Ferros Fundidos

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AULA Nº 15 2. Ferros fundidos - propriedades, microestrutura e processamento Os ferros fundidos são materiais com particular aptidão ao processamento por fundição, como aliás a sua designação sugere; esta característica vem-lhes da sua composição química, próxima da eutéctica, que lhes garante uma baixa temperatura (ou intervalo de temperaturas) de fusão, relativamente às restantes ligas ferrosas e uma elevada vazabilidade (ou aptidão a encher com metal líquido espaços de baixa espessura). Um ferro fundido é uma liga ferrosa com um teor em carbono superior a 2%; é pois uma liga Fe-C que sofre a reacção eutéctica durante a solidificação. O diagrama de equilíbrio Fe-C (vide figura 2 / 3 da aula nº 3 de Tratamentos Térmicos) admite duas opções para a solidificação de um ferro fundido: este pode solidificar segundo a versão metastável, a cheio no diagrama (com o carbono combinado na forma de Fe3C) ou segundo a versão estável, a traço interrompido no diagrama (com o carbono livre, na forma de grafite). No primeiro caso, a reacção eutéctica traduz-se por: L (4,30%C) = γ (2,11%C) + Fe3C (6,67%C) ocorrendo a 1148°C; o produto desta reacção chama-se ledeburite; um ferro fundido que solidifica segundo esta reacção apresenta uma superfície de fractura com cor branca metálica, designando-se por ferro fundido branco. No segundo caso, a reacção eutéctica traduz-se por: L (4,26%C) = γ (2,08%C) + Cgrafite (100%C); esta reacção ocorre a 1154°C; um ferro fundido que solidifica segundo esta reacção apresenta uma superfície de fractura com cor cinzenta, devido à presença de grafite, designando-se por ferro fundido cinzento. São vários os factores que podem levar um ferro fundido a optar por solidificar segunda uma ou outra versão do diagrama de equilíbrio; os mais importantes são a composição química e a velocidade de arrefecimento. Altos teores em carbono e silício e leis de arrefecimento lentas favorecem a solidificação segundo a versão estável, isto é, a formação de um eutéctico grafítico, originando ferros fundidos cinzentos. Inversamente, baixos teores em carbono e silício e leis de arrefecimento rápidas favorecem a solidificação segundo a versão metastável, com formação de ledeburite, originando ferros fundidos brancos. Uma mesma composição química pode pois originar um ferro fundido branco ou cinzento conforme a lei de arrefecimento a que a respectiva peça for sujeita; esta é definida pela espessura da peça a produzir e pela natureza da moldação em que a

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peça é vazada - quanto mais elevada a espessura da peça mais lenta será a lei de arrefecimento da liga dentro da moldação; a lei de arrefecimento pode ainda ser controlada pela natureza do material da moldação: paredes de moldação com elevada condutibilidade térmica (por exemplo, coquilhas metálicas) extraem rapidamente o calor, acelerando a lei de arrefecimento do metal líquido; paredes de moldação em areia (material refractário) impõem leis de arrefecimento lentas; a capacidade de extracção de calor pela moldação de areia pode ser porém aumentada se nela se introduzirem "arrefecedores" (massas metálicas que aceleram a condução do calor da peça para o exterior). O potencial grafitizante de um banho líquido pode ainda ser manipulado através da técnica da inoculação. Estes factores serão pormenorizadamente discutidos na disciplina de Fundição; registe-se para já a ideia de que é possível forçar a solidificação de um ferro fundido (dentro de certos limites) a acontecer de modo a que seja produzido um ferro fundido branco ou cinzento, os quais têm propriedades distintas. Importa reter que é durante a solidificação que se define o tipo de ferro fundido que se vai obter num dado processo de fabrico - branco ou cinzento; as transformações sofridas posteriormente (no estado sólido) pela liga metálica não irão alterar o tipo de ferro fundido a obter à temperatura ambiente, embora condicionem as propriedades finais da liga (existe uma excepção a esta afirmação constituída pelo ferro maleável, que solidifica como ferro fundido branco e é processado termicamente de modo a transformar-se em ferro fundido cinzento). A grafite existente num ferro fundido cinzento pode apresentar várias formas; cada forma de grafite pode assumir diferentes tamanhos; uma dada forma de grafite com um dado tamanho pode ainda distribuir-se de diferentes modos na matriz metálica; a forma, tamanho e distribuição da grafite num ferro fundido contribuem de modo importante para as características finais do material, sendo por esta razão objecto de classificação em normas internacionais. As figuras 1 a 3 / 15 ilustram a classificação da ASTM para a grafite dos ferros fundidos. As formas mais vulgares de grafite são a lamelar (I na figura 1 / 15), a nodular (VI na figura 1 / 15) e a nodular irregular ou imperfeita (V na figura 1 / 15), que originam respectivamente três sub-tipos de ferros fundidos cinzentos: o ferro fundido cinzento com grafite lamelar (vulgarmente designado por "ferro cinzento"), o ferro fundido cinzento com grafite nodular ou esferoidal (vulgarmente designado por "ferro nodular") e o ferro fundido maleável. São então quatro as principais versões comerciais de ferros fundidos: cinzento, nodular, maleável e branco.

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Figura 1 / 15 - Imagens tipo para a classificação da forma da grafite de um ferro fundido cinzento com ampliação de 100 x (cf. ASTM A 247). Figura 2 / 15 - Imagens tipo para a classificação do tamanho da grafite de um ferro fundido cinzento com ampliação de 100 x (cf. ASTM A 247) - continua na página seguinte. Figura 2 / 15 - Imagens tipo para a classificação do tamanho da grafite de um ferro fundido cinzento com ampliação de 100 x (cf. ASTM A 247) - continua na página seguinte. Figura 2 / 15 - Imagens tipo para a classificação do tamanho da grafite de um ferro fundido cinzento com ampliação de 100 x (cf. ASTM A 247). Figura 3 / 15 - Imagens tipo para a classificação da distribuição da grafite de um ferro fundido cinzento com ampliação de 100 x (cf. ASTM A 247) Existem outras versões menos importantes que são casos particulares destas, como por exemplo os ferros fundidos mesclados (com parte do carbono de solidificação na forma combinada e outra parte na forma de grafite) e os de grafite compacta (forma III, intermédia entre a grafite nodular e a lamelar). Dentro de cada uma destas versões existem muitas possibilidades para a natureza da matriz metálica, que pode ser ferrítica, perlítica, ferrítico-perlítica, bainítica, martensítica, austenítica; cada matriz originará propriedades diferentes e classes de material diferentes, definidas em especificações internacionais. A tabela seguinte resume algumas propriedades dos principais constituintes dos ferros fundidos. Importa finalmente discutir o papel do silício no diagrama de equilíbrio Fe-C, para que seja possível inter-relacionar a composição química, as propriedades, a microestrutura e o processamento térmico de cada uma das principais versões de ferro fundidos, bem como os objectivos visados pelos diferentes tratamentos térmicos a que normalmente estes materiais são sujeitos. De facto os ferros fundidos são ligas complexas Fe-C-Si-Mn-...; na prática podem compreender-se as transformações sofridas por estas ligas recorrendo a cortes do diagrama ternário Fe-C-Si; o silício é um elemento grafitizante; quanto mais elevado for o seu teor numa dada liga, maior será a tendência desta em apresentar o seu

- Pág. 3 / Aula nº 15 -

carbono na forma grafítica; a presença de silício inibe progressivamente a possibilidade de formação de carbonetos durante a solidificação. Tabela 1 / 15 Propriedades dos principais constituintes dos ferros fundidos (cf. R. Heine e P. Rosenthal "Principles of metal casting", 1955, Mc Graw Hill Book Company, International Student Edition, tab. 19.3, pág. 439) Massa Constituinte específica (g.cm-3)

Rm

A

Z

HB Observ.

(MPa)

(%)

280

60

Si-ferrite

310

50

90

0,8% Si

Si-ferrite

430

50

85

2,3% Si

Si-ferrite

530

20

30

3,4% Si

700-900

10

15

Ferrite

7,86

Cementite

7,66

Perlite

7,85

Grafite

2,55

Ledeburite

(%)

(-) 75

0,2% Si

220-300 680-840

Fig. 4 / 15 - Secções do diagrama ternário Fe-C-Si para 0-2-4 % de silício (cf. W.F. Smith, "Structure and properties of engineering alloys", 2nd edition, 1993, Mc Graw Hill International Editions, fig. 8-6, pág. 340). A presença do silício implica ainda alterações nas temperaturas de transformação dos ferros fundidos: o diagrama de equilíbrio Fe-C-Si mostra que teores em silício crescentes diminuem o teor em carbono do ponto eutéctico; a deslocação do eutéctico traduz-se em geral pela seguinte equação: %Ceutéctico = 4,30 - 1/3 (%Si + % P); define-se o "carbono equivalente" de um ferro fundido, para medir a sua tendência em solidificar como um eutéctico (com elevada fluidez), através da relação: Cequivalente (CE) = %C + 1/3 (%Si + P); um ferro fundido com um carbono equivalente de 4,3% tem um comportamento eutéctico. O silício diminui ainda o teor em carbono do ponto eutectóide, como se vê nos cortes do diagrama ternário Fe-C-Si apresentados na figura 4 / 15. O silício endurece a ferrite por solução sólida, dando origem a resistências mecânicas superiores às que foram indicadas para os aços, conforme se pode

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verificar na tabela anterior. A elevação do teor em silício provoca uma degradação da resistência ao choque, particularmente nítida a baixas temperaturas de utilização.

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