Antonio Jaques de Matos
Filosofia para Adolescentes – parte 1
2009
Prefácio A presente obra vem a completar nossa primeira obra – Filosofia para Adolescentes – cujas aulas eram em boa parte, hipotéticas e, acrescentar outras áreas do conhecimento humano – Sociologia, Religião e História as quais fomos convidados a lecionar, áreas que, normalmente, professores de filosofia são brindados, especialmente em escolas públicas, que têm carência de professores dessas áreas. Mas, do limão, fizemos uma limonada, pois é muito útil poder mostrar aos alunos a diferença e semelhança entre Filosofia, Sociologia (Ciência social), Religião e História, quatro das principais formas que os seres humanos encontraram para exteriorizar seu pensamento. A elas poder-se-ia acrescer Arte. Procuraremos ser fiel à ordem das aulas e ao conteúdo ministrado, bem como, reações dos alunos (participação, engajamento, ou afastamento e repulsa, sim, repulsa à metodologia, algo comum, natural, fisiológico, em adolescentes) e resultados obtidos (formais, provas, trabalhos, apresentações e informais, expressões, humor, conversas paralelas). Procuraremos apresentar primeiro as aulas de filosofia, depois de Sociologia e, então, religião e História, Contudo, o leitor deve estar advertido que elas ocorreram em paralelo: em uma mesma semana, dávamos as três disciplinas para as cinco turmas de primeiros anos do Ensino Médio, pela manhã, turmas 211,212,213,214 e 215 e História à turma de terceiro ano do ensino médio, turma 431, no horário noturno. Queremos lembrar que a disciplina de História não era por nós esperada, mas nos foi oferecida e como professor ganha pouco, representava um acréscimo financeiro a mais. Acontece, porém, que não temos formação em História e um filósofo apenas toma emprestado as descobertas arqueológicas para refletir sobre conceitos abstratos. Mas, tal empresa representou um desafio interessante – em dois ou três finais-de-semana relemos um livro de história e recuperamos conhecimentos guardados uns vinte anos na memória, quando éramos adolescentes e ainda estávamos no colégio. Ainda, devo lembrar que passei neste ano de 2009 a usar um microfone portátil com uma pequena caixa de som de 7 watts na cintura e os alunos gostavam do equipamento, aliás, eles gostam de tudo que e relaciona à tecnologia e como nesta época da vida, a educação tem um gosto intragável e se dependesse da maioria deles não iriam à escola, o uso do microfone prendia a atenção deles. Chego a ponto de concluir que a pior aula dada por um professor, com microfone é ainda superior à melhor aula dada sem microfone!!
Considerações metodológicas: Quando se lida com adolescentes, deve-se considerar algumas questões: 1- Adolescentes são crianças com corpos de adultos, e, por isso, mantém a infantilidade em um grau elevado. Uma boa maneira de conquistar sua atenção e respeito é: (a) mostrar-lhes um filme daqueles que não precisam pensar muito, de ação ou romance, de preferência dublado; (b) distribuir-lhes guloseimas; (c) praticar esportes com eles. 2- Eles não suportam rotina, aulas que parecem, para eles, repetitivas, embora sejam apenas continuações, com acréscimos importantes. Por isso, eles dão valor a mudanças de ambiente: ir à sala de informática em um dia, ir ao pátio tomar sol no inverno, ir à sala de vídeo, etc. Aliás, quem não gosta? Mas, há um detalhe a considerar: quando eu entrei na faculdade de filosofia (a primeira que fiz foi de Administração) me senti mentalmente esgotado e, mais para o final do curso, não tinha mais vontade de ler um livro inteiro. Será que os adolescentes, em função do excesso de informação mais o conflito que vivenciam em famílias, geralmente, desestruturadas, não estão exaustos mentalmente? Pensei em um trabalho para um eventual pós-graduação: medir os batimentos cardíacos de professores e alunos para saber o grau de stress que vivem em suas atividades! 3- eles estão sem limites, pois vem de casa sem limites, os pais ou avós os deixam fazer o que bem entendem e sobre para o professor disciplinar, só que o professor não tem instrumentos que uma mãe ou um pai teriam, como o de puxar a orelha ou dar um tapa na cara diante de desobediência. A psicologia moderna dirá que isto é ultrapassado, mas lhes dar tudo o que desejam (adolescentrismo) não os educará para o mundo, pois o mundo não lhes dará tudo o que desejarem! Na escola onde trabalho neste momento, 2009, nem suspensão ou expulsão os alunos podem sofrer, pois o governo não quer mais evasão escolar, mas isto não resolve o problema de termos alunos indisciplinados e a única coisa que o professor pode fazer é tirar para fora da sala os mais desordeiros. Nada os agrada, os levamos para a sala de vídeo, para o laboratório de informática, excursionamos ao museu de ciências, em dias frios tomamos sol na rua, quando eles aproveitam para escapar! Parecem que eles esperam por limites: às vezes respondo com grosseria à indisciplina deles: já mandei alunos calarem a boca, outra vez, disse a um deles que deveria deixar de ser criança e virar homem, outras vezes chamei seus pais, porque –lhes disse – com os alunos não era mais possível um acordo. E quando os pais vêm à escola se horrorizam com o que os filhos fazem ou será que fingem? Dizem que em casa não são assim! O mais curioso disto tudo é que temos a impressão de que deixaram ao professor a tarefa de dar limites, mas como? Em geral, quando o aluno incomoda, tiramo-lo da sala, mas muitas escolas são proibidas de suspender ou expulsar alunos. O que é certo é que eles foram acostumados (condicionados, mesmo) a um tipo de aula, em escola pública, em que o professor deixa uma tarefa no quadro e sai da sala e, mais tarde, verificará se eles anotaram no caderno e fizeram professor curioso e com algum conhecimento amplo da vida. E é isso que devemos cobrar dos alunos, um ser completo, não um especialista, pelo menos, nesta época de formação escolar. Lembro que fui um estudante que esperava ansioso por novos conteúdos, pois, assim, poderia aprender o conhecimento que a humanidade dispunha e tinha acumulado. Tinha esperança, também, de que tal conhecimento representasse uma oportunidade de me tornar bem sucedido, mas há muitos obstáculos e nossos sonhos morrem antes de ultrapassar todos: burocracia, para abrir empresas, gastos para registrar marcas que imaginamos, recursos para implementar ideias, etc. podemos, ainda assim, escrever nossas ideias e publicá-las na internet de graça!
Um dos argumentos em defesa dos adolescentes é que a escola tecnologicamente está defasada com o restante dos equipamentos que os adolescentes estão habituados a trabalhar. Mas, experimente leva-los à sala de informática e pedir uma pesquisa a eles: lhe darão qualquer coisa que aparecer e apenas a copiarão, sem acrescentar opinião ou argumentos consistentes. Além disso, não estão habituados a uma comunicação de duas vias, mas apenas a receber informações prontas, pensadas por outras pessoas, cantores, especialmente. Solução? Os meus alunos de terceiro ano do ensino médio parecem arredios (uma aluna pediu que eu deixasse textos para que eles lessem e fizessem algum trabalho e eu respondi que não era ela que decidiria como eu daria aula, embora eu, nas aulas seguintes, tenha assimilado nas minhas aulas os trabalhos sem o constante monólogo do professor), desconfiados, agridem verbalmente (perguntam qual é a tarefa e não esperam a explicação ou se não a entendem dizem que a culpa é do professor, eximindose da mesma), expressam-se com receio e dificuldade de e têm pouca auto-estima, fruto de uma infância sem afeto? Mas quando há pontos ou notas envolvidos eles participam. Em parte, propus aulas que não os massacrassem com excesso de informação, questões difíceis de resolver ou provas que os fizessem estudar muito e memorizar a matéria - acho que conquistei algum respeito deles. Levei-os ao laboratório de informática, à sala de vídeo, ofereci-lhes pipoca para os motivar a assistir o DVD de Sócrates, só não fomos no museu de ciências, porque ele não abre à noite. Não é preciso mais rigor do que a exigência da presença e de alguma participação por parte deles para a escola cumprir atarefa primeira: ampliar a percepção (muitos a chamam de pôr a razão no controle, como se existisse um órgão sede da racionalidade, como bem questionou Popper) acostumada a percepções limitadas a seus hábitos cotidianos; reparem como um adolescente percebe detalhes que passam despercebidos pelos adultos: reparam o tipo de sapato que usamos, se a roupa está suja de respingos de lama (pois mesmo com chuva forte, eu vou de bicicleta para o colégio), a tudo que é pequeno eles prestam atenção! Não é por acaso, também, que eles, em geral, têm dificuldade de pensar em um nível abstrato, pois neste nível o particular e o singular (este, esta e isto ou aquilo, aquela, aquele) se encontram desfocados e se dá lugar ao “existe”, “alguns”, “todos”, expressões que não falam de uma pessoa, que tem um nome, veste uma certa roupa, moro na rua tal, mas de grupos maiores de pessoas até se o universo tem limite, o que compreende o conjunto de todas as coisas que existem dentro dele ou mesmo, por especulação, fora dele. 4- um dia apareceu no colégio um mágico. Precisavam ver a reação dos alunos, adolescentes que transpareceram as crianças que ainda estão neles. Hipnotizados, saíam das aulas sem pedir e quando chamava a atenção deles, não estavam nem aí. Senti uma inveja do poder do mágico de prender a atenção dos alunos. Certamente falta isso na educação ou, então, deixar que eles façam a mágica... de criar algo que saia de dentro deles mesmos! Um professor não tem a obrigação de ser um mágico, mas pelo menos a humildade de querer ser um mágico, para ver olhos brilhando na sua frente.
Nota sobre Avaliação Há casos sobre a avaliação que valem a pensa serem relembrados para servirem de ajuda a outros professores: (1) uma aluna de uma turma de pós-médio queixou-se de que a nota (50%) foi abaixo daquela que ela merecia. Eu chamei a sua atenção para o fato de que ela tinha pesquisado na internet, algo que eu aceitava, se ela pesquisasse com suas palavras e não apenas copiar as informações, nuas e curas. Depois, senti que eu poderia estar sendo injusto e ao encontrá-la, avisei que a nota tinha sido alterada para 70%, pois eu acreditava que ela tinha ficado muitas horas fazendo aquela pesquisa e o que ela me respondeu? Que sua secretária tinha feito o trabalho. Eu não aceitei esta atitude e voltei atrás na nota, a reduzindo. Aliás, aquela aluna era advogada e, provavelmente, seguia o pensador do Direito, Hanz Kelsen, para quem a lei não tem nada a ver com justiça!;
(2) outra vez um aluno disse que eu não tinha devolvido o trabalho dele, que eu devia ter perdido. Achei pouco provável isto. Então, ele escreveu outro, mas eu lhe disse que não consideraria. Mas, eu não poderia ter perdido ou guardado em outra pasta, poucos sabem o quanto um professor trabalha? De qualquer modo, segui minha intuição, ou seja, deixei que a parte do cérebro involuntária, recordasse e juntasse todas as memórias sobre aquele aluno e chegasse a um veredito: não aceitar o trabalho, pois o aluno está mentindo. (3) reconheci a dificuldade de fazer justiça quando avaliamos trabalhos dos nossos alunos, sugeri que se colocassem todos os trabalhos no quadro e que os avaliassem. Haveria, certamente, as panelinhas, grupos influentes que votariam uns nos outros; poderia o professor estabelecer critérios como pontualidade e assuntos que deveriam constar nos trabalhos, talvez esta seja a forma mais óbvia, mas não para mim. (4) quando estava no meu segundo ano de docência eu, diante de algum aluno que apresentava uma reflexão interessante, dava nota máxima do trimestre ou, ainda, quando eles apresentavam algum trabalho do interesse deles. Uma vez uma aluna disse, após eu falar sobre a teoria de Rousseau, de que os homens nascem bons e a sociedade os corrompe, que ela não concordava com isso, pois se a sociedade é feita de homens e estes nascem bons, como poderiam corromper outros homens que, também, nascem bons? Por isso, ela ganhou em uma argumentação a nota que outros levariam três meses para ganhar! Ainda acho interessante isso, mas vi que aquela aluna, depois, deixou de assistir às aulas e passou a participar muito pouco. (5) cometi muitos erros ao avaliar trabalhos: (a) uma vez disse que todos ganhariam a nota máxima em um trabalho, desde que o fizessem! Por que disse isso? O professor queria ser bem visto pela turma? É possível. Mas, depois, eu esqueci a promessa e dei notas abaixo daquela nota máxima e, aí, pelo menos uma aluna reclamou. Eu havia pedido que imaginassem o inferno à semelhança daquele imaginado por Dante Alighieri, mas ela disse que lá era um lugar nada tranqüilo e, depois, citou definições que eu tinha dado de purgatório e limbo. Eu não poderia dar nota máxima por algo que ela não tinha realizado bem. Seria o mesmo que dar nota a alguém que não tivesse feito nada ou tivesse escrito sobre outra coisa! De qualquer modo, procuro evitar uma prova e faço vários trabalhos para que se uma injustiça houver na avaliação na média dos trabalhos observaremos (a) o progresso do aluno e (b) o seu conhecimento adquirido. Nunca vi parte mais desagradável e injusta que julgar o trabalho de alguém ainda mais quando não há espaço para que julguem nosso trabalho. Um dos meios de amenizar tal injustiça é reduzir ao mínimo os trabalhos e fazer as provas com perguntas com alternativas. Uma outra metodologia que pensamos ser a melhor é deixar que os alunos julguem os trabalhos feitos por eles através da avaliação dos trabalhos de seus colegas; mas há o problema do espírito de corpo, da amizade acima da verdade... De qualquer modo, vale a pena um teste, não? Podemos expor os trabalhos no quadro e deixar que eles mesmos julguem: quem merece nota máxima, quem está na média e quem precisa refazer o trabalho. Será que há pontos negativos, nisso? Pode haver formação de grupos que apóiem uns aos outros, mas, ainda assim, o professor pode supervisionar para evitar injustiças. (6) pelo fato dos alunos não anotarem as notas que tiravam nos trabalhos me surgiu a idéia de pôr na parede da sala a lista de alunos assinalando quais tinham feito o trabalho e quais não para que eles aprendessem a se organizar e realizassem os trabalhos pendentes sem que o professor precisasse relembrá-los repetidas vezes. (7) houve episódios desagradáveis: além de ter que fazer os alunos adquirirem o hábito de parar de falar quando o professor está falando, certa vez tivemos atritos causados por brincadeiras do professor mal entendidas pelos alunos: certa vez, porque o colégio proibiu o uso de celular em aula, disse que um aluno que usava o aparelho só podia ter merda na cabeça, o que provocou um alvoroço em toda a sala, especialmente em um aluno que resolveu defender a colega, que chorava. Outra vez, pedi (brincando) que duas alunas parassem de namorar em aula e uma delas não gostou, disse que eu a tinha chamado de
lésbica e eu disse que ela precisava amadurecer, pois não entendeu que era uma brincadeira, especialmente porque na adolescência é comum brincadeiras relacionadas à sexualidade. Um outro fato consistiu em eu ter dito que iria atirar milho para algumas alunas que não paravam de conversar e elas entenderam que eu as estava chamando de promíscuas quando eu queria apenas dizer que elas estavam muito agitadas [fim].
Filosofia, Sociologia, Religião e História 1a aula introdutória: Na primeira aula, apresentamo-nos, nosso histórico, faculdade de origem, antes, dissemos que nos formamos em Administração, depois, arduamente, nos encontramos em Filosofia, depois de ter pensado em Arquitetura – formas e cores eram, para mim, um atrativo e mais do que isto, uma necessidade neurológica, porém perder tempo decidindo tipos de tecido ou embelezando a casa de “cabeças vazias”, nos afastou daquela idéia. Mostrei-lhes alguns livros que publiquei na internet, apresentei-lhes um livro específico que escrevi e que dele queria que eles imprimissem um texto que usaremos no segundo trimestre e, para motivá-los a se mover!, prometi 10 pontos (não queria realmente que fossem 10 pontos, mas saiu da boca!, oferecei como alternativa: dar 5 pontos para cada disciplina, filosofia, sociologia e religião, mas prefeririam os 10 pontos!): trata-se do texto, um resumo feito por mim na verdade, da obra “O povo brasileiro”, de Darcy Ribeiro, que sem igual, mostra a origem da sociedade brasileira, os povos que a formaram – índios, negros e europeus, a desigualdade presente desde o descobrimento, ou melhor, invasão! No restante da aula, apresentamos, então, as diferenças entre filosofia, ciências e religião e, depois, as semelhanças entre elas. Primeiramente, devemos observar que tendemos a ver as três áreas como separadas, tal como três propriedades, três terrenos que se limitam por cercas, muros, intransponíveis, mas isto não é verdade.
A melhor imagem seria a seguinte, onde as três áreas têm diferenças, mas, também, semelhanças. Embora o filósofo seja um solitário, que tenta entender o mundo, a partir de suas experiências e, também, das experiências que observa nos outros e a religião trás consigo verdades ditadas por líderes religiosos que dizem tê-las ouvido de um Deus e a Ciência (não esquecer: Sociologia representa aqui as ciências) parte da observação e testes realizados com uma quantidade de pessoas ou fatos significativos estatisticamente, isto é, um número que representa uma sociedade inteira, ainda assim, é sobre os mesmos fatos, é sobre a mesma vida, que filósofo, religioso e cientista se debruçam e sobre os quais fazem suas investigações, suas reflexões.
Diferenças:
Semelhanças:
Filosofia Ciências Religião Solitário, faz Pesquisador de Recebedor, pesquisas sobre suas grupamentos possuidor e próprias experiências humanos, a partir de divulgador de e observa as das fatos passados e verdades prontas pessoas que lhe são presentes. próximas Suas investigações tratam dos mesmos temas, como origem do universo, existência ou não de Deus e de uma alma imortal, sentido da vida, felicidade, infelicidade, conflito entre emoções e racionalidade, origem das sociedades, competição e concorrência, violência, contratos, estética, morte, condições de verificabilidade de suas teorias, bem, mal, costumes, leis, etc.
2a aula introdutória: Fizemos um exercício para observar se eles compreenderam a aula anterior: (A) Identifique nas sentenças abaixo quais são relacionadas à filosofia, às Ciências e à Religião: ( ) Dr. Zerbini, foi quem primeiro realizou um transplante de coração em humanos, no Brasil, após uma série de tentativas usando bezerros. A resposta é “Ciência”, embora apareça um homem solitário, ele na verdade, é um médico (as pistas são “Dr.” e “transplante”) e médicos trabalham em grupo com enfermeiros, auxiliares de enfermagem, anestesistas e residentes. ( ) René Descartes defendia que devemos ser céticos em um primeiro momento até que se prove a verdade de alguma afirmação. Um homem, solitário e, só por isso, já é “filosofia”. Também, ele expõe sua maneira de pensar sobre fatos a sua volta, a necessidade de cautela, a partir de experiências que ele viveu ou algumas de
outras pessoas que ele observou (não há um número de observações, por isso, não é “ciência”!), antes de julgar se algo que ele pensou ou que os outros disseram, é verdadeiro ou falso. Não se duvida, aqui, do caráter dos outros, apenas se sua percepção e seus sentidos lhe deram toda a informação necessária de que ele precisa para emitir sua opinião. ( ) Em Israel, encontraram um código secreto na Bíblia, a partir de versículos, onde palavras são localizadas em linhas verticais, horizontais ou em diagonais, como, por exemplo, “Bin”, “Laden”, “atacará”, “torres”, “Gêmeas”, “2001”, antes mesmo que os eventos ocorram.
É curioso, porque aqui os alunos disseram se tratar de religião; ocorre que embora se leia a palavra Bíblia, não se trata da leitura direta do livro, mas através do uso da matemática e embora se possa duvidar de seu caráter como ciência experimental, ainda assim, quem dela se utiliza, realiza, pelo menos, experiências mentais tomando, algumas vezes, conteúdos vindos do mundo material. Uma linha reta, perfeita, é uma idealização mental, mas pode se referir a um projeto de uma nova estrada em construção, por exemplo. Trata-se, então, de uma ciência. ( ) Os Maias faziam sacrifícios com crianças e escravos que eram oferecidos ao Deus-sol para que este nunca se apagasse. Aqui, aparecem as palavras “sacrifício” e “Deus”, por isso, se trata de “religião”. Aproveitamos o exemplo para perguntar aos alunos se algo assim poderia acontecer hoje: o professor poderia ir ao jardim de infância da escola e pedir à professor que lhe desse uma criança para oferece-la em sacrifício a um Deus? Embora a idéia seja grotesca, sua proposição visa a fazer o aluno pensar: o que mudou entre as maneiras de pensar, dos Maias até nós? Não eram eles também considerados humanos? De que modo evoluímos, se evoluímos? Houve alguma mudança dentro do cérebro? ( ) Platão acreditava que existiam dois mundos, este, físico, e um outro eterno. De onde mais tiraríamos a idéia de um círculo perfeito, por exemplo, se nada no mundo material, uma maçã, a lua, é uma esfera perfeita? Aqui, se trata de “Filosofia”, pois há um indivíduo, manifestando uma teoria a partir de sua própria reflexão, ainda que tendo observado o mundo, não testou todos os objetos para saber se são, por exemplo, esferas perfeitas. Uma vez um aluno, no ano anterior, perguntou se o olho humano não poderia ser um exemplo de esfera perfeita. Pedi que ele enviasse um e-mail a um oftalmologista, porque era a pessoa que mais próxima estava de olhos, mas o aluno nunca me respondeu esta questão. Em geral, no tempo de escola não nos sobra tempo, tal é a quantidade de aulas e informações recebidas, bem como, a importância exagerada a provas escritas.
Filosofia Primeira aula:
Apresentei-lhes sete teorias filosóficas com definições de filosofia. Primeiro as copiaram e, depois, as expliquei uma por uma: TALES: filosofia é o estudo da natureza de que as coisas são feitas, para ele, são feitas de água. Ele, também, previu colheitas de oliveiras, de acordo com a previsão do tempo e alugou prensas para as pessoas, ganhando muito dinheiro. Pitágoras: Inventou a palavra filosofia (amiga da sabedoria) e filósofo (amigo da sabedoria), isto é, aquele que busca o conhecimento das coisas. Foi, também, matemático: é dele o teorema que leva seu nome. Sócrates: a filosofia nos faz examinar a vida em todos os seus aspectos e isso nos torna sábio e ético e a posse da sabedoria é a melhor vida. Platão: a filosofia é a atividade superior do ser humano que o distancia da vida material e o aproxima do mundo divino. Aristóteles: a Filosofia é a ciência da verdade que trata da ética, lógica, da natureza e da matemática. David Hume: a filosofia ensina a ver os diversos aspectos que podem ser, por nós, observados e que freqüentemente nos escapam. Will Durant: Filosofia é o estudo da experiência como um todo, já as ciências, estudam partes do todo. Marilena Chauí: a filosofia reflete sobre as religiões, as ciências, a arte, a história e a política para buscar origens, significados, forma e conteúdo. Após tê-las escrito no quadro, perguntei se havia uma única definição de filosofia, se nos perguntassem o que ela é? Evidente que não. Mas, há, sim, uma constante presente em todas elas: ela é o estudo de todas as coisas, especialmente aqueles assuntos que requerem o uso da mente. Na Grécia antiga, construção de casas ou a medicina não eram atividade incluídas na filosofia, pois se tratavam de atividades manuais, embora, Aristóteles tenha investigado o funcionamento do corpo humano (para ele, o coração era a sede do fogo vital, mantido aceso pela respiração, por exemplo). De todas as definições (o total é de 28, listadas na minha obra “Filosofia para adolescentes” e deve haver muito mais, no meu livro “Curso de Filosofia aTemática”, mas estas oito são suficientes e, penso, abrangem todas as outras), a que mais se aproxima da minha visão de filosofia é a de Will Durant: ela é uma atividade que se interessa pelo todo e não tanto pelas partes, partes que são mais interessantes às ciências. Uma alternativa é apresentar um jogo de cartas que tem a imagem de filósofos com pontos atribuídos à sua antiguidade, à sua sabedoria e pedir que os alunos joguem entre si de maneira que de um modo agradável aprendam algo sobre os filósofos. Eis o jogo:
Segunda aula: Vamos aprofundar a diferença entre o todo e as partes. Propus um exercício que consistia em a partir de diversos objetos ou situações (totalidades), pedi que os alunos identificassem suas partes. Por exemplo: (1) sol (2) Terra (3) Amazônia (4) Relógio (5) Cerveja (aqui aproveitei para dar uma alfinetada: sendo o álcool uma de suas partes, lembrei-lhes que esta substância era a mesma que usamos para limpar vidros e fazer carros andarem. Por que bebê-la, então?) (6) Átomos (7) Sentimento de raiva (8) Sentimento de amor Nestes dois últimos itens, dos sentimentos, surgiram, para a maioria dos alunos, listas de partes. Mas, perguntei-lhes se eles não eram sentimentos indivisíveis, tal como as cores básicas, azul, amarelo e vermelho?
Terceira aula: Eu estava preocupado que eles não entendessem a diferença entre filosofia e ciências e, então, propus que trouxessem uma coleção de objetos qualquer, para que eu reforçasse na mente deles a idéia de que a coleção é o todo, ainda que não tenhamos todos os objetos que existem no mundo, podemos
afirmar ou negar algo sobre eles. Por isso, a filosofia não estuda tudo, mas algum conjunto, um todo e sobre ele faz suas reflexões e elabora suas teorias. Já, as ciências, tratam das partes, que pode ser um elemento isolado ou a partir de um elemento, decompô-lo para estudar suas partes. Eu levei minha coleção de latas de energéticos. Sobre o todo, filosofei que poderíamos pensar por que os seres precisam de substâncias que lhe dêem energia em nossa sociedade industrial ou pós, mas, também, em sociedades indígenas, quando elas consomem, por exemplo, guaraná! Já sobre as partes, pedi que as citassem, como a lata de alumínio, a tampa, o rótulo, as cores da embalagem, as substâncias do líquido, da bebida e pedi, também, que tentassem identificar qual ciência se especializa em cada uma dessas partes. Uma aluna apresentou uma excelente objeção: um clínico geral trata ou conhece o corpo inteiro e disse-lhe que a linha que delimita o estudo do todo para os filósofos e as partes para as ciências, realmente, não era tão exata assim. Poderia ter dito que o clínico geral nada mais possui que um conhecimento superficial dos sistemas do corpo humano, excreção, circulação, sistema nervoso, etc, mas mesmo um médico especialista tem que ter noção do todo, também! As figuras seguintes mostram exemplos de objetos vistos como um todo e, depois, em partes:
Quarta aula: Temi que eu estivesse falando demais em todo-partes, mas insisti mais um pouco e trouxe duas imagens, uma da parte baixa de Nova Iorque e outra da margem do rio Guaíba, em Porto Alegre, minha
cidade natal. E pedi que, agora, eles formulassem perguntas e sem que soubessem colocava no lado esquerdo do quadro aquelas que se refiram ao todo da imagem e do outro lado, as que se referiam a partes da imagem, distinção nem sempre clara. Por exemplo: se pensarmos no conjunto de todas as nuvens da imagem isto é um todo, um conjunto; se pensarmos em apenas uma nuvem, podemos dizer que ela é uma parte do conjunto das nuvens e da imagem, mas, neste caso, podemos pensar que sozinha, ela é um todo. A filosofia não é exata, mesmo porque o mundo não é exato!
Aconteceu algo curioso: quando pedi a uma aluna que não participava das aulas e conversava muito no grupinho em torno dela, que formulasse uma pergunta sobre uma das imagens, ela disse o seguinte: “em que ano foi inaugurado o rio Guaíba?”. Ter dito isto e tendo sido motivo de risos dos colegas (algo que não censurei), parece-me, fez com que ela prestasse mais atenção. Aquela frase dita por ela foi, por mim, lembrada em outras aulas, sem que eu citasse o nome dela, óbvio. Cheguei a dizer que muitas vezes duvidei da importância da escola, mas depois daquela frase, eu estava convencido de que a educação é indispensável!!!
Em uma outra turma, decidi não tratar das imagens, mas debater temas livres. Em um certo momento, uma aluna perguntou se eu não estava querendo impor minha verdade aos alunos. Eu tinha lembrado de um vídeo que um aluno me mostrou onde aparecia um traficante de drogas cortando as mãos de um ladrão e me perguntei: onde estava deus naquela hora? Falamos, então, sobre o livre-arbítrio (aquele momento em que estamos diante de duas ou mais alternativas, ao mesmo tempo, e, então, escolhemos uma delas). Minha dúvida (já levantada por Aristóteles em sua obra sobre os sentidos e os dados sensoriais, “sense e sensibilia”) consistia em saber se é possível perceber duas coisas ao mesmo
tempo ou perceberíamos uma mistura confusa – imagine perceber as letras “A” e a “B” ao mesmo tempo, ou seja, a letra “A” em cima da “B”! Perguntei à aluna se existindo muitas verdades, poderíamos fazer o que quiséssemos, por exemplo, alguém poderia dar receitas médicas se acreditasse que poderia curar os outros; quem poderia se opor a isso, todos têm a sua verdade. Disse-lhe que eu não queria convence-los, porque eu, também, buscava a verdade e estávamos todos juntos nesta busca. E o mais positivo neste diálogo é que ela, depois, substituiu a palavra verdade por opinião! E, aí, lembrei-os da definição de Platão: verdade é opinião justificada. Alguém pode indicar a direção e sentido de uma cidade e acertar sua localização sem nunca ter ido lá e nem saber onde realmente fica, mas se ele justifica, dá explicações – mostrar a cidade em um mapa ou perguntar a alguém que já foi lá -, bem, então, estamos diante de algo verdadeiro. Depois, tratamos do tempo, as teses de Einstein de que ele é real, os testes que mostram diferenças entre relógios que ficam um na Terra e outro que vai ao espaço e, no retorno, medem "tempos" (algo questionável, pois pode-se pensar que seus movimentos e peças sofreram interferência a gravidade) diferentes, mesmo tendo sido sincronizados (palavra que significa "em um mesmo tempo"). Sobre o tempo, ouvi que os alunos sentem-no se arrastar em aulas, embora não tenham sido tão sinceros, senti que incluíam, também, as minhas aulas. Falar apenas sobre os assuntos que interessam aos adolescentes? Vivemos um adolescentrismo; quando era aluno cada aula tinha, para mim, um gosto, ma esperança de que eu fosse ser apresentado para uma nova descoberta; hoje, eles não veem mais assim ou, talvez, sejam como na minha época, pois poucos sempre teem esperança, a maioria prefere a mesmice na qual foi acostumada, nas coisas banais, sexo, como se soubessem fazê-lo com arte, música, como se entendessem-nas. Gostaria que as aulas fossem sempre assim, neste formato: filosofar livremente, isto é, sem que o professor escolha os temas e, sim, os alunos. Mas, ainda, não encontrei um meio, uma metodologia, de tornar isto viável, sem cair na mera opinião. Bastaria pedir-lhes que justificassem, apenas com suas experiências. Poderíamos recorrer à internet para buscar outros pontos de vista ou entrevistar pessoas na rua? Ainda não sei a resposta! Poderíamos ter um quadro vazio que mostrasse uma diversidade de temas que a filosofia trata e, aos poucos, poderíamos pedir-lhes que preencham o quadro?
Quinta aula: Imaginei que meus alunos estavam cansados da história do todo e das partes, tinha visto um deles com uma cara – assustadora - de tédio. Por isso, agendei o uso da sala de vídeo da escola para passar um filme sobre Sócrates. O problema residia em quanto tempo um adolescente agüentaria ver um filme da década de 70 do século XX?
Sexta aula:
Duas questões intrigantes: (1o) quando eu lhes disse que veríamos apenas os últimos trinta minutos (de duas horas), que trata do julgamento de Sócrates, eles disseram que queriam vê-lo todo. Os adolescentes parecem gostar do oposto que um adulto gosta, talvez só para contrariar, pelo gosto de ser oposto aos outros. Ocorre que sei que vídeos de filosofia entendiam adolescentes e já vi alunos adultos cansados! Prossegui com o objetivo: ver 30 minutos do filme. É suficiente para entender que tipo de vida levavam os gregos na Antiguidade, onde viviam, como era a cidade, como se vestiam, como se comportavam, como era a vida na Democracia grega de Atenas, mas, também, como as leis eram duras quando puniam alguém com a pena de morte, ainda que para defender a cidade da ira dos deuses, pois diziam que Sócrates não acreditava neles ou, ainda, criava seus próprios deuses. A adolescência é uma idade que a natureza poderia pular, alguém já disse. O que os motiva são coisas estranhas: alguns alunos queriam ver, como pena, o corte da cabeça de Sócrates! (2o) surgiu um problema: eles disseram que não conseguiam acompanhar a imagem e a leitura das legendas (subtítulos). Para mim, este era um problema inimaginável, mas ocorreu. Perguntei-me por que e, também, aos alunos: suas respostas restringiram-se a dizer que estavam acostumados a ver filmes dublados. Sugeri-lhes que não tinham o hábito de ler e que, por isso, não estavam a costumados a ler rapidamente os subtítulos e ver as imagens do filme e, ainda, que era preciso que vissem mais filmes legendados para superar esta dificuldade. Lembrei em uma turma que eu quando adolescente não tinha este problema, mas ele apareceu, agora, aos trinta e cinco anos, mas no meu caso, estou envelhecendo e no caso dos alunos, disse, para eles, deve-se a não exercitar o cérebro novíssimo que eles possuem – preguiça, no final das contas!
Sétima Aula: Pedi que me entregassem um resumo do que entenderam do filme. Poderiam ter pesquisado na internet, mas muitos não fizeram. É triste, mas eles estão habituados a ficar até as 2h da madrugada na internet para se comunicar com amigos, mas não para estudar. Considerei este resumo parte das outras avaliações e dei zero para quem copiou o resumo que eu expus no quadro sobre a história de Sócrates: a perseguição daqueles que discordavam de seus questionamentos, as acusações de corromper (tornar maus) os jovens de Atenas e de criar falsos deuses ou não crer na existência de deuses. Houve só uma informação que eu não lhes esclareci, pois eu mesmo não sabia: é que na hora da votação os gregos depositavam pedras em urnas. Li, na internet, muito depois, que a eles eram dadas pedras de cor branca e preta, significando, respectivamente, “sim” e “não”, mas o que surpreende é que, no filme, cada eleitor, deposita ambas as pedras em duas urnas, o que produz confusão: havia uma urna da condenação e outra da absolvição? Uma idéia que só me surgiu mais tarde, para motivar os alunos com algo bem mais interessante seria a de pedir que imaginassem um diálogo entre Sócrates e alguma personalidade famosa. Sobre o que falariam? Futebol? Universo? Origem da Vida? Amor? Eu escrevi alguns anos atrás um livro que não foi publicado, “Diálogos hipotéticos”, em que imaginei Sócrates dialogando com alguns persnages históricos, um deles era Hitler. Era mais ou menos assim:
Críton: - Sócrates, temos visita, é um estrangeiro e quer te conhecer. Sócrates – Quem é ele? E de onde veio? Críton – É um governante de uma terra distante, da Germânia. Recentemente ele provocou o caos na Europa. Sócrates – Ora, não o faça esperar, traga-o aqui. (o estrangeiro entra na casa de Sócrates) Sócrates – Dize-me ó estrangeiro, que acordo tens com um dos deuses mais antigos, o caos, para venerá-lo mais que aos outros deuses? Hitler – sabes melhor que eu, nobre Sócrates, que tudo vem do caos, inclusive os grandes impérios. Sócrates – Vejo em ti uma ambição do tamanho do panteon, ó estrangeiro. Porque esta sede de poder, que ultrapassa as forças de um indivíduo. Hitler – ultrapassa, porque se espalha por toda a nação. Sócrates – mas, ainda assim, cada homem e cada mulher só poderão suportar o peso do seu próprio corpo e talvez, no máximo, um pouco a mais, embora isto a longo prazo lhe cause danos à saúde. Hitler – Debates sobre um assunto que tu apenas conhece em teoria. Sócrates – Sim, mas já estive ao lado daqueles que se intitulavam imortais até que testemunhei a mortalidade deles. Mas, dize-me me contaram que tua teoria, pois tu também é teórico como eu, se
assemelha a de Darwin, que pensava que o mais forte tinha o direito natural sobre o mais fraco (na verdade esta é uma interpretação errônea das ideias de Darwin, que disse que o ambiente selecione os mais adaptados ao ambiente). Hitler – Exatamente, eu lidero um povo forte que não aceita a existência de fracos. Sócrates. Então dize-me, vocês correm o mundo para exterminar as pulgas ou os vermes que parasitam os nossos intestinos? Hitler – Como? Por que eu faria isso? Sócrates – é que o daimon (deus interior, há quem diga que é Eros, o deus do amor) que habita em mim me disse que o que tu propões é inútil e impossível, perder tua vida em caçadas deste tipo. Se eles são inferiores a ti, porque dás tanta importância a estas formas minúsculas de vida. Se são inferiores a ti por que te preocuparias, basta que as tires de tua roupa ou do teu ventre quando invadirem o teu corpo. Hitler – não são estes seres que eu persigo. Sócrates – persegues homens e mulheres? Hitler – do tipo mais inferior. Sócrates – estás andando em círculos, estrangeiro, pois se são inferiores não deverias te preocupar com eles, um bom vermífugo daria conta do recado ou, então, fazes como eu, quando as pulgas invadem minhas roupas, chamo a Xantipa para me ajudar a devolvê-las para o solo. O teu problema, estrangeiro, é que persegues homens e mulheres não porque eles sejam inferiores a ti, mas porque eles são diferentes de ti! Dize-me: tu que também é artista, segundo o que me informaram: tu pretendes acabar com a cor vermelha ou com o azul? Hitler- Como? Sócrates- é que se tudo o que é diferente, te causa indignação e revolta, e o vermelho é diferente do azul, qual deles tu protegerás e qual extinguirás? Hitler – Há, Sócrates, vejo que não entendeste nada do que ti disse (o estrangeiro sai apressado).
Em uma outra aula que penso ser interessante: organizar um teatro para encenar ou um resumo do filme de Sócrates, ou um resumo destes diálogos que os alunos inventariam eles mesmos. O figurino não é difícil, os gregos se vestiam com lençóis enrolados no corpo!
Oitava aula: Interrompi o estudo em Sócrates para falar sobre os Pré-Socráticos e poder realizar um dos trabalhos finais do 1o trimestre.
Apresentei a eles os principais pensadores pré-Socráticos: - Tales e sua crença de que tudo é feito de água (ela é o elemento fundamental de tudo), - Pitágoras e os números (levei em duas turmas uma trena para medir a relação entre a altura dos alunos e a medida do comprimento das cinturas até o chão, pois li que encontraríamos a proporção áurea, divina, de 1,62, que estaria presente em todos os seres e criaturas e que provaria uma perfeição do cosmos e, por trás, uma inteligência criadora, embora, em minha opinião, os números existem em nossas mentes, estas funcionam como lentes ou redes que têm em si proporções como a áurea), - Anaximandro e o apeíron, substância primordial infinita e invisível, - Anaxímenes e o ar como elemento básico de tudo, o que inclui a alma, para ele, um ar sutil (e para os gregos, feita de átomos esféricos, o que permitiria entrar e sair agilmente de corpos, animandoos), - Empédocles e os quatro elementos (ar, água, terra e fogo), - Parmênides e a sua crença de que tudo é ilusão, o que inclui todos os movimentos que observamos internos e externos a nós (falei para eles da charge que mostrava um engarrafamento e tinha uma legenda abaixo: “Parmênides tinha razão, tudo é imóvel” e expliquei a tese dele dizendo que ele tomou o verbo ser e pensou: “se o ser é, é sempre e não pode não ser, ter sido ou mudar-se”, ou seja, um caso de obsessão por um idioma!) -
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Heráclito (tudo está em constante mudança, “não entramos duas vezes no mesmo rio, pois já não é o mesmo rio e nós, também, não somos mais os mesmos”). Depois, pedi-lhes que defendessem as ideias desses pensadores, que escrevessem uma frase em defesa de cada um. Isto é positivo, pois embora tais teorias pareçam ultrapassadas, forçam nossos alunos a pensar e a pensar em argumentos para uma difícil defesa. Parecem ultrapassadas, porque a ciência toda a vez que abre uma partícula menor, encontra partículas componentes ainda menores e, em nossa opinião, não haverá fim e esta sucessão de “matrioskas” (bonecas russas, ocas, que contém outras bonecas dentro), pode indicar-nos que o que existe é uma única substância, como pensava Anaximandro, da qual os átomos, elétrons, quarks, neutrinos, são apenas cumes, montanhas que vemos no horizonte e que escondem de nossa visão os vales que as interligam! É curiosa a origem deste exercício: eu visitei um site de filosofia e vi uma charge que mostrava um desenho de um engarrafamento de automóveis e abaixo da figura estava escrito algo com: “Parmênides tinha razão”, isto é, tudo é ou está imóvel. Dada a complexidade do trabalho pedi que os alunos se reunissem em grupos de até quatro pessoas. E a nota corresponderia a metade da nota final, substituindo a prova, que deixaríamos de realizar, que só os deixa nervosos. Uma aluna disse que aquela tarefa lhe dava um nó na cabeça e eu disse que era isso mesmo que eu queria com aquele exercício. Ensinar a
argumentar mesmo diante de uma teoria fraca e superada? Fazer o cérebro trabalhar? Estimular a ver sob novas perspectivas? Tudo isso junto, espero que funcione!
Nas turmas do 1o ano do “magistério”, um tipo de ensino médio que forma professores para dar aulas a crianças, eu pedi que os alunos respondessem à pergunta “quem sou eu”, pergunta que seria repetida outras vezes ao longo do ano para que no final do ano letivo comparássemos as respostas: “somos ou não os mesmos?”
Nona aula: Na aula seguinte, concluí o trabalho iniciado na aula anterior, mas, agora, pedi-lhes que pensassem, também, em grupo, em argumentos contrários àquelas teorias dos filósofos pré-socráticos. Entre os argumentos surgidos, chamou minha atenção a capacidade de alguns alunos de diferenciar,por exemplo, que algo pode ser feito utilizando-se água, sem que ela esteja em sua composição, uma roupa pode ser tingida com corante e água, mas quando vou comprar a roupa, espero que ela não contenha água, ainda que contenha alguma umidade no tecido. Quando debatiam Heráclito, notei que era difícil para eles, defender a tese de que não pisamos duas vezes no mesmo rio. Para muitos deles, podemos, por exemplo, entrar duas vezes no mesmo rio, pois a água é a mesma e não percebram que o rio deságua em outro rio ou no mar. Poderiam ter sugerido que poder-se-ia entrar duas vezes no mesmo lago, embora a água também evapora dele e as chuvas renovam sua água. Houve quem sugerisse pôr os pés em uma bacia cheia de água tantas vezes quanto quiséssemos e, ainda assim, seria a mesma água. Ao professor cabe mostrar com mais detalhe o que eles não conseguem ver sozinhos.
Décima, décima primeira e décima segunda aulas: Levamos as turmas para o Museu de Ciências da Puc em nossa cidade, Porto Alegre. Nas duas aulas seguintes, fizemos um debate sobre as experiências que mais chamaram suas atenções e apresentei-lhes imagens que registramos da visita. Em uma terceira aula, pedi que os alunos que organizassem uma experiência científica, como nota final do trimestre. O problema é que eles apenas copiaram uma experiência que eles viram em um livro de química ou física e não era isso que eu queria: queria que eles a partir de algo estranho, fizessem uma investigação. Com isso, eu lhes mostraria que a filosofia começa com um estranhamento ou um maravilhamento, uma situação que nos prende a atenção e pode chegar à ciência se a partir de uma explicação do por que aquilo ocorreu realizarmos repetidos testes por meio de experiência, portanto. Quem realizou esta tarefa ganhou a nota correspondente à nota da prova final do trimestre. Contudo, sugiro uma forma mais filosófica para essa tarefa: não pedir-lhes uma experiência científica, mas, sim, filosófica: (1o) pense em algo ou alguma coisa estranha; (2o) depois, procure com outras pessoas as explicações, o porquê dessa coisa estranha ter ocorrido; e, por último e mais
importante, (3o) explique você mesmo esse fato ou coisa estranha que você experimentou. Um aluno sugeriu pesquisar “se a cada pessoa que nasce, é preciso, pelo ordem natural, que uma pessoa tenha morrido ou vá morrer?”. Outra aluna, lembrou-se de um sonho com espíritos e disse-lhe que poderia na internet pesquisar em sites que dizem explicar sonhos, mas, acrescentei, que queria que ela desse suas próprias respostas! Eu me lembrei de uma vez em que acordei sonolento e vi no piso próximo dos degraus da escada o que parecia ser vômito de cachorro; quando eu fechei os olhos e os abri de novo, a imagem era a de um osso que o cachorro tinha deixado ali. Por que minha mente imaginou um vômito? Era uma alternativa possível uma vez que não tinha ainda fixado minha atenção ao mundo real ou minha mente cria o mundo real? Sei que tendemos a crer na primeira resposta, ok, mas ainda há coisas estranhas: como a mente recortou a imagem de vômito (da memória) e a fundiu com a imagem do ambiente externo? Ela faz isso sozinha ou há um diretor que decide, segundo um roteiro, qual cena será “filmada”?
Décima terceira aula: É preciso que se diga que enquanto duas turmas visitavam o museu e nas duas aulas seguintes realizavam trabalhos sobre aquela visita, outras três refletiam sobre os pré-socráticos que, nesta ordem de aulas em que planejamos deveriam ser chamados de pós-socráticos... o que é, evidentemente, apenas uma brincadeira! Nesta aula, queremos fazer um fechamento com chave de ouro: queremos mostrar aos alunos o quanto Sócrates e os pré-socráticos são ainda lembrados, apesar das teses desses últimos parecem ultrapassadas e embora a própria ciência não tenha encontrado um elemento fundamental da matéria e, creio, nem encontrará, se Aristóteles estiver certo quanto à possibilidade de o espaço ser infinitamente divisível. Basta ver a imagem de átomos feita pela empresa IBM, em 1981, sobre uma superfície de átomos de silício para observar que as partículas não estão separadas por um vazio, mas lado-a-lado como uma cadeia de montanhas.
Quando defendemos que há partículas que fundamentam todas as coisas, podemos estar dizendo apenas que há elevações (irregularidades) que se destacam neste único tecido chamado universo. Ultimamente, muitas universidades acrescentaram a filosofia aos testes. Não gosto dos formatos dos testes, pois não se relacionam ao cotidiano dos jovens e, por isso, eles memorizarão as teorias apenas por causa do vestibular: Vestibular 2008/2 - Universidade Federal de Uberlândia
QUESTÃO 41 : Sobre o pensamento de Heráclito de Éfeso, marque a alternativa INCORRETA. A) Segundo Heráclito, a realidade do Ser é a imobilidade, uma vez que a luta entre os opostos neutraliza qualquer possibilidade de movimento. B) Heráclito concebe o mundo como um eterno devir, isto é, em estado de perene movimento. Nesse sentido, a imobilidade apresenta-se como uma ilusão. C) Para Heráclito, a guerra (pólemos) é o princípio regulador da harmonia do mundo. D) Segundo Heráclito, o um é múltiplo e o múltiplo é um. GABARITO 41A QUESTÃO 43 Leia atentamente o texto abaixo. Na filosofia de Parmênides preludia-se o tema da ontologia. A experiência não lhe apresentava em nenhuma parte um ser tal como ele o pensava, mas, do fato que podia pensá-lo, ele concluía que ele precisava existir: uma conclusão que repousa sobre o pressuposto de que nós temos um órgão de conhecimento que vai à essência das coisas e é independente da experiência. Segundo Parmênides, o elemento de nosso pensamento não está presente na intuição mas é trazido de outra parte, de um mundo extra-sensível ao qual nós temos um acesso direto através do pensamento. NIETZSCHE, Friedrich. A filosofia na época trágica dos gregos. Trad. Carlos A. R. de Moura. In Os pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 151. Coleção Os Pensadores Marque a alternativa INCORRETA. A) Para Parmênides, o Ser e a Verdade coincidem, porque é impossível a Verdade residir naquilo que Não-é: somente o Ser pode ser pensado e dito. B) Pode-se afirmar com segurança que Parmênides rejeita a experiência como fonte da verdade, pois, para ele, o Ser não pode ser percebido pelos sentidos. C) Parmênides é nitidamente um pensador empirista, pois afirma que a verdade só pode ser acessada por meio dos sentidos. D) O pensamento, para Parmênides, é o meio adequado para se chegar à essência das coisas, ao Ser, porque os dados dos sentidos não são suficientes para apreender a essência. GABARITO 43C Vestibular 2008 - Universidade Estadual de Maringá – UEM Questão 01 Os filósofos pré-socráticos tentaram explicar a diversidade e a transitoriedade das coisas do universo, reduzindo tudo a um ou mais princípios elementares, os quais seriam a verdadeira natureza ou ser de todas as coisas. Assinale o que for correto. 01) Tales de Mileto, o primeiro filósofo segundo Aristóteles, teria afirmado "tudo é água", indicando, assim, um princípio material elementar, fundamento de toda a realidade. 02) Heráclito de Éfeso interessou-se pelo dinamismo do universo. Afirmou que nada permanece o mesmo, tudo muda; que a mudança é a passagem de um contrário ao outro e que a luta e a harmonia dos contrários são o que gera e mantém todas as coisas. 04) Parmênides de Eléia afirmou que o ser não muda. Deduziu a imobilidade e a unidade do ser do princípio de que "o ser é" e "o não-ser não é", elaborando uma primeira formulação dos princípios lógicos da identidade e da não-contradição. 08) As teorias dos filósofos pré-socráticos foram pouco significativas para o desenvolvimento da filosofia e da ciência, uma vez que os pré-socráticos sofreram influência do pensamento mítico, e de suas obras apenas restaram fragmentos e comentários de autores posteriores. 16) Para Demócrito de Abdera, todo o cosmo se constitui de átomos, isto é, partículas indivisíveis e invisíveis que, movendo-se e agregando-se no vácuo, formam todas as coisas; geração e corrupção consistiriam, respectivamente, na agregação e na desagregação dos átomos. GABARITO: 01)01-02-04-16
Décima terceira aula: Correção dos testes, pois na aula anterior o professor apenas os copiou no quadro, o que consumiu a aula inteira. Uma alternativa, é entregar uma cópia dos testes para cada aluno, mas como somos um professor que, em geral, não escreve muito (diferente de outros da mesma escola), é aceitável ou suportável tornar aquela aula um dia em homenagem aos escribas do passado!
Para conseguir alguma atenção prometi 2 pontos de um total de 30 (do trimestre) para aqueles que copiassem os exercícios.
Décima quarta aula: Disse Sócrates que a filosofia examina a vida, que não melhor vida que a examinada e que este exame nos ajudaria a conhecer a nós mesmos e controlar nossas paixões excessivas. Falei a eles, também, que Sócrates dizia que “se os deuses nada precisam e quisermos ser parecidos com os deuses, então devemos precisar de pouco” e que Platão procurou ensinar aos discípulos que a razão deve controlar as emoções (paixões, esquecei de dizer: instintos, se é que eles existem, pois se são inatos, quem os colocou dentro de nós?) e esboçou uma divisão alma humana em três partes: intelectiva (razão, na cabeça, ideias revolucionária, pois, para seu discípulo, Aristóteles, o cérebro servia para resfriar op sangue quente proveniente do coração), a parte irascível (da raiva, mas da coragem, também) e a parte concupiscível (dos prazeres ou desejos carnais, fome, sede, sexo, segurança, calor). Assim, pediremos que cada aluno faça o seguinte trabalho: abrir mão de algo que fazem em excesso ou que sabem que é ruim para eles, por uma semana. Em geral, eles tentam parar ou diminuir com o uso da internet ou do MSN (site de comunicação), televisão ou videogame, música até tarde da noite ou chocolate e doces. Não sei se tal tarefa ajudará muito, pois se trata de uma atividade à distância, mas, ainda assim, peço que eles a levem a sério e, neste ano de 2009, peço, também, que eles tragam com o relatório de cada dia, a assinatura de uma testemunha, do pai, da mãe ou outro parente. Quando trazem assinaturas de seus próprios colegas eu desconto a nota. Apresentei-lhes minha própria experiência: eu me sentia escravo dos refrigerantes, então decidi há um pouco mais de uma ano atrás diminuir, pois não conseguia parar e de uma garrafa por dia de 1,5 litros passei a consumir 2 latas de 350 ml cada. Houve um momento em que nem mesmo eu abria mão desta quantidade diariamente e, uma noite, em consumi três latas, uma após outra (não de refrigerante, mas de energético) e me dei conta de que fazia aquilo não mais por prazer, mas por uma obrigação, talvez para substituir outras necessidades não realizadas (há um pouco de sublimação, freudiana aqui!). depois, me lembrei de uma outra causa que pode ter influenciado mais do que eu imaginava: a necessidade de guardar dinheiro, pois, eu me mudaria para um apartamento onde moraria só e pagaria todas as despesas; pelos cálculos, o custo do refrigerante é mais alto do que imaginamos, uma fortuna
por água e açúcar! Se tivesse minerais,vitaminas como algumas marcas que só são vendidas nos Estados Unidos e não no Brasil!
Lembrei a eles que levei um ano até deixar de beber 1,5l por dia e passar a beber 700ml/ dia, o que mostrou-me que mudanças radicais requerem repetidas tentativas, o que é pior em outros vícios como o cigarro. Uma aluna concordou que a melhor técnica é largar aos poucos um vício! E quando é um vício? Quando você faz aquilo não mais por prazer, mas por obrigação! Outro ponto interessante quando debati em aula, em meio à conversa e barulho comum, foi quando após eu dizer que por trás de um vício há uma tentativa de preencher ou extinguir um vazio, uma aluna lembrou que nós mantemos vícios porque temos ansiedade. Daí, lembrei de ter lido a diferença para os psicanalistas entre a ansiedade e angústia: uma se refere ao medo diante de uma situação desagradável imaginada e outra é o medo de algo que nem você sabe o que é. Alem do medo diante de algo real, óbvio. Outra aluna falou que há ansiedade diante de uma expectativa de algo bom que acontecerá. Questionei-os se houve um momento em que eles tiveram que decidir entre manter a abstinência ou interromper a experiência, a idéia de um livre-arbítrio. Muitos responderam que sim, mas como saber? Eu parei de beber refrigerante porque ouvi de médicos que os refrigerantes não faziam bem à saúde ou, pelo menos, não acrescentavam nada. Fui eu que decidi, então? Lembrei um documentário: “super size me”, que mostrava alguém que comeu por um mês hambúrgeres, milk shakes, batatas fritas no McDonalds e os problemas de saúde que surgiram, como sobrecarga do trabalho do fígado! Uma outra questão a debater: nós tendemos a querer mais, uns passam a consumir não mais meia carteira de cigarros por dia, mas uma inteira, outros, compram não mais um litro de refrigerante, mas um e meio, dois e, hoje, já é vendido uma garrafa de 3,3 litros, porque há quem queira esta quantidade!
Há um filme muito interessante que eu mencionei aos alunos sobre um jovem que abriu mão de ter relações sexuais após um fracasso amoroso, o que o fez aprender muito sobre si mesmo e se preparar para encontrar alguém que realmente o amasse. No jornal local, apareceu uma reportagem cujo título era algo como: estou há dois anos sem beber refrigerante, testemunho de uma bailarina, Ana Botafogo, ou a jornalista não tinha mais nenhum assunto, ou aquela experiência tinha sido para a entrevistada um grande feito! Um dos relatos que guardei foi o de uma aluna da turma do magistério: “para mim foi algo incrível, pois, em 7 dias comi apenas 1 barrinha de chocolate. Normalmente eu como uns 3 pacotes de trakinas e chocolate... isto foi extraordinário, até minha mãe não acreditou”. Nota sobre Sigmund Freud e a Psicanálise:
Poderíamos ter falado sobre a teoria de Sigmund Freud (id, ego e superego) neste exercício, pois parece haver um conflito entre nossos desejos, quando, por exemplo, gostaríamos de comer muito, mas sem engordar, fazer coisas proibidas sem culpa, etc. Nossa mente é dividida em três partes? O id, nossos instintos naturais, nossa real natureza? O ego, o “eu”, um homenzinho dentro da nossa cabeça? E o superego, a parte que guarda, memoriza, os valores que a sociedade nos impõe? Em vez de aceitar esta tese como verdade sem reflexão, propor outro questionamento: René Descartes, no século XVI, não via conflito dentro de nossa “alma” ou, podemos dizer, nosso cérebro, embora ele reconheceu que muitas vezes a alma é arrastada com violência pelos desejos do corpo. Podemos sugerir duas imagens: a de lutadores de boxe e outra, de uma corrida de cavalos, onde o desejo mais veloz predomina: haveria conflito em qual imagem? Em ambas ou em uma só? Qual?
Décima quinta aula: Como muitos alunos não fizeram o trabalho da semana anterior que vale um terço da nota do segundo trimestre, resolvi lhes dar uma semana a mais, desde que todos falassem um pouco sobre a experiência.
Décima sexta e décima sétima aulas: Surgiu-me recentemente a ideia de pedir, após os relatos das experiências de “abstinência”, que os alunos façam um cartaz para divulgar suas descobertas. Um exemplo, é o cartaz que eu fiz, para tentar diminuir o status que as bebidas alcoólicas têm entre os jovens de quinze anos. Esta tarefa, mais tranquila, como deveriam ser todas as aulas: primeiro, os alunos desenharam seus cartazes, uma aluna fez de um tamanho que ocupava um espaço que pertencia a outros cartazes, o que demonstra uma dificuldade de respeitar o espaço dos outros, mas, de qualquer modo, a escola é o momento para refletir sobre estas e outras coisas. Na segunda aula, houve a apresentação e colagem dos cartazes em uma folha de papel pardo de uns dois metros de comprimento por uns 60 de altura, que todos realizaram, embora apenas dois ou três alunos ajudaram a colá-lo no hall da escola, atividade que gostaríamos que todos fizessem para que sentissem que suas ideias seriam expostas a um grande público.
Décima oitava aula: Nesta aula, apresentamos as regras para a realização de um importante e agradável trabalho: filosofar com músicas que eles gostam. Primeiro, mostrei-lhes que Platão e Aristóteles, pensadores de temas como política, ética, estética, amor, alma, também se interessaram pelo peso da música na educação: ela, disseram eles, afeta o comportamento, forma (ou deforma) o caráter. Para mostrar sua influência ouvimos toques de celulares e, embora sejam produzidos por um mesmo instrumento (penso que seja um teclado eletrônico) , por serem diferentes notas combinadas produzem e despertam em nós sentimentos diversos: tranqüilidade, tédio, raiva, etc. ora, se toques de celular fazem isso que dirá música complexas cantadas com letras e histórias? Depois, mostrei-lhes uma música: em uma turma, uma música romântica, de Ivete Sangalo com Roberto Carlos, que dizia “se eu não te amasse tanto assim não viria flores por onde eu vim”. Mostreilhes que a partir da letra deveriam fazer perguntas, as mais difíceis possíveis, pois, assim, se aproximariam das questões filosóficas. Um exemplo: quando amamos alguém nossa percepção muda? Vemos o que não víamos? Um aluno acrescentou: “E deixamos de ver o que víamos facilmente”. Em outra música, de Lupicínio Rodrigues, falava que a felicidade “foi embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora, pois, eu sei que lá a falsidade não vigora”... Perguntei-lhes: “se a felicidade surge dentro de nós, como é que ela nos escapa? Ela depende de alguém
externo, provavelmente, não?”. Depois, “no interior as pessoas são mais verdadeiras? Se sim, por quê?”. Surgiram algumas respostas: no interior, as pessoas, em menor número que na cidade, se conhecem e se respeitam... Em outra turma, o cd estava arranhado e não pude variar a música e, então, repeti a música “Felicidade”.
Décima oitava aula: Neste dia, realizamos uma prova de recuperação, que é positiva para os alunos relembrarem o que estudaram, mas, em minha opinião, inútil para aqueles alunos que não vieram às aulas ou mesmo tendo vindo, não entenderam nada. De qualquer modo, eis algumas perguntas que fizemos: Turma 211 (1) cite um argumento a favor e outro contra a tese de Pitágoras (de que são feitas as coisas) (2) um engarrafamento é um exemplo a favor da tese de qual pensador? (resposta: pelo fato dos carros estarem imóveis, lembrava Parmênides e a tese de que o movimento é ilusão. Muitos alunos não conseguiram fazer esta relação, disseram que o engarrafamento era ilusão!) (3) Para que serviu o exercício “abra mão de algo excessivo ou ruim por uma semana?” (os alunos responderam: para conhecer o quanto os vícios nos controlam ou, então, para mostrar que podemos controlar nossos atos) Outras perguntas que fiz a outras turmas, para que as provas não fossem idênticas e possibilitassem que uma turma soubesse de antemão as respostas: (1) o que a “reflexão sobre algo estranho” que fizemos tem a ver com filosofia? (queríamos relembrar que a filosofia pode se iniciar a partir da observação de fatos inexplicáveis para, então, buscarmos uma explicação) (2) as ideias dos filósofos pressocráticos foram superadas? (eu tinha lhes dito que até hoje a ciência não encontrou, embora procure, um elemento que fundamente todas as coisas, mas eles se limitaram a responder que sim, eles tinham sido superados, exceto Heráclito e seu “tudo muda”) (3) Quem foram os pensadores iluministas? (eu tinha falado sobre Rousseau, mas eles lembraram de Robespierre, que foi influenciado pelos iluministas).
Décima nona à vigésima terceira aulas: Nossa intenção é fazer uso de quatro a cinco aulas para filosofar a partir de letras de músicas trazidas pelos próprios alunos, segundo suas preferências. Há, pelo menos, dois importantes objetivos neste exercício: (1o) estimular a autonomia do aluno, na medida em que eles decidirão que letras e músicas trazer; (2o) estimular a reflexão, apresentando a filosofia como uma atitude prática, cotidiana; (3o) estimular a tolerância, pois terão que respeitar os diferentes estilos de músicas que os seus colegas trarão para a sala –de-aula. E aqui reconhecemos que a escola influencia e condiciona comportamentos, tal como observaram os pedagogos ligados à sociologia: que a escola é o espaço onde valores estabelecidos por uma classe (ou, em minha opinião) por um grupo formador de opinião pública, aceito, sem reflexão, pela maioria da sociedade. Mas, neste caso, por que não defenderíamos a tolerância? A manifestação de uma aluna, em especial, chamou minha atenção: ela disse que era óbvio demais entender o que uma música significa, concordei, mas dei o exemplo de uma música - “meu coração, não sei porque bate feliz quando te vê”: é o coração, a fonte dos sentimentos ou o cérebro? Ele é a causa das emoções ou as emoções alteram seus batimentos? E o amor, o que é? Não basta responder que é um
sentimento, pois isto não explica. Outra aluna disse que uma pergunta apenas levaria à outra, mas sem uma resposta. Respondi-lhe otimista que nos levaria a uma resposta mais esclarecedora. Outra aluna procurou me convencer de que somos livres. Disse-lhe que temos a sensação de que somos livres, talvez porque ser livre pode significar não estar preso, fisicamente limitado. Disse, também, que quando supomos que somos livres, isto é, que temos em nós a causa de nossos atos ou nós mesmos somos a causa de nossos atos, isto pode ser uma ilusão, pois, as escolhas que fazemos tem a ver com experiências passadas onde outros decidiram por nós, como, quando escolhemos uma comida por ser ela a preferida por nós, mas o que ocorre é que, no passado, não fomos nós quem a escolheu e ela é a preferida, pois, a experimentamos em um momento agradável, que não foi, por nós, escolhido. Além disso, este momento presente não seria propriamente uma escolha. Ou podemos chamar de “escolha” quando há apenas uma única alternativa? Talvez, sim, mas não será nunca uma escolha livre. Em uma das músicas que ouvimos havia uma letra que tratava de um amor entre pessoas com características diferentes, que não estavam prontas para a relação, uma delas dizia que tinha acontecido em um “tempo (momento) errado” e pedia a outra que partisse em busca de outra pessoa para amar. Perguntei, então, por que isto não é fácil, terminar um relacionamento e procurar outra pessoa? Surgiram muitas hipóteses: (a) preguiça, (b) afeição e, eu acrescentei, (c) hábito, como nos ensinou David Hume e, para isso, fiz a seguinte experiência, que os psicólogos conhecem tão bem: repetimos “Buenos Aires, Buenos Aires, Buenos Aires” e, sem deixar espaço para a pessoa pensar, perguntamos: “Qual é a capital do Brasil?”; a resposta que a pessoa dará é “Buenos Aires”, embora a capital seja “Brasília”.
Ao repetir uma palavra ou uma experiência vivida (especialmente intensas, emocionalmente) somos empurrados a segui-las, sem questionar. Lembrei aos alunos quando um parente me perguntou por que ficamos tão “presos” emocionalmente a um ex-namorado. E, recordando Hume, disse-lhe que isto era causado pelo hábito, por ter sucessivos momentos com aquela pessoa, tornou-se um hábito crer que as experiências seguintes com o sexo oposto se daria com aquela pessoa que, aliás, muitas vezes a decepcionou. A propósito, a EXPERIÊNCIA DE ABRIR MÃO DE ALGO EXCESSIVO/ RUIM (Décima quarta aula) tem como principal propósito romper hábitos ruins. NOTA: Em duas turmas de magistério (que prepara professores para lecionar primeiras séries, incluindo a alfabetização), pedimos que elaborassem em grupo um diálogo no formato literário tal como Platão elaborou em seu livros. Pedi que fossem filósofos, procurando respostas profundas e não as respostas superficiais, dadas pela maioria das pessoas, como: “o amor é um sentimento inexplicável”. Isto os aproximaria da prática filosófica e os prepararia para sua profissão, quando dialogariam com seus alunos do ensino fundamental (primeira à quarta séries), método socrático, mas, 24 séculos depois, também, de
Matthew Lipman, filósofo que se “especializou” (como se fosse possível ser especialista em filosofia) em crianças. Entre as conclusões que os grupos chegaram citamos: - o amor entre homem e mulher envolve paixão e desejo diferente do amor materno, por exemplo; - alguns defenderam que o amor que envolve sexo é infinito, outros que é o mais curto,sendo infinito o amor filial e maternal; - o amor envolve uma invasão, quando somos tomados pela sensação; - o amor nos completa. Acredito que aprenderam mais do que simplesmente dizer que o amor é um sentimento. Por fim, lembrei das explicações de Platão, que constam na obra (um diálogo, aliás):
ANDRÓGINO, Gravura medieval (Wikipedia) 1) o mito do ser andrógino (de autoria do escritor Aristófanes): no início do mundo havia três tipos de seres humanos: homens, mulheres e andróginos. Estes últimos, por terem se rebelado contra os deuses, foram cortados ao meio e, até hoje, as partes cortadas continuam procurando-se para que uma complete a outra. Lembrei, também, que as primeiras formas de vida, bactérias, se reproduziam copiando-se solitariamente e, só depois, surgiram os sexos, explicação semelhante a de Aristófanes; 2) a ciência crê que o amor seja uma ilusão, que o que decide mesmo nossa busca por alguém são os hormônios. Por isso, nas duas aulas seguintes, resolvi: 2.1) apresentar um texto sobre a ciência e a química do amor, hormônios, causas de nosso desejo de amar. O objetivo é debater se os hormônios são realmente as causas ou efeitos do amor; 2.2) depois, iremos ao laboratório de informática para: (a) visitar um site (http://flashface.ctapt.de/) onde se pode construir um rosto ideal a partir de elementos, como sobrancelhas, formato de nariz, olhos, etc, refletindo sobre nossas escolhas amorosas;
Neste exercício as descobertas não ficaram tão claras. Pedi que desenhassem um rosto belo, mas muitos alunos desenharam a imagem de antigos namorados. Eu tive, assim, que lhes perguntar: por que cada um desenhou a figura com aquelas características? De que experiências eles tinham aprendido a gostar daqueles formatos de sombrancelhas, lábios, olhos, cabelos, etc? muitos lembraram que a mãe tinha aquele formato de olhos, por exemplo, ou alguém que conheceu no passado. (b) pesquisas na área da escola objetos comuns, mas que lhe parecem de algum modo, belos. Tentar explicar por que o achou belo? (c) conhecer o mito da caverna através de uma história em quadrinhos que preparará as próximas aulas sobre o que é o belo, os dois mundos de Platão, o ideal de justiça, a vida em sociedade, a divisão tripartite da alma (propor 10 objetivos, ver egoísmo ou altruísmo, que parte da alma predomina – ver Décima terceira aula; esta última tarefa já foi realizada pelos alunos do Ensino Médio, mas não pelos do Magistério). NOTA: Ao ler o mito da caverna ou a história em quadrinhos que foi inspirada nele, podemos perguntar aos alunos o que aquilo tem a ver com o amor, o ideal de beleza, a vida em sociedade e governos.
Vigésima quarta aula: Para aqueles que não trouxeram música, realizaremos uma prova onde o professor apresentará uma música (uma cantiga popular) ou um hino nacional ou estadual e lhes pedirá que formulem: • 5 perguntas difíceis • abaixo de cada pergunta sejam apresentadas 4 alternativas (respostas) possíveis, buscando, assim, fazer os alunos refletires sobre diferentes perspectivas de um mesmo problema! Acreditei que esta tarefa seria fácil para eles realizarem, apresentei-lhes músicas conhecidas, cantigas infantis, jingles de uma conhecida rede de fast-food até um trecho do hino nacional. Gigantesco engano. Eis as músicas utilizadas nas provas: 1) “O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa, despedaçada”. 2) “Atirei o pau no gato-to, mas o gato-to, não morreu-rreu-rreu, dona chica-ca, admirou-se-se do berro-do berro que o gato deu, miau!” 3) “dois hambúrgeres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles, num pão de gergelim...” 4) “deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e a luz do céu profundo, fulguras, ó Brasil, florão da América, iluminado ao sol do novo mundo!”
Alunos não entenderam o que era essencial: filosofar não é formular perguntas fáceis de responder. Uma aluna perguntou qual o segundo ingrediente da música (jingle) dos “dois hambúrgeres”!
Aos alunos que tinham filosofado com uma música que eles mesmos trouxeram, dei-lhes outra tarefa: organizar suas preferências segundo uma hierarquia, do 1o ao 4o lugar, sobre atores/ atrizes preferidos, comida/bebidas, lojas, canais de tv, músicas, etc. para que na aula seguinte refletíssemos sobre estas escolhas, procurássemos os motivos daquelas preferências.
Vigésima quinta aula: Como soube que teríamos filosofia no segundo e no terceiros anos, decidi não apresentar Platão e Aristóteles aos alunos e, assim, expliquei um dos últimos trabalhos do ano, que elaborassem um diálogo a semelhante do método socrático, sobre um dos seguintes temas filosóficos: o que é o tempo? Deus existe? Há um sentido para a vida? O que é o amor? Por que fazemos política? Com isso, esperamos que eles desenvolvam o hábito de pensar em diferentes perspectivas sobre um tema. Uma das dicas para a realização desta tarefa é fazer uso de provas, de justificativas, daquilo que chamamos de razão. Uma aluna falou que a religião também prova a existência de Deus. Lembrei-os de Freud e um amigo que lhe escreveu dizendo que “sentia que fazia parte do infinito”. A ele, Freud respondeu: esta sensação tem origem nos primeiros dias de vida, em que não distinguimos nós e o resto do mundo, tudo parece sem foco e sem limite, sem fim, in-finito, portanto. Procuramos, também, mostrar que um tema tem argumentos que se opõem: sobre o amor, há quem diga que é uma ilusão, pois, a natureza aproxima os sexos para garantir a procriação da espécie; outros, dizem que o cupido une duas pessoas predestinadas uma para a outra, a viverem por toda a eternidade [FIM]