Evora 03 Areal

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VII Congresso de Mecânica Aplicada e Computacional Universidade de Évora 14 a 16 de Abril de 2003

DINÂMICA DAS ESTRUTURAS COERENTES NA REGIÃO DE DESENVOLVIMENTO INICIAL EM CONDUTAS CO-ANULARES P.M. Areal1, C. B. da Silva2 e J.M.L.M. Palma3

RESUMO

Simulações das grandes escalas (LES, Large Eddy Simulations) são utilizadas para estudar a região inicial de um escoamento co-anular numa conduta com razão de velocidades ru=0.8 e razão de diâmetros β=2.21. São apresentados campos instantâneos de norma de vorticidade e critério Q que permitem identificar estruturas coerentes e analisar as interacções entre elas. São determinadas as frequências mais importantes e o seu valor é comparado com o valor previsto pela teoria de estabilidade linear. As camadas de corte (interior e exterior) interagem e os seus turbilhões coerentes adquirem a mesma frequência de passagem devido a um fenómeno de fecho (“locking”) entre as duas camadas de corte. O valor desta frequência está de acordo com o previsto pela teoria de estabilidade linear para a camada de corte interior, que está a impor a sua frequência à exterior através de um mecanismo de indução de vorticidade (Biot-Savart). A análise da energia cinética turbulenta e da vorticidade permitiu verificar que é o jacto interior (de maior vorticidade) que domina a dinâmica do escoamento na região de desenvolvimento inicial. Esta análise poderá permitir prever como se vão desenvolver escoamentos com interacções de duas camadas de corte, em configurações mais complexas.

1.

INTRODUÇÃO

Condutas co-anulares consistem em dois tubos concêntricos, eventualmente com uma tubeira convergente na saída, que despejam duas correntes de fluido (ou dois fluidos distintos) numa região confinada. Trata-se de uma geometria frequente em aplicações industriais, como uma forma de misturar eficazmente dois fluidos. 1

Aluno de Doutoramento, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; Assistente, Instituto Superior de Engenharia do Porto. 2 Pós-Doutorando, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. 3 Professor associado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

Sessão

– Modelação Numérica I

O escoamento em condutas co-anulares tem afinidades com o escoamento de jactos coaxiais, ao qual acrescenta o efeito do confinamento. A região inicial diz respeito aos primeiros dois ou três diâmetros após a saída dos jactos, uma zona na qual os efeitos do confinamento ainda não afectaram a dinâmica do escoamento, sendo esta idêntica à dos mesmos jactos em configuração coaxial (sem confinamento). O escoamento de jactos coaxiais é composto por um jacto interior com velocidade média U1 saindo de uma conduta com diâmetro interior D1 e por um jacto anelar com velocidade média U2 saindo de um anel com diâmetro exterior D2. As primeiras investigações centravam-se apenas na evolução das quantidades médias. Ko e Kwan (1976) parecem ter sido os primeiros a preocupar-se com as estruturas coerentes, que inferiram a partir de medições dos campos médios de velocidade e pressão e por análise espectral, tendo confirmado a existência de duas regiões de corte através da observação de dois picos no espectro de velocidade axial, correspondentes à passagem de vórtices originados em cada uma das camadas de corte. Os mesmos autores notaram a existência de dois cones potenciais, associados a cada uma destas camadas de corte. Dahm et al. (1992) focaram todo o seu estudo, baseado em visualizações por fluorescência induzida a Laser (LIF), na dinâmica das estruturas coerentes e sublinharam a importância da razão de velocidades exterior e interior ru = U 2 /U 1 na selecção dos vários regimes do escoamento. Um dos mais importantes resultados deste trabalho foi a observação de um mecanismo de “fecho” entre as duas camadas de corte. Verificou-se que a frequência de passagem das estruturas interiores difere do valor previsto pela análise de estabilidade considerando uma camada de mistura com as mesmas características. Este fenómeno explica-se pelo facto de os vórtices interiores estarem “bloqueados” entre dois vórtices consecutivos da camada exterior. Estes últimos modificam o normal desenvolvimento da camada de corte interior que é assim “fechada” pelo desenvolvimento da camada exterior. A influência da razão de velocidades ru , foi analisada em detalhe por Rehab et al. (1997), que observaram a existência de uma razão de velocidades crítica ru c , entre 5 < ru c < 8 , acima da qual o escoamento apresenta uma grande região de recirculação. Para razões de velocidade mais pequenas do que a razão crítica as estruturas da região exterior “picam” o jacto central no fim do cone potencial x1 p , com uma frequência de picagem igual à frequência preferencial do jacto exterior fD2 / U 2 ≈ 0.4 . O valor de x1 p baixa com o aumento de ru . Para razões de velocidade maiores do que a crítica ru > ru c , existe uma grande bolha de recirculação, de ordem de grandeza do diâmetro interior D1 , e que cresce com a razão de velocidades ru . Rehab estudou também a influência de geometria da conduta de descarga nos regimes de jactos coaxiais. Um parâmetro importante neste estudo é a razão dos diâmetros exterior e interiores β = D2 / D1 . Observou-se que um aumento no valor de β resulta no aumento de cone potencial interior x1 p e da razão de velocidades crítica ru . Estudos numéricos de jactos coaxiais são raros e restringem-se muitas vezes a casos 2D, pois a simulação em 3D exige recursos computacionais difíceis de obter. Akselvoll e Moin (1996) estudaram um jacto co-anular por simulação das grandes escalas em configuração de turbulência completamente desenvolvida. Salvetti et al. (1996) fizeram simulações numéricas directas de jactos coaxiais axissimétricos (2D) para estudar o efeito das condições iniciais na dinâmica das estruturas coerentes e sua interacção nas

Sessão

– Modelação Numérica I

camadas interior e exteriores. Observou-se que estas interacções tendem a aumentar com a razão de velocidade. O presente trabalho visa estudar a dinâmica da região inicial gerada por um perfil de velocidade realista, baseado nas medições experimentais de Lima (2000). Para efeito do estudo do escoamento na região inicial de condutas co-anulares recorreu-se à simulação das grandes escalas com um código de elevada precisão.

2.

MÉTODO NUMÉRICO

O código de diferenças finitas resolve as equações de Navier-Stokes (densidade constante) utilizando métodos pseudo-espectrais e "Compact" de 6a ordem para discretização espacial. A discretização temporal é assegurada por um esquema RungeKutta de três passos e terceira ordem. Para a modelação da sub-malha, necessária para contabilizar o efeito das pequenas escalas (não resolvidas) nas grandes, utiliza-se o modelo da função de estrutura selectiva. O acoplamento pressão-velocidade é assegurado por um método de passo fraccionado, requerendo a solução de uma equação de Poisson para assegurar a incompressibilidade do campo de velocidades. Como condição fronteira de entrada é especificado um perfil de velocidades em cada instante de tempo, cujos detalhes são especificados na próxima secção. A condição fronteira de saída é do tipo não reflectiva. Uma descrição mais detalhada do método pode ser obtida em da Silva e Métais (2002).

3.

SIMULAÇÃO DA REGIÃO DE DESENVOLVIMENTO INICIAL EM CONDUTAS CO-ANULARES

As simulações são baseadas nos dados experimentais de Lima (2000) para uma razão de velocidades de ru=U2/U1=0.8 (ver figura 1a), razão entre diâmetros dos tubos exterior e interior de β=D2/D1=42/19=2.21 e correspondem a um número de Reynolds de ReD1=U2D1/ν=3.5x104. A forma do perfil de velocidades na entrada é r r r r r r r r U ( x0 , t ) = U med ( x0 ) + U noise ( x0 , t ) onde U ( x0 , t ) = (U ,V ,W ) é o vector velocidade instantânea na entrada, que é especificado em cada instante de tempo calculado e U, V e W são as velocidades na direcção do escoamento (axial), na direcção normal e na direcção transversal, respectivamente. Também iremos usar coordenadas cilíndricas r U = (u x , u r , uθ ) , onde u x , u r , uθ representam as componentes axial, radial e tangencial da velocidade, respectivamente. r r No presente estudo, U med ( x0 ) é baseado no perfil experimental de velocidades axiais médias, na figura 1a. As velocidades nas duas direcções transversais foram r r r r r r especificadas como nulas na entrada, Vmed ( x0 ) = Wmed ( x0 ) = 0 . U noise ( x0 , t ) é o perfil de r r r r ruído na entrada que é dado por U noise ( x0 , t ) = AnU base ( x0 ) f ′ . An é a amplitude máxima do r ruído na entrada, U base ( x0 ) é uma função que coloca o ruído nos gradientes das camadas r de corte, f ′ é um ruído aleatório concebido para satisfazer um dado espectro de energia, ⎡ s 2⎤ E (k ) ∝ k s exp ⎢− (k / k 0 ) ⎥ onde k = (k y2 + k z2 )1 / 2 é a norma de número de onda no plano ⎣ 2 ⎦

Sessão

– Modelação Numérica I

(y,z). O expoente s e o número de onda pico k 0 foram escolhidos de forma a terem entrada de energia nas pequenas escalas ( k 0 alto) e um comportamento espectral nas grandes escalas típico de turbulência isotrópica em decaimento. Note-se que o ruído aleatório é imposto nas três componentes da velocidade. A amplitude máxima utilizada nas simulações foi An =4 %.

4.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Figura 1: a) Perfil de velocidade axial média na entrada b) Isocontornos de norma de vorticidade

As figuras 1b e 2 permitem ter uma visão geral dos campos instantâneos típicos obtidos com a simulação. Desde o início do escoamento e associados ao perfil de velocidades na entrada (figura 1a), distinguem-se claramente duas camadas de corte (interior e exterior), estando os maiores valores de vorticidade associados à camada interior, situação que se mantém para toda a região estudada. As duas camadas não se desenvolvem independentemente, mas interagem entre si. Para x/D1 ≈ 0.8 as instabilidades de Kelvin-Helmholtz dão origem a turbilhões em forma de anel (vortex rings) nas duas camadas de corte. Na figura 2, onde se representa o designado critério Q (Hunt et al. (1988)), ficam à vista estruturas coerentes que se formam na região inicial do escoamento, aqui estudada. Pode assim observar-se o quadro típico da transição para a turbulência, com turbilhões em forma anelar a serem gerados, associados às já referidas instabilidades. Entre esses turbilhões surgem posteriormente turbilhões longitudinais (x/D1 ≈ 2), o que está de acordo com as observações do escoamento canónico de um único jacto circular. O escoamento próximo da linha central (| y/D1 | < .2) e exterior (| y/D1 | > 1) mantém-se potencial até final do domínio, pelo que não é possível contabilizar o comprimento dos cones potenciais neste caso.

Sessão

– Modelação Numérica I

Turbilhões Anelares

Turbilhões Longitudinais

Figura 2: Isosuperficies de “critério Q” positivo.

Como visto acima, nos estágios iniciais da transição as duas camadas de corte (interior/exterior) dão origem a turbilhões em forma de anel devido à instabilidade de Kelvin-Helmholtz. O valor teórico do número de Strouhal da onda mais instável resultante de um perfil do tipo jacto é, fθ Strt = = 0.017 U0 Este valor pode ser comparado com os obtidos por análise de espectros de séries temporais localizadas em cada uma das camadas de corte e sumariados na tabela 1. Verifica-se que fi=fo o que indica que a frequência de passagem de turbilhões é a mesma em ambas as camadas de corte. Tabela 1: Frequências mais amplificadas e correspondentes números de Strouhal

interior exterior

f 2.4 2.4

Strt 0.018 0.005

Por outro lado também se verifica que o número de Strouhal da camada interior está muito próximo do valor teórico, mostrando que esta reage de acordo com a teoria de estabilidade linear. As várias visualizações aqui apresentadas mostram que é a camada de corte interior que domina a dinâmica do escoamento e define a frequência máxima de instabilidade transmitindo-a à camada exterior através de um mecanismo de indução de vorticidade (Biot-Savart). A análise de iso-contornos de pressão instantânea (figura 5) mostra grandes estruturas no jacto interior e, fechadas nos intervalos destas, pequenas

Sessão

– Modelação Numérica I

estruturas na camada de corte exterior. A este fenómeno chama-se “locking”, tendo ele já sido observado nos trabalhos de Dahm et al. (1992). Uma possivel explicação para o domínio da camada de corte interior pode ser dada pelo estudo de integrais de vorticidade ao longo das duas camadas de corte: Rm ∞ r r o i ΩT ( x ) = ∫ Ω( x, r ) dr , Ω T ( x ) = ∫ Ω(x, r ) dr Rm

0

Estes integrais estão representados na figura 3b, onde se pode ver que que Ω Ti ( x ) é sempre maior que Ω To ( x ) . A figura 4 é uma demonstração gráfica deste domínio, mostrando grandes concentrações de vorticidade no interior, que se mantém até final da região estudada. Para comparar a evolução da transição nas camadas interior e exterior definem-se as contribuições radial E r (x) e tangencial Et ( x) para a energia cinética turbulenta, nas camadas de corte interior (expoente i) e exterior (expoente o): E ( x) = i r

2π LyLz

Rm

∫< u

'2

r

2π LyLz

( x, r ) > rdrdθ , E ( x) = i t

0



E ro ( x) =

2π < u '2 r ( x, r ) > rdrdθ ∫ LyLz Rm

0.02

0.016

0.014

∫< u

'2

θ

( x, r ) > rdrdθ

0



Eto ( x) =

,

Eir Eit Eor Eot

0.018

Rm

2π < u '2θ ( x, r ) > rdrdθ ∫ LyLz Rm

0.6

int ext

0.5

Et 0.012 , 0.01 Er

0.4

Ωτ

0.008

0.3

0.006

0.004

0.2

0.002

0 0

1

2

0.1

3

x/D 1

0

1

2

3

x/D1

Figura 3: a) Evolução de E r e Et nos jactos interior e exterior b) Evolução de Ω nos jactos interior e exterior T

Estas quantidades estão representadas na figura 3a. Para x/D1 > 0.6 as instabilidades no jacto interior (símbolos a cheio) crescem mais rapidamente que as do jacto exterior e atingem valores superiores, o que seria de esperar, devido ao já referido dominio da camada de corte interior. Mais surpreendente é o facto de E r (x) (linhas a tracejado, associado à formação dos anéis de vorticidade) dominar Eθ ( x) (linhas continuas, associado ao crescimento das instabilidades azimutais) em oposição ao que ocorre num jacto simples, onde E r ( x) e Eθ ( x) são da mesma ordem de grandeza (da Silva e Métais (2002)). A interacção entre os dois jactos está portanto a afectar o crescimento destas instabilidades, de uma forma que está a ser presentemente analisada.

Sessão

5.

– Modelação Numérica I

CONCLUSÕES

Este trabalho analisou o escoamento na região inicial de uma conduta co-anular a partir de um perfil de velocidades experimental. A camada de corte interior gera turbilhões com uma frequência correspondente ao valor previsto pela teoria de estabilidade linear para o caso de um jacto simples. A camada de corte exterior é dominada pela interior que lhe transmite, por indução de vorticidade (Biot-Savart), a frequência turbilhonar de passagem. As estruturas da camada exterior ficam fechadas nos intervalos das da camada interior, mostrando um fenómeno de “locking” já identificado em anteriores trabalhos experimentais. O domínio exercido pela camada interior está associado à sua maior vorticidade, claramente documentada nas estatísticas bem como nas visualizações. O trabalho futuro procurará testar outros perfis de forma a tornar esta conclusão mais geral, para que ela possa ser utilizada na análise de escoamentos complexos envolvendo duas camadas de corte.

Figura 4: Secções rectas de isocontornos de norma de vorticidade em 4 posições axiais

AGRADECIMENTOS Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto POCTI/33980 BULET, Boundary Layer Effects and Turbulence in Complex Terrain, financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, e do programa de doutoramento de Pedro Areal, realizado ao abrigo do Programa PRODEP.

Sessão

– Modelação Numérica I

Figura 5: Isocontornos de pressão

REFERÊNCIAS

Akselvoll, K. and P. Moin (1996). "Large-eddy simulation of turbulent confined coannular jets." Journal of Fluid Mechanics, 315: 387-411. da Silva, C. B. and O. Métais (2002). "Vortex control of bifurcating jets: A numerical study." Physics of Fluids 14(11): 3798-3819. Dahm, W. J. A., C. E. Frieler, et al. (1992). "Vortex Structure and Dynamics in the nearField of a Coaxial Jet." Journal of Fluid Mechanics 241: 371-402. Hunt, J. C. R., A. A. Wray, et al. (1988). "Eddies, stream and convergence zones in turbulent flows." Annual research briefs, Center for Turbulence Research. Ko, N. W. M. and A. S. H. Kwan (1976). "Initial Region of Subsonic Coaxial Jets." Journal of Fluid Mechanics 73: 305-332. Lima, M. M. (2000). Medição simultânea de velocidade e concentração através de anemometria laser Doppler e fluorescência induzida por laser. Porto, FEUP. Rehab, H., E. Villermaux, et al. (1997). "Flow regimes of large-velocity-ratio coaxial jets." Journal of Fluid Mechanics 345: 357-381. Salvetti, M. V., P. Orlandi, et al. (1996). "Numerical simulations of transitional axisymmetric coaxial jets." Aiaa Journal 34(4): 736-743.

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