Leitura e Evolução da Ciência
Anselmo S. Paschoa
Há muito tempo, quando eu ainda era garoto, aprendi a ler a Bíblia. Primeiro por obrigação religiosa, visto que meu pai era diretor do Colégio Batista DO Rio de Janeiro e eu tive uma formação religiosa com base na leitura da Bíblia. Depois passei a encarar a leitura , de uma forma geral, como prazer. Lia praticamente tudo o que me caia nas mãos. Li quase todos os livros da “Coleção Saraiva,” uma reedição barata de livros de diversos autores, a maioria brasileiros. Os livros desta coleção eram enviados a cada mês para os assinantes. “Vicieime” em leitura, lendo os livros dessa coleção. Muito mais tarde, morando nos Estados Unidos, consegui “viciar” meu filho em leitura . Também ele lia praticamente tudo que lhe chegava às mãos. Até hoje ele mantém esse “vício.” Agradece-me por tê-lo adquirido, da mesma maneira que eu sou agradecido a meu pai. Como é bem sabido por todos, a palavra é o principal instrumento da leitura . Entretanto, diferentes palavras podem significar a mesma coisa. Por exemplo, conceitos verbalizados em línguas distintas. Além disso, palavras dentro de uma frase podem ter conotações distintas para diferentes pessoas. Mais ainda, até mesmo a hora do dia, ou o estado de espírito de quem pronuncia ou ouve uma palavra pode modificar o significado da mesma. Para os gregos, a palavra physis tinha o mesmo significado que a palavra natura para os latinos. Por outro lado, é interessante observar que a gênese do cosmo é investigada sob vários ângulos. Visões da gênese do cosmo, entendido aqui como um universo organizado, podem ser baseadas em Física, Filosofia, ou Religião sem que seja possível esgotar as muitas formas de observar a origem do Universo. A existência de um ou vários espíritos superiores esbarra na falta de explicação aceitável com base científica. Conceitos como bondade e maldade de tais espíritos mudam ao sabor das interpretações. Argumentos que tentam explicar conceitos como bem podem ser usados, sem muita dificuldade, para justificar a necessidade de existência do mal . Por exemplo, passado e futuro , causa e efeito , certo e errado e diversos outros opostos não teriam sentido se um existisse sem a existência do outro. Em Genesis (1) , capítulo 1, versículos 3 a 5, está escrito: “E disse Deus (+): Haja luz ( + ). E houve luz ( + ). E viu Deus (+) que era boa a luz ( + ); e fez Deus (+) a separação entre a luz ( + ) e as trevas ( - ). E Deus (+) chamou à luz ( + ) Dia (+); e trevas ( - ) chamou Noite (–) ...” — Os sinais ( + ) e ( - ) foram inseridos no texto bíblico repetido aqui para ilustrar os argumentos que se seguem no próximo parágrafo.
Na leitura do trecho bíblico acima mencionado, fica claro para um cientista que: luz ( + ) (ou Dia) e trevas ( - ) (ou Noite) são conceitos opostos. Ou seja, trevas ( - ) corresponde à ausência de luz ( + ), o que implica que sob o ponto de vista da existência de luz ( + ), o Dia ( + ) é o oposto de Noite ( - ). Cabe aqui uma pergunta. Será que por este raciocínio configura-se a necessidade da existência do Diabo (–)? Convém observar aqui que o que se chama de leitura não pode ficar restrito às palavras. Outros símbolos também podem ser lidos . Os símbolos musicais que exprimem tons sustentados (ou notas musicais), a simbologia da aritmética, a estrutura lógica da álgebra, dentre inúmeras outras representações e formas de leitura de símbolos ilustram o fato de que leitura é algo bem mais complexo do que se imagina. É interessante não esquecer que um profissional, tenha ele formação científica ou não, não deve e não pode prescindir da leitura de textos de outras áreas. Muitos cientistas lêem e escrevem textos não científicos, lêem e produzem músicas, poesias e identificam-se com outros tipos de manifestações artísticas. Dois dos mais famosos físicos deste país também ficaram conhecidos por suas atividades no âmbito das artes. Um deles tornou-se um conhecido e respeitado crítico de artes. O outro é um pintor, cujas obras já atingem valores significativos no competitivo mercado de artes. Curiosamente, ambos são pioneiros no desenvolvimento da Física no país. Há cinco ou seis décadas atrás, cientistas, músicos e poetas conviviam no dia a dia e trocavam impressões com frequência. Não é por acaso que o poema “Rosa de Hiroshima,” de Vinicius de Moraes, teve a contribuição técnica de um físico muito amigo do poetinha. A um músico não basta aprender a ler os símbolos musicais. É preciso que ele os interprete e os sinta. Um cientista procura ler a natureza através de diversos tipos de símbolos. A símbolos usados em Ciência também precisam ser lidos , interpretados e “sentidos” para que sejam úteis ao desenvolvimento científico. A teoria do heliocentrismo de Copérnico (2) pode ser considerada um marco na relação entre leitura e ciência . Copérnico derrubou com seu tratado não só as idéias preconcebidas de Aristóteles, como também abalou as explicações astronômicas para o geocentrismo dadas por Hiparco ( circa século II A.C.) – descobridor da precessão dos equinócios – e por Ptolomeu ( circa século II A.C.) – criador do sistema ptolomaico. Essas explicações eram baseadas na teoria dos epiciclos, no imobilismo terrestre e no geocentrismo (3) . Na verdade, Copérnico deveria ser reconhecido como um dos fundadores da Ciência Moderna. Na época de Copérnico, ninguém duvidava que a Terra estivesse fixa no centro do Universo e que os corpos celestes, inclusive o Sol, girassem em torno da Terra. Naquele tempo, as pessoas imaginavam o Universo como se fora uma esfera fechada e finita, criada por Deus, num passado não muito distante da existência do Homem sobre a Terra, para o qual teria sido criada. Acreditava-se então que num futuro não muito remoto, o Universo desapareceria de um modo catastrófico. A Terra ocupava o centro desse Universo, não só em termos de posição, mas também em importância (4) .
Os navegadores portugueses e Cristóvão Colombo (1451 ? -1506) estiveram ativos em suas descobertas durante o período de vida de Copérnico. Colombo, segundo alguns autores, também era português e estava a serviço (secreto) do Rei D. João II (1455-1495) na época do descobrimento da América (5) . Não está claro, porém, qual terá sido a influência das descobertas de Colombo e dos portugueses sobre o pensamento de Copérnico. Quando Colombo descobriu a América, Copérnico era um estudante de Matemática e Astronomia, com apenas 19 anos de idade, em Cracóvia, na Polônia (4) . Há quem afirme que Colombo foi um dos mais brilhantes alunos da Escola de Sagres, na costa sul de Portugal, muito antes de ir para Huelva, no sul da Espanha, de onde partiu com as naus Santa Maria, Pinta e Niña para descobrir a América. Ainda hoje há em Sagres um círculo de pedras, usado para a orientação astronômica, que se afirma ter sido obra de Colombo. Cracóvia estava para a Astronomia de então, como Sagres estava para a Navegação da época. Além disso, o Latim era a língua comum aos estudantes da Universidade de Cracóvia, que provinham de todas as partes da Europa. Muitos estudantes adotavam uma versão latina de seus nomes, como foi o caso de Nicholas Koppernigk, , mais conhecido como Cristóvão Colombo (4) . Assim, não parece exagero afirmar que Copérnico pode e deve ter sido influenciado pela leitura científica das descobertas de Colombo e dos navegadores portugueses. Copérnico não pôde ver publicada sua obra De Revolutionibus Orbium Celestium por ter falecido no mesmo dia de sua publicação (2) . Entretanto, o impacto das idéias contidas naquele livro teve reflexos muito além do que o autor esperava. Diz-se que Lutero chegou a afirmar que (6) : “esse estúpido ( referindo-se a Copérnico ) está tentando perverter toda a ciência da astronomia.” Além disso, a Igreja Católica colocou Copérnico no Index quase um século após sua morte (4) . Uma das principais razões pela qual a teoria de Copérnico recebeu a oposição da Igreja era a inconsistência entre aquela teoria e os princípios mecânicos de Aristóteles, que se tornaram parte da filosofia dogmática oficial da Igreja Católica. De acordo com a mecânica aristotélica, os corpos caiam devido a uma vontade superior que os atraía para mais próximo do centro do Universo. À leitura religiosa da mecânica aristotélica opunha-se, no século XVI, à leitura científica da teoria de Copérnico. Uma das objeções à teoria de Copérnico residia na convicção de que se Venus girasse em torno do Sol, deveria então ter fases como a Lua; mas ninguém as conseguia ver. Copérnico respondia dizendo que Venus deveria ter fases, como a Lua, mas que não eram percebidas porque não havia meios, na época, de ampliar a visão que se tinha do planeta (3) . Foi, entretanto, Galileu (1564-1642) (7) que destruiu, para o mundo científico, a teoria geocêntrica e o conceito do imobilismo terrestre, cujas raízes estavam nas idéias de Aristóteles. O livro de Galileu “ Dialogo dei due massimi sistemi del mundo ” (7) constitui uma obra prima do ponto de vista literário. Os argumentos científicos de Galileu são apresentados no livro em forma de diálogo entre discípulo e mestre. Leitura e ciência tocam-se a todo instante no livro de Galileu. A partir de 1609, Galileu passou a fazer observações ( leituras ) astronômicas com o auxílio de uma luneta que ele mesmo construíra. Em 1610, foi possível observar as fases de Venus, através da luneta, confirmando assim as previsões de Copérnico (3) . Convenceu-se então de que não havia diferença de natureza entre os corpos celestes e a Terra (8) . Ao observar ( ler
cientificamente) os movimentos dos quatro satélites de Júpiter, Galileu apercebeu-se que o sistema deste planeta assemelhava-se ao sistema solar proposto por Copérnico. Com essas observações ( leituras ), aliadas às teorias propostas por Copérnico, Galileu destruiu as idéias do imobilismo terrestre e, por via de consequência, a crença da incorruptibilidade dos corpos celestes associada à mecânica aristotélica. Renée Descartes (1596-1650) entendia que os princípios da natureza eram uma decorrência da demonstração geométrica da existência de Deus (9) . Descartes tentou, obviamente sem sucesso, harmonizar a imobilidade da Terra em conformidade com as convicções religiosas, e um sistema de mundo do tipo proposto por Copérnico, desprezando as idéias de Ptolomeu e Tycho Brahe (1546-1601). Tycho Brahe foi um excelente astrônomo observacional, apesar de ter tido um observatório construído essencialmente para provar que a Terra estava imóvel no Universo. Felizmente, deixou para trás uma magnífica coleção de observações astronômicas e um discípulo, Johannes Kepler (1571-1630), altamente preparado para analisá-las. Kepler, com base nas observações de Tycho Brahe, pode expandir a idéia de heliocentrismo, sugerida por Copérnico e explicada por Galileu, estabelecendo leis que interpretavam o movimento dos planetas em torno do Sol. A Astronomia observacional de Tycho Brahe pode ser interpretada como uma espécie de leitura do Universo visível de então. Entretanto, só em 1687, quando Isaac Newton (1642-1727) publicou seu tratado Philosophae Naturalis Principia Mathematica (10) a idéia de ciência teórica organizada e harmônica passou a ter sentido. Newton foi capaz de traduzir as três leis de Kepler, referentes ao movimento planetário, numa linguagem matemática. É comum admitir-se Newton como o primeiro físico teórico. Newton, contudo, não se limitou à Matemática e à Física Teórica. Sugeriu, por exemplo, a construção de grandes telescópios côncavos. É razoável imaginar que Newton tinha consciência de que a teoria sem comprovação observacional era de pouca valia e, por outro lado, observações sem o acompanhamento de uma interpretação teórica também não valiam muito. É sabido que Newton leu , literal e científicamente, não só o Diálogo de Galileu, através da tradução feita por Salusbury e publicada em 1665, como também a astronomia kepleriana – usando a regra de Kepler de que os períodos dos planetas estão numa proporção sesquiáltera com suas distâncias do centro de suas órbitas – para formular sua mecânica que consagraria e complementaria a cinemática e a relatividade galileana (11) . Alexis Clairaut (1713-1765) e Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783) foram seguidores de Newton no sentido de que revisaram com extremo cuidado o movimento da Lua, com base nas atrações do Sol e da Terra, conforme havia feito anteriormente Newton (3) . Contudo, as irregularidades observadas no movimento da Lua não podiam ser explicadas apenas pela teoria da atração gravitacional. Trata-se do problema dos três corpos , cuja solução matemática rigorosa é, ainda hoje, um desafio científico. O fenômeno da precessão dos equinócios, que pode ser interpretado como decorrente de irregularidades no movimento de corpos celestes, já era conhecido desde a época de Hiparco. Copérnico chegou a explicar que o eixo de rotação da Terra não permanecia paralelo a si mesmo, mas tinha um pequeno desvio anual, descrevendo um cone a cada 26.000 anos. Entretanto, a causa de tal desvio permanecia desconhecida.
D'Alembert conseguiu explicar, através da interpretação (ou leitura) matemática das idéias de Newton, que a Terra não era exatamente redonda e, portanto, as forças de atração gravitacional do Sol e da Lua não passavam exatamente por seu centro, imprimindo em seu eixo de rotação um pequeno movimento que resultava na descrição de um cone a cada 18 anos; tratava-se do movimento de nutação, descoberto logo depois, em 1748, por James Bradley (1692-1762). Louis Lagrange (1736-1813) e Pierre Simon Laplace (1749-1827) estabeleceram que o sistema solar não poderia permanecer estável em sua configuração geral, sem que ocorressem pequenas oscilações em torno de um estado médio. A Mecânica Celeste de Laplace constitui-se num marco, pois ajudava os astrônomos observacionais ( leitores científicos do céu) a encontrarem soluções para algumas de suas dificuldades. Laplace além de reinterpretar, com base nas leis de Newton e na teoria das perturbações, as observações de eclipses registradas desde Ptolomeu, propôs, há 300 anos atrás, uma hipótese cosmogônica para o sistema solar. A hipótese cosmogônica de Laplace admitia que o Universo não teria sido sempre o mesmo que se observava no presente, nem se conservaria o mesmo no futuro. Laplace admitia que tanto o passado como o futuro do Universo poderiam ser completamente determinados e previstos. Esta visão do Universo tornou-se conhecida como o determinismo Laplaciano . A cosmogonia era então objeto de estudo não só de matemáticos e astrônomos, como Laplace, mas também de filósofos, como Emmanuel Kant (1724-1804) e, anteriormente, George Louis Leclerc Buffon (17071788). Essas teorias cosmogônicas só passaram a ter certo grau de credibilidade a partir das observações de nebulosas no céu feitas por William Herschel (1738-1822) (3) . A leitura científica dos astros, ou seja, uma nova astronomia observacional, começou a ganhar mais adeptos no mundo científico a partir da observação de que as gotas de água decompunham os raios solares. Isto sugeriu que ao se analisar o arco-íris, estava-se aprendendo algo sobre a composição da luz proveniente do Sol. Percebeu-se então que era possível aprender alguns dos segredos da natureza através do que se convencionou chamar de espectroscopia óptica. Cada faixa de vermelho, amarelo, azul e verde que se observava na luz proveniente do Sol tinha um significado que correspondia à leitura do que se passava no próprio Sol. O efeito mágico de um prisma, decompondo a luz branca em seus componentes coloridos, despertou a curiosidade científica de mentes ativas no final do século passado. Esse exame da qualidade da luz iniciou uma nova leitura científica dos raios que vinham não só do Sol, mas também de outros astros observáveis àquela época. A descoberta da análise espectral da luz, sua aplicação ao estudo da constituição dos corpos celestes e a medida das velocidades radiais por meio da aplicação das leis de Newton marcaram o desenvolvimento do que se pode chamar de Astronomia Física, que mais tarde ficou conhecida como Astrofísica. Além disso, François Arago (1786-1853) pressentiu a importância da fotografia para a Astronomia. Pouco mais tarde, Ernest Mouchez (18211892) empreendia a elaboração de uma carta fotográfica do céu. A esta altura, Urbain Le Verrier (1811-1877) lendo matematicamente as perturbações da órbita de Urano foi capaz de indicar com precisão a posição de um planeta, até então desconhecido, Netuno (3) . As hipóteses cosmogônicas forçaram uma leitura temporal do céu, visto como as observações feitas no presente (em qualquer tempo presente) representavam testemunhos
de fenômenos ocorridos no passado. A espectroscopia lançava novas luzes sobre a estrutura dos corpos celestes e a fotografia astronômica descortinava horizontes de observação nunca antes imaginados. Pouco antes da virada do século, ocorreu uma sequência de descobertas em decorrência da nova leitura científica da luz. Assim, por exemplo, durante o eclipse de 1868 observou-se que dentre as linhas mais proeminentes do espectro da luz solar, havia uma fina linha amarela que, a princípio, pensou-se que era devida ao elemento sódio. Verificou-se, mais tarde, que a linha fina, apesar de estar localizada bem próximo às linhas amarelas do sódio, pendiam ligeiramente para a parte verde do espectro. Naquela época, não se conhecia na Terra qualquer elemento que produzisse tal linha espectral, por isso o elemento responsável pela aparição da linha espectral desconhecida passou a chamar-se hélio (do latim helium ou do grego helios – que era o nome grego do deus Sol – Apolo para os romanos). Um dos primeiros resultados desta, então nova, astronomia observacional (ou nova leitura dos astros) foi a percepção de que haviam correlações entre as propriedades das superfícies estelares e as intensidades das linhas de absorção de luz, vistas em espectros de estrelas. Em 1863, o astrônomo jesuíta italiano Angelo Secchi (1818-1878) classificou as estrelas em quatro grupos principais, de acordo com as linhas proeminentes absorvidas em seus espectros luminosos. Um esquema empírico de classificação foi desenvolvido subsequentemente, no qual as estrelas eram separadas, de acordo com suas linhas de absorção espectral, em sete tipos. Cada classe espectral correspondia a uma certa faixa de temperatura superficial. As primeiras tentativas de entender a composição química das estrelas partiram da classificação empírica proposta por Secchi. Os atuais estudos de origem químicas dos elementos e nucleossíntese das estrelas podem ser considerados como continuações modernas dos estudos de Secchi. Em abril de 1895 Lord Rayleigh (John William Strutt, 1842-1919) and Sir William Ramsay (1852-1916) detectaram (ou leram ) a presença de hélio no gás liberado pelo mineral elevita , encontrado na Noruega (12) . Percebeu-se assim que aquele elemento que foi observado (ou lido ) primeiro no Sol a 17 milhões de quilômetros (17 x 10 6 km) de distância da Terra, também existia na própria Terra. Mais tarde, os sinais espectrais do hélio passaram a ser usualmente detectados em várias estrelas. A virada do século foi acompanhada de uma revolução científica difícil de ser avaliada naquela época. Em 1895 Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923) descobriu os raios-x, tendo recebido o Prêmio Nobel, em consequência, em 1901. A importância da descoberta de Röntgen residia no fato de que muitos cientistas leram naquela descoberta a possibilidade de existirem muitas coisas a serem ainda descobertas, ao contrário da crença, defendida por alguns, como James Clerk Maxwell (1831-1879) – formulador da teoria eletromagnética da luz – que acreditavam que a ciência do século XX só acrescentaria algumas casas após a vírgula. Em Paris, há pouco mais de cem anos, Henri Becquerel (1852-1908) descobria a radioatividade; descoberta pela qual recebeu o Prêmio Nobel em 1903. Em 1897, em Cambridge, J. J. Thomson (1856-1940) mediu a deflexão dos raios catódicos por meio de campos elétricos e magnéticos, interpretando os resultados como sendo uma manifestação
da existência de uma partícula fundamental, o elétron, recebendo, por isso, o Prêmio Nobel em 1906. Um pouco mais tarde, em 1911, Ernest Rutherford (1871-1937), que já havia recebido o Prêmio Nobel em 1908 por seus trabalhos com radioatividade, usou elementos radioativos para obter resultados experimentais que permitiram inferir que os átomos consistiam de pequenos núcleos massivos cercados por nuvens de elétrons. Esta proposta de Rutherford para o átomo ficou conhecida como modelo planetário , por sua analogia com os planetas (elétrons) orbitando em torno do Sol (núcleo central), descontadas, é claro, as diferenças de escala. Rutherford lia nas entrelinhas de suas experiências com partículas emitidas por materiais radioativos. Em seguida, em 1913, Niels Bohr (1885-1962) combinou o modelo atômico proposto por Rutherford e as idéias de quantum de luz e foton desenvolvidas por Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947) e Albert Einstein (18791955), respectivamente, para explicar o espectro do átomo de hidrogênio. Planck recebeu o Prêmio Nobel em 1918 e Einstein e Bohr em 1921 e 1922, respectivamente Einstein formulou a teoria da relatividade restrita, em 1905, seguindo-se muitas outras contribuições científicas. A teoria da relatividade geral, em 1914, cujos toques finais foram colocados em 1915, levou Einstein à formulação teórica de um modelo cosmológico (termo cunhado por Einstein), em 1917. Ironicamente, o Prêmio Nobel de Einstein foi recebido em decorrência de seus trabalhos teóricos e da descoberta da lei que rege o efeito fotoelétrico, mas sem que fosse reconhecida a importância da teoria da relatividade geral e de seu modelo cosmológico. Persistem até hoje dúvidas sobre a influência que uma possível leitura dos trabalhos de Henri Poincaré (1854-1912) possa ter tido sobre o pensamento de Einstein antes da publicação da teoria da relatividade restrita; embora o próprio Einstein tenha afirmado, num elogio fúnebre, que a teoria da relatividade restrita poderia ser encarada como uma exposição mais aprofundada dos trabalhos científicos de Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928) (13) . Neste ponto é interessante observar que só no século XIX os matemáticos passaram a perceber que a geometria euclidiana não era intocável. Descobriram que um novo conjunto de postulados poderia conduzir a novas geometrias. Assim, Carl Friedrich Gauss (17771855), Janós Bolyai (1802-1860), Nikolaï Ivanovitch Lobachevsky (1793-1856) e Bernhard Riemann (1826-1866) demonstraram que geometrias não euclidianas podiam ser construídas, desde que os postulados em que se baseassem não fossem mutuamente contraditórios. Pouco depois da publicação das equações da teoria da relatividade geral, Karl Schwarzschild (1873-1916) propôs soluções para tais equações envolvendo geometria de espaço-tempo, que é não-euclidiana (14) . A maioria dos testes para a teoria da relatividade geral são baseados na solução de Schwarzschild, tendo como ponto comum a procura de diferenças entre as predições com base na gravitação newtoniana e aquelas baseadas na relatividade geral. Dentre os testes experimentais mais populares para a teoria da relatividade geral cumpre citar os seguintes (14) : o afastamento gravitacional para o vermelho; a precessão do perihélio de Mercúrio; a curvatura da luz; o retardamento do eco do radar; a igualdade entre massa gravitacional e massa inercial; a precessão de um giroscópio; e a radiação gravitacional.
A solução de Schwarzschild mostra que, para um objeto estelar de massa muito compacta, a luz percorrerá um trajetória circular numa geometria de espaço-tempo (marcadamente nãoeuclidiana), próximo a superfície do objeto, não podendo portanto escapar de sua órbita. Trata-se de um buraco negro . Pode-se dizer que a leitura experimental da teoria da relatividade geral permitiu uma nova visão do Universo, jamais sonhada por qualquer cientista antes de Einstein. Nas três primeiras décadas deste século os conceitos do que se convencionou chamar de Física Moderna ainda não estavam bem estabelecidos, até mesmo para muitos cientistas de então. Havia grande efervescência nos meios acadêmicos nos quais se discutiam as novas informações trazidas pelas experiências com a recém-descoberta radioatividade, os novos conceitos da Mecânica Quântica, a introdução de uma nova hipótese para a descrição do átomo por Niels Bohr, as teorias de Einstein, a lei de Hubble e, pouco mais tarde, a aplicação das leis da termodinâmica ao equilíbrio das estrelas. Essa história continua até os dias de hoje. O nome dela é ciência. Fico por aqui para não cansá-los ainda mais. Não poderia encerrar, contudo, sem deixar de dizer que a relação entre leitura, principalmente aquela baseada em sistemas globais de comunicação, como é o caso da INTERNET, está provocando uma revolução extraordinária no nível de conhecimento disponível àqueles que aprenderam a ler e tem acesso a tais sistemas. Bibliografia
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