema lá com o capataz. Ocê vai, resolve tudo e a gente mata dois coelho com uma cajadada só. Resolve o meu problema e ainda fica afastado de Nilo.
PEDRO
— Eu num tô acreditando numa coisa dessas, Lucena!
LUCENA
— Num tô lhe entendendo.
PEDRO
— Isso tá parecendo um castigo por causa da briga! Nilo me provoca e eu que sou mandado pra longe enquanto ele fica todo faceiro por aqui, como se nada tivesse acontecido.
LUCENA
— Num é nada disso, Pedro. Ocê me entendeu errado. Tô lhe mandando porque sei que ocê é capaz de resolver a situação por lá. Nilo não. É capaz até de piorar. Não é nenhum castigo, é confiança em você e na sua capacidade.
PEDRO
— Sei. Acontece que a última vez que eu saí de Divinéia, fizeram o que fizeram comigo. Me roubaram!
LUCENA
— Eu também já pensei nisso. Vou mandar os homens aqui da fazenda pra tomarem conta da sua casa. Ninguém vai se aproximar sem a autorização de Nara. Quanto a isso, ocê pode ficá tranqüilo. (p) Voltando ao nosso assunto, preciso que ocê vá embora pra Araguaiana hoje, sem falta.
PEDRO SE LEVANTA, CONTRARIADO. PEDRO
— Tá certo, Lucena! Eu vô prepará minhas coisa pra viagem. Ocê me dê licença!
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PEDRO SAI BATENDO A PORTA. LUCENA COMEÇA A RIR, COMO SE TIVESSEM LHE CONTADO UMA PIADA. DEPOIS DE UM TEMPO ELE APANHA O TELEFONE E FAZ UMA LIGAÇÃO. LUCENA
— Seu Heitor? (p) Aqui é Lucena. (p) Acho que eu resolvi aquele seu problema. (p) Dei um jeitinho de tirá Pedro Azulão de Divinéia. (p) Sabia que o senhor ia ficá contente.
CORTA PARA:
CENA 14. FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. TARDE TONHO E SANDOVAL ESTÃO CONVERSANDO. PEDRO SAI DA CASA FURIOSO. OS AMIGOS PERCEBEM. SANDOVAL
— O que aconteceu, Pedro? Que cara é essa?
TONHO
— Parece inté que tá soltando fogo pelas venta.
PEDRO
— E tô mesmo. Se pudesse, matava esses dois sujeitinho!
TONHO
— Mas de quem é que ocê tá falano?
SANDOVAL
— De quem ocê acha? Só pode sê de Nilo e Lucena.
PEDRO
— Esses dois mesmo! Ocê acredita que Lucena me mandou pra Araguaiana?
SANDOVAL
— Fazê o que lá?
PEDRO
— Nem perguntei de tanta raiva que eu fiquei! O coisa ruim me disse que tá fazeno isso pra deixar eu e Nilo afastado um do outro pra evitá confusão.
SANDOVAL
— Mas o outro que arranja o pobrema e ocê é quem paga?
PEDRO
— Eu disse isso pra ele. O cachorro me disse que num é nada disso. Tá me mandando porque sabe que eu posso resolver as coisas por lá e Nilo não. Ainda quis que parecesse prêmio.
TONHO
— E ocê vai?
PEDRO
— E tenho outro jeito? Ainda mais agora que roubaram os boi. Dependo desse trabalho aqui pra sobreviver. (p) Não posso falar não. Diacho!
PEDRO VAI EMBORA. SANDOVAL
— O que eles fazem com o Pedro é coisa de gente sem coração. É muita maldade com o pobre.
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TONHO
— Mas por que eles perseguem ele assim?
SANDOVAL
— Num sei, Tonho. Mas isso é coisa deles. Coisa que vêm do passado. Quando menos a gente souber, melhor.
CORTA PARA:
CENA 15. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. COZINHA. INTERIOR. TARDE BICHO-BRABO ESTÁ DE PÉ. BRISA COLOCA CAFÉ NUMA CANECA E ENTREGA PARA ELE. BRISA
— Fresquinho. Do jeito que ocê gosta.
BICHO
— Agradecido.
BICHO-BRABO DÁ UM GOLE NO CAFÉ. BRISA
— Tá bão?
BICHO
— O melhor café que eu já tomei.
BRISA
— Exagerado. Senta aí.
BICHO
— Eu já vou me embora. Só passei pra lhe ver mesmo. E... Pra agradecê.
BRISA
— Agradecê?
BICHO
— O cuidado que ocê teve comigo lá no hospital.
BRISA
— Ah! Imagina. Num têm nada que agradecê.
BICHO
— Têm sim. (p) Eu cresci sozinho, Brisa. Nunca tive quem olhasse por mim, quem se preocupasse. Pra mim, isso tudo que ocê fez é muito importante.
BRISA FICA SEM GRAÇA. BRISA
— Num foi nada.
BICHO COLOCA A CANECA DE CAFÉ SOBRE A MESA E SEGURA A MÃO DE BRISA. BICHO
— Pra mim foi. Ainda mais por tê sido ocê quem ficô do meu lado inté eu melhorá.
BRISA
— Deixa disso, Bicho-Brabo. Assim ocê me deixa sem graça.
BICHO
— Brisa.
BICHO-BRABO PASSA A MÃO PELO ROSTO DE BRISA.
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BICHO
— Aquilo que eu lhe disse no hospital, era verdade.
BRISA
— O... O quê?
BICHO
— Que eu num me importava de levá outro tiro se fosse pra tê ocê do meu lado.
BRISA
— Bicho...
BICHO
— Eu queria tanto que ocê aceitasse o meu amor. Ninguém vai amá ocê do jeito que eu amo.
BICHO APROXIMA SEU ROSTO DO DE BRISA. Sonoplastia: “NÃO CONSIGO ACREDITAR QUE PERDI VOCÊ” – SYMONY. AOS POUCOS ELE VAI ENCOSTANDO SEUS LÁBIOS NOS DE BRISA E OS DOIS SE BEIJAM. É UM BEIJO SINGELO, DELICADO. BRISA NO INÍCIO PARECE RETICENTE, MAS DEPOIS SE ENTREGA. O BEIJO DURA ALGUNS SEGUNDOS E ENTÃO BRISA SE AFASTA RAPIDAMENTE DE BICHO-BRABO. BRISA
— Ocê num devia de tê feito isso!
BICHO
— Mas ocê gostou. Gostou que nem eu.
BRISA
— É melhor ocê ir embora.
BICHO
— Brisa...
BRISA
— Por favor, Bicho! Tô lhe pedindo.
BICHO-BRABO FICA EM SILÊNCIO POR ALGUNS SEGUNDOS. BICHO
— Tá bom. Eu vou lhe atendê.
BICHO-BRABO PEGA SEU CHAPÉU E ANDA ATÉ A PORTA. BICHO
— Eu tô ino embora, feliz. Tô trazeno o gosto da sua boca na minha.
BICHO-BRABO VAI EMBORA E BRISA SE SENTA, COMO SE ESTIVESSE ALIVIADA. BRISA
— Eu num podia de tê me deixado levá desse jeito. Num podia de tê feito isso com André. É dele que eu gosto.
BRISA SE LEVANTA E SAI. CORTA PARA:
CENA 16. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. QUARTO DAS GAROTAS. INT. TARDE
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BRISA ENTRA, ABRE A GAVETA DO CRIADO MUDO E TIRA A FOTO DE ANDRÉ. SE SENTA NA CAMA E FICA OLHANDO, AINDA AO SOM DA MÚSICA DA CENA ANTERIOR. BRISA
— Por que ocê foi embora assim, André? Num me escreve e nem me manda uma notícia. (p) Por que ocê me esqueceu desse jeito?
AS LÁGRIMAS CAEM DO ROSTO DE BRISA, QUE SE ABRAÇA À FOTOGRAFIA. CORTA PARA:
CENA 17. FAZENDA DE JOÃO. QUARTO DE PEDRO. INTERIOR. TARDE PEDRO, AINDA BRAVO, ESTÁ ARRUMANDO SUA MOCHILA. NARA OBSERVA, TAMBÉM FURIOSA. NARA
— Quando eu lhe digo que esse Lucena é um peste, ocê fala que eu exagero! Aquilo ali é que nem o patrão dele. Por isso os dois se são bem!
PEDRO
— É, mas não adianta eu ficá aqui reclamando. Enquanto num arranjá outra coisa, eles são meus patrão. Tenho que fazê o que eles mandam.
NARA
— Desaforo.
PEDRO
— E ocê fique tranqüila, que Lucena me disse que vai colocá uns home pra tomar conta aqui da fazenda. Pra evitar que aconteça o que aconteceu da outra vez que eu fui viajar.
NARA
— Num sei se isso é bão ou ruim. Acho que eu fico mais segura sozinha do que com os home de Lucena por aqui.
PEDRO
— Também acho.
NARA ESTRANHA. NARA
— Por que ocê tá falano isso?
PEDRO
— Nada. Besteira minha.
PEDRO FECHA A MOCHILA E OLHA PARA NARA. NARA
— Lhe conheço desde pequeno. Ocê num é de ficá falano as coisa a toa.
PEDRO
— Nara... Eu num sei de nada. Só sei que... Só sei que talvez seja melhor, nos dia que eu tive fora, que ocê durma na casa de Chica ou de Donana.
NARA
— Ara! E por que isso? O que é que tá aconteceno, Pedro? Ocê num me esconda as coisa!
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PEDRO
— Num tô lhe escondendo nada. É só uma cisma minha. Da outra vez que eu viajei, atacaram a fazenda. Não custa a gente se precavê. (p) Ocê faz isso por mim? Passa a noite em outro lugar?
NARA
— Passo. Eu vou pra casa de Donana.
PEDRO
— Assim eu fico mais tranqüilo.
PEDRO ABRAÇA NARA E LHE DÁ UM BEIJO NA TESTA. PEDRO
— Fique com Deus.
NARA
— Ocê vá com ele.
PEDRO SAI E NARA FICA PREOCUPADA. CORTA PARA:
CENA 18. CUIABÁ. EXTERNA. TARDE TOMADAS MOSTRANDO CUIABÁ. CORTA PARA
CENA 19. APARTAMENTO DE LEONOR. SALA. INTERIOR. TARDE VINÍCIUS ESTÁ DEITADO NO SOFÁ VENDO TV. O TELEFONE TOCA E ELE ATENDE. VINÍCIUS
— Alô. (p) Sou eu. Beleza? (p) Quando isso? (p) Final de semana? (p) Hoje? Ah cara, não sei. Preciso falar com a minha mãe. (p) Porque é ela quem libera a verba. (p) Que horas vocês vão sair? (p) Precisava fazer tudo corrido, em cima da hora? (p) Eu vou preparar a minha mochila e passo na loja pra falar com a minha mãe. Se ela deixar já vou direto pra sua casa. (p) Abraço.
VINÍCIUS DESLIGA O TELEFONE E VAI PARA O QUARTO. CORTA PARA:
CENA 20. LOJA. INTERIOR. TARDE LEONOR ESTÁ ACABANDO DE ATENDER UMA CLIENTE ENQUANTO VINÍCIUS ESPERA. LEONOR
— Se ele não gostar do modelo ou da cor, é só vir trocar. Pode falar com qualquer uma das meninas. Não pode esquecer de trazer a nota fiscal. Muito obrigado.
A CLIENTE VAI EMBORA E LEONOR SE APROXIMA DE VINÍCIUS.
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VINÍCIUS
— Não sei porque você fica atendendo essa mulherada chata. Você não é gerente da loja?
LEONOR
— E você acha que gerente fica só olhando e mandando os outros fazerem as coisas? A gente têm que meter a mão na massa. Dar exemplo. O que você têm de tão urgente pra falar comigo que não podia esperar eu chegar em casa.
VINÍCIUS
— Sabe o Rodrigo?
LEONOR
— Sei.
VINÍCIUS
— Ele me chamou pra gente ir pra fazenda do pai dele.
LEONOR
— Aonde fica essa fazenda?
VINÍCIUS
— Uns sessenta quilômetros daqui.
LEONOR
— E quem vai?
VINÍCIUS
— A galera de sempre. Quase todo mundo já foi lá em casa. A senhora conhece.
LEONOR
— E de adulto?
VINÍCIUS
— Mãe, nós já somos adultos!
LEONOR RI. LEONOR
— Eu sei. Me desculpa. É o hábito. Eu quero dizer quem de mais velho vai. O pai dele, a mãe?
VINÍCIUS
— Os pais dele vão estar lá. (p) A senhora me trata como se eu fosse criança. Têm amigo meu que nem avisa os pais. Vai e pronto.
LEONOR
— Porque não são meus filhos. Deixa eles um mês na minha casa que eu coloco todo mundo na linha.
OS DOIS RIEM. LEONOR
— Quando vocês estão querendo ir?
VINÍCIUS
— Agora.
LEONOR
— Como, agora, Vinícius! Tá doido?
VINÍCIUS
— O que a senhora quer que eu faça? Ele me ligou agora.
LEONOR
— Não sei.
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VINÍCIUS
— Ah, mãe! Pelamor!
LEONOR
— Vocês vão como? Com quem?
VINÍCIUS
— O Rodrigo e o Tato têm carro. Vai todo mundo com eles.
LEONOR
— Tenho um medo de ver você no carro com essa rapaziada. A gente escuta cada história.
VINÍCIUS
— Vai começar.
LEONOR
— Não é começar, Vinícius! Eu sou mãe. Me preocupo.
VINÍCIUS
— Mas se for pensar assim, eu nunca vou poder fazer nada! Vou ficar mofando em casa e...
LEONOR
— Tá bom, Vinícius! Eu deixo!
VINÍCIUS SORRI PARA A MÃE. VINÍCIUS
— Tá falando sério?
LEONOR
— Tô. Tô falando sério. Se eu não deixar você vai ficar com um bico o final de semana inteiro. Sem contar o humor!
VINÍCIUS ABRAÇA E BEIJA A MÃE. VINÍCIUS
— Sabia que a senhora ia deixar. A senhora é a melhor mãe do mundo!
LEONOR
— Se eu não deixasse, ia ser uma megera. (p) Mas escuta aqui.
VINÍCIUS SOLTA A MÃE. VINÍCIUS
— Fala, dona Leonor.
LEONOR
— Eu quero que você me prometa que não vai fazer nada errado. Que vai ter juízo.
VINÍCIUS
— E eu alguma vez já aprontei?
LEONOR
— Não.
VINÍCIUS
— Então pronto, né mãe! Nem precisa falar isso.
LEONOR
— Você vai pra casa agora arrumar a mala?
VINÍCIUS
— Não.
VINÍCIUS MOSTRA A MOCHILA.
FOGO SOBRE TERRA VINÍCIUS
Capítulo 17
Pag.: 18
— Já tá pronta.
LEONOR OLHA PARA O FILHO SEM ACREDITAR E DEPOIS RI. VINÍCIUS
— Não dava pra perder tempo.
LEONOR
— E se eu não deixasse?
VINÍCIUS
— Aí eu voltava pra casa com a mochila. (p) Tenho que ir agora.
LEONOR
— Me liga quando chegar lá.
VINÍCIUS
— Ligo sim.
LEONOR
— E dinheiro?
VINÍCIUS
— Peguei do que sobrou lá dos livros. Beijo.
VINÍCIUS SAI CORRENDO. LEONOR
— Mas será possível que eles precisam fazer tudo nessa correria? Quando eu tinha a idade dele a coisa não era assim.
CORTA PARA:
CENA 21. CUIABÁ. EXTERIOR. TARDE RODRIGO, FLÁVIA, LÍVIA E ADRIANO ESTÃO DO LADO DE FORA DO CARRO CONVERSANDO. VINÍCIUS CHEGA. RODRIGO
— Demorou, cara!
VINÍCIUS
— Tava falando com a minha mãe pra ver se ela liberava.
RODRIGO
— Liberou?
VINÍCIUS
— Claro, né!
ADRIANO
— Sabia que dona Leonor não ia empatar.
VINÍCIUS
— Vamos embora, então?
RODRIGO
— Demorou!
TODOS ENTRAM NO CARRO. CORTA PARA:
CENA 22. SÃO PAULO. EXTERIOR. TARDE
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 19
Sonoplastia: “MEMÓRIA DA PELE” – JOÃO BOSCO. TOMADAS MOSTRANDO A CIDADE DE SÃO PAULO E TERMINANDO COM O PRÉDIO DE HEITOR. CORTA PARA:
CENA 23. CASA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE CELESTE E GUSTAVO ESTÃO SENTADOS CONVERSANDO. CELESTE
— Que bom que você aceitou o meu convite, Gustavo.
GUSTAVO
— Você sabe que é um prazer pra mim vir aqui, conversar com você e o Heitor. Gosto muito de vocês.
CELESTE
— Nós também gostamos muito de você.
GUSTAVO
— Que bom. Eu fico feliz em saber disso. (p) Mas eu confesso que estranhei um pouco o seu convite.
CELESTE
— Estranhou? Por quê?
GUSTAVO
— Um convite assim, no meio da tarde. Um pouco em cima da hora.
CELESTE
— É. Eu sei que não foi muito elegante da minha parte.
GUSTAVO
— Imagina. A questão não é essa. É que... É que ficou parecendo que você tinha... Algum assunto em especial pra falar comigo.
CELESTE OLHA PARA GUSTAVO POR ALGUNS INSTANTES E SORRI. CELESTE
— Tá bem. Eu confesso que não lhe chamei aqui à toa.
GUSTAVO
— Eu imaginei.
CELESTE
— Mas foi com a melhor das intenções.
GUSTAVO
— Disso eu não tenho dúvida.
CELESTE
— Então vamos logo ao assunto. A Bárbara.
GUSTAVO
— Eu tinha quase certeza que o assunto era esse.
CELESTE
— Como estão as coisas entre vocês?
GUSTAVO
— Não estão. Ela simplesmente não me quer por perto.
CELESTE
— Não fale isso, Gustavo.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 20
GUSTAVO
— Mas é verdade. Ela foge de mim como se eu tivesse alguma doença contagiosa. Mas a culpa é minha. Eu fico em cima, sufoco. Ninguém gosta disso.
CELESTE
— Isso é verdade.
GUSTAVO
— A Talita mesmo já me disse isso. Que eu não deveria procurar tanto a Bárbara. Deixar ela sentir a minha falta, sumir por um tempo, mas é mais forte do que eu. Quando eu vejo, já fiz.
CELESTE
— Ah, mas nós precisamos dar um jeito nisso.
GUSTAVO
— Nós?
CELESTE
— Nós. Eu vou me empenhar pessoalmente pra que a Bárbara mude essa idéia que têm de você.
GUSTAVO
— Você... Você tá falando sério?
CELESTE
— Mas é claro, meu querido. (p) Gustavo, tanto eu quanto o Heitor, achamos que você é o homem ideal pra Bárbara. Um rapaz sério, responsável, com a cabeça no lugar. É tudo que ela precisa. Você sabe que a Bárbara é completamente avoada. Ela precisa de alguém com os pés no chão. Alguém como você.
GUSTAVO
— Celeste, eu... Eu nem sei o que dizer. Saber que você e o Doutor Heitor acham que eu sou o homem certo pra Bárbara.
CELESTE
— Mas você tinha alguma dúvida disso?
GUSTAVO
— Não sei.
CELESTE
— Gustavo, além de todas essas qualidades, têm mais uma coisa que faz com que nós queiramos que você se case com a Bárbara.
GUSTAVO
— E o que é?
CELESTE
— Você ama a Bárbara. É por isso que nós temos certeza de que você é o homem certo pra fazê-la feliz.
GUSTAVO
— É tudo o que eu mais quero nesse mundo.
CELESTE
— Quer e vai ter.
GUSTAVO
— Mas como se ela não quer nem que eu chegue perto?
CELESTE
— Pois é. Esse é o nosso probleminha. Eu ainda não sei exatamente como. Mas não precisa se preocupar! Eu vou dar um jeito! Ainda mais
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 21
que nós vamos contar com o apoio do Heitor. A Bárbara ouve demais o pai. GUSTAVO
— Ele vai mesmo ajudar?
CELESTE
— Claro que vai. Você pode ficar tranqüilo, Gustavo. Eu, você e o Heitor, juntos, vamos fazer a Bárbara ver que você é o marido ideal pra ela.
GUSTAVO SORRI PARA CELESTE, QUE RETRIBUI. CORTA PARA:
CENA 24. CONSTRUTORA. ANTE-SALA. INTERIOR. TARDE A PORTA DO ELEVADOR SE ABRE E JANE SAI. CAMINHA ATÉ VERA. JANE
— Boa tarde.
VERA
— Boa tarde.
JANE
— Por gentileza, eu gostaria de falar com o Doutor Diogo Azulão.
VERA
— O Doutor Diogo não se encontra. Ele foi viajar.
JANE
— Viajar? Por acaso ele voltou pro Canadá?
HEITOR SAI DA SALA E VÊ JANE. VERA
— A senhora precisa falar com ele?
JANE
— Muito. Eu sou...
HEITOR SE APROXIMA. HEITOR
— Jane?
JANE
— Heitor.
HEITOR E JANE SE CUMPRIMENTAM. HEITOR
— Que surpresa.
JANE
— Pois é. Eu vim pra falar com o Diogo.
HEITOR
— Ele viajou.
JANE
— Pra onde?
HEITOR
— Vamos até a minha sala.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 22
HEITOR E JANE ENTRAM NA SALA. CORTA PARA:
CENA 25. CONSTRUTORA. SALA DE HEITOR. INTERIOR. TARDE HEITOR E JANE ESTÃO SENTADOS NO SOFÁ CONVERSANDO. JANE
— Divinéia? A cidade onde ele nasceu, não é?
HEITOR
— Isso mesmo.
JANE
— Mas o que ele foi fazer lá?
HEITOR
— Ele foi por dois motivos. Um é profissional. Foi fazer um trabalho pra mim. Um levantamento. O outro é pessoal. O Diogo queria muito rever o Pedro, o irmão dele.
JANE
— Eles não se vêem há tanto tempo.
HEITOR
— Pois é. Isso estava incomodando muito o Diogo. Resolveu de uma hora pra outra e não teve Cristo que o fizesse mudar de idéia.
JANE
— Eu estou muito preocupada, Heitor. Talvez você possa me ajudar.
HEITOR
— Mas é claro. No que estiver ao meu alcance.
JANE
— A Christiane me ligou hoje.
HEITOR
— E como ela está?
JANE
— Nada bem. Ela está com muito medo de perder o Diogo. Você sabe como a Christiane é insegura.
HEITOR
— O Diogo comentou por alto que ela não queria que ele viesse.
JANE
— Heitor, você se lembra bem do inferno em que eles viviam quando estavam aqui no Brasil.
HEITOR
— Lembro. O Diogo até havia pensado em separação.
JANE
— Eu sei. (p) Acho que a minha filha não ia agüentar isso. Quando eles mudaram pro Canadá, tudo melhorou. Eles e a Vivi conseguiram uma vida estabilizada, tranqüila.
HEITOR
— E é claro que a Christiane acha que, se eles voltarem, ela vai perder tudo isso e as coisas vão voltar a ser como eram antes.
JANE
— Exatamente.
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Pag.: 23
HEITOR
— Que medo mais bobo. O Diogo ama a Christiane. Adora a filha.
JANE
— Eu sei disso. Você também. Acontece que isso não entra de jeito nenhum na cabeça da Christiane. (p) Eu vim até aqui pra falar com o Diogo sobre isso. Mas de certa forma foi bom eu ter encontrado você em vez dele. Acho que você pode me ajudar muito mais.
HEITOR
— É? (p) E como você quer que eu ajude?
JANE
— Heitor, eu preciso que você mande o Diogo de volta pro Canadá.
HEITOR
— Como?
JANE
— A Christiane comentou comigo de um projeto sobre uma tal hidrelétrica. Sabe que você quer o Diogo nesse trabalho. Por favor, Heitor, não faça isso. Não peça pro Diogo voltar ao Brasil. Eu estou lhe pedindo isso pela felicidade da minha filha.
HEITOR FICA SEM SABER O QUE DIZER. CORTA PARA:
CENA 26. AVIÃO. INTERIOR. TARDE ANDRÉ, EDUARDA E DIOGO ESTÃO SENTADOS E QUIETOS. EDUARDA SE LEVANTA DE SEU LUGAR E SENTA AO LADO DE DIOGO. EDUARDA
— Atrapalho?
DIOGO
— Claro que não.
EDUARDA
— Você ficou quieto quase que a viagem toda. Parece que ficou triste de repente.
DIOGO
— Não. Acho que eu fiquei só um pouco nostálgico.
EDUARDA
— É verdade que você não vê o seu irmão há muitos anos?
DIOGO
— É sim. Acho que mais de vinte anos.
EDUARDA
— Nossa. Você deve estar nervoso, né? Tanto tempo assim. Deve dar um frio na barriga.
DIOGO
— Bota frio nisso. (p) Você têm contato com a sua família?
EDUARDA
— Tenho. A cada quinze dias eu dou um pulo em Santos pra ver a minha mãe e a minha irmã. Mas elas moram pertinho de mim. Uma hora no máximo de viagem.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 24
DIOGO
— Essa história da distância é uma ótima desculpa. Eu usei isso durante anos. Moro longe e não dá pra ver. (p) A verdade é que, de certa forma, eu abandonei o meu irmão. Tirei ele da minha vida.
EDUARDA
— Não fala assim, Diogo.
DIOGO
— Mas é verdade. Quase não ligava, não mandava notícia. Com o tempo parei de telefonar. Eu fui viver a minha vida. Pensei em mim e deixei o Pedro sozinho em Divinéia. Fiz isso quando era pequeno e continuo fazendo agora, depois de adulto.
EDUARDA
— E pelo jeito isso te incomoda bastante.
DIOGO
— Mais do que você possa imaginar. (p) Eu tenho medo da reação do Pedro quando a gente se reencontrar. E se ele não quiser me ver? Se não quiser falar comigo? Acho que ele têm todo o direito.
EDUARDA
— É uma possibilidade. (p) Mas é só uma possibilidade. Existem outras também. Ele pode te receber bem. Pode estar sentindo a sua falta do mesmo jeito que você está sentindo a dele. Só têm um jeito de você saber.
DIOGO
— Falando com ele.
EDUARDA
— Isso mesmo.
DIOGO
— É. Por isso que eu tô voltando pra lá. Pra tentar arrumar o estrago que eu fiz.
EDUARDA PASSA A MÃO CARINHOSAMENTE PELO CABELO DE DIOGO. EDUARDA
— Seu irmão deve saber que você seria incapaz de magoar ele de propósito. Você não é esse tipo de pessoa.
DIOGO E EDUARDA FICAM SE OLHANDO POR ALGUNS SEGUNDOS. BÁRBARA ENTRA, VINDO DA CABINE DOS PILOTOS. BÁRBARA
— Pessoas, nós estamos chegando.
DISCRETAMENTE, EDUARDA TIRA A MÃO DO CABELO DE DIOGO E SE LEVANTA. EDUARDA
— Já?
BÁRBARA
— Pois é. Até já avistei umas ocas, uns sinais de fumaça.
EDUARDA RI. BÁRBARA
— O piloto pediu pra nós nos sentarmos e colocarmos os cintos. Aliás, eu catava o piloto. Bonitinho!
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
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EDUARDA E BÁRBARA SE SENTAM E AFIVELAM OS CINTOS. BÁRBARA
— Lá vamos nós enfrentar a horda de silvículas. Seja o que Deus quiser.
CORTA PARA:
CENA 27. DIVINÉIA. HOSPITAL. SAGUÃO. INTERIOR. TARDE O MOVIMENTO É CONTROLADO. FRIDA, LOURDES, CORINA E MINERVINA CONVERSAM ENTRE SI E FALAM COM ALGUMAS PESSOAS. PEDRO ENTRA E FRIDA VAI ATÉ ELE. FRIDA
— Olá Pedro.
PEDRO
— Oi dona Frida. A Chica tá por aí?
FRIDA
— Lá dentro.
CHICA ENTRA. PARECE MUITO TRISTE. FRIDA
— Olha ela aí.
PEDRO
— Obrigado, dona Frida.
FRIDA SE JUNTA ÀS OUTRAS MULHERES E PEDRO SE APROXIMA DE CHICA. OS DOIS SE BEIJAM. PEDRO
— Ué. Por que tá com essa cara? Aconteceu alguma coisa?
CHICA PUXA PEDRO PARA UM CANTO, EVITANDO QUE AS PESSOAS OUÇAM A CONVERSA DOS DOIS. PEDRO
— O que foi, Chica?
CHICA
— O filho do seu Olavo. (p) O menino acabou de morrer.
PEDRO
— O quê?!
CHICA
— É isso mesmo. O pobre num agüentô.
PEDRO
— Isso não podia ter acontecido. Que desgraça!
CHICA ABRAÇA PEDRO. CORTA PARA:
CENA 28. RIO JURAPORI. EXTERNA. TARDE
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
Pag.: 26
Sonoplastia: “AI QUEM ME DERA” – CLARA NUNES. NARA CAMINHA PELA BEIRA DO RIO TRAZENDO UMA SACOLA. ELA CHEGA ATÉ A CASA DE JULIANO E PÁRA NA PORTA. NARA
— Juliano?! Juliano, ocê tá aí?!
NINGUÉM RESPONDE AO CHAMADO DE NARA. NARA
— Deve de tê saído com aquela bando de doido que vêm aqui atrás dele. (p) Vô entrá e esperá um pouco.
NARA ENTRA. CORTA PARA:
CENA 29. CASA DE JULIANO. INTERIOR. TARDE NARA ENTRA E VÊ JULIANO CAÍDO NO CHÃO, DESMAIADO E ENSANGUENTADO. NARA
— Ah minha Nossa Senhora!!
NARA LARGA TUDO E SE AJOELHA AO LADO DE JULIANO. SEGURA A CABEÇA DO BEATO, TENTANDO ACORDÁ-LO. NARA
— Juliano, acorda! Pelo amor de Deus, fala comigo, home!
A TOMADA PASSA DO ROSTO DESESPERADO DE NARA PARA O ENSANGUENTADO DE JULIANO, QUE PARECE QUASE NÃO RESPIRAR. A IMAGEM CONGELA E UM EFEITO DE ONDA INVADE A TELA. A ÁGUA SE TRANSFORMA EM FOGO.
FIM DO CAPÍTULO
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 17
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