Antonio Jaques de Matos
Filosofia Infantil II
2009
Prefácio Queremos com este trabalho apresentar àqueles que se interessem pelo ensino de filosofia a professores que lecionem filosofia com e para crianças. Já apresentamos um primeiro trabalho com o mesmo título – filosofia infantil -, porém, minhas aulas nunca são as mesmas, pois, novas ideias surgem e é oportuno que as compartilhemos com outros pensadores e interessados nesta matéria. Relembro que quando fui aluno da universidade federal do rio grande do sul, em licenciatura em filosofia, e tive um semestre de “filosofia da educação”, o professor, doutor em filosofia, disse que não existia isso de filosofia da educação: ou há filosofia, ou há educação. Depois, ele trabalhou com um livro que nem lembro o título, a partir do qual estudamos as ideias de alguns pensadores, como Sócrates, Maquiavel. Quando perguntei a ele por que não estudamos Paulo Freire, ele respondeu que aquele tinha assimilado as teses de pensadores anteriores a ele, como Sócrates e Karl Marx, opinião que eu aceito. Mas, a questão central por que lembrei daquele professor é que não se tira filosofia da educação, mas educação da filosofia. Uma mera troca de palavras? A ordem delas não altera o produto final? Mas, se dizemos educação filosófica, entendemos coisas distintas: 1- educação filosófica propõe que toda educação e todo educador seja um filósofo na medida em que ele deve refletir sobre as causas e efeitos das questões que ele estuda, contextualizando os fatos, não apenas apresentando um conteúdo solto a um aluno, mas, ainda, por que ele está apresentando este assunto e por que os fenômenos descritos são assim. 2- filosofia não é uma disciplina a mais, mas o alicerce das outras, a primeira deseja perceber o todo, a outras, fragmentos do todo. Ouvi de uma aluna do semestre passado, em relação a uma colega que não tinha nota para passar: “é só filosofia!”. Triste que a nossa sociedade tenha esta visão da filosofia, mas isto se deve aos próprios “doutores da filosofia” que eu chamo de “doutores da tristeza”, que contra a origem a filosofia se tornaram especialistas (fragmentam o todo) e não generalistas (estudiosos do todo), em comparação com os doutores da alegria, médicos que levam alegria aos doentes de hospitais!
1a e 2a aulas:
É curioso como nenhuma turma é igual a outra, o que é óbvio, se olhamos à distância, mas não sob o ponto de vista de um professor sobrecarregado de aulas, que espera que não precise alterar o conteúdo e funcione em “piloto automático”. Neste segundo semestre de 2009 depois de Cristo (ou por que não 2405 depois de Sócrates?) me surpreendeu o quanto a turma era insípida, isto é, calados, sem humor, sem graça. No semestre passado, as turmas eram alegres, especialmente uma delas, o que motivava o professor a ser, na medida do possível, alegre. Bem, nesta primeira aula, me apresentei: meu nome é ANTONIO JAQUES DE MATOS, formado em licenciatura em Filosofia pela Universidade federal do Rio Grande do Sul, tenho livros publicados na internet, no site www.PDFCOKE.com, livros com teorias filosóficas inéditas e revolucionárias (mas não publicadas em papel, o que é bom para as florestas!), OS MITOS DO TEMPO, DO EGO E DAS LEIS (cuja principal tese é a que defendo que aquilo que chamamos de duração nunca foi algo externo, mas que surge dentro de nossa memória, uma dor sutil, por isso que, às vezes o tédio parece nos enlouquecer, quando sentimos o tempo se arrastar!), livros sobre Filosofia com adolescentes, relato das aulas de filosofia para crianças (“Filosofia infantil”), CURSO DE FILOSOFIA TEMÁTICA, entre outras reflexões. A seguir, apresentei um plano para o ano que consiste no estudo de importantes definições de filosofia, depois, progressivamente, introduzir noções de filosofia aplicada ao ensino com crianças e, finalmente, organizar coletivamente aulas práticas de filosofia infantil, um desafio que não realizamos no primeiro semestre, mas que propomos realizar neste, em grande parte porque os dois períodos semanais se mostraram insuficientes.
Tales: filosofia é o estudo da natureza, de que as coisas são feitas, para ele, de água, presente nas sementes e indispensável na agricultura e na vida das pessoas.
Pitágoras: foi quem inventou a palavra filosofia, de filo = amigo e Sofia = sabedoria, daí o filósofo é o amigo ou aquele que ama conhecer, embora não tenha todo o conhecimento, ele busca possui-lo.
Sócrates: a filosofia nos ensina a examinar a vida, a controlar nossos desejos e, assim, conhecer a nós mesmos, nossa alma ou razão.
Platão: ela é a atividade suprema humana que nos distancia do mundo material e nos aproximado mundo eterno, divino. De onde tiramos a idéia de círculos ou linhas retas perfeitas? Deste mundo material? Qualquer lente ou microscópio rejeitaria esta opinião. E, ainda, hoje, ninguém respondeu a indagação platônica!
Aristóteles: ela é a ciência da verdade que trata da lógica, da ética, da natureza e da matemática. Embora, discordasse da tese dos dois mundos de Platão, manteve um dualismo em cada ser humano: temos uma forma, eterna, que transmitimos aos filhos que dá um formato ou limite a um corpo, material e perecível.
Marco Aurélio (imperador e filósofo romano) : só a filosofia guia nosso deus interior (tese socrática) ou a razão que mora em nós, que nos livra dos danos mais fortes que os prazeres e as mágoas nos provocam, nada fazendo de enganos (segundo ele)
Kant: ela consiste em filosofar sobre os limites dos nossos pensamentos e do mundo e que verdades a razão pode conhecer.
Hegel: ela deve buscar a unidade que jaz sob a diversidade. Faltou dizer que ela é um estágio no desenvolvimento da consciência, há séculos se supõe que um nível mais elevado é o da pura intuição, no sentido medieval (os anjos sabem instantaneamente, sem reflexão, raciocínios), não kantiano (nível sensorial).
David Hume: ela nos ensina a ver os diversos aspectos que podem ser, por nós, observados e que, com freqüência, nos escapam. Quando pergunto aos meus alunos (adolescentes) como resolver o problema da violência no Brasil, eles respondem mandar a polícia subir os morros e matar os bandidos. Mas, e se um deles fosse nosso parente? E se as drogas fossem liberadas para adultos? As pessoas não consomem cerveja, vinho, etc, livremente, embora muitos provoquem acidentes fatais?
João de Salsbury: ela nos ensina a atacar e defender ideias, eleva nossa inteligência, amplia e aprofunda a visão, especialmente quando nos elevamos nos ombros dos pensadores antigos.
Will Durant: ela é o estudo da experiência como um todo, enquanto as ciências, estudam as partes do todo.
Marilena Chauí: ela reflete sobre as religiões, as ciências, a arte, a história e a política, buscando suas origens, significados, forma e conteúdo (ou seja, a filosofia é serva das outras atividades humanas!) Comentei cada definição, perguntei ao final se nos perguntassem o que é a filosofia, o que diríamos? Esperava que me dissessem que não havia uma, mas muitas, embora o ideal é que fôssemos capazes de formular uma definição a partir daquele enxame de definições dados – é isso que fazem filósofos e mesmo cientistas: a partir de muitas observações chegam a uma teoria geral. O que ocorreu foi que uma aluna, respondeu precipitadamente que filosofia “era usar o pensamento”. Não respondi na hora, a aula já tinha terminado e não queria desapontar seu esforço. Mas, o que acontece é que a ciência e mesmo a teologia, também, usam o pensamento. Então, entendi que era importante para a aula seguinte voltarmos às definições, pensá-las com mais cuidado!
3a e 4a aulas: 1 Tarefa a
Nesta aula, pedi aos alunos, valendo 5 pontos, que definissem a filosofia a partir das diversas opiniões apresentadas e, depois, formulassem perguntas referentes ao todo e às partes de determinados objetos, seres ou sentimentos. Em geral, os alunos (deste curso do pós-médio) se limitaram a reunir em uma frase partes das definições dadas, o que demonstra uma dificuldade de aprendizagem que vem da escola (do ensino médio). Disse-lhes que tinham me dado um “patchwork” de respostas, como aqueles cobertores feitos de vários tecidos costurados uns aos outros, mas o que eu tinha pedido era outra coisa: uma única definição. Uma aluna me apresentou uma definição que se destacou sobre as demais, mais ou menos assim: que “filosofia é a capacidade do ser humano de conhecer o mundo e a si mesmo através de sua percepção”. Agradeci, na hora, as céus, por aquela dádiva, chamei a definição dada pela aluna de genial, mas depois veio a explicação: ela, como um bom símio, copiou a definição que a professora de Psicologia lhe deu e, provavelmente, nem sabia o que significava! Outras colegas, também, copiaram a mesma definição e eu as rejeitei pensando que estas tivessem copiado a definição daquela “genial” aluna! Sobre a segunda parte da tarefa, lhes pedi que formulassem perguntas sobre o todo e as partes dos seguintes itens: a) colégio b) banco (instituição financeira) c) Terra (planeta) d) Amor e) Ódio f) Internet g) Sala de aula h) Vida i) Automóvel j) Corpo humano k) Aluno l) Supermercado m) Olho n) Professor o) Almoço Peguemos, por exemplo, o colégio. Uma pergunta sobre o todo: “por que vamos à escola aprender?” e uma pergunta sobre as partes: “quantas salas estão em boas condições?”.
Com este exercício, propus distinguir a filosofia das ciências, mas, sei que não é tarefa fácil. Uma sugestão que eu lhes dei foi observar se uma pergunta sobre um destes itens trata de todos os elementos de um conjunto ou se apenas de um elemento do conjunto.
Eu ia lhes apresentar, mas não tivemos mais tempo, o poema de Gregório de Matos, poeta mineiro do século XVII, época das descobertas de ouro e diamantes e do desenvolvimento econômico do interior do Brasil, que tratou do todo e das partes, a partir da destruição por invasores holandeses de uma escultura religiosa: “O todo sem a parte, não é o todo” “A parte, sem o todo, não é parte” “Mas, se a parte faz o todo, sendo parte” “não se diga que é parte, sendo o todo”
Ainda sobre a questão do todo e das partes, não se trata de mera convenção, mas tem grande relevância, embora reconheçamos que há dificuldade em precisar os limites de um e de outro. O que é o amor? Não é querer o bem do outro em sua totalidade? O que é o Estado? A população como um todo? E o Estado, como um todo, é maior que a soma das partes, o que lhe autorizaria a esmagar partes dissidentes, vozes que se oponham? Isto tudo não é relevante? (esta parte, também, não foi apresentada aos alunos, pela mesma razão do Por fim, é curiosa a pressa de duas alunas de querer que o professor lecione filosofia para crianças e não filosofia. Elas perguntaram como explicaríamos às crianças a definição de Sócrates e os dois mundos de Platão? Daí, senti a necessidade de lhes dizer e escrever um lembrete no quadro: LEMBRETE: Antes de filosofia com crianças, precisamos nos tornar filósofos, do contrário, apenas decoraremos fórmulas. E, para isso, mudei a metodologia e, para a aula seguinte, pedi que abrissem mão de algo excessivo.
5a e 6a aulas:
2a Tarefa De imediato, pedi-lhes para a semana seguinte uma tarefa prática: ABRAM MÃO DE ALGO EXCESSIVO OU RUIM e relatem cada dia, cada sentimento que apareceu. Apresentei-lhes o fundamento
filosófico: é que Sócrates, entendia que se os deuses nada precisavam e se nós humanos desejávamos nos aproximar dos deuses, então, deveríamos necessitar de pouco para viver. Lembrei, também, dos índios da Amazônia, que, ao dançarem, suam, perdem peso e se sentem mais leves e, assim, seus espíritos, podem ascender mais facilmente à regiões mais próximas dos seus deuses. Lembrei, também, de Sidarta Gautama, o Buda, que realizou uma experiência de abrir mão de prazeres (aos quais ele tinha experimentado, pois era de uma casta nobre de governantes, se não me engano) e das dores que os acompanham os prazeres mais cedo ou mais tarde. Disse-lhes que Buda, segundo a lenda, chegou a comer apenas um grão de arroz por dia, mas abandonou a experiência, pois ao pôr a mão no abdômen, sentia a sua coluna! E, além do mais, ele observou que esta experiência radical não havia libertado sua mente, mas a confundido. Depois disso, ele idealizou, como sabemos hoje, a técnica da meditação (concentração) dirigida a um único ponto ou através da repetição de uma frase cantada. Será que produz hipnose? Será que ele conseguiu se livrar de todas as cinco sensações (externas) e encontrar o mundo real dentro de sua consciência?
Os objetivos desta tarefa consistem em : (a) refletir sobre o que fazemos, examinar nossa vida, parando para pensar sobre isto; (b) estimular o prazer (se quiser usar este termo) de refletir, torná-lo um (bom) hábito; (c) questionar se o afastamento dos desejos materiais facilitariam a reflexão ou o uso da razão? (d) Estimular a ampliação da percepção, além da nossa curiosidade cotidiana, indo além dos nossos costumes e condicionamentos.
No final desta aula, citei algumas teorias filosóficas para que os alunos se aproximassem das questões que interessaram e ainda interessam aos filósofos. Dois grandes exemplos:
Heráclito: tudo está em constante mudança, não entramos duas vezes no mesmo rio, pois, já não é mais o mesmo rio e nós mesmos já não somos os mesmos. Exemplifiquei-lhes assim: se eu sou as moléculas e células que fazem parte de mim, quando eu respiro e ponho para fora o que estava, antes, dentro, eu sou o mesmo que fui antes? E, acrescentei, apesar do corpo mudar, haveria algo que permaneceria o mesmo? Neste momento, alguns alunos citam a alma (mas ela ocupa o mesmo lugar do corpo, lembrei a tese aristotélica, como ela está unida a ele, se são de natureza tão diferentes, uma eterna e o outro, perecível?)
como uma aluna tinha dito que a filosofia não deveria invadir o terreno da religião e para evitar uma guerra religiosa (alunos crentes versus professor panteísta) no espaço de uma sala de aula, lembrei-lhes de São Tomás de Aquino um frade domenicano que, em plena Idade Média, não teve receio de unir razão e fé, através de suas 5 provas da existência de Deus (não as citei em detalhe, mas as cito a seguir): (a) Movimento: nenhum ser deu a si mesmo a capacidade de mover. Um feto recebe a animação de sua progenitora e esta, também, recebeu os movimentos de sua mãe e, assim, em uma série que vai ao infinito (isto é, sem fim ou começo), mas não oferece uma resposta: como tudo começou. Pensar que há um ser eterno que dá movimento a tudo o que existe, é a resposta de Aquino; (b) Causa eficiente: semelhante à tese anterior, nada é sua própria causa e, assim, precisamos que exista algo anterior que seja a causa de nossa existência, o que nos leva a uma série infinita, mas que não resolve a questão que, para Aquino, é resolvida supondo a existência de um Deus; (c) Necessidade: há seres, entre eles nós mesmos, que não existiram sempre e, assim, houve um momento em que tudo o que existe hoje não existia. Como, então, veio a existir? É preciso, segundo Aquino, que um ser eterno exista, Deus. (d) Governo do mundo: mesmo os objetos inanimados têm um movimento causado por uma força que não está neles, ou seja, um Deus. (aqui cito duas principais teorias da gravidade para mostrar que ainda não se tem uma resposta definitiva: a teoria de Newton - dois objetos atraem um ao outro, ainda que exista um espaço vazio entre eles! - e a de Albert Einstein – corpos com muita massa deformam o espaço a sua volta, como a Terra que deforma o espaço, vazio!?, e através desta deformação a lua realiza seu movimento) (e) Graduação: observamos pessoas que são boas ou inteligentes em algum grau. É de se supor que se tudo está organizado em hierarquias, deve haver um ser que seja bom ou inteligente em um grau máximo, Deus, para Aquino. Perguntaram-me se eu tinha religião e eu respondi que sou panteísta, estou convencido, a partir da teoria de Aquino, de que há algo eterno que produz o universo, mas este (ou Este) algo eterno não pode ser separado do universo. Citei Orígenes, mas acho que não entenderam-no: se Deus existisse e o universo não, Deus seria menos poderoso do que quando o universo existisse. É claro que poderão dizer que existir é ser no tempo e não havia tempo antes da criação do universo, mas, ainda assim, Deus permaneceu o mesmo antes e depois da criação? Dirão que Ele não se mistura à criação. Mas, ser poderoso é ter algo sobre o que exercer poder! Para fortalecer minha tese de que Deus e o universo são a mesma coisa, citei a tese aristotélica e, mais tarde, de Santo Agostinho, de que só o presente existe: o passado existiu, mas não existe mais e o futuro existirá, mas não existe ainda. Ora, se a eternidade é um eterno presente e neste nosso mundo físico, só há o presente, logo, estamos na eternidade! Depois, lembrei uma imagem para mostrar esta minha visão da eternidade: somos ondas de um oceano, as ondas têm início e fim, mas o oceano é eterno. Como nos eternizamos? Relembrando novamente Aristóteles:
quando passamos nossa forma aos nossos descendentes! Por que querer mais? Por que querer eternizar a imperfeição?
7a e 8a aulas:
Neste dia, realizamos as apresentações das experiências que cada aluno viveu, falando sobre o que abriu mão por uma semana. Muitos abriram mão do café, um hábito forte, outros de refrigerantes. Houve um depoimento muito interessante: alguém que parou de beber coca-cola, por recomendação médica, pois a bebida comprometeu ou acentuou o seu problema de hipertensão arterial. Houve alunos que deram a si mesmos regras como desativar os programas de computador para que eles mesmos tivessem preguiça em reinstalá-los. Neste momento, lembrei-os de que há quem especule que não sejamos um “eu”, mas muitos (um Marco desligou o computador para que o outro Marco, fanático por jogos, tivesse preguiça de ter que montar a máquina para, então, poder jogar!); Uma aluna não usa relógio já faz anos até que possa comprar um de uma muito boa qualidade, aquele que é seu ideal de relógio. Platônica, não? Outra aluna tentou parar de roer unha e eu lhe lembrei de Freud para quem os nossos problemas emocionais vêm da infância; ela acabou por lembrar que o seu pai tirou à força o bico que ela usava e, aí, ela começou a roer unhas. Lembrei da minha voz que, ao telefone, parece feminina e acredito que isto se deve ao fato de que eu na adolescência fui chamado atenção porque começava a falar com voz grossa, depois daquilo que eu entendi ser uma crítica, minha voz mudou! Uma outra aluna, não parava de comer em excesso, apesar de não engordar. Disse que me parece que queremos pôr coisas para dentro de nós, como comida, para terminar com uma sensação de vazio. Observei, também, que é da natureza humana não se contentar com uma pequena quantidade de chocolate ou um pequeno número de cigarros de tabaco, por exemplo, há um momento em que queremos mais, porque a quantidade anterior não nos é mais suficiente. Para terminar esta primeira aula, fiz questão de deixar claro que devemos questionar se é útil abrir mão de coisas que fazemos em excesso, lembrei que as grandes mudanças realizadas na vida são causadas por desejos em excesso e citei, ainda, a paixão de Cristo, que tem a ver com sofrimento de Cristo, mas paixão é isso mesmo: uma emoção aguda, excessiva, duradoura. Não será este um outro caminho para encontrarmos o autocontrole, a razão ou, para outros, o deus interior, libertado do mundo material?
9a e 10a aulas: Houve uma aula extra em um sábado (em pleno século XXI, a quantidade é mais importante que a qualidade) e aproveitei para levar música, falar que para Platão e Aristóteles (filósofos pós-socráticos) a música forma o caráter, desde que a sua melodia, o seu ritmo, harmonizem as partes da alma (intelectiva, a razão; a irascível, da coragem à raiva; e, concupiscível, dos desejos do corpo, sede, sexo, fome, segurança, etc). Ouvimos uma música e lhes pedi (a partir da dica de que filosofar é fazer perguntas difíceis) que formulassem perguntas. Tímidos, apenas uma aluna, formulou ou a partir da letra da música acrescentou no final, sonoramente, um ponto de interrogação. A letra era: “se eu não te amasse tanto assim viria flores por onde eu vim?”. Entre as questões que surgirão, destacamos: - as flores são reais ou são símbolos de um sentimento?
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O amor muda a nossa capacidade de perceber (algo externo a nós)? De sentir (algo interno)? Por quê? Uns disseram que o amor faz bem, que nos conforta, ..., mas não chegaram a uma resposta por que tudo isso ocorre quando amamos? - As mulheres amam e os homens fazem sexo? Questão que se encontra em capas de muitos livros. Apresentei uma explicação da ciência: os homens têm o instinto natural de “espalhar suas sementes” (espermatozóides) e, por isso, traem suas esposas. Uma aluna lembrou oportunamente que conheceu uma mulher que traía seu marido, mas ele não, e aquela mulher fazia porque precisava variar de parceiros de sexo. Lembrei, depois, dos clubes de trocas de casais, onde marido e mulher de comum acordo (segundo dizem) vêem seu parceiro fazer sexo com outras pessoas. - Uma aluna perguntou se era importante saber as respostas destas perguntas, não bastaria apenas sentir amor? Eu respondi que os filósofos se preocupam com aqueles casos onde há excessos, por exemplo, de traições (mas, eu não disse, pois aquela turma desconfia muito da filosofia ou de mim mesmo: acho que se deve filosofar sempre, mesmo quando não há excessos) Como haverão outros sábados com aulas extras, penso em repetir esta metodologia como um meio a mais para a reflexão, de um modo tranqüilo, creio eu, divertido,..., visando desenvolver o filósofo que está em cada um de nós.
11a a 14a aulas: Nos primeiros 3 períodos, assistimos as duas horas do filme “Sócrates”, dirigido por Roberto Rossellini, de 1971, em italiano, com legendas em português. Não era novidade que meus alunos têm dificuldade de ler legendas e nesta turma encontramos alguns nesta condição. De qualquer modo, o filme é um apoio à tarefa que virá depois: 1a) quem foi Sócrates e como filosofava. Foi um pensador ou, mais precisamente, um estimulador de pensadores. Cada vez que ele ouvia alguém emitir uma opinião ele examinava esta opinião, buscando verificar se a opinião era forte para ser entendida como uma verdade ou, então, se ela desmoronava sob a primeira crítica. 2a) Qual foi a acusação contra ele? Acusaram-no de corromper a juventude com a filosofia (ele respondeu que se fazia isto era involuntariamente, pois ninguém torna outros maus sem correr o risco de sofrer maldades por parte destas pessoas) e criar outros deuses ou não crer nos deuses de Atenas (ele respondeu dizendo que possuía um deus interno, a razão ou, quem sabe, o próprio Eros, deus do amor, que se manifestava de acordo com o que era certo e justo) 3a) como aplicar Sócrates à educação infantil? Estimular as perguntas, reflexões e investigação por parte de cada aluno, não dando respostas prontas.
Mostrei um pequeno texto, a partir da experiência com diálogos inspirado em Sócrates, praticado por Lipman junto a crianças. O DIÁLOGO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Nondeilde Ferraz de Almeida Diretora pedagógica do CMEP - Centro Mineiro de Educação para o Pensar Coordenadora da Escola Palomar de Lagoa Santa (Programa Filosofia para Crianças) *********************************** Tudo começou com a história "O pingüim preocupado" (Companhia das Letrinhas) onde o pingüim tem uma crise de identidade e sai perguntando aos animais que encontra se ele é um pingüim. O mais curioso é, numa predição do que virá a seguir, as crianças descobrirem qual o próximo animal o pingüim irá encontrar. - Como sabem? Pergunto. - Onde pingüim vive só alguns poucos animais vivem, então é fácil saber. Respondem-me. Ainda mais curioso é quando descobrem antecipadamente que o pingüim vai se encontrar com a mãe e de novo a pergunta: como você sabe? - Tem que ser a mãe. Só a mãe para lhe dizer com certeza se ele é um pingüim. - Então, a mãe sabe melhor do que eu quem eu sou? Risos. Dúvida. Vejo uma criança distraída, já deitada no círculo com um "jeito de quem não está aí". Pergunto-lhe: o que você está pensando agora? - Eu acho que a mãe do pingüim sabe quem ele é. Estou pensando se um alienígena chegar agora na janela, como ele vai saber que eu sou gente? (Marlon - 4 anos) Diz-nos Gaston Bachelard que "a imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade. É uma faculdade de sobre-humanidade". Aí está: crianças de 4 anos envolvidas num diálogo refinado. E o que essa história revela? Enveredar com crianças menores por um diálogo investigativo é possível, sim. Saber e entender que crianças de 2 a 6 anos têm na imaginação seu referencial, na pouca concentração o seu jeito de lidar com o mundo, não nos garante que elas não possam dialogar. Penso no diálogo como o colocado por Lipman: "Para uma criança, o diálogo é um jogo como pular corda, ou pular amarelinha ou jogar ‘pega-pega’. Se você entra no jogo, você se encontra em situações que desafiam e compelem a desenvolver habilidades que o tornam capaz de ser competente naquele jogo". Um jogo onde há lugar para o silêncio, para a ruminação, permitam-me o termo. Ver uma criança absorta durante uma discussão, e inferir que ela não está acompanhando ou entendendo o que está sendo dito é, no mínimo, precipitado. Perguntar é prudente: O que você está pensando agora? As respostas nos surpreenderão, com certeza. Estabelecer pontes entre o pensar da criança e o pensamento do outro é, não só possível, como urgente. Muitas vezes nos detemos numa discussão interminável sobre o que dá conta ou não uma criança de 2 a 6 anos. Na dúvida não vacilemos: transformemos nossa sala de aula numa comunidade de investigação, como nos ensina Lipman.
15a e 16a aulas: Pedi que em grupos elaborassem diálogos, com personagens fictícios buscando refletir sobre temas específicos, tais como, bem e mal, amor, política, tempo, Deus, alma, filhos, sentido da vida. Pedi que o diálogo tivesse no máximo duas páginas para que fosse possível ser lido por todos os grupos para outros colegas. Observei a dificuldade de buscar definições com justificação, preferindo permanecerem com aquelas do senso comum: deus fez o mundo perfeito, para vivermos felizes mesmo após a morte ou, então, o amor é um sentimento inexplicável, etc.
17a e 18a aulas: Cada grupo lerá aos demais colegas os diálogos que elaboraram, procurando observar se as definições e explicações parecem ter sentido. Desta forma, estarão prontos para filosofarem com crianças, segundo o método socrático: estimularão as respostas delas, mas farão observações sobre as definições que elas apresentarem, pois filosofia “não é cada um ter opinião” ou algo como gosto não se discute, mas, sim, examinar as opiniões para saber se elas são verdadeiras ou falsas! Surpreendeu-me a qualidade dos diálogos no que diz respeito à busca por encontrar respostas, ainda que muitos alunos acreditem que basta responder: “amor é um sentimento inexplicável”, só que esta resposta não é satisfatória para a filosofia! Espero que este exercício tenha ficado impresso fortemente em suas mentes para que possam praticar esta metodologia com seus futuros alunos ou mesmo em suas vidas!
19a e 20a aulas: A seguir, nos despedimos de Sócrates mostrando que sua contribuição é dupla: Para a formação de filósofos - Ensinar a controlar as paixões (desejos, emoções) - Interromper hábitos ruins - Desenvolver a capacidade de pensar criticamente
Para a Educação de crianças - estimular que elas busquem as respostas, façam investigações ao professor cabe a tarefa de ajudar na
e racionalmente investigação fazendo perguntas a partir das - Afastar-se dos desejos materiais e se aproximar descobertas das crianças, procurando clarear suas do pensamento reflexivo ideias. Depois, apresentei-lhes Platão: discípulo de Sócrates, tinha 18 anos quando o mestre foi condenado à morte, escreveu obras sob a forma de diálogos, acreditava na existência de dois mundos, um material e outro espiritual, sendo que alcançamos este último quando pensamos racionalmente ou depois da morte. Quis fazê-los praticar a filosofia platônica através do seguinte exercício: Elaborem 10 objetivos para a sua vida. Depois, pedi que contassem quantos destes objetivos são para você (egoísta) e quantos são para os outros (altruísta). Tivemos duvidas sobre a linha que separa os desejos egoístas dos altruístas. Por exemplo: quando alguém casa é porque quer alguém para si, mas, também, quer amar o outro. Como ficamos, então? Lembrei de ter visto um documentário de Darcy Ribeiro que pesquisou a cultura indígena e observou que na língua deles não há o pronome possessivo de primeira e segunda pessoas “meu” ou “seu”, só o “nosso”. Assim, tínhamos, então, um critério, ainda que pudesse ser questionado: quando alguém disse que queria encontrar alguém para casar e usasse o pronome “meu” ou, ainda que não usasse, ele pudesse ser incluído na frase, concluiríamos que ali estava uma pessoa egoísta. A maioria dos alunos escolheu objetivos majoritariamente egoístas, o que não é algo ruim, exceto se representam quase 100% dos objetivos. Um número menor, se reconheceu altruísta. Espero que esta descoberta faça-os pensar sobre isso. Uma aluna refletiu sobre as escolhas que fazemos, em especial ao seu comportamento possessivo, de não abrir mão do que é seu para os outros, mas que, depois, se sentia infeliz por ter agido assim. Lembrei da tese freudiana de que dentro de nossa mente haveria muitas consciências e dei como exemplo o meu próprio: por várias vezes gastei boa parte do salário sem guardar nada e, depois de ter ficado indignado comigo mesmo (eu brigando comigo mesmo? Ou, segundo, aquele “primeiro Freud”, duas consciências brigando?) O que Platão acharia disto? Como era também matemático talvez visse com bons olhos a tentativa de quantificar em números a bondade e a maldade? Não sei. O que queríamos era não só debater a questão do egoísmo/altruísmo, mas apresentar a divisão da alma segundo aquele filósofo:
Podemos, na próxima aula, perguntar aos alunos qual parte predomina neles? E, aí, reside uma questão interessante: alguém pode ser irascível e egoísta (ambicioso, individualista, um político, por exemplo, que queira o poder para satisfazer suas necessidades) ou, então, irascível e altruísta (um estadista, que se doa pelo bem comum). Pode haver um egoísta concupiscível (vê os outros com objeto de suas satisfação) ou um altruísta concupiscível (defensor do amor livre sem que ninguém seja dono de ninguém, p.ex. Festival de Woodstock na década de 60). E um egoísta em que predomina a parte da alma racional? Acredito que não é possível, apenas um altruísta, racional, que ultrapasse suas necessidades visando fazer o bem de outras pessoas. Isto porque um egoísta/racional vai pensar nos meios para satisfazer suas necessidades irascíveis ou concupiscíveis. a a :
21 e 22 aulas
Resolvermos ir para fora da sala, pois estava muito quente lá dentro. Decidimos falar sobre a dialética de Platão. Iniciamos definindo-a: ela é um movimento do pensamento que parte de elementos que se opõem e busca chegar a uma conciliação daqueles elementos. Isto porque, para Platão, a vida do mundo material, dos homens e, especialmente, dos homens egoístas, é um mundo em constante conflito que só um filósofo através do pensamento racional, distanciado da vida cotidiana, material, poderia superar. Sugeri alguns exemplos: o que conciliaria homem e mulher, seres cujo sexo os situam como elementos conflitantes. Alguns sugeriram o casamento, aí os lembrei que não raro casais continuam em conflito mesmo após as núpcias. Os filhos, os conciliariam? Uma aluna lembrou que adultos geram filhos que não foram desejados e os abandonam, mas, mesmo assim, no momento de prazer houve uma união entre os sexos comumente chamados de opostos, um momento (do orgasmo) em que o tempo parece parar, um momento em que se experiência a eternidade, não muito distante da crença platônica, em que o pensamento (dialético) supera o mundo material e alcança o mundo eterno, divino. Apresentamos outros exemplos: os times rivais no futebol no Rio Grande do Sul, Grêmio e Inter, como se conciliam? Quando um deve ganhar de um outro time para ajudar na colocação do outro no campeonato, por exemplo. E água e óleo, se conciliam ou misturam? Não? E quando usamos água e óleo no preparo do macarrão? Eles se unem para formar outra coisa. Cores? Preto e Branco dá cinza.
Questionei um livro para crianças cujo título é “Charlie e Lola” e os “Opostos”: educa ou deseduca? Se olharmos para a vida em sociedade veremos uma série de conflitos e uma incapacidade de superação ou conciliação. Ajuda ensinar as crianças que há muitas oposições no mundo? Não se deveria ensinar a elas a conciliação, ou seja, a superação de conflitos? Alguns alunos sugeriram que se devesse 1o ensinar as oposições e em 2o apresentar exemplos de como superá-las. Lembrei Freud que recebeu uma carta de um amigo dizendo que sentia que fazia parte do infinito. A ele, respondeu Freud, dizendo que aquela sensação nada mais era do que lembrança vaga dos primeiros dias de vida em que o bebê não focaliza os objetos e seres, vendo tudo a sua volta se foco! Ora, não vemos oposições, apenas um contínuo sem fim diante de nós, não vemos nem o “nós” ou o “eu”, muito menos o “outro”. Questionei, também, se há opostos, se por oposto queremos dizer “inverso”, algo que é em tudo contrário a outra coisa? Por exemplo: uma figura no espelho é oposta a sua imagem. Não seria um erro dizer que um homem é oposto a uma mulher? Uma vagina é um pênis que cresceu para dentro? Um absurdo, evidentemente. Um último degrau de uma escada é oposto ao primeiro degrau? Dirão que na escada há extremos, sim, mas ainda assim para uma pessoa, o topo pode ser o começo do caminho que ela deve percorrer, enquanto para outra pessoa, pode ser o fim do caminho. Em que contribui para educar uma criança ensiná-la que em uma escada há opostos? Nosso fundamento filosófico para rejeitar a existência de oposições encontra-se em Nietzsche, para quem não há oposições, mas perspectivas diferentes.
A vantagem de ensinar que não há oposições a uma criança é educá-la para a vida adulta onde se observam conflitos constantes: o motorista ao lado é uma ameaça, que se opõe no meu caminho, embora a rua pertença a todos. A democracia é um governo da maioria, embora o governo do povo, supõe que seja de todo o povo e não de uma parte. Partidos políticos se opõem, mas não estão do mesmo lado, ou seja, procurando construir uma grande nação? O racismo põe em lados opostos por causa de cor da pele, mas não somos todos humanos? Por fim, reconheci que fiquei devendo aos alunos exercícios de dialética para crianças.
23a e 24a aulas: Para amenizar estes dias quentes de fim de primavera, iremos à sala de informática para pesquisar mais sobre Platão e a dialética, incluindo uma história em quadrinhos (A sombra da vida) inspirada no mito platônico da caverna, como vemos abaixo. Antes, pedi um trabalho (valor: 15 de um total de 100 pontos, no semestre): o trabalho consiste em pensar em opostos e concilia-los, mas relacionados à educação infantil, isto é, um exemplo de dialética que possa ser aplicado às crianças. Como exemplo, citei dois exemplos: (a) dois homens, um de 1,80 e outro de 1,60, um é dito alto e o outro, baixo. Na vida diária, temos preconceito contra as pessoas de estatura baixa (entre as quais eu me incluo, isto é, no grupo das que tem preconceito e no grupo das pessoas de baixa estatura, tenho 1,62 aprox.). Saiu recentemente uma pesquisa que mostra que homens mais altos ganham maiores salários! Homens mais altos recebem maiores salários, diz estudo. (BBC Brasil) Um estudo feito por cientistas australianos indicou que homens mais altos levam vantagens quando o assunto é salário. Uma pesquisa feita com 7.000 pessoas concluiu que 5 centímetros a mais de altura equivalem a um adicional no salário de cerca de 950 dólares australianos --quase R$ 1,5 mil-- por ano.
Parece, no entanto, que estas características são definitivas, mas se compararmos um homem de 1,80 e a torre Eiffel, perto da torre aquele homem será tido como baixo. (b) uma formiga carregando uma folha parece algo insignificante, desprezível aos olhos de um ser humano, mesmo de uma criança, mas o professor pode reconstruir esta experiência em sala de aula, onde o aluno tentará carregar uma folha proporcional àquela que o inseto carrega. Pode ser uma folha de bananeira, para os pequenos (pré-escola) ou uma folha feita de isopor, papelão.
Uma informação adicional ao professor: “uma formiga levanta 50 vezes o seu peso, dependendo da espécie” (curiofisica.com.Br) ou seja, se eu tenho 60kg e se pudesse carregar o que uma formiga carrega, eu poderia levantar 3 toneladas ou três kombis
A história em quadrinhos é uma adaptação do mito da caverna, de Platão. Já no início, o desenhista e escritor Maurício de Souza agradece ao “colega” Platão.
Sugeri que se utilizasse o mito na educação infantil, desde a reprodução ou construção de uma caverna em sala de aula, até a elaboração de sombras de animais para mostrar que se pode criar imagens parecidas com as reais, mas que não correspondem ao real.
25a e 26a aulas: Para estas aulas pedi que pensassem em um exemplo de dialética para aplicar com as crianças. Algumas alunas, sem que o professor pedisse, pensaram em histórias infantis, como “O patinho feio”, por exemplo. Minha intenção era reforçar a noção de superação de opostos. Muitas histórias fazem isso, mas muitas outras mantém o conflito ou tentam resolvê-lo matando o vilão da história ou o exilando em algum lugar distante. A bruxa que atormentava a chapeuzinho vermelho acaba presa no espelho, se eu não estiver enganado. Poderão pensar: isso é bobagem, a vida é assim mesmo. Porém, a filosofia não quer apenas imitar a vida, repetindo os erros dos outros, quer, sim, superá-los. Contudo, nestas aulas, o melhor debate não se travou sobre as histórias fictícias, mas nas histórias conjugais de algumas alunas: uma delas reclamava que o marido recebia tudo pronto da mãe dele e ela não gostava disso, ele parecia sempre passivo, esperando que fizessem tudo por ele e, ela, a esposa, queria mudar isso quando se mudassem para uma casa nova. Outra aluna objetou dizendo que havia ali duas maneiras de educar (dois opostos, em conflito!); eu perguntei, então, qual deles era o certo? Ninguém, nem eu, tínhamos a resposta. Talvez, se devesse tomar algo de bom de cada um... No segundo momento, apresentei as contribuições de Platão à filosofia e à educação infantil: Contribuição de Platão à filosofia: -Há dois mundos, um físico e outro espiritual, alcançado pelo pensamento ou após a morte; -A alma, antes de vir para o corpo, contempla as verdades eternas junto a Deus; -O mito da caverna é uma história criada por Platão para mostrar como nós somos neste mundo
Contribuição de Platão à educação infantil: A dialética: instrumento que possibilita, dados elementos opostos, supera-los, através da conciliação destes. Observar os dons (naturais?) que a alma das crianças trazem, apoiando a curiosidade delas, para que investiguem e aprendam mais sobre assuntos
material e como desconhecemos o outro mundo, que elas gostam mais. verdadeiro. - O mundo (eterno) das ideias é de onde Platão tira inspiração e modelo para pensar a cidade ideal, a educação ideal e, também, o amor ideal. Observei, ainda sobre o amor ideal, algo que eu aprendi em uma peça de teatro sobre o “Banquete” de Platão: é que o psicanalista Jacques Lacan, relembrou o amor ideal de Platão (que se relacionava à ideia de belo e à ideia de bem (Deus) quando amamos o corpo físico de alguém), mas relacionando ao conflito observado por ele entre o amor que as pessoas idealizam (a imagem de uma pessoa idealizada ou de um casamento idealizado?) e o amor vivido (e, não raro, envolvido por experiências frustradas, por pessoas que nos desapontam ou, quando nós mesmos desapontamos).
27a e 28a aulas: Nestas aulas quero apresentar-lhes Aristóteles: A lógica: Crê-se desde Aristóteles que o pensamento tem uma ordem e, por isso, ele pensava que ensinar lógica ajudaria a ensinar a pensar segundo uma ordem. Fácil para quem pensava, também, que o universo tinha uma ordem a ser encontrada. Mathew Lipman, no século XXI, mantém esta crença, acredita ele que este seja o problema que limita a inteligência de nossos adolescentes. Será mesmo? Em nossa opinião o problema principal na capacidade de pensar de um adolescente ou de um adulto é simples: não ver outras perspectivas de um problema. A palavra “perspectiva” sugere três dimensões, não uma única direção, como pensam os lógicos ainda hoje. De qualquer modo, a lógica é o que chamo de “fitness” para o cérebro, um instrumento a mais para movimentar a massa cinzenta e acelerar o pensamento, o que não é algo ruim. Apresentamos dois grupos de testes: (A) testes para professores: (teste 1): Continue a seqüência: 1) 1322543210, 1344543210, 1366543210, ... = 1388543210 2) 1234678125, 1236784125, 1237846125, ...= 1238467125 () 3) 2938204185, 3938204184, 4938204183,... = 5938204182 (o 1o par de números é acrescido de 10 unidades e do último par é subtraída 1 unidade) 4) 4356787874, 4361787879, 4366787884, ... = 4371787889 (o 2o e o último par de números são acrescidos de cinco unidades) 5) 4564310041, 4575533341, 4586756641, ... = 4597979941 (os pares das extremidades não mudam, os números do interior alteram-se assim: aos dois primeiros é acrescido 1 unidade, aos 1 números seguintes são uma seqüência de números ímpares e os dois últimos ou penúltimos, se quiser, são acrescidas 3 unidades) (teste 2): Continue a seqüência: (1) Um avião com 100 pessoas a bordo caiu junto à fronteira de Espanha. A cabina da Primeira Classe caiu em Espanha, a cabina principal caiu no lado português. Qual país têm a obrigação de enterrar os 18 sobreviventes portugueses que viajavam em Primeira Classe? ( ) Portugal ( ) Espanha ( ) Nenhum ( ) O país onde está registrado o avião (2) qual figura de qual letra preenche o quadrado vazio?
(3) Qual figura de qual letra completa o espaço onde está o ponto de interrogação?
(4) o número de quadrinhos claros na figura que ocupa a 10a posição é:
(5) Que palavra não pertence ao grupo? ( ) prata ( ) platina ( ) ouro ( ) marfim (6) Qual figura não pertence ao grupo?
(B) Testes para crianças: Há uma série de pequenos exercícios que realizamos dois anos seguidos e são interessantes para fazer os alunos refletirem demoradamente sobre relações: há quatro crianças para as quais devemos relacionar quatro diferentes animais de estimação e nos são dadas pistas: o animal de Bobi não pode voar, o animal de Cal tem pêlos e o de Debi, também e o animal de Debi não late. Assim, vai-se completando um quadro como o seguinte: Pássaro Gato Cachorro Peixe Amy Bobi Cal Debi Há outros: quatro crianças nasceram em diferentes países. Encontre quem nasceu em qual país, segundo as seguintes pistas: Ana não nasceu na Europa, a língua de Debi não é o inglês, Ben não é das Américas e Cal não
é do hemisfério norte (é interessante lembrar os alunos que o hemisfério citado é o que está ao norte do Equador!). França
Reino Unido
EUA
Argentina
Ana Ben Cal Debi Há um grupo de falácias, raciocínios ou conclusões errôneas, que podem estimular os cérebros de um modo engraçado: (D)
(G)
(E)
Imagine um pedaço de queijo suíço, daqueles bem cheios de buracos Quanto mais queijo, mais buracos Cada buraco ocupa o lugar onde haveria queijo Assim, quanto mais buracos, menos queijo Quanto mais queijos, mais buracos e quanto mais buracos, menos queijo Logo, quanto mais queijo, menos queijo Existem biscoitos feitos de água e sal. O mar é feito de água e sal Logo, o mar é um biscoitão todos os cães são mamíferos, todos os gatos são mamíferos, portanto, todos os gatos são cães
29a e 30a aulas: Nestas aulas quero propor não uma aula sobre a teoria aristotélica da causalidade, que muitos professores se sentiriam estimulados a tratar, mas algo prático, que caracteriza este semestre (LEMBRE O LEITOR QUE QUEREMOS FORMAR FILÓSOFOS QUE, POR SI MESMOS, SABERÃO FILOSOFAR COM CRIANÇAS!) Para isso, distribuiremos revistas e pediremos aos alunos que busquem as causas mais longínquas que puderem encontrar a partir de uma notícia que lhes chamar mais atenção. Por exemplo: se a notícia trata de um acidente aéreo, pergunte por suas causas 1- despreparo do piloto, 2- peças e avião antigos, 3- clima atmosférico desfavorável, 4- pista ruim, 5- controladores de voo estressados? Mas, não parem aí, procurem na notícia ou em sua imaginação o porquê das causas anteriores: 1.1 o porquê do despreparo do piloto; 1.2 o porquê das peças antigas 1.3 o porquê do clima desfavorável 1.4 o porquê da pista ruim 1.5 o porquê dos controladores estressados Se a imaginação for fértil poderemos obter muitas respostas, tais como:
1.1.1 1.1.2
piloto mal remunerado piloto com poucas horas de experiência
1.2.1 1.2.2 1.2.3
peças contrabandeadas empresa não repõe as peças segundo o tempo de uso empresa visa o lucro e não a segurança
1.3.1 1.3.2 1.3.3
mudança repentina da atmosfera clima foi subestimado não queriam atrasar o voo, etc.
Não vamos continuar com o exemplo, alongando-o, pois, acreditamos que o leitor já entendeu a proposta. Se o nosso aluno tornar esta atividade (de perguntar pelos o porquês cada vez mais longínquos daquelas causas mais imediatas) um hábito, temos certeza de que os tornamos filósofos, porque a filosofia busca as causas que Aristóteles chamava de “primeiras”, na ordem dos acontecimentos, vamos dizer assim. Em geral, os alunos acham divertido este exercício, embora alguns se cansem!, será o cérebro trabalhando, finalmente?
31a e 32a aulas: Uma das principais obras de Aristóteles, a “Metafísica”, teve seu nome dado posteriormente por Andrônico de Rhodes, talvez porque se referisse àqueles escritos que foram organizados em sua estante “depois dos livros de Física” ou porque se trata de teorias que ultrapassam o mundo físico, embora para Aristóteles, não há outro mundo além deste em que estamos, embora a mente, defendeu ele, tem algo de eterno, ela é divina, e muitos dos pensamentos, também. Além disso, a alma é o que dá uma forma ao corpo material e é eterna, mas há uma forma que os homens compartilham e sua eternidade reside em ser transmitida às gerações seguintes. Ou seja, quando morremos, morremos. Na mesma “Metafísica”, Aristóteles escreveu que temos naturalmente o desejo de conhecer e a prova disto é o prazer que experimentamos vindo dos nossos sentidos apenas pelo uso que fazemos deles. Assim, por que não experimentar os sentidos isoladamente? Visão/tato Privar da visão com um pedaço de pano sobre os olhos e refletir sobre isto? Ou pôr objetos em sacolas escuras e pedir que digam o nome dele. Mostramos, ainda, ilusões óticas para mostrar que os olhos se enganam ou, mas precisamente, nosso cérebro se engana. Paladar provar comidas ou sabores sem saber o que é e tentar descobri-los? Pensamos em oferecer-lhes um hamburger de soja e pedir que adivinhem o sabor? Audição Testar a audição: no semestre anterior apresentamos toques musicais de nosso aparelho celular e perguntamos que sentimento cada música despertava? Moral da história: Se podemos desconfiar dos sentidos, devemos evitar decidir antes de refletir bem, não?
33a e 34a aulas: Nestas últimas aulas, destacaremos a contribuição de Mathew Lipman, que teve o mérito de incentivar a filosofia para crianças, quando muitos a reprovavam até mesmo para adolescentes! Nosso desacordo com ele reside no fato de que ele não acrescentou nada a sua forma de ensinar filosofia para crianças que já não estivesse contido nos três grandes pensadores – Sócrates, Platão e Aristóteles. De Sócrates/ Platão Lipman tomou o diálogo e a busca de definir as coisas e de Aristóteles, a experimentação. Contudo, é possível experimentar a partir de leituras de livros? Jean-Jacques Rousseau, no século XIX, já defendia que os alunos aprendessem lendo o livro do mundo, interagindo com a natureza, portanto!
A seguir apresento alguns trechos das histórias que Lipman sugere ler para crianças e sugestões que ele propõe de perguntas e temas (muitas em um nível de abstração que enlouqueceria adultos, como, perguntar “o mundo existe quando não o estamos vendo?”), em um formato acabado, hermético, o que provocou algumas críticas a Lipman, pois esta não é uma postura democrática, embora bastante lucrativa! A Descoberta de Ari dos Telles - Investigação Filosófica - carga horária: 40 horas Novela escrita por Matthew Lipman, indicada para 11 a 13 anos, narra a aventura de um garoto que, surpreso com uma questão formulada pelo professor em um momento de distração em sala de aula, busca com seus amigos os caminhos para compreender as regras de um bom raciocínio. Um dos principais objetivos do programa Ari é que os alunos aprendam a pensar e a pensar sobre o pensar. Sua ênfase está na lógica formal, na lógica das boas razões e na lógica do agir. Esta novela nos apresenta uma introdução à investigação filosófica, problematizando temas de Ontologia, Antropologia, Teoria do Conhecimento, Ética, Estética, Fenomenologia, Política, Linguagem e Educação. Em várias passagens, Ari e seus amigos discutem sobre a origem e realidade dos pensamentos. Há também a discussão ética sobre padrões culturais, relações de poder na escola e o conflito entre diferentes padrões éticos. A narrativa salienta o valor da investigação, encoraja o desenvolvimento de modelos alternativos de pensar e imaginar, e mostra como as crianças e jovens são capazes de aprender uns com os outros. O texto possui 17 capítulos, para ser trabalhado durante 2 anos. Vejamos um pequeno trecho da novela: (...) "- Quando você fala em pensamento, o que você quer dizer? Os pensamentos que temos na nossa cabeça, como idéias, lembranças, sonhos e coisas assim, ou o modo como pensamos? - O que você quer dizer com o modo como pensamos? perguntou Júlia. - Era sobre isso que o Ari e eu estávamos conversando. É o que chamamos de pensar nas coisas até entendê-las. Quando você já conhece uma coisa e quer saber mais sobre o que você já conhece, você tem que pensar. Você tem que decifrar as coisas, disse rapidamente Luísa. - Mas ter pensamentos é diferente de realmente pensar. Minha cabeça está sempre cheia de pensamentos. Eu não sei de onde eles vêm. Acho que são como as bolinhas do meu refrigerante. Elas simplesmente vêm do nada, disse Fabiana. - Eu não penso assim. Para mim, os pensamentos são como morcegos, dormindo pendurados de ponta-cabeça numa caverna escura. Eles acordam de noite e ficam se debatendo dentro da caverna, fazendo um barulhão danado e eu não consigo dormir por causa dos pensamentos que passam pela minha cabeça. Mas, às vezes, um deles sai da caverna e se transforma num pássaro, que voa livre e solto e, sem ter nada que o prenda, vai embora, e pode seguir seu caminho até onde quiser, disse Julia tranqüilamente. - Minha cabeça é como um mundo particular. É como o meu quarto. No meu quarto tenho meus brinquedos e, às vezes, pego um ou outro para brincar. Faço a mesma coisa com os meus pensamentos. Tenho os meus pensamentos prediletos e tenho outros que nem gosto de lembrar, disse Luísa. - Mas os pensamentos não são reais, quer dizer, não são reais como as coisas do seu quarto. O meu pensamento do Pingo não é o Pingo. O Pingo real é cheio de pêlos, e o meu pensamento do Pingo não é peludo, comentou Júlia.
- Mas é um pensamento real, retrucou Fabiana. - Você quer dizer que, se seu pensamento é parecido com alguma coisa que existe, então ele é apenas uma cópia ou imitação e não é real? Assim, se existe um cachorro chamado Pingo, então meu pensamento do cachorro não é real porque é só uma cópia do cachorro? Mas eu tenho uma porção de pensamentos que não são cópias de nada! argumentou Luísa. - O que, por exemplo? perguntou Júlia. - Os números! Você já viu um número passeando pela rua ou parado por aí? O único lugar em que os números são reais é na minha cabeça. E aposto como tem muitas outras coisas que também só são reais na sua cabeça, respondeu Luísa, triunfante. - Tá bom! E os sentimentos? Quando me sinto triste ou feliz, será que esses sentimentos não estão só na minha cabeça? Eu também nunca vi um sentimento passeando pela rua! interrompeu Fabiana." (LIPMAN, M. A Descoberta de Ari dos Telles, cap. 3, pp.12 e 13) Diante deste pequeno trecho de um capítulo da novela, os alunos se apropriam da problemática levantada pelas personagens e partem para uma investigação filosófica acerca dos pensamentos. Vejamos uma atividade, retirada do livro do professor, que poderia ser desenvolvida com os alunos para iniciarmos a investigação sobre a origem dos pensamentos e como pensamos. Plano de discussão: Como Pensamos? 1. De onde vêm nossos pensamentos? 2. Eles se originam em nossas próprias cabeças? 3. Você consegue pensar em algum pensamento que você mesmo tenha criado? 4. Os nossos pensamentos são estimulados pelas coisas que vemos, coisas que nós experienciamos no mundo? 5. Como as pessoas aprendem a pensar? As pessoas precisam aprender a pensar ou é uma coisa que os seres humanos fazem naturalmente?
6. Alguns pensadores antigos achavam que a mente humana era como papel em branco onde eram "escritas" as experiências. O que você acha disso? 7. Para outros pensadores a mente humana não era algo a ser estimulado pela experiência. Acreditavam que os pensamentos são anteriores a qualquer experiência. Diziam: "Uma pessoa precisa ter pensamentos a fim de dar sentido as suas experiências". O que você acha disso? A mente pode ter pensamentos sem ter tido experiência alguma antes? 8. Você acha que precisamos ter experiências antes de ter pensamentos? (LIPMAN, M. Investigação Filosófica. p.41) Exercício: A realidade dos pensamentos Alguns de nossos pensamentos parecem ser cópias de coisas que realmente existem no mundo, enquanto que outros parecem surgir de dentro de nossas próprias mentes. Neste capítulo Luísa e Fabiana dizem que o pensamento do cachorro é uma cópia de alguma coisa que existe no mundo, mas o pensamento dos números não é. Dos pensamentos abaixo, diga se são sobre algo que existe no mundo ou não. Justifique. A) Pensamentos sobre um jantar delicioso. B) Pensamentos sobre o que se sente quando se leva um tiro. C)Pensamentos sobre o que se sente quando se está apaixonado. D) O pensamento de um patriota sobre o que é liberdade. E) O pensamento sobre o filho que talvez tenha um dia.
Issao e Guga- Maravilhando-se com o Mundo - 1ª a 4ª séries –
Para alunos de 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental, as personagens nos contam sobre umas férias inesquecíveis. Issao visita a fazenda de seus avós e torna-se amigo de Guga, que mora com sua família ali perto. O avô de Issao, que já foi marinheiro, conta sobre um encontro que teve com uma baleia e diz que gostaria de visitar um lugar onde pudesse, novamente, observar as baleias. Issao o convence a fazer esta viagem e levar a família de Guga. A maneira como Issao e Guga demonstram interesse por animais, pela noção de espaço e tempo e por muitos outros aspectos da natureza, faz deste texto uma introdução ideal à investigação sobre as relações entre a linguagem, o mundo e as diferentes formas de percepção.As questões sobre o conhecimento humano, as preocupações com a ecologia, a reflexão sobre o belo, o real e a verdade são temáticas que permitem às crianças o contato com o espanto que dá origem ao filosofar, com o "maravilhar-se com o mundo". Como percebemos o mundo? Será que o mundo é tal qual vemos? Qual a relação entre os objetos e o que percebemos através dos sentidos? Ou é uma construção do sujeito e, neste caso, como poderíamos ter acesso às coisas-em-si? O texto possui introdução dez capítulos. É previsto para ser desenvolvido durante dois anos.
Vejamos um trecho de um episódio da novela em que Issao dialoga com outros personagens:
(...) " Perto da mesa onde estávamos sentados tinha um porta-guarda-chuvas. Ele tinha uma placa que dizia: "Olhe seu guarda-chuva". O porta-guarda-chuvas estava vazio, porque o dia estava bonito. Como a placa estava me incomodando, falei: Vô, por que está escrito "Olhe o seu guarda-chuva"? Porque ele pode desaparecer. Por isso eu acho que tem coisas no mundo que desaparecem se a gente não ficar olhando. Isso não é esquisito? Satie me chama da cozinha e interrompe os meus pensamentos. Me levanto da cadeira perto da janela, onde eu estava sentado de pernas cruzadas, e começo a correr pela sala. Mas tropeço no tapete e esbarro numa das plantas da vovó. Satie entra, vê a sujeira e fala: Vou pegar a vassoura. Satie vai até o armário, mas a vassoura não está lá. Não entendo. Ela sempre está aqui. Onde será que ela está? Não pode ter simplesmente desaparecido. Ou será que pode? E aqueles guarda-chuvas? E se vassouras são do mesmo jeito e só ficam no lugar enquanto tem alguém olhando? Conto pra Satie o que estou pensando. Ah, não faz diferença se tem alguém olhando ou não. A vassoura não pode sair andando. Ela fica onde foi colocada. Mas, Satie, como a gente pode ter certeza disso? Pelo que eu penso, talvez o mundo todo desapareça quando ninguém estiver olhando. Satie dá um suspiro e diz: Issao, se não tinha ninguém olhando quando o mundo desapareceu, ninguém ia saber a diferença, né? Então ela dá uma risada e acrescenta: Olha só, a vassoura está aqui, entre a parede e a geladeira. Acho melhor a gente ficar de olho nela. Da próxima vez que ela sumir, pode ser que não volte, qualquer que seja o lugar onde a gente procure. Guga entra. Conto pra ela a história do portaguarda-chuvas e da vassoura. Ela bate palmas e diz: Ah, eu sei o que você quer dizer. Isso acontece comigo o tempo todo. Quando não posso pôr a mão nas coisas, não posso ter certeza de que ainda estão lá. É por isso que eu sempre adoro sentir o chão embaixo dos meus pés, e pôr a mão nas mesas e cadeiras e em todos os outros tipos de móveis que há no mundo. Fico sempre tão apavorada quando não tenho nada para pôr a mão, porque tenho medo de que o mundo tenha simplesmente saído andando. Satie parece um pouco preocupada e diz: Mesmo assim, Guga, você sabe que ele está aí, não sabe? Você não acredita, realmente, que ele desaparece? Acredita? Guga ri e fala: Ele não desaparece porque para mim, ele nunca apareceu. Ele só aparece pras pessoas que podem ver. Belé entra e senta no colo de Guga. Ei, Belé, você está aqui. Sei que você estava lá fora caçando passarinhos outra vez. Você não vê o Belé caçando passarinhos. Mas você sabe que ele caça, Guga. Bom, é isso que você e Satie me dizem que ele faz e, se vocês dizem, eu acredito. Mas isso não impede que eu fique pensando para onde a noite vai quando é dia, ou para onde vai o frio quando um sorvete derrete, ou de onde vem o sabor quando sua avó faz o pão. Vocês me dizem que a
grama é verde, mas ela é verde durante toda a noite ou deixa de ser verde à noitinha e volta a ser verde de manhã? Satie senta no chão ao lado da cadeira em que Guga está sentada: É assim que você entende as coisas, Guga? Que as cores que não vemos, os sons que não ouvimos e os sabores que não sentimos estão todos fora, em algum lugar, esperando sua vez? (LIPMAN, M – "Issao e Guga", cap. 5, pp 30-2) PLANO DE DISCUSSÃO: 1) As coisas desaparecem quando não tem ninguém olhando? 1 ) Existem coisas que desaparecem independente de ter, ou não, alguém olhando? Que tal uma poça d’água num dia de sol? Você pode dar outros exemplos? 2) Existem coisas que não desaparecem, mesmo que não tenha ninguém olhando? Que tal a gravidade? Ou seu próprio corpo? Você pode dar outros exemplos? 3) Existem coisas que só desaparecerão se tiver alguém olhando? Que tal um roubo? 4) Existem coisas que desaparecerão se não tiver ninguém olhando? Que tal jóias? 5)Existem coisas que só existem se tiver alguém olhando? Que tal programas de televisão? 6)istem coisas que só existem se não tiver ninguém olhando? Que tal sua privacidade? (IPMAN, M. Maravilhando-se com o Mundo, p.199) EXERCÍCIO: As coisas existem quando não são observadas? O Sol A chuva Sua Seus pensamentos bicicleta Seu Programa favorito O arco-íris Seus medos Seu jantar na TV Sua classe Sua família
Módulo III - Investigação Ética (Luísa) Novela escrita por Matthew Lipman, é indicada para adolescentes de 13 a 15 anos. Como saber o que é certo ou errado? O que é liberdade? O que é justo? Estas e outras questões instigam os personagens da novela e levam os alunos a percorrer os caminhos da investigação ética. Luísa retoma algumas das questões lógicas que já apareceram em Ari e introduz as questões éticas que são o tema dominante de toda novela. Nela, são tratados os mais diversos temas éticos que foram discutidos por muitos filósofos, e, ainda hoje, estão presentes no nosso cotidiano. Há uma referência à discussão entre Parmênides e Heráclito sobre o ser e o não-ser, aos paradoxos de Zenão de Eléia sobre a impossibilidade do movimento, à discussão sobre determinismo e liberdade tal como abordada em Espinosa, intenção, ação e conseqüências, a busca dos critérios para a construção dos juízos morais e avaliação das ações morais do cotidiano. O texto completo de Luísa possui 11 capítulos subdivididos em 29 episódios. O trabalho com a novela é previsto para dois anos. Vejamos um exemplo, a partir de um pequeno trecho da novela: No episódio 9, Toninho fica sabendo que foi envolvido em uma intriga e que foi intimado a se encontrar com Sérgio, no dia seguinte, para tirar a limpo a confusão. Marinho, Luísa e Ari ficam conversando com Toninho sobre o possível desfecho da situação criada. (...) "- Olha! – disse Toninho já impaciente – das duas, uma: ou vai haver briga ou não vai haver briga. Essas são as duas únicas possibilidades. Se não houver briga, eu não tenho nada com que me preocupar. E, se houver...eu sei me cuidar. Então, o que você está dizendo é "o que será, será"? – acrescentou Ari. É, acho que sim. Então, – disse Ari continuando seu pensamento – o que quer que aconteça amanhã, já está decidido? Eu não disse isso. Onde você quer chegar? O que eu quero dizer é que mesmo que a gente não saiba o que vai acontecer amanhã, será que o que vai acontecer já não está decidido? Tudo que podemos dizer é que amanhã tanto pode haver uma briga como pode não haver. É só isso que podemos saber a partir da regra que a Fabiana e a Luísa descobriram. As duas coisas são possíveis. Mas, na verdade, apenas uma delas vai realmente acontecer. Nós não sabemos qual. Portanto, talvez o que vá acontecer já esteja decidido. Não! Vocês estão enganados. O futuro não está absolutamente decidido. É verdade que amanhã tanto pode haver uma briga, como pode não haver. Mas, em ambos os casos, qualquer coisa ainda é possível – disse Toninho. Eu não concordo.Eu acho que o que vai acontecer já está bem claro. Olha, vamos supor que eu fique gripado amanhã. Isso significa que as condições para que eu fique gripado amanhã já estão presentes hoje, certo?
Certo – disse Ari. Então, se um médico me examinar cuidadosamente hoje, ele pode dizer se eu vou ficar gripado amanhã, do mesmo jeito que o homem do tempo pode prever as tempestades. Eu acho que o futuro já está decidido, inclusive o que vai acontecer com você amanhã, Toninho. E você Luísa, o que você acha? – Ari perguntou. Eu concordo com o Toninho. Qualquer coisa pode acontecer. E você, o que acha? Não sei não. Enquanto eu ouvia o Toninho falar, eu achei que ele estava certo e enquanto eu ouvia o Marinho, eu achei que ele estava certo. Mas, se eu tivesse que decidir, acho que concordaria com o Marinho. Dois contra dois! Empatou – disse Luísa. Mas será que amanhã vai haver empate? – disse Marinho." (LIPMAN, Luísa,capítulo Quatro, ep. 9, p. 41) Plano de Discussão: Livre-arbítrio (LIPMAN, M. Investigação Ética. P.114) 1. Você decidiu livremente vir à escola hoje? 2. Se você estiver com sede, você pode optar por ir ou não beber um copo d'água? 3. Você resolveu ter sede ou teve sem pensar nela? 4. Você já resolveu ter fome? 5. Você escolheu ser brasileiro? 6. Você escolheu a roupa que está vestindo? 7. Você pode escolher desobedecer as normas de trânsito, como atravessar quando o farol está vermelho? 8 Se você cair da janela, você pode escolher não cair no chão? 8. Você pode ser feliz simplesmente porque quer ser feliz? 9. Você pode ficar doente se resolver ficar doente? 10.Quando você faz alguma coisa de livre e espontânea vontade, isso significa que você não tem nenhum motivo para faze-la? 11Quando você faz alguma coisa de livre e espontânea vontade, isso significa que você não tem nenhuma razão para faze-la? 10. Você está agindo livremente quando faz alguma coisa simplesmente porque teve vontade de fazer? 11. Você pode não fazer algo que tem vontade de fazer? 12. Você está agindo livremente quando faz alguma coisa deliberadamente? 13. Uma ação livre é sempre uma ação correta? O que é mais importante, uma ação livre ou uma ação correta? Exercício: Fatalismo Uma pessoa fatalista é aquela que acha que o futuro já está decidido. Quem está sendo fatalista? 1.Amanhã será um dia exatamente igual a hoje. 2.O mundo vai terminar no ano 2005. 3.Tenho absoluta certeza de que o ano de 2003 será seguido pelo ano de 2004. 4.Aprendi a aceitar a História. É irreversível. O que aconteceu, aconteceu, e nada poderá ser mudado. 5.O meu destino é ser presidente. Não poderei evitar isso! 6.No futuro, sempre que me olhar no espelho, serei obrigado a ver a mim mesmo.
Pimpa - Em busca de significado Para crianças de 9 a 11 anos, narra as aventuras de uma garota questionadora, preocupada em descobrir os significados das coisas e suas possíveis relações. O texto completo possui 11 capítulos e é desenvolvido em dois anos. O programa Pimpa apresenta às crianças possibilidades de investigação sobre diversos temas: a verdade, o que é justiça, direito, dever, necessidades, regras de conduta, etc. Pimpa se questiona se "espaço", "tempo", "família", "mamífero" e até mesmo o seu próprio nome são relações reais ou que só existem em nosso pensamento. Veja um exemplo: Seu Marcos, o que é uma relação? - perguntei Hum - disse ele inicialmente, e depois acrescentou. - Tenho a impressão que é o que você chama de uma ligação. Mas talvez seja melhor nós perguntarmos aos outros o que são relações. Bel disse: Existem relações familiares. É o que liga as pessoas a outras pessoas da mesma família. Assim, se as pessoas são irmãs, essa é a relação que existe entre elas. O Renato falou: Os números têm relações. Um número pode ser menor que outro. Ou ser maior que outro. Ou eles podem ter o mesmo tamanho. Não pode haver dois números do mesmo tamanho. Eles seriam o mesmo número - disse Ciça. As palavras estão ligadas a outras palavras - disse Janaína. - O que quero dizer, é que nas frases, os sujeitos estão ligados a verbos, como, por exemplo, "Cachorros latem". E as coisas têm relações - disse Tomás. - Existe uma relação entre uma roda e um carro, ou entre um dedo e uma mão, ou entre uma porta e uma casa. A essa altura, o Beto estava pulando na cadeira ansiosamente. Eu sei! Eu sei! Palavras e coisas têm relações. A palavra "montanha" tem uma relação com todas as montanhas que existem. E a palavra "China" tem uma relação com o país China. O professor Marcos esperou, mas ninguém disse mais nada. Então, ele falou: Bom trabalho, pessoal. Pimpa, isso a ajudou? Foram bons os exemplos, mas eu ainda quero saber o que são relações. Seu Marcos passou a mão pela cabeça e perguntou: Que foi que eu disse que achava que elas eram? Fitei-o com a expressão mais triste que pude e falei: Ninguém me diz nada. Tenho que entender tudo por mim mesma. (LIPMAN, M. Pimpa, Cap.5, ep. III, pp. 30 e 31.) Veja dois Planos de Discussão que poderão ser desenvolvidos com os alunos. Plano de Discussão: Relações 1. Qual é a relação entre uma casa e um prédio de apartamentos? 2. Qual é a relação entre somar e subtrair? 3. Qual a relação entre semanas e meses? 4. Qual a relação entre Paris e França? 5. Qual a relação entre gelo e vapor? 6. Em que as relações são diferentes das coisas? E em que são iguais?
7. Se não existissem coisas, poderiam existir relações? E se não existissem relações, poderiam existir coisas? 8. É possível existir uma coisa sem nenhuma relação? 9. Uma coisa pode ter uma relação dentro de si mesma? Você poderia dar um exemplo? (LIPMAN, M. Em Busca de Significados, p.77) Plano de Discussão: Relações 1. Quando você pensa, você consegue pensar em coisas sem relações? Por exemplo, você consegue pensar na sua cama sem pensar na relação com o seu quarto, ou com você? 2. Quando você pensa, você consegue pensar em relações sem coisas? Por exemplo, você consegue pensar em igualdade sem pensar em coisas que são iguais? E em injustiça sem pensar em pessoas que são injustas? 3. Você consegue não pensar ou em coisas ou em relações? Se conseguir, pode dar um exemplo? 4. Você consegue pensar, ao mesmo tempo, em relações e em coisas? Por exemplo, você consegue pensar num amigo e, ao mesmo tempo, na relação dele com você, com o quarto dele, com a família dele? 5. Pensar é uma questão de descobrir relações? (Lipman, M. Em Busca de Significados, p. 73)
Módulo IV - Iniciação ao Diálogo Investigativo (Rebeca) Escrita por Ronald Reed, colaborador de Matthew Lipman, é a novela utilizada para a iniciação filosófica com crianças da Educação Infantil. A história de uma menina intrigada com as questões que cercam a realidade e a fantasia é o ponto de partida para o desenvolvimento de habilidades como: detectar semelhanças e diferenças, raciocínio hipotético, critérios de classificação, relação de causa e efeito, relação parte e todo, esclarecimento de conceitos. Ao longo da narrativa ilustrada, as crianças são convidadas a pensar sobre o próprio pensar, se envolvendo com problemas presentes na filosofia, tais como a percepção, a identidade, a imaginação, a verdade, as relações entre realidade e aparência, conhecimento, probabilidade e possibilidade, perguntas e pensamento. A novela se inicia com a apresentação que Rebeca faz de si mesma: "Meu nome é Rebeca. Eu tenho seis anos. Meu cabelo é preto. Meu cabelo é como o seu (se é que você tem cabelo). Moro numa árvore no quintal. Meu quintal é perto do quintal do Beto. O Beto é meu amigo." (REED, R. Rebeca, p.1) No livro do professor, escrito por Sylvia J. Hamburger Mandel, encontram-se diversas sugestões de planos de discussão, exercícios e atividades para se iniciar, com os alunos, uma investigação dialógica sobre temas presentes em cada episódio. Já a partir da apresentação feita por Rebeca, podemos problematizar temas como: dados pessoais, semelhanças e diferenças, moradia, relações entre perto e longe, amizade.
Exemplo: Morar Rebeca diz que mora numa árvore no quintal. Esta idéia, apesar de parecer improvável, não é impossível. Explorar a possibilidade é mais importante e interessante do que simplesmente dizer que a idéia é improvável. Para morar numa árvore é preciso ter uma casa na árvore? Ou será que a Rebeca dorme sobre o tronco? Ou será que seu cantinho é escavado dentro do tronco da árvore? Atividade: Como a Rebeca mora? Cada criança faz um desenho mostrando como acha que a Rebeca mora. Depois os desenhos são mostrados a todos os colegas na roda. Quem quiser pode comentar o desenho de um colega ou o seu próprio. Plano de Discussão: Morar 1. A casa de uma pessoa pode não ser sobre o chão? (Pode ser na água?) 2. Quantos aposentos uma casa precisa ter? 3. Uma casa precisa ter teto, porta e janela? 4. Uma casa precisa ter torneira? 5. A casa de uma pessoa pode ser a rua? 6. Se uma pessoa passa o dia trabalhando numa loja e só volta para casa para dormir, ela mora em casa ou na loja? 7. Um marinheiro mora no navio em que trabalha? O navio é a casa dele? 8. O que é morar? (MANDEL, S e REED, R. Manual de Instruções. p.12). A novela tem 37 episódios e está prevista para o trabalho, durante um ano, com crianças de 5 a 7 anos.
CONCLUSÃO Meu objetivo profissional mais imediato após a graduação em Filosofia era fazer mestrado e doutorado e lecionar em universidade, mas como lá não se apóia novas teorias, exceto o que Nietzsche chamou de “polir velhos conceitos a vê-los reluzir”, decidi seguir a licenciatura, com um nó na garganta. Mas, quando percebi que dar aulas para adolescentes não seria o mesmo que estar preso na Sibéria, nos tempos do comunismo de Stálin, e que eu poderia fazer algo por eles como estimular seus cérebros, seu senso crítico e sua imaginação, libertando-os de preconceitos, crenças e costumes, pelo menos, aqueles inúteis e prejudiciais,
percebi que em escolas de ensino médio eu poderia fazer mais do que dar aulas de filosofia para quem por si mesmo pode ler livros de filosofia. Que interessante é a vida, pois, estas aulas de filosofia para crianças são dirigidas para adultos, o público para o qual que eu gostaria de dar aula, pois pensava que por sua maturidade entenderiam mais facilmente filosofia, inclusive minhas teorias [FIM ou até logo].