Copyright © 2001 - Moysés Rodrigues Pereira Todos os Direitos desta edição são reservados. COLEÇÃO FONSECA LOBO
coordenação Moysés Rodrigues Pereira e José Luís Araújo Lira lembrando o sesqliicentenário do nascimento do autor
EDITORIA atualização gramatical E ortográfica
digitação com correção ortográfica Fábio J. O. Pereira revisão gramatical Moysés R. Pereira dados blobibliográficos do autor glossário
projeto gráfico Carlos Alberto Alexandre Dantas
catalogação na fonte L799J
Lobo, João Miguel da Fonseca (1849-1938).
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos /João Miguel da Fonseca Lobo. 2. ed. Fortaleza -CE.: 2001 (Coleção Fonseca Lobo). 140 pags. Prefácio (José Luis Araújo Lira); Dados biográficos (Moysés Rodrigues Pereira) CDD 869.3 CDU 82-31+232+929(81) l-Romance brasileiro 2-Bíblia 3-Cristianismo 4- Biografia L799) I-Título
À Universidade Estadual Vale do Acaraú -UVA, que tem um carinho especial pelo nosso fonseca lobo - o cientista ou o «Einstein cearense», fomentou a pesquisa e a realização deste projeto editorial; A guiomara fontes lobo, grande admira-dora do avô, joão miguel. A ela as Letras Cearenses devem a preservação desta obra; À escritora teresinha de jesus lobo parente, sobrinha neta de joão miguel, expoente da Cultura e das Letras Quiterienses e ponto de referência do clã "fonseca lobo", em Santa Quitéria; A ilná fonseca lobo, também sobrinha neta de João Miguel. As suas informações foram importantíssimas para o enriquecimento desta obra, assim como o contato que tivemos, através dela, com a primeira fotografia do grande fonseca lobo;
O nosso carinho e reconhecimento à devotada historiadora elita maria bezerra de andrade; Por fim, aos que, de braços abertos, acolherem esta edição, para se tornar possível a continuação das pesquisas sobre a vida e sobre a obra de joão miguel da fonseca lobo; Os nossos sinceros agradecimentos.
SUMÁRIO BIOGRAFIA
À GUISA DE PREFÁCIO 0 SESQUICENTENÁRIO DE JOÃO MIGUEL JOÃO MIGUEL, UM PENSADOR SOLITÁRIO 1 O BRILHO DO COMETA 2 "UM CEARENSE PRECURSOR DE EINSTEIN" 3. TRAÇOS BIOBIBLIOGRÁFICOS
9 15 .19 19 23 32
1 2 3 4 5
32 34 38 40 42
Cronologia de João Miguel O Homem O Intelectual e sua Obra O livro "Jesus Cristo e Maria Madalena" Os Inéditos
JESUS CRISTO E MARIA MADALENA - lenda judaica, traços românticos
Capítulo I MADALENA DEIXA SEUS IRMÃOS E CONSTRÓI O SEU PALÁCIO .... 49
Capítulo II NAZARÉ FESTEJA O SEU CENTENÁRIO
53
Capítulo ffl MADALENA BRILHA NO DESFILE. O ESTUCADOR A CONDUZ À CASA DO CARPINTEIRO JESUS, PARA ENCOMENDAR UM MÓVEL
57
Capítulo IV DIÁLOGO NA CASA DE NAZARÉ E NO MONTE DAS MEDITAÇÕES.... 68
Capítulo V MADALENA DEIXA A VIDA DAS GALANTERIAS E VOLTA À CASA FRATERNA DE BETÂNIA PARA ESPERAR JESUS
77
Capítulo VI MADALENA PREPARA JOANA E PRISCILA PARA CONHECER EM JESUS
80
Capítulo VII TIBÉRIO, UM "IMPERADOR" VEJETE, RIDÍCULO E REPUGNANTE
82
Capítulo VIII JESUS ANUNCIAVA O "REINO DO CÉU E A REDENÇÃO DOS HOMENS E FAZIA MILAGRES. JUDAS TRAMA
85
Capítulo IX JESUS EM BETÂNIA
Capítulo X
89
JESUS REVISITA A PALESTINA E AS AUTORIDADES TRAMAM COM JUDAS JESUS É PRESO, JULGADO E CONDENADO
95
Capítulo XI JESUS É CRUCIFICADO E JOSÉ DE ARIMATÉIA O COLOCA NUM SEPULCRO NOVO. JUDAS DEVOLVE O DINHEIRO DA TRAIÇÃO E DESAPARECE DECIDIDO A MATAR-SE
109
Capítulo XH JUDAS ESCREVE A SUA EMENTA... "EU ME CONDENO À MORTE..." SE ENFORCA 113
Capítulo Xin SAMUEL BENJÓ, O ADMINISTRADOR DA HERDADE DE JUDAS, ENCONTRA O ENFORCADO NO CAMINHO
116
Capítulo XTV PRISCILA ROMPE COM PILATOS
123
Capítulo XV JOSÉ DE ARIMATÉIA FAZ A APOLOGIA DE JESUS NO SINÉDRIO
127
Capítulo XVI OS DISCÍPULOS SE DISPERSAM. A VIAGEM PARA JOPE
133
Capítulo XVII EM JOPE, TODOS REUNIDOS. A VIAGEM PARA ÉFESO
135
Capítulo XVIH "...IMPLANTOU-SE EM ÉFESO UMA PIÂNTULA DO CRISTIANISMO..." .... 137
À GUISA DE PREFÁCIO A arte oferece-nos a única possibilidade de realizar o mais legítimo desejo da Vida, que é o de não ser apagado por todo pela Morte.
eça de queiroz
Foi com a mais supera honra que, atendendo o convite do Professor e Padre Moysés Rodrigues, me deleitei com a leitura de "Jesus Cristo e Maria Madalena Lenda Judaica", do mais notável conterrâneo que tivemos: João Miguel da Fonseca Lobo, ou, simplesmente, Fonseca Lobo. Não é nova a minha predileção pelo tema. Fonseca Lobo nasceu em Sussuanha, onde em tantas Missas servi cie coroinha. Sabemos que seus pais não eram daqui e sim de Santa Quitaria, reduto de sua família. Lembro-me bem. Fazia a 6a série ginasial, no Instituto Benjamin Soares, o ano era 1990. Já a esta época nutria fascínio pela História, pois entendia que "Só seremos universais se conhecer mos e amarmos nossa aldeia", nas palavras de Tolstoi. E, procurar dados novos sobre Guaraciaba do Norte, era quase uma constan te; posteriormente tive meu primeiro contato com o livro "Diocese de Sobral", do Mons. Vicente Martins (não me lembro bem o ano e a edição), onde li: "João Miguel da Fonseca Lobo, nascido em
Sussuanha, dedicado aos estudos filosóficos e científicos. Deixou várias obras escritas". Fiquei intrigado e, na minha inquietude, procurei várias pessoas, perguntando sobre quem tinha sido o cientista. A pesquisa oral foi sem muito sucesso. Mais tarde, en contrei, no livro "O Ceará", dos mestres Raimundo Girão e Martins Filho, parte do quebra-cabeças. O autor teria deixado, entre as suas obras, uma sobre a Teoria da Relatividade, publicada 20 anos antes de virem à tona os trabalhos do grande Albert Einstein... Era meu colega de sala de aula e amigo, ainda hoje, Mário Henrique Soares Coelho, com quem dividi a "descoberta", até por uma razão lógica, Mário morava em Sussuanha e pertencia à mais tradicional família daquele Distrito e poderia me ajudar na busca das respostas. O tempo passou e, em 1993, tive meu primeiro contato concreto com a obra de Fonseca Lobo. Meu então colega de trabalho Vicente Vilemar Ferreira, o Cel. Ferreirinha, deu-me, em empréstimo, o livro "A Camponeza - Lenda Cearense", edição de 1914. A ansiedade era tanta que em poucos dias fiz cópia do trabalho numa velha máquina de escrever. Mais tarde, enquanto residia no Rio de Janeiro, 1997, encontrei um outro exemplar do livro na Biblioteca Nacional. Na pág. 81 do mencionado livro, lemos trecho autobiográfico que comprova a residência de seus pais aqui, em Campo Grande, por muito tempo: "No mez de Março de 1880, vindo eu do Amazonas, onde me achava, havia 4 annos, ao Ceará, visitar meus velhos pais que permaneciam na Serra 'Ibiapaba', um pouco abaixo do Campo Grande, tive de atravessar o sertão ainda açoitado pelos destroços da secca assombrosa de 1877!" (sic). Mais adiante, págs. 85-86, encontramos outra referência biográfica: "...Por ora vivo atascado* no plano de uma Philosophia que me tem exgottado os miolos! - Ah! então o senhor é também Philosopho? - Não sei si merecerei este nome. Sei é que estudo, especulo e investigo o porquê e o parque das cousas, isto é, especulo e investigo os effeitos e procuro descobrir-lhes a causa. Por exemplo: o Universo de mundos e coisas é um effeito; e eu quero conhecer-lhe a causa", (sic) As duas citações confirmam o que o biógrafo, Pé. Moysés, afirma sobre sua viagem ao Amazonas e faz a correção anacrônica ao que escreveu o mestre Raimundo Girão e reforça a tese de que Fonseca era um estudioso de se demorar em seus estudos: "por ora vivo in atascado no plano de uma filosofia que me tem esgotado os miolos". * atascado - mergulhado, incucado.
Quanto ao autor, pouco teríamos a dizer e sim, pedir que se faça justiça a ele próprio e à sua obra. Em nossa Guaraciaba do Norte, somente na década de 70, no Governo do Dr. Elisiário Nobre, foi denominado o Centro de Educação Rural, em Várzea dos Espinhos, com o nome João Miguel da Fonseca Lobo e, quando das denominações oficiais das ruas de Guaraciaba, em 1991, sugeri ao então Presidente da Câmara, Antônio Marques, a denominação de uma rua com o nome de Fonseca Lobo. O nome foi dado a uma pequena travessa próxima à Rodoviária. Fico a me questionar se os moradores dela sabem quem foi a ilustre "persona" que empresta seu nome àquela Travessa, todavia, quando, preambularmente, citamos Eça de Queiroz, foi para reiterar que a arte da escrita é fonte de imortalidade. Falecido em 1938 e nascido há mais de 150 anos, Fonseca Lobo ainda vive, em suas obras...
Mas, volto à sublime missão a mim confiada. Eu, apenas um menino na arte literária, sem merecimentos para tanto, comecei com curiosidade a leitura da tão bem apurada "Lenda Judaica". Embora sabendo que, conforme Oswaldo Aranha, "A tradição é a experiência dos povos consagrada pelo tempo", acostumado com a leitura da vida pública de Jesus, o Nazareno, tendo como fonte os Evangelhos, não me acomodei e bebi da fonte dos Evangelhos Apócrifos, ou seja, aqueles considerados sem autenticidade pela Igreja, me surpreendi com o "Jesus Cristo e Maria Madalena" de Fonseca Lobo. Jesus Cristo, o nome mais pronunciado e lido de todos os tempos é e sempre foi um dos mais misteriosos personagens de nossa História, assim como outros líderes religiosos. Tudo o que sabemos sobre Ele foi escrito por seus apóstolos, por conseguinte, amigos seus - e, só sendo muito corajoso, um amigo falaria algo desagradável sobre o outro -. Ele que afirmou "só a verdade vos libertará", ainda tem, dos 12 aos 30 anos, total obscuridade. Pouco sabemos sobre Ele nesse período... ,,;tíi... 11 A primeira vez que, nos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, vimos falar de Maria Madalena é aquele consagrado momento em que a "mulher pecadora", lava os pés de Jesus com suas lágrimas, enxugando-os com seus cabelos e ungindo-os com perfume, ao que Jesus retribui dizendo "os teus pecados te foram perdoados", sob os comentários dos fariseus: "se esse homem fosse um profeta, saberia quem é esta mulher que o toca e o que ela é: uma pecadora". E só bem depois a vemos entre as mulheres que se converteram à palavra salvífica de Jesus. Judas, por sua vez, teria sido escolhido seu apóstolo eventualmente, como ocorreu com os demais: Simão (Pedro), André, Tiago, João, Felipe, Bartolomeu, Tome, Mateus, Tiago (filho de Alfeu), Tadeu, Simão (o zelote) e Judas Iscariotes. Durante a última ceia, no ato do lava-pés, é "quando o diabo incutia no coração de Judas Iscariotes, o pensamento de o entregar..." É, mais ou menos, o que podemos colher do texto sagrado. Fosse escrito hoje, não seria tão surpreendente, considerando os avançados estudos acerca cie Jesus e de sua vida doméstica, todavia, um livro escrito em 1922, mostrando um Jesus carpinteiro, como seu pai adotivo - José, galanteador, pintor e com a sua traição vista pelo lado do amor homem x mulher é, no mínimo, formidável. É, sem dúvida, uma dificuldade encontrarmos livros que tratem do Cristo homem. Não tenho conhecimento de alguma passagem de lazer ou alegria da parte de Jesus, e Fonseca mostra um Cristo apaixonado por belas paisagens, a ponto de querer pintá-las para presentear àquela que conquistara seu coração. Maria Madalena, irmã de seus amigos Lázaro, Martha e Maria, dedicada às belezas físicas, era conhecida como rameira, mulher de vida livre e outras qualificações que se dava a alguém que se prostituía; no entanto, o autor vai mais longe e mostra que ela não era uma rameira "sua virgindade se encontrava inviolada" e esta decidira mudar de vida por Cristo, conquistan-Ijájg, com isto, a oposição de seu principal cortesão, Judas Iscariotes, que se une a Jesus com o fito de impedir a aproximação amorosa dos dois. Deveras interessante é o carpinteiro - Jesus - que trabalhava com perfeição na oficina herdada do pai, comprometendo-se com aquela que conquistara seu coração Maria Madalena -, a fazer-lhe um painel ou quadro de uma paisagem nunca dantes vista por ela, mas que, para ele, era habitual. Talvez ali fizesse suas reflexões. O mais interessante é aquele que moveu e move todos os grandes atos da
humanidade, o amor, conduzindo as histórias de Maria Madalena, de Judas e de Jesus. O elemento ciúme, mudaria substancialmente o curso normal dos acontecimentos, pois, segundo La Rochefoucauld, "No ciúme existe mais amor-prójprio quejmor". Judas, possuído por este auto-amor, entrega Jesus aos sacerdotes, especialmente a Caifás, chefe dos sacerdotes daquele ano. E o interessante é que Judas acreditava que Jesus era realmente o Messias, mas o queria 10 anos distante de sua Madalena para que as coisas voltassem à normalidade... Em nenhum momento, nos Evangelhos, lemos sobre a amizade de Maria Madalena com Joana, esposa de Gusa e Porçula Priscila, esposa de Pilatos. Vemos Joana como uma de suas segui-doras e a interferência da mulher de Pilatos no julgamento de Jesus, mas não da forma como é colocada em "Jesus Cristo e Maria Madalena". Outro item digno de ressaltar-se é a ementa de Judas: "Aqueles que amaram loucamente, apaixonadamente, uma mulher formosa e meiga, e sentiram os cruéis tormentos do mais feroz crime, por verem-se dela privados por outro homem, saberão compreender-me e condoer-se de mim de um modo mais atenuante". Igualmente importante é a fala de José de Arimatéia no Senado, mostrando que, em tudo, Caifás e os demais que o apoiaram na condenação de Jesus estavam errados. É interessantíssimo o texto, mas, no finalzinho, o autor tira a sua responsabilidade total da Lenda, quando "Samuel" encontra no bolso de Judas a "História de Maria Madalena, de Judas de Kariotes e de Jesus de Nazaré", que, a pedido de Maria Madalena, João Miguel da Fonseca Lobo Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
passou de geração a geração de judeus, e quando isto ocorre, nós, que labutamos com a História, sabemos que aumentos e intromissões no texto ocorrem. Nessa situação, o mais conveniente é que cada um dê sua versão... Eis aí o belíssimo trabalho e, se pudesse voltar no tempo, diria ao meu conterrâneo, Fonseca Lobo: parabéns! És um vencedor e uma de tuas mais importantes obras acaba de ressurgir... O escritor permanece. Tudo passa, mas o que é escrito fica gravado indelével na matéria. Guaraciaba do Norte, 18 de janeiro de 2001 José Luís Araújo Lira
Da Academia Municipalista de Letras do Estado Ceará Associação de Jornalistas e Escritores do Brasil - AJEB Sociedade Cearense de Geografia e História — SCGHJoão Miguel da Fonseca Lobo
O SESQUICENTENÁRIO DE JOÃO MIGUEL
A 29 de setembro de 1849, em Guaraciaba do Norte, Campo Grande, naquela época, nascia uma criança da linhagem quiteriense dos Fonsecas Lobos. Os pais, Vicente Alves da Fonseca Lobo e Geracina Carolina de Sousa Lobo, de origem portuguesa, via bacias do rio Jaquaribe-Quixeramobim e Acaraú-Santa Quitéria, eram fazendeiros, comboieiros e alticultores, nos retalhos adquiridos da sesmaria do Sargento-Mor João Pinto de Mesquita, com quem entraram em afinidade e parentesco. Os Mesquitas ainda hoje possuem pequenas propriedades nos sítios Garrancho, Macapá e Lagoa dos Marinhos. Os Lobos também possuíam vários sítios nas proximidades do arruado que hoje é o distrito de Sussuanha. A Dra. Elita Maria Bezerra de Andrade, filha de Cândida Lobo, 14a irmã de João Miguel, dá muitos testemunhos da presença dos irmãos "FONSECA LOBO" NAS IMEDIAÇÕES de Sussuanha: "Um dos sítios do vovô, Ernesto Justiniano de Albuquerque, era no Inhuçu, outro era o Sítio Camucim, em Campo Grande". E confirma, usando o nome da avó, Cândida, dizendo que ela "tinha dois sítios, em Sussuanha e Garrancho, nomes que eram familiarizados na família; ela tinha, lá, vários sítios". E para completar a caracterização do criador sertanejo-serrano: "Cândida tinha um comboio de burros que fazia o transporte serra-sertão e sertãoserra ". Vicente Alves também os tinha e morou lá muito tempo. Foi lá que nasceu João Miguel. Aos seis anos, o garoto João Miguel tornou-se sertanejo; foi para Santa Quitéria fazer o Curso Primário. Cedo amadureceu para o trabalho, como sói acontecer aos adolescentes interioranos. Diz Raimundo Girão que aos 12 anos já negociava com fazendas na Serra do Machado e que foi sacristão e estafeta. Ests||| atividades o fizeram amadurecer muito, sobretudo o convívio com o padre. Parece ter tido um caráter introspectivo, pois aos 19 anos escreveu um livro teológico, "Deus", que emprestou ao advogado Luís Miranda e este o perdeu. Este período dos 12 aos 26 anos é obscuro para biografar. Contudo, não se pode negar que era um rapaz estudioso, pois queria ir para a Escola Militar do Rio de Janeiro. "Foi demovido por amigos e trocou a idéia de estudar pela atividade elástica de seringar nas matas ribeirinhas dos rios Madeira e Purus, no Amazonas, onde atuou de 1875 ou 76 até 1891, quando se mudou definitivamente para o Ceará, estabelecendo-se em Fortaleza. Foram quinze anos de atividades na Amazônia, mas não seguidos. Depois de quatro anos, em 1880, como ele mesmo declara, esteve no Ceará e na "serra 'Ibiapaba,'" visitando os velhos pais. É provável que tenha vindo outras vezes, e, até, que tenha administrado de longe os negócios da borracha, constituiu família e lhe nasceram filhos em Santa Quitaria de 1884 (Lobo Filho), 1886 (Arinda) em 1888 (Eleonora). Em 1890 nasce-lhe Joal, no Rio Madeira, e, em maio de 1891, já em Fortaleza. O Cartório do 1a Ofício de Santa Quitéria, infelizmente não socorre o pesquisador. O livro está dilacerado, espedaçado, num saco. Raimundo Girão diz que João Miguel voltou "dinheiroso". Foi uma expressão bem encontrada. Se soube ganhar, mais ainda conseguiu aplicar. Comprou terras e cercou-as; fez sítios e fazendas, de Otávio Bonfim a Maranguape. Fundou os sítios São José, Moitínga, Tatumundé, Baixa Preta, Mudubim e Maraponga. Na cidade, a sua
chácara ficava no Benfica, ocupando a área do Dispensário à Casa Amarela. Nas circunvizinhanças da Reitoria ficava a Vila Angelita, que era a sua moradia urbana. Não é fácil descobrir as pegadas apagadas do filósofo. Como seringalista já era um pensador. Ele o diz em 1880, quando veio visitar os velhos pais,na Ibiapaba. Naquela ocasião ele declarou estar atascado (um espanholismo que significa atolado, incucado, mergulhado) no plano de uma Filosofia que lhe tem esgotado os miolos. E exclama: "Ah! Então o senhor é filósofo? Não sei se merecerei este nome. Sei é que estudo, especulo e investigo o porquê e o parque (sic) das cousas, isto é, especulo e investigo os efeitos e procuro descobrir-lhes as causas. Por exemplo: o Universo de mundos e coisas é um efeito; e eu quero conhecerlhe a causa." (Citado por meu ilustre prefaciante, José Luís, no prefácio do livro de João Miguel, "JESUS CRISTO E MARIA MADALENA", que está nos últimos preparativos para a reedição.) Este plano se concretizou numa obra de 290 páginas, publicada em Lisboa, em maio de 1909, com o título de "Fragmentos de Filosofia Natural e Especulativa". Diz a neta, D. Guiomira, que teve repercussão internacional e esgotou-se rapidamente. Tendo esposa portuguesa e publicando o seu primeiro livro em Lisboa, podese concluir que a Europa lhe era familiar. A Dra. Elita afirma que quase todos os filhos homens dele estudaram na Suíça. Três anos depois de publicar a sua obra Filosófica, em 1912, Fonseca Lobo publica "A Hypotypose do Mundo", onde aborda problemas de Física Cósmica e Espacial. É temerário falar dos dois livros sem os ler. Mas Amora Maciel os leu e rescençouos no artigo "UM CEARENSE PRECURSOR DE EINSTEIN", publicado no segundo anexo do seu livro "HÁ DIALETOS NO BRASIL? FATORES DA UNIDADE POLÍTICA DA AMÉRICA PORTUGUESA". Este livro foi editado dez dias antes de o autor falecer e Sinhá D'Amora enviou o exemplar consultado para Cláudio Martins, que o destinou à Biblioteca Justiniano de Serpa, da Academia Cearense de Letras; o seu cadastro é 850/80. Tomei a liberdade de citar o referido artigo na íntegra, por ser uma peça literária importante e não muito fácil de ser encontrada. Ademais, não cabe aqui, e nem a mim, uma análise crítica ou explicativa do pensamento filosófico-científico do mestre Fonseca Lobo. Falecem-me capacidades para esta tarefa. Atenho-me a trazer à tela uma personalidade-tema que jazia na penumbra silenciosa da história da Ciência e das Letras Cearenses. Para isto favoreceu-me a oportunidade de procurar conhecê-lo despretenciosamente y] e me louvei da sorte de encontrar o seu filho mais novo, conservado com um amor muito devoto. E ouvi-o dizer: "Leva-me contigo 18Dá-me uma roupa nova e me leva aos teus amigos e às tuas amigas! Apresenta-me a eles e a elas, para me conhecerem! Quero conversar a sós com cada um e com cada uma". É isto, Sr. Presidente e senhores acadêmicos, que estou fazendo aqui. Gostaria de tê-lo feito em 1999, exatamente no dia 29 de setembro, quando o meu imortal JOÃO MIGUEL DA FONSECA LOBO estava completando 150 anos de nascimento, mas minhas várias limitações não o permitiram. João Miguel soube ser milionário e intelectual, cientista e literato. Colaborou em jornais da época e escreveu romances. Sua terceira obra, "A Camponesa", publicada em 1914, foi elogiada por Alberto Montenegro, como um romance de cunho filosófico, coisa rara na Literatura Brasileira, na época. As pessoas que o leram, gostariam de lê-lo de novo; e vão consegui-lo, com certeza. A sua quarta filha, JESUS CRISTO E MARIA MADALENA, Lenda Judaica, Traços Românticos, foi dada à luz em circunstâncias ainda não conhecidas, pois circulou em meio muito limitado,
e dela não tomou conhecimento a crítica literária, até ao presente momento. As filhas não nascidas, mas geradas e anunciadas, revelam a fertilidade da mãe e levantam interrogações sobre o seu destino. Por que o autor não as publicou, se as anunciou em sua última publicação? Ao editar "JESUS CRISTO E MARIA MADALENA, lenda judaica, traços românticos", João Miguel relaciona a sua produção literária consolidada até então. Publicados. Palestra proferida na Academia Municipal de Letras do estado do Ceará no dia 08 de maio de 2001 na 4a FEIRA EM PROVA E VERSO. João Miguel da Fonseca Lobo
JOÃO MIGUEL, UM PENSADOR SOLITÁRIO
l
O Brilho do Cometa
Foi por acaso, como quem vê, na alta lua nova, uma luz brilhante. A atenção se prende, vou à janela, busco a luneta, procuro o telescópio e concluo que é um cometa longínquo, saindo do epigeu, para reentrar no perigeu das letras cearenses, para deleite dos observadoresbibliófilos. Cumpria uma tarefa de férias, em Guaraciaba do Norte. A cidade tornou-se-me familiar, no contato com as pessoas de memória. Juntando fatos em versões variadas, palmilhando ruas, lendo placas e monumentos, fui, aos poucos, criando na mente um esboço da urbe. Procurando fontes escritas, o caminho do IBGE era o mais conhecido; a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, planejada por Jurandyr Pires Ferreira, na época presidente daquele instituto, o Armário do Ceará, da Empresa Jornalística O Povo e Anuário do Ceará Publicações Ltda., davam, quase ipsis litteris, o mesmo recado, que retinia nos olhos. Era a referência inicial, obrigatória para começar esta procura. No verbete "GUARACIABA DO NORTE", entre os "VULTOS NASCIDOS LÁ", cinco linhas brilham na retina: "JOÃO MIGUEL DA FONSECA LOBO - nascido em 29.09.1849, em Suassuanha (sic). Dedicado aos estudos filosóficos e científicos, deixou várias obras escritas, inclusive uma sobre a teoria da relatividade, publicada vinte anos antes da divulgação do sábio Einstein. Faleceu em 10.01.1938. "(Girão, Raimundo et ai.. O Ceará, 2a ed.Editora Fortaleza, 1945, pág. 244)
No Instituto Histórico do Ceará, é do Prof. Geraldo Nobre a orientação. Na luneta tenho o "Dicionário da Literatura Cearense", de Raimundo Girão, remetente a Guilherme Studart. "Dicionário Biobibliográfico Cearense", V.l, p.499. Estas 32 linhas dão um retrato, 10x15, mais aproximado de João Miguel e mostram a constelação "LOBO", numa galáxia escura. É um retrato sem endereço... "LOBO (João Miguel da FONSECA).Filho de Vicente Alves da Fonseca Lobo e Geracina Carolina de Sousa Lobo, nasceu em 29 de setembro de 1849, no sítio Suassuanha (sic), no então Município de Campo Grande, hoje Guaraciaba do Norte, na serra da Ibiapaba.Na vila de Santa Quitéria (hoje cidade) fez o curso primário, e aos 12 anos de idade foi negociar com fazendas na Serra do Machado. Quis matricular-se na Escola Militar do Rio de Janeiro, mas não o fez atendendo a sugestões de amigos que lhe apontavam a Amazônia como terra do futuro para quem quer vencer na.vida. Efetivamente, lã demorou durante quinze anos, explorando seringais e tornando-se dinheiroso. Mudou-se para o Ceará em 1871, fixando residência em Fortaleza, passando a viver dos seus rendimentos e ingressando nas atividades literárias e colaborando na imprensa. Escreveu e publicou um ensaio de filosofia, conhecimento em que se aprofundou. E, logo mais, publicou o romance A Camponesa, 1914, a primeira composição deste tipo saída no Ceará de cunho filosófico. Além desses, deixou inéditos, O Ceará e Ubirajara, aquele com urdidura de uma trama romântica em que George de Nassau, sobrinho de Maurício se apaixona pela filha de Camarão, a jovem Camarema; e este tendo como personagem um francês, pobre e plebeu, que não pôde casar-se com a nobre Cassandra. Outro romance seu, deixado inédito é Duas Almas Irmãs, que segundo Abelardo Montenenegro constitui o seu melhor romance, no qual 'a natureza cearense e os costumes regionais estão mais vivamente pintados, assim como a emigração para o Amazonas e o povoamento do Puruspor cearenses retirantes'. Publicou também Fragmentos de Filosofia Natural e Especulatória, impresso em Lisboa, na Tip. do Anuário do Comércio, em 1909-
Mas, na verdade, Fonseca Lobo não é o romancista e sim o estudioso de filosofia. Inclina-se para o universal, o geral, o comum a todos, fugindo do regional, do peculiar, do característico. O romantismo constitui, porísso, a sua escola ideal"- bem o acentua o citado Abelardo Montenegro. J.B.S." (Girão, Raimundo et ai. Dicionário da Literatura Cearense, IOCE, Fortaleza,1987, pág. 141)
Agora folheio o "DICCIONARIO BIO-BIBLIOGRAPHICO CEARENSE", escrito pelo Dr. GUILHERME STUDART (BARÃO DE STUDART), vol. Primeiro, ABEL -JOÃO, Typo-Litographia a Vapor, Fortaleza, 1910, pág. 499, onde leio o que leu Raimundo Girão: "João Miguel da Fonseca Lobo -Seus bisavós, paterno e materno, eram ricos fazendeiros; um delles, Francisco Lobo dos Santos, residia no município de Quixeramobim; o outro, José de Souza Maia, residia no município de Santa Quitéria. Seus pais, Vicente Alves da Fonseca Lobo e D.a Geracina Carolina de Sousa Lobo, já não alcançaram as fortunas dos avós, devido às vicissitudes más por que sempre tem passado o Ceará. Nasceu a 29 de Setembro de 1849, em um Sítio denominado — Sussuanha ou Suassú-anha, município do Campo Grande, sobre a Serra da Ibiapaba. Na edade de seis annos completos entrou numa escola de l."5 letras, na villa de Santa Quitéria, aonde passou a infância e aos doze annos foi negociar com fazendas na Serra do Machado. Quando aos 26preparou-se para ir matricular-se na Escola Militar do Rio de Janeiro, mas, indo antes ao Amazonas tratar de cobranças lá permaneceu 15 annos, num trabalho permanente, árduo e penosíssimo, com o fim único de ganhar dinheiro para ajudar aos pães e família já muito empobrecidos pela seca de 1877. Em 1871 mudou-se de vez para Fortaleza. Publicou: Fragmentos de Philosophia Natural e Especulativa, in 8.° de 290 p.p.,impresso em Lisboa na Typ. do Annuario Commercial, Praça dos Restauradores, n° 27, 1909."
Percorri, com avidez, bibliotecas, unitárias e de rede, visitei museus e sebos, e nada... Resolvi, então, caçar o "Lobo" na "alca-téia", e soltei q.meu "perdigueiro farejador". Conhecendo o reduto dos "Lobo", em Santa Quitaria, segui por esta trauta e fui ao Ginásio Fonseca Lobo. Era outro Fonseca Lobo e não João Miguel. Mas consegui o endereço da sobrinha-neta de João Miguel, Terezinha Lobo Parente (esposa de José Parente), filha de Euclides Lobo (irmão de João Miguel) e Alice Catunda Lobo. D. Terezinha dá notícias "quentes" de "A Camponesa": Teve o livro, que gostou de ler e queria lê-lo novamente, mas o emprestou e nunca lhe foi devolvido. Através dela peguei o fio de Ariadne e entrei na gruta da "alcatéia", em Fortaleza. Bati palmas na casa de D. Guiomira Fontes Lobo, neta de João Miguel. Ela dá muitas informações do avô, homônimo de seu pai; e mais vai buscar e me coloca nas mãos uma relíquia bem guardada, o último livro de João Miguel, "JESUS CRISTO E MARIA MADALENA - Lenda Judaica - Traços Românticos". Meus olhos tornaram-se dois diamantes, folheando aquela obra de 78 anos. Perpassar a vista por aquele linguajar de "elles" e "annos", foi como mergulhar na História das Reformas Ortográficas Portuguesas. Encontrar aquela obra, foi como encontrar um tesouro literário desconhecido. D. Guiomira confiou-me o livro para estudo e republicação, para pô-lo à disposição dos leitores e dos estudiosos de Literatura. Recomendou, no entanto, que tivesse cuidado, pois é uma jóia que lhe foi confiada por Amélia (Teixeira Leite) Távora, tia cie Virgílio Fernandes Távora (Cel., Governador e Se-llÜidor) e esposa de Antônio (Toinho) Teixeira Leite, fundador do Banco do Maranhão e Reitor da Universidade do Maranhão. Para a crítica é um livro não lido, "inédito", pois não é mencionado, mesmo nos seus 78 anos de lançamento. Raimundo Girão não o cita entre as obras do autor, Abelardo Montenegro e Guilherme Studart parecem omiti-lo nos seus registros biobibliográficos. Neste livro, João Miguel, em pleno Romantismo, mostra o seu atavismo judaico-cristão, abordando, com erudição, um tema bíblico, no limiar do Cristianismo, na oficina do carpinteiro Nazareno, envolvendo Jesus, Maria Madalena e Maria de Nazaré, com a intromissão incômoda e interesseira de Judas, de olho na beleza de Madalena. Jesus
conquista o coração de Madalena e Judas se faz apóstolo, por ciúme, e entrega Jesus, por vingança. Eis aí, leitor, o livro em suas mãos. Queria tê-lo publicado em 1999, ano do sesquicentenário do nascimento de João Miguel, mas houve obstáculos. Mesmo assim não posso deixar de dedicar esta edição e todo o esforço feito a esta tão importante data. E digo com o latino: "Acti labori jucundi". Divulgue esta obra. É um ótimo presente, sem dúvida. Outras obras de João Miguel virão, depois, com certeza. Esta, mesmo sendo a última, talvez o seu canto de cisne, sai como a primeira da "COLEÇÃO FONSECA LOBO". Logo mais estarei secundando José Luís Lira nos temperos editoriais de "A Camponeza", obra gêmea com "A Velha Macrobiana". É o cometa João Miguel voltando brilhante...!!!
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"Um Cearense Precursor de Einstein"
Trazendo mais informações sobre a vida e sobre o pensamento de João Miguel, vou buscar a palavra de AMORA MACIEL, com o título supra, que transcrevo na íntegra: "Afrânio Peixoto referiu uma vez que, se se encontrava no senão, perdia o desejo de voltar à cidade,, Um velho cearense, lá das bandas do Ipií e que viveu nos meados do século passado, costumava dizer: 'Eu sinto muita luz dentro de mim; no entanto, criei-me dentro do mato e nada aprendi. Deliberei, então, não sair da 'Varjota' e morrer ignorando o mundo'. Um homem, porém, morou dentro do mato, como ele, sem querer ignorar a humanidade. Um dia tomou a direção dos seringais da Amazônia, para depois tornar à sua terra e nunca mais virar-se pras bandas do mar. João Miguel da Fonseca Lobo era o seu nome. Sob as árvores, como os antigos, conversava com os seus pensamentos, à sombra da ingazeira amiga, favorita de todos os momentos. E, longe dos cenários onde a publicidade constrói afirmações de cultura ou eleva pedestais a Ídolos de barro, ele se tornou um Pensador. Parecia-nos até o modelo da estátua que o gênio de Rodin concebeu e entregou ao seu museu, para visão da posteridade. A estrangeira, na hora dos diálogos no 'banquete' de Platão, mencionava que Deus não se mistura com as criaturas. Também os sábios, deveria aduzir, vivendo sós, não se imiscuem no seio das turbas e gostam de estar na solidão. João Miguel se fez um ignorado do mundo, como sertanejo da "Varjota", mas procurava compreender o que era a existência e se entregava a indagações de ordem filosófica e que o sagravam um adiantado na Província. Os sábios — mesmo depois de monos - respondem às 'perguntas' dos que não conseguem faze-lo em vida. Assim é que Edison deixou, para consulta dos técnicos, 'respostas', antecipadamente solucionando 'interrogações', possíveis, nas tormentas da dúvida. Muitos, porém, deixaram-nas em livros que moravam com elas, porque não conseguiram transmiti-las aos que lhe sobreviveram. O solitário da 'Maraponga', embora para ficar entre os 'esquecidos', viveu uma vida de pensamento. Foi o corisco que cintilou na escuridão e logo se apagou... Brilha, porém, nesta página, merecedor que é de se lhe guardar o nome. Em 1907, segundo se lê na 'prefação' da sua obra 'Fragmentos de Filosofia Natural e Especulativa', publicado em 1909 em Lisboa, pela Tipografia doAnu-ãrio Comercial, na Praça dos Restauradores nP 27, tinha o mesmo concluído os trabalhos de pensador anônimo, dos lados do 'Sítio São José', peno de Porangaba, tão cara à tabajara de Alencar. No começo do alentado 'estudo', a fls. 8, escreveu: - 'Não estou tratando de Astronomia nem de Matemática. Estas me são defesas e o meu fim é muito outro'. E a seguir: -'Toda a verdade tem o seu 'correspondente' na 'realidade'. E, quando não se pode conhecer o correspondente de uma cousa, também não se poderá dizer que esta cousa seja verdadeira. A Terra seria uma ilusão sem sentido se não tivesse por correspondentes o reino vegetal e animal. Somente Deus não tem além de si correspondente. E a eternidade? Dizem uns: - É o Tempo. E o que não terá 'começo' nem terá 'fim ? Que é o Tempo? Uma ficção, sem 'correspondente' na realidade. Não existe Tempo. A Eternidade não tem 'passado' e não tem 'futuro'; é só o presente. Não tem ontem nem amanhã. Hoje somente. As cousas desenvolvem-se simultaneamente no infinito, no seio mesmo de Deus; porque tudo o que existe é correspondente de Deus', sem vir o passado, e o futuro não tem correspondente senão no
presente, isto mesmo em fórmulas e cousas limitadas. Os filósofos e homens de ciência adotaram dois termos ou vocábulos sem 'correspondentes' na realidade e fizeram e têm feito de meros vocábulos, inteiramente abstratos e somente 'convencionais', no mundo objetivo, o centro de apoio e a base de toda filosofia subjetiva. Tempo e espaço são puras ficções, meras abstrações; não têm correspondentes na realidade: são símbolos convencionais. Na categoria de que fazemos parte, os mundos são infinitos, sendo, porém, cada qual, limitado na própria extensão infinita. E quem compreende que o passado significa uma série de sucessões, retrógradas até um ponto, até um, fim, vê logo 25 que a eternidade, estando necessariamente fora destas condições, porque é de natureza incondicional não tem passado, nem tem futuro; que a eternidade, sendo vida Infinita, encerra um presente permanente; que, portanto, a matéria e seus modos, suas transformações e seus movimentos não existem realmente, porque são incompatíveis com a repletude infinita; que passado e futuro só entendem com as sucessões simultâneas dessas representações e transformações, que só podem serafecções ideais dos espíritos; que só pode ser 'realidade', só pode ser verdade a 'vida infinita', que é Deus e seus modos que são os espíritos. Que tudo mais é o mundo das 'abstrações ideais', das ilusões dos sentidos. E a dizer que o nada não existe, motivo porque não pode ter capacidade nem equivalência, afirmava: -'Todo o Universo demora eternamente no vácuo ou 'espaço infinito' e inexplicável. E esse vácuo ou espaço, que se julga inexplicável, é Deus a amplitude infinita. O 'éter' não pertence ã categoria objetiva. Só pode ser pesquisado pela filosofia subjetiva. Na categoria de que fazemos 'parte', os mundos são 'infinitos', sendo, porém, cada qual, limitado na própria 'extensão infinita'. Não pode haver espaço, do mesmo modo que a matéria, porque espaço ou vácuo se confundem na abstração do nada. Se o espaço e o vácuo não podem ter as três dimensões de um corpo, altura comprimento e largura, como concebê-lo?Espaço, vácuo, nada mais são que frases 'abstratas', sinônimas, não têm correspondente na realidade, não existem, portanto. Não se queira supor que eu negue a realidade de tudo o que existe na 'categoria objetiva'. O que nego é que essa realidade seja, eternamente, 'objetiva, que tenha a mesma realidade na categoria objetiva'. A obra de João Miguel da Fonseca Lobo, cujo prefácio data de 1907, sendo publicada, conforme volume em nosso poder, em 1909, foi escrita, segundo confessam os seus íntimos, em 40 anos de meditação. Nascido a 29 de setembro de 1849, em 'Suassuanba', na Serra da Ibiapaba, e falecido a 10 de janeiro de 1938; aos 19 anos, isto é, em 1868, escrevia oprimeiro trabalho, sob o título - Deus - que, antes de vir a lume, foi emprestado ao advogado Luís Miranda, que o extraviou! E que dizia Einstein, o filho da Baviera e doutorado em Filosofia pela Universidade de Zurich, na 'teoria especial da relatividade', exposta em 1905? Um ano antes em Berna, conta Rodolfo Lammel em 'Fácil Acesso à Teoria da Relatividade', Albert Einstein, empregado numa repartição de patentes, discutia sobre a impossibilidade de definir-se a 'simultanei-dade sem o auxílio da velocidade da luz'. E continua: - É de grande importância notar-se que a teoria do bávaro é algo mais do que uma verdade conhecida há muito tempo. Acrescentava, porém, que de uma 'idéia filosófica' não se tira ou desprende uma 'teoria física'. É certo, convenhamos, mas a Física como ciência não se construiu com uma idéia filosófica, porém com a harmonização de muitas, justificando teorias, sistematizadas em leis, pois as primeiras sempre antecedem as últimas. Segundo Weill, a 'criação' é obra do cientista, e com a 'reflexão' vive o filósofo. Há a coexistência de duas atividades; mas quanta vez estão afastadas? Newton, confessa Lammel, referiu que no mundo não se pode determinar uma orientação 'absoluta', ainda quando hesitasse, espantado, em dize-lo. A.S. Eddington, catedrático de Mecânica, em 'Espaço, Tempo e Gravitação' dá-nos a conhecer que o descobridor da lei da 'gravitação universal' já pensava na 'luzponderável'. Para Newton, têm valor 'relativo' os conceitos de um ponto no espaço, aposição de um ponto no tempo e a velocidade do movimento, enquanto possuem valor 'absoluto' os conceitos sobre o comprimento de uma régua, a duração de um fenômeno e a aceleração de um movimento (Lammel). Na teoria especial da Relatividade, exposta em 1905, comenta, quanto ao conceito de aceleração no movimento e celeridade da luz, havia o chamado valor 'absoluto', sendo que, com relação ao resto das enumerações de Newton, era admitido o conceito 'relativo '. Havia, portanto, no seu pequeno 'Tratado', que se tornou público na aludida época, resíduos de conceitos 'absolutos'- lê-se ainda em Lammel,
que acentua: 'Ninguém pode fugir à idéia de que uma 'teoria da relatividade', onde ainda existem alguns conceitos absolutos, esteja terminada'. O coroamento do edifício foi realizado em 1916 por Einstein (Teoria Espacial da Relatividade). Na teoria 'clássica' - período do florescimento das ciências - o espaço e o tempo não são apenas cousas 'absolutas', mas, sim, e sobretudo, 'independentes entre si'. As 'distâncias' espaciais ou de 'tempo' não são 'absolutas', mas 'relativas', consoante o pronunciamento de Einstein. Para o mesmo há uma 'conexão '. E enlace que liga 'espaço' e 'tempo', num todo indissolúvel, a luz varia nas proximidades das grandes 'massas celestes' e força e matéria são uma mesma cousa. Admitida, pois a curvatura dos 'raios do Sul', segundo o opinar do bávaro (Einstein), foi a sua confirmação verificada por Crommelin no eclipse de 29 de maio de 1919, em Sobral, no Ceará (nas proximidades da terra onde nasceu João Miguel da Fonseca Lobo, que, anteriormente chegara a tal asserção), e por Eddington, na Ilha do Príncipe. (Tive a alegria de apreciar de perto esse espetáculo). Henri Poncaré (sic) - é certo - definira 'linha reta' como a trajetória de um raio de luz. Eddington diz que, para Einstein, o 'espaço' é 'abstração', é convencional, sendo que pela 'Teoria Espacial da Relatividade', surgida em 1905, o 'tempo local' era o tempo para o 'observador'móvel e que não existia o chamado 'tempo real', absoluto. A .S.Eddington escreveu ainda que a 'combinação dos espaços e tempos locais', em um teto de quatro dimensões, foi obra de Minkoswski, em 1908, e que em 1913 Einstein venceu todos os 'obstáculos', para, afinal, em 1915, publicar a sua Teoria Geral, que somente chegou à Inglaterra um ou dois anos após (1916 e 1917), constituindo, assim, o objeto principal da obra do mencionado catedrático de Mecânica. Enquanto isso, já em 1907, no Ceará (Brasil), estava concluído o alentado trabalho do pensador cearense (João Miguel da Fonseca Lobo), o qual lhe custou 40 anos de meditação. Henri Poincaréf oi também um 'precursor da Teoria da Relatividade', no sentido filosófico, pois escreveu ser impossível apresentar-se o 'espaço vazio', uma vez que a expressão espaço 'absoluto'não tem nenhum sentido. Papini coloca na boca de Gog a incredulidade dos que não conseguiram compreender o pensamento de Alberto Einstein e, como tantos, ignora o nome de João Miguel da Fonseca Lobo que, em 1912, na sua obra 'A Hypothypose do Mundo', precisou que a natureza não admite, realmente, corpos nem movimento nenhum absolutamente, e, bem assim, que a luz solar, caindo sobre o nosso planeta, tem uma temperatura relativamente fria, não sendo, portanto depascente (que corrói, que se alastra), e que chega à superfície da Terra em linhas quebradas, curvas e angulosas. O professor Vincentini, muitos anos depois da publicação da mencionada obra de João Miguel (o pensador de Maraponga), chegou à conclusão de que os raios solares não tem calor e que este é resultante do contato dos mesmos com a atmosfera. Escrevendo sobre 'Ciências Vida' o 'Washington Post' assim se referiu à Teoria da Relatividade, de Einstein, confirmada por teste superpreciso na concorrência com a Mecânica de Galileu e Newton. 'Em um teste no qual se atingiu a maior precisão já obtida na medição de distâncias, e utilizando as quatro naves Viking que estão em Marte, cientistas da NASA confirmaram, mais uma vez, a Teoria da Relatividade de Einstein. Participaram do experimento cerca de cem cientistas - o maior número de especialistas já envolvido numa experiência desse tipo - que obtiveram umaprecisão no mínimo dupla, e provavelmente dez vezes maior que a obtida nas melhores experiências anteriores. Além de ter participado do experimento relativístico, uma das duas Viking que se encontram pousadas em Marte registrou um tremor de intensidade equivalente a 6,5 na escala Richter. Se, de fato, se tratava de um 'martemoto' ele foi compatível em intensidade ao que sacudiu São Francisco, em 1906 (*X*Nota-.-18de abril de 1906.), destruindo metade da cidade com centenas de mortes. O tremor foi registrado pelo sismógrafo da Viking-2, que está pousada na Planície da Utopia. O teste da Teoria de Einstein consistiu na medição do tempo gasto por sinais de rádio no percurso da Terra às quatro naves que estão em Marte, e vice-versa, numa ocasião em que Terra e Marte, ã distância entre si de 160 milhões de quilômetros, encontravam-se em lados opostos do Sol. A Teoria de Einstein prevê que as ondas eletromagnéticas (como as da luz visível ou as de rádio) se encurvam ao passarem pelas cercanias de um corpo de grande massa, como o Sol. No percurso de mais de 300 milhões de quilômetros, ida e volta, entre a Terra e Marte, esse encurvamento corresponde a um aumento de dois décimos-milésimos de segundo, no tempo calculado segundo a Mecânica clássica. Esse atraso foi confirmado com a precisão de um décimo-milési-mo de segundo. O encurvamento das
ondas eletromagnéticas por efeito da massa do Sul, previsto pela Teoria de Einstein e inexplicável pela Mecânica clássica, já fora constatado, em 1911 ( no caso da luz visível), durante o eclipse solar desse ano. Durante muito tempo, essa observação e uma irregularidade da órbita de Mercúrio, também prevista pela relatividade einsteiniana e em contradição com a Mecânica clássica, foram as únicas provas experimentais da Teoria de Einstein. A fissão do átomo, obtida durante a Segunda Guerra Mundial, constituiu um outro indício indireto da superioridade da Teria de Einstein, em sua concorrência com a Mecânica de Galileu e Newton. A experiência das Viking não é, portanto, radicalmente nova, nem no método nem no resultado; mas tem alto valor, por causa da extrema precisão dos seus dados. A equipe que a levou a efeito foi chefiada pelo Dr. Irwin Shapiro, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que há nove anos havia chefiado um experimento análogo- embora muito menos preciso - no qual ondas de radar refletidas em Vênus e Mercúrio, sendo medido seu tempo de trânsito da Terra ao planeta, e de volta. '(Do jornal 'O Globo', de 8 de janeiro de 1977, pág.17)'. (Ao falar-se sobre 'espaço', 'tempo' 'vida', não é despropositado esclarecer que a menina Sladjana, em Belgrado (luguslávia) e natural de Prizlen, dá choques de 120 volts e emite faíscas quando alguém lhe toca no corpo!) Também em Oitava (Canadá) o Conselho Canadense de Pesquisas afirma Ter sido descoberta, por cientistas canadenses e britânicos, no espaço interestrelar, a presença de moléculas orgânicas maiores e mais complexas que qualquer outra até agora localizada fora da terra! 'Sir'James Jeans - astrônomo, levantou a hipótese de que a MATÉRIA PRIMA DA VIDA, senão a própria VIDA, teve ORIGEM NO ESPAÇO, vindo depois a 'INSEMINAR' a terra e, provavelmente, outros planetas. Essa hipótese já havia sido levantada no SÉCULO XIX (O GLOBO de 7 de abril de 1977, pãg. 16). Mas a hipótese 'clássica' se atem ao pensamento NA ORIGEM TERRESTRE DAS MATÉRIAS ORGÂNICAS em que se baseia a VIDA. Daí serem obrigados os cientistas a revisar suas opiniões acerca da origem das substâncias orgânicas que constituem a base química da Vida. Moléculas 'gigantes' foram descobertas em nuvens de poeira interestrelar pelos astrônomos Takeshi Oka N. M. Broten, Lorne Avery e]. M. Mac-Leod. Nos nossos dias, disse Fresnel que 'luz mais luz' dá escuridão, enquanto Einstein, anteriormente, afirmou que a luz se transmite com igual velocidade em todas as direções. E os homens continuarão, sempre com a dúvida, a 'perguntar' como o 'primeiro homem, no Paraíso Per-dido, de João Milton, e sonhando medir céus e contar estrelas'. Hão de sentir, porém, alguns, como Goethe, Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços
que a mais formosa ventura do homem que pensa é investigar o investigável e venerar em paz o incognoscível. Porque, na companhia de Fradique, de Eça, verão que é tão útil como a certeza, e que, na formação do espírito, para que ele seja completo, devem entrar tanto contos de Fadas como os 'problemas' de Euclídes (grifo nosso). E dizer-se que, um dia Albert Einstein interveio junto ao presidente Franklin Roosevelt, para convencê-lo a apoiar o projeto da 'primeira bomba atômica, mas, em 1955, antes da morte, declarava que a desumana arma, quando usada, traria o fim da humanidade, com a dolorosa agonia da destruição de todos os seres vivos'. E foi bem por isso que o ardoroso Carlos Lacerda chegou a dizer que 'o pecado da inteligência não tem perdão onde a mediocridade tem o poder de decisão' (grifo nosso). (MACIEL, AMORA. Há Dialetos no Brasil? Fatores da Unidade política da América Portuguesa, Tip. Baptista de Souza, RJ., 1977, - ANEXOS: UM CEARENSE PRECURSOR DE EINSTEIN, pág. 3546)
3 Traços Biobibliográfícos 3. l Cronologia de João Miguel 29.09.1849 1855
32 1861 Nasce João Miguel, em Campo Grande (Guara-ciaba do Norte), no então Sítio Sussuanha. Seis anos. Vai para Santa Quitéria fazer o curso primário. Aí cresce com a povoação, que já é Paróquia desde 22 de março de 1823 e se torna vila, em 27 de agosto de 1856, por força da Lei nQ 782 (IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. XVI, p. 492).
Doze anos. Já é negociante de fazendas na Serra do Machado. João Miguel da Fonseca Lobo
1868 1871 1876 IHHO IHK-Í
1886 IKHK S.2.90
Ajuda o Padre, como sacristão, e se torna funcionário do correio, como estafeta, responsável pelo transporte de correspondência e de valores entre uma cidade e outra. 19 anos. Escreveu um ensaio, "Deus", que emprestou a um amigo e este o perdeu. 22 anos. Teria ele voltado da Amazônia neste ano, como afirma Raimundo Girão, seguindo Guilherme Studart? Dificilmente se poderá aceitar que tenha ido aos sete anos e que lá tenha demorado quinze. Este período torna-se controvertido e uma explicação é oferecida para o equívoco: 26 anos. Foi com esta idade que ele empreendeu esta grande viagem, segundo Guilherme Studart, que, todavia, afirma que, em 1871 ele mudou-se definitivamente para Fortaleza. Quantos anos demorou lá? Suas atividades naquela região foram de quinze ou dezesseis anos, mas a sua permanência não, pelo seguinte: Nestes quinze anos aconteceram muitos fatos importantes com ele em Santa Quitéria e Campo Grande. Visita de João Miguel aos velhos pais, em Campo Grande. É o próprio João Miguel quem noticia esta vinda e indicaca o ano de sua ida, conforme se lê no seu livro "A Camponeza", citado em boa hora pelo ilustre prefaciante José Luís Araújo Lira. É muito provável que ele esteve outras vezes no Ceará e que tenha permanecido de 1883 a 1888. Nascimento de João Miguel Lobo Filho. Nascimento de Arinda. (+ 12.4.1926) Nascimento de Eleonora Nasce no Rio Madeira, Amazonas, o quarto filho, Joal (+13-10.38) 1
33 Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos RomânticosTraços Românticosços RomânticosraçosRomânticosços Rom
22.5.91 3.7.93 21.7.1901 1909 1912 1914 1922 10.01.1938
3-2 O Homem Nasce Joel, em Fortaleza Nasce Albérgio Nasce José de Ribamar Aos poucos vai-se montando o quebra-cabeça cronológico. Depois do nascimento de Joal, João Miguel liquida seus negócios no Amazonas e passa a residir em Fortaleza, "dinheiroso", com diz Raimundo Girão. Isto pode ter ocorrido em 1891. Trocando-se o numerai 7 (1871 é inaceitável!) pelo 9, tem-se 1891, mais coerente com os fatos. Na Capital Cearense, tornou-se o latifundiário-intelectual, o estudioso, o viajante. Foi até convidado para ser "lente" na Faculdade de Direito, mas recusou por causa dos muitos negócios que administrava, assegura D. Guiomira. Lisboa. É publicada "Phragmentos de Philosofia Natural e Especulativa". Sai " A Hypothypose do Mundo". Publica "A Camponeza." Lança, em Fortaleza, "Jesus Cristo e Maria Madalena, Lenda Judaica, Traços Românticos." Morre João Miguel. Juntando a história curta à memória rala, alinhei estes traços biobibliográficos, que ficam à espera de dados mais consistentes para conhecimento e estudo desta grande figura
literária e científica, que foi um meteoro em seu tempo. Chegou ao apogeu, com a publicação de suas obras filosóficas, passou pelo epigeu e está voltando a brilhar no céu das Letras e das Ciências e, com a publicação desta obra; volta ao céu da Literatura Cearense, com o mesmo brilho que tinha antes, João Miguel da Fonseca Lobo
visível e ao alcance da mão dos leitores e estudiosos. As obras não editadas são a cauda escura do astro, buracos negros, dos quais só se conhecem os títulos. Estarão perdidas irremediavelmente?!... João Miguel era filho de Vicente Alves da Fonseca Lobo e Geracina ('Carolina de Sousa Lobo. Seus bisavôs eram portugueses ricos. Francisco Lobo dos Santos, de Quixeramobim, era o avô paterno e José de Sou/a Maia, avô materno, de Santa Quitéria. Sua neta, Guiomira Fontes Lobo, que aprendeu de fonte confiável, o pai, João Miguel da Fonseca Lobo Filho, afirma, sem muita segurança, que Geracina era viúva, mas não sabe com quem tinha sido casada. E, dentro de uma lógica histórica, eram judeus convertidos, "cristãos-novos" - com o "Lobo", escondendo taticamente o sobrenome tradicional, comprometedor, farejado pelos caçadores da Inquisição nada santa. Outro neto, José ("Zezé") Lobo, filho de Albérgio, diz que havia uma família "Lobo" no Brasil. Havia dois irmãos em Fortaleza vindos de Portugal; eles foram para Santa Quitéria, pois Fortaza era muito pequena, naquela época. O seu caminho foi a bacia do Acaraú, seus afluentes e subfluentes. Em Santa Quitéria, Vicente Alves tinha os seus currais e fazendas, com que abastecia Caiçara, a futura Sobral, voltando com a tropa carregada de produtos importados. O outro irmão não se deu bem e voltou para Fortaleza. Com certeza tinham outras fazendas. João Miguel casou-se com Minervina Leopoldina Teixeira Leite(Lobo), filha de uma viúva rica portuguesa, D. "Maroca", Mairia, que tinha também um filho, "Toinho" Antônio. Este casamento alimentou as suas raízes lusitanas e o levou de volta a Portugal, criando laços culturais com os meios lisboetas, pois ali publicou sua primeira e mais importante obra no campo da Filosofia da Ciência, "Fragmentos de Filosofia Natural e Especulativa". João Miguel, nasceu no Município de Campo Grande, hoje guiaraciaba do Norte, em um dos sítios de sua família, nas proximidades do arruado que veio a ser o Distrito de Sussuanha. "Cândida tinha um comboio de burros e dois sítios em Sussuanha e Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Romântico
Garrancho. Os nomes Sussuanha e Garrancho eram familiares aos "Lobo"; um dos sítios do Vovô (Ernesto), era no Inhussu" (Depoimento Dra. Elita). Outra sobrinha-neta, Júlia, que tem boa memória fotográfica da família, afirma que "ele possuía o sítio Camocim, em Guaraciaba". Hoje, no Sítio Camocim, há uma floricultura de de exportação, a 2 km da sede do distrito de Inhuçu, no muncípio de São Benedito. Os proprietários cogitam em mudar o nome para Sítio Vale dos Buritizais. Aos seis anos, o menino João Miguel foi para Santa Quitéria, onde fez o curso primário. Integrado à família, crescia e ganhava experiência de vida, sem perder oportunidades de trabalhar e aprender a gostar de dinheiro. Foi sacristão, foi estafeta*, e tudo indica que foi aluno estudioso. Diz Raimundo Girão que aos 12 anos já negociava com fazendas na Serra do Machado. Sua montaria cruzou o Vale do Acaraú em todos os sentidos; transpôs serras e alcançou planaltos. Amora Maciel diz que ele se fez um ignorado do mundo, como o sertanejo da "Varjota", e continua Girão:
"Quis matricular-se na Escola Militar do Rio de Janeiro, mas não o fez, atendendo a sugestão de amigos que lhe apontavam a Amazônia como terra do futuro para quem quer vencer na vida", e foi isto o que fez; deixou-se picar pelo mosquito da febre da borracha de prender dinheiro. Acertou o alvo, indo negociar com seringais. E.Guiomira, diz que tratou de cobranças e permaneceu lá 15 anos. Com muito esforço, dedicação e persistência, ganhou dinheiro e ajudou seus pais, que estavam falidos, por causa da seca. Neste período, conseguiu ser dono de quase cem seringais, que, antes de voltar, vendeu, tornando-se "dinheiroso", na expressão de R. Girão. Voltando ao Ceará, em 1871, segundo R. Girão, (mais provável em 1891), "trouxe consigo um cacique e três índios", como tá -i§§í:rna D. Guiomira. * estafeta. S. m. Mensageiro que transportava a mala cio correio de uma cidade à outra. João Miguel da Fonseca Lobo
Fixou residência em Fortaleza, administrando e fazendo cres-Cer o grande patrimônio que tinha. Tornando-se proprietário de vastas regiões de Otávio Bonfim a Maranguape. Tornou-se proprietário da "Baixa Preta", na altura da Av. Justiniano por onde passava a Estrada do Gado, em direção ao Nascente, onde estava o centro de Fortaleza, da Moitinga, ao longo da Rua Conego de Castro, até à vila Peri, pela estrada de Maranguape. Foi o fundador do "Mudubim", o "Tatumundé" era seu, o Bom Jardim e o sítio São José, onde tinha olaria, madeireira, engenho de rapadura e casa de farinha; no sítio, "havia frutas de fazer lama". Era um financista exímio e sabia fazer negócios. D. Guiomira não tem medo de afirmar que foi o maior proprietário de terras da região. A Vila Manuel Sátiro era uma solta de gado. Morou na casa onde hoje é o "Dispensário", ao lado da Igreja dos Remédios, enquanto construía a "Vila Angelita", numa chácara de um quarteirão inteiro, no Benfica, hoje pertencente à UFC. Onde hoje é o colégio Santa Cecília era propriedade sua. Não é sem motivo que ali perto ficam as ruas "Fonseca Lobo" e "Lobo Filho".1 Aos oitenta anos foi vítima de um envenenamento acidental, ao ingerir carrapaticida, pensando ser remédio. Foi medicado e se salvou, mas ficou com a saúde abalada. Os seus negócios e até a produção literária e a conservação do seu acervo foram prejudicados. A sua riqueza ninguém contava. Um baú, com chave de segredo, trinta anos depois de sua morte, ainda estava trancado. foi arrombado por um carpinteiro, para conserto. Lá havia pacotes de anotações e 30 mil réis em dinheiro. Morreu aos dez de janeiro de 1938. 1 João Miguel da Fonseca Lobo Filho. Topógrafo. Mapeou o aldeota, na altura da Tibúrcio Cavalcante. Pelo serviço recebeu um quarteirão que ele chamou Iidiápoles, nas terras do Cel. Valente, (Nunes Valente) homenagem a Lídia, esposa do Cel.. Fez a topografia do Açude Orós. Com João Felipe construiu a primeira caixa d'água (da Faculdade de Direito). Casou-se duas vezes. Morreu de um ataque cardíaco, na sua "Fazenda Veado",,em Quixadá.
37 Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
33 O Intelectual e sua Obra
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João Miguel demonstrava ser um homem recatado - "Um Milionário feito Frade" -, filosoficamente humilde e socrático, pelo que se depreende do estudo de sua obra e pelo que ele mesmo dizia de si, segundo Amora Maciel. "Eu sinto muita luz dentro de mim. No entanto, criei-me dentro do mato e nada aprendi. Deliberei, então, não sair da "Varjota" e morrer ignorando o mundo"2 •. E continua: "João Miguel se fez um ignorado do mundo", embora vivendo "numa vida de pensamento", como solitário da Maraponga".
Mas aconteceu a explosão, como as tuberosas, que fazem rachar o chão com os seus grandes frutos nele escondidos. Se foi atirado e vitorioso nos negócios é porque tinha dotes de grande inteligência. Não se sabe ainda em que campo colheu as manivas que semeou e que, cultivadas na meditação, produziram mandiocas tão substanciosas de farinha e goma. Certo é que cedo aprendeu a aprumar a pena, pois aos 19 anos já era um teólogo e escreveu um trabalho sobre "Deus". Mas o mostrou a um amigo, o advogado Luís Miranda, e este o perdeu, irremediavelmente, conforme relata Maciel. São fortes os indícios, de que Fonseca Lobo, teve formação seminarística. O desaparecimento lamentável se suas obras editadas, e a destruição fatal dos originais das outras, ocasionaram o lento desconhecimento de sua condição de intelectual, filósofo e cientista. É por isto que o chamo de cometa de grande elíptica, em estágio regressante, com a publicação desta obra, dentro da ousada Coleção Fonseca Lobo. O leitor lera, verá e não vai perder a oportunidade de colaborar, tenho certeza. Olhada por fora, a "casa intelectual" de João Miguel está fechada com chave de segredo corno o seu baú. Com o encontro de "Jesus Cristo e Maria Madalena", abre-se uma brecha na tampa começa a ver o que está lá dentro. As outras obras voltarão à 2
Maciel, Amora. p. 35.
João Miguel da Fonseca Lobo
li i/ e se verão nas prateleiras. Com certeza. Pode-se dizer, com segurança, que a sua primeira e mais importante obra, "Fragmentos cie Filosofia Natural e Especulativa", concluída no anonimato do seu sítio São José, foi um satélite lançado na atmosfera do pensamento, em 1909, pela Typ. do Anuário do Comércio em Lisboa. Segundo Amora Maciel, ele se debruçou sobre ela durante 40 anos. Segundo D. Guiomira teve repercussão internacional, e a edição esgotou-se em pouco tempo. É filósofo quem escreve sobre a eternidade, sobre o presente e sobre o futuro; e é teólogo quem consegue ver a sombra de Deus. Pois ele diz que o tempo é uma ficção, sem correspondente na realidade. Não existe o tempo. "A eternidade não tem "passa-lo" e não tem "futuro"; é só o presente. Não tem ontem nem amanhã. Hoje somente. As cousas desenvolvem-se simultaneamente no infinito, no seio mesmo de Deus; porque tudo o que existe é "correspondente de Deus", sem vias do passado. E o futuro não tem correspondente senão no presente, isto mesmo em fórmulas e cousas limitadas".3 Maciel diz que "Foi um corisco que cintilou na escuridão e logo se apagou..."4 Em 1912, entrava a "outra banda" do satélite, a obra científica, também conhecida de Amora Maciel, "A Hypothypose do Mundo". Precisou que a natureza não admite, realmente, corpos nem movimento nenhum, absolutamente, e, bem assim, que a luz solar, caindo sobre o nosso planeta, tem uma temperatura relativamente fria, não sendo portanto depascente (que corrói, que se alastra) e que chega à superfície da terra em linhas quebradas, curvas e angulosas."5 Em 1914, é publicada "A Camponesa", uma obra romanesca de cunho filosófico, saboreada por quem a leu, e cujo desaparecimento, de novo, por empréstimo, é lamentado com saudade. "A primeira composição deste tipo saída no Ceará de cunho filosófico," diz R. Girão. * Ibid. 4
Maciel, Amora. p. 36 e 37. *> Ibid p. 42
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
Em 1922 saía "Jesus Cristo e Maria Madalena". Vale ressaltar com quem teve melhor contato com o escritor, que "Fonseca Lobo não é o romancista e sim o estudioso de Filosofia. Inclina-se para o universal, o geral, o comum a todos, fugindo do regional, do peculiar, do característico. O romantismo constitui, por isso, a sua escola ideal".6 A nave espacial de João Miguel, voltará trazendo estas suas obras indispensáveis ao
sistema circulatório do pensamento brasileiro. À metáfora do corisco, de Amora Maciel, oponho a do cometa que brilhou intensamente e desapareceu, deixando um rastro brilhante com uma faixa escura de obras não editadas. Este cometa está no epigeu, mas voltará ao perigeu, onde será transformado em estrela, com órbita fixa no espaço das Letras e das Ciências, ao lado de Henri Poincaré e de Einstein. Esta obra está saindo. As outras sairão, quando houver alento para abrir o baú secreto.
3.4 Jesus Cristo e Maria Madalena "Jesus Cristo e Maria Madalena" é uma obra desconhecida da Crítica Literária, como se não tivesse sido publicada. Mas foi, e houve, provavelmente, sessão de autógrafos, no dia 11 de dezembro 1922, como se vê na dedicatória do exemplar guardado zelosamente por D. Guiomira: . Ao talentoso Acadêmico Ribamar Teixeira Leite. Oferece o seu amigo, joão miguel Fort. 11.12.922 6 Girão, Raimundo. Citando Abelardo Montenegro e indicando para estudo crítico Guilerme Studart, Dicionário Biobibliográfico Cearense, v.l, p.499.
João Miguel da Fonseca Lobo
A importância do autor e a ausência da obra nas livrarias e bibliotecas, dão motivos de sobra para reeditá-la, saudando assim uma dívida para com o autor, que precisa ser perpetuado, para com < > público leitor, que não o pode dispensar em suas estantes e, para Com a crítica literária que está deixando de analisá-lo e colocá-lo em seu lugar dentro do Romantismo e Modernismo Brasileiro. Este exemplar foi sempre tratado com muito carinho, provam-no duas notas manuscritas nas páginas 4 e 5: "Quem encontrar este livro - caso esteja estraviado - é favor entregá-lo à Rua Joaquim Távora, 2634, em Fortaleza - Ceará. Ou em Belém à Rua Furtado Guimarães, nü 302, Ou em São Luís à Avenida Getúlio Vargas, 1118". E a outra: "Este livro pertence à biblioteca da família Teixeira Leite". Decidi, então, dá-lo à luz novamente e iniciei as providências para trazer de volta, da penumbra dos seus 78 anos, ao céu das letras cearences, o cometa João Miguel, em todo o seu brilho, e transformá-lo em estrela de órbita estacionaria. Foram feitas as correções gramatical e ortográfica, que resultaram numa limpeza geral de pele e numa ajeitada na barba e no cabelo, às vezes microcirúrgicas, para ficar mais fácil e fluida a leitura, sem descaracterizar o estilo. É uma obra do mais puro s;ibor romântico que mostra os traços do romance que Maria Madalena alinha e alimenta com o jovem carpinteiro de Nazaré, e como ele, sabiamente, responde com a conquista de seu amor no plano espiritual, fazendo-a deixar a vida de galantarias e voltar à casa de seus irmãos e à penitência. A preparação do texto incluiu: - as correções prescritas na errata, eliminando a mesma; - as atualizações gramatical e ortográfica; - a supressão das aspas, nos diálogos, ficando apenas os hífenes; - a redução dos pontos-e-vírgulas, em orações coordenadas, nos quais o autor é superabundante. Muitos foram Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Romântic
rebaixados a vírgulas e alguns promovidos a pontos, quando possível, tornando mais pulmonar a leitura; - os parágrafos descritivos são também numerosos, de duas linhas; foram aglutinados e encorpados, formando unidades descritivas maiores; - um vocabulário sucinto, contendo as palavras consideradas menos usuais, para ajudar
o leitor. Esta metaleitura segue em rodapé, no fluir do discurso, com a ajuda de bons dicionaristas. João Miguel revela, nesta obra, grande erudição. Precisa-se de ajuda dicionárica para lê-lo. Decidi também sumariar a obra, titulando os capítulos, para dar visão de conjunto e mostrar a evolução do enredo e indexar as diversas partes da narração.
3.5 Os Inéditos, Vítimas de uma Tragédia Irreparável Segundo a neta Ilná, na casa em que morou João Miguel, na Moitinga (um de seus grandes sítios) havia uma estante com seus livros. Na prateleira inferior estavam os livros a serem publicados. No dia 26 de abril de 1946 (oito anos depois da morte do autor) houve uma inundação e a água invadiu a casa, subindo acima de um metro de altura. Quando foram socorrer os manuscritos, havia apenas papel desmanchado e sem tinta. D. Guiomira, que é de 1936 e não o conheceu pessoalmente, dá um palpite para a trama de alguns romances, relacionando-os com a vida real. Assim: "DRAMAS E TRAGÉDIAS NO MAR". Pode referenciar um filho, o homônimo, que recebeu de presente um pônei e, com a filha do vaqueiro na garupa, vivia galopando pelos tabuleiros da fazenda. O pai da moça, viu o risco da aventura romanesca dos ;j0v,ens e avisou o patrão, pedindo a retirada do rapaz, antes de acontecer alguma coisa comprometedora. Este foi levado para capital, mas não esquecia o seu pônei de trote macio. O pai atenJoão Miguel da Fonseca Lobo
deu prontamente e levou o filho para casa, aguardando uma oportunidade de mandá-lo para estudar no Rio de Janeiro. No dia 14 cie junho, dia de seu aniversário, a festa toda preparada, ancorara no cais do Mucuripe um navio, indo para o Rio de Janeiro. O pai tomou uma decisão rápida e drástica: transferiu para o navio de cabotagem a celebração da festa e depois dos comes e bebes e dos parabéns entregou o rapaz ao comandante da embarcação; e assim se foi o galanteaclor apaixonado. Numa viagem tristonha e solitária que durou trinta dias, o rapaz chegou lá e fez seu curso de Engenharia. Valeu a pena, porque lá conheceu uma jovem alemã (ou francesa) Madame Leoni Ehret, culta e amante da boa música, com quem veio a se casar. Eoi a sua primeira esposa. Neste romance, narraria João Miguel os errores do Ulisses cearense, seu filho, longe de sua dulcinéia camponesa. "UM MILIONÁRIO FEITO ERADE" seria uma versão imaginosa do próprio João Miguel: um milionário filósofo, meditativo e solitário. Ele era amicíssimo do Pé. Azarias, de quem D. Guiomira aproveita para contar um incidente ocorrido na infância. O pequeno Azarias tinha seis anos e foi acometido de uma doença muito grave. Piorava a cada dia e não havia medicina que o curasse. Devia estar com febre altíssima e morreu nos braços da madrinha. Massagens no rosto e nas costas, sopros no rosto não adiantaram. Estava morto. O quadro era de cortar coração; a mãe, aflita, chorava e orava: "Meu Deus, me dê meu filho de volta, que ele será um padre santo!" Nessa tristeza toda, a madrinha, conformada, assumiu os preparativos do velório, começando por um banho de água do pote, aromatizada conforme o costume da região, enquanto mandava comprar aquela fazenda roxa da mortalha, a veste da última viagem da criança e chamava, às pressas, um carpinteiro para fazer o caixão, que seria colocado na sala de visitas. E corjie~ çou o banho do corpinho, no grande alguidar de barro. Num ritual sagrado, ia levando lentamente o corpinho frio, massageandoJesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
o, com o pensamento orante, fixando-o súplice, com a mente em Deus, no menino, na mãe, na vida, usando todos os sentidos do corpo e os infinitos sentimentos cia alma e do coração.
De repente, os olhos do menino se abrem e fitam a madrinha, com a sua cor e brilho naturais; levanta a cabeça, movimenta os braços e as pernas, firmando o tronco na .sua minipiscina de Siloé. De repente, o grito de surpresa e alegria. "Comadre, venha ver o Azarias! Ele 'tá se mexendo!!!..." Houve correria e alvoroço na casa sertaneja. A mãe, tomando a criança nos braços, exclamou: "Deus ouviu minha oração, porque é muito bom. Vou-te educar, meu filho, para que sejas um padre santo". Apertava-o contra o peito e chorava, agora de alegria. Alimentou a criança, deu-lhe chás caseiros, e a criança recuperou a saúde. O banho, a oração e a fé salvaram o pequeno A/arias. Ele cresceu, educou-se e foi o padre muito prestigiado, o Monsenhor Azarias. "A ENJEITADA FELIZ". Líbia era filha de um amor aventureiro do cunhado e grande amigo de João Miguel, "Toinho"-Carlos AntônioTeixeira Leite-. João Miguel a criou como se fosse filha. Este título, desmanchado no dilúvio da Moitinga, em 1946, poderia romancear essa menina.
Bibliografia ANDRADE, Lauro Ruiz de, Fonseca Lobo, Filósofo e Romancista. O Povo p. 13 (recorte avulso, sem indicação de dia, mês e ano); GIRÂO, Raimundo et ai. Dicionário da Literatura Cearense, IOCE, 1987; ______. O Ceará, 2a edição, Editora Fortaleza, 1945; LOBO, Marcus Vinícius. RAÍZES DA FAMÍLIA FONSECA LOBO (em organização); João Miguel do Fonseca Lobo
MACIEL, Amora. Há dialetos no Brasil? Fatores da Unidade Política da América Portuguesa. Typ. Batista de Souza. Anexo: Um Cearense Precursor de Einstein. Rio de Janeiro, 1977; STUDART, Guilherme. Dicionário Biobibliográfico Cearense. Typo-litografia a vapor, Fortaleza, 1910.
Referência ANUÁRIO DO CEARÁ, 96/97 ("O Povo"); DELP - Dicionário Estudantil da Língua Portuguesa; DPI - Dicionário Prático Ilustrado, Novo Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, publicado sob a direção de Jaime Séguier.[Edicção Actualizada e aumentada por José Lello e Edgard Lello] LELLO & IRMÃO -EDITORES, Porto, 1988. Ed. Globo. Lello; ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, Planejada e orientada por Jurandir Pires Ferreira, Presidente do I.B.G.E. 29 de maio de 1959; NDA - Novo Dicionário Aurélio, 1a ed. 14;1 impressão, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1975; NDLP - Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo. Livraria Bertrand, Lisboa; DBLP - Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Enciclopédia Britânica do Brasil, Ed. Melhoramentos, 8a ecl. São Paulo, 1983; MICHAELLIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1998. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticos
l Capítulo l MADALENA DEIXA SEUS IRMÃOS E CONSTRÓI O SEU PALÁCIO Passava-se o ano de 3976 da criação do mundo, segundo a Bíblia. Jerusalém, a bela cidade Phenix - 18 vezes destruída e reedificada, estava num esplendor de glória!... Toda a Palestina, sob o domínio dos romanos, vivia em paz; e sua prosperidade, por vales e montes, por aldeias, vilas e cidades, se anunciava uníssona...
Perto da cidade-urfoz'*, no pitoresco e nemoroso* Monte das Oliveiras, habitava, na simpática Betânia, Lázaro, ilustre e rico, com suas irmãs Marta e Maria, ambas inuptas. Seus pais, de família opulenta e tradicional, já não existiam; deixaram-lhes, porém, a par de grandes riquezas, uma educação aprimorada na moral religiosa, como no trato social mais consoante com a civilização da época. Por isto mesmo, tornou-se uma família credora incontestável da estima e consideração de todos geralmente, ricos e pobres. Maria Madalena, a irmã mais moça, desde muito criança, inclinara-se à vida de galantaria, com muito apesar e sentimento de Lázaro e Marta, que não cessavam de aconselhá-la... Mas, sua índole era aquela; não podia mudar: queria o belo; queria o sedutor que lhe enlevasse a alma, os sentimentos, o coração: muito gostava, por isto, das flores belas e odorantes. * urbi - (do latim urbs = cidade) cidade-urbi = É uma redundância, a cidade por excelência. * nemoroso. Adj. Sombreado ou povoado de árvores. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticos
Com a transição da infância à puberdade, Maria Madalena tornou-se a moça mais formosa de Jerusalém e de toda a Palestina e países vizinhos!... Suas palavras eram meigas, atraentes, os seus sorrisos, doces, cativantes; e seus olhos ternos, como uma melodia, claros como jaspe, relanceavam inquietos, como que procurando uma coisa que lhe faltava, para enquadrá-la no coração... Sua cor tinha uns tons de íris, das pétalas da açucena; e os seus cabelos bastos, em opulentas madeixas, tinham a cor de um casta-nhofulvo... Era, realmente, uma criatura cheia de encantos atraentes, de atrativos irresistíveis, vencedores... Não faltavam pretendentes ao seu amor, à sua predileção... Os mancebos mais ricos, mais prendados de educação esmerada, solicitavam-na em casamento. Mas ela, numa esquivança graciosa, não os desenganava nem os alimentava com esperanças que a comprometessem. Pelas incessantes visitas e cantatas que, em noites luarentas, recebia de seus adoradores, para evitar desgostos e malquerença de seu irmão, a quem respeitava, e da irmã, por quem tinha verdadeira estima, resolveu mudar-se da convivência fraternal. Para isto, mandou construir, à margem do Jordão, um palácio magnífico, perto de Jerico, a cidade das rosas imurchecíveis, e para ele mudou-se... Foi, então, mais assídua à comunidade... Os escândalos avolumaram-se, cresceram, tomaram formas, criaram asas e voaram por toda a Palestina e países limítrofes. Maria Madalena era a bela rameira* multívola, afamada! O Pactolo, que fertilizava a Judéia, ia banhar-lhe os pés, com ondas perenes de águas auríferas, nas quais se iam afundindo* riquezas profetícias de muitos apaixonados... A opulência de Madalena, o seu luxo deslumbrante, a riqueza de suas carruagens, tornaram-se inimitáveis!... Quando não estava em festas, no seu esplêndido palácio, é que, com um séquito espaventoso, passeava pelos campos, aldeias e cidades... rameira. S.f. Meretriz. * afundir. V. i. Afunda r.
João Miguel da Fonseca Lobo
O seu capricho incurial de ter, amesendados e submissos à sua vontade, dezenas de amantes, era o ápice da depravação, somente comparável aos haréns dos sultões turcos!... Quando na realidade, ela não passava de uma suserana caprichosa, fazendo uso dos direitos de sua beleza, dos seus encantos, acompanhada de seus feudatários... Ela, adunando* todos os seus caprichos, todos os seus gozos num só anelo-brilhar! Não dava fé nem ligava importância à falácia torpe que, de eco em eco, estendia-se por todos os ângulos do seu país e fora dele, enodoando-lhe a reputação, a honra, o nome. Vivia feliz
no galarim* da fama de sua beleza, da sua opulência, dos fastos do seu viver... Que mais podia desejar? Não era a rainha da formosura e graça? Não era de uma opulência e luxo deslumbrantes? Não era o alvo da admiriração de um povo? Não tinha a seus pés os mancebos mais ricos, mais ilustres, mais formosos?... Que mais queria, pois? Ah! Somente ela o sabia, e as estrelas cintilantes a quem falava, em suas vigílias noturnas, quando uma voz do seu coração lhe bradava: - Quero vida!... Dá-me luz!... Dá-me amor!... - Estrelas, -dizia ela- não ouvis o reclamo do meu coração!... - Dai-lhe vida, sede o sol da sua noite... - Eu dar-lhe-ei o amor... Isto Deus me concederá. Madalena tinha evalve* o coração, indeiscente o seu amor. No círculo dos seus freqüentadores, distinguia-se, pelas suas formas elegantes e apurada cultura do seu espírito, um rico moço de "Kariotes", chamado Judas, já quase empobrecido pelas muitas e avultadas dádivas feitas a Madalena, que, mesmo no auge dos * adunar. (do latin adunare) V. t.d. Reunir, incorporar em um só, congregar-: * galarim. S.m. O ponto mais alto; a posição de maior evidência; auge;cu; fastígio. * evalve. Adj. Fruto que não se abre; indeiscente. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Romantio
deslumbramentos, no calor dos vinhos e das danças, não sentia, contudo, nas veias, nenhum assumo da concupiscência!... No entanto, Judas, entre todos, era o único que podia julgar-se feliz, porque Madalena lhe garantira que seria ele, um dia, o seu primeiro amante. Muitos dos seus adoradores, que se iam arruinando, desen-ganados dos favores da famosa Madalena, retrocediam... E os exemplos faziam recuar novos pretendentes. De modo que o seu séquito principesco já não passava de uma dúzia dos mais persistentes, o que em nada lhe era desagradável. Vítima de suas ilusões fagueiras, não sentia passar-lhe pela mente a idéia de casar-se. Era uma devoradora quase insolvável* de muitos apaixonados que, mais cedo ou mais tarde, tratariam de reivindicar direitos por concessões. Supunha que teria sempre de cair no rigor de uma justiça inexorável.
52 insolvável. Adj. Insolúvel, impagável. João Miguel da Fonseca Lobo
Capítulo II NAZARÉ SE PREPARA PARA FESTEJAR O SEU CENTENÁRIO. Na cidade de Nazaré, na Galiléia, preparavam-se para fazer uma grande festa, esplêndida, monumental, digna de figurar nos anais da história. Tratavam do centenário da fundação da florescente cidade. A concorrência devia ser enorme, até mesmo de gente de países limítrofes... Esta notícia, pois, espalhou-se, com insistência, por toda a Palestina. Maria Madalena não podia deixar, nem se esquivar de assistir a tão grande festa. Era preciso que lá fosse ostentar a beleza de suas formas, a grandeza de sua opulência e do seu luxo sem igual. O seu luzidio*cortejo acompanhá-laia... De fato, Maria Madalena, com o complemento das compleições de suas formas graciosas, mais formosa se ia tornando cada ano. Era a hebréia mais bela daquele
tempo..., a mais decantada, até mesmo em Roma, apesar da notícia que ali chegara de ser ela uma mulher perdida e insaciável na concubitância... O Imperador Tibério, velho e gasto pelas torpezas de sua vida desregrada, desejou adquirir Maria Madalena para o serralho* de suas fantasias. Escolheu um emissário de sua maior confiança e mandou-o incognitamente à Palestina, levando uma embaixada à formosa mundana Maria Madalena, pedindo-lhe, com encareci-mento, que o viesse visitar; que pagaria todas as despesas da viagem e ser-lhe-ia dadivoso; que por adiantamento, o embaixador lhe entregaria uma adereço completo de brilhantes, pérolas e * luzidio. Adj. Luzente, brilhante, nétido, polido. * serralho. S.m. Mulheres que habitam o harém; prostíbulo.
as e
-«t; 53 Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
pedras preciosas; que ficava esperando-a, certo de que não seria desatendido por uma mulher tão galante. Maria Madalena, num dia em que dava esplêndido festim, em seu magnífico palácio de Jerico, rodeada de seus adoradores, recebeu o embaixador de Tibério; fê-lo sentar-se à sua mesa e fazer parte do convívio delicioso. O romano, de alta categoria e do conselho do Imperador, não pôde deixar de maravilharse da opulência e do luxo de Maria Madalena, sobretudo da beleza admirável de seus modos encantadores e atraentes... Ficou certo de que ela podia, à vontade, empobrecer Tibério e Roma, porque ele, que tinha pelo dinheiro um aferro pouco comum, seria capaz de dar tudo o que possuía para merecer os favores daquela mulher incomparável... Depois do esplêndido festim, pediu a Madalena que lhe concedesse uma audiência particular, no que foi atendido. A sós, ele entregou-lhe o rico presente do Imperador e a embaixada, em pergaminho da melhor qualidade e mais alto preço, com o selo imperial. Maria Madalena recebeu com aprazimento o presente e a embaixada de Tibério, e guardou uma e outra coisa num riquíssimo escrínio, depósito de suas jóias, entre as quais o embaixador viu e admirou vários adereços de mais subido valor do que o do presente do Imperador e que eram iguais aos que a ornavam nesse dia de uma festa familiar. Para não demorar o emissário romano, que parecia ter pressa, Maria Madalena respondeu num pergaminho igual, agradecendo em frases doces, o presente e o convite régios, asseverando que se julgaria feliz se pudesse satisfazer de pronto tão honroso João Miguel da Fonseca Lobo
prdido. Mas, comprometida e empenhada para assistir a uma grande1 festa, somente depois lhe seria possível empreender viagem a Roma, o que não demoraria muito. Fechou sua missiva com selo de sua fantasia: um anjo de asas abertas. Verbalmente mandou agradecimentos a Tibério e a expressão de seu desejo de ver e falar com o Imperador: e deu ao embaixador, em lembrança sua, um bonito e rico anel... O embaixador agradeceu-lhe, penhoradíssimo, a preciosa oferta, encarecendo a sua beleza incomparável, os seus atrativos irresistíveis, suas afabilidades cativantes; e concluiu dizendo-lhe que seguramente Tibério dar-lhe-ía uma coroa, a de rainha da Palestina. Maria Madalena, em presença do emissário romano, leu a embaixada para seus comensais ouvirem, dizendo por fim: - A minha visita ao grande Tibério, Imperador de Roma, devo e hei de fazê-la acompanhada de todos os meus cortezãos: l'icum todos, desde já, prevenidos.
O assentimento foi unânime. O emissário despediu-se e fez-se de volta, sem saber, verdadeiramente, o que pensar na incom-paiável mulher... Achava que ela tinha mais as formas, os modos de uma rainha, de uma vestal, de uma donzela, no esplendor de sua beleza fascinadora, do que os de uma rameira opulenta. Depois, Madalena mostrou a todos o magnífico presente do imperador, como sinal das muitas dádivas que tinha que fazer, como dizia na mensagem. É de crer que a nenhum de seus adoradores fosse agradável o insólito convite de Tibério, menos ainda a tal viagem a Roma. Mas, nenhum tinha o direito de apresentar objeções, exceto Judas, . Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
que, a pedido dela, às vezes, apresentava-lhe inconveniências sobre perigos de viagens, por exposição ao sol, à chuva, à noite etc, não na efetividade dos seus desígnios, por que, nesse particular, ela não admitia insinuações: era soberana na sua vontade. Judas, a quem menos agradava a viagem, usando de sua atribuição, disse: - O convite não pode deixar de ter magnamidade; o passeio é excelente, as arras*- disse sorrindo- são convidativas. Mas, a viagem, isto é, a travessia é que é perigosíssima. Irei, porém bipartido, metade prazer e gosto, metade medo e confrangimento. Sou superticioso... Começarei a ter medo logo no péssimo porto de Jafa. E que direi do arquipélago? Ah!... é horrível!... Maria Madalena o escutava com toda a atenção e sem ar prazenteiro. Quando Judas calou-se, ela, formalizando-se, disse: - Não é medo do porto de Jafa, não é o arquipélago, muito menos a travessia, que deve ser um enlevo, que te fazem falar assim, Judas. Mas é o medo de Tibério, impotente e debochado. É o medo dos romanos que te avassala e acobarda a alma. Tens tido tempo demais, Judas, para me conhecer... Judas, o meu coração é invendível... A minha virgindade, inviolável, não há dinheiro que a possa pagar... Irei a Roma, como vou a Jerico, a Jerusalém. Quero exibir em Roma minha beleza, quero atrelá-la à minha liteira cie estores* - lâminas de ouro-de-varas de prata cinzelada e maçanetas cravejadas de diamantes e pedras preciosas. Quero encantar Tibério e tirar dele o jugo do nosso país que proclamará livremente o seu rei. Tudo isso, Judas, sem nada me custar senão sorrisos e acenos de mãos... * arras. S. f. pi. Garantia ou sinal de um contrato; penhor. 2. bens de dote garantido à esposa. * estore. S.m. Cortina para janelas ou carruagens que se enrola e desenrola por meio de mecanismo apropriado. João Miguel da Fonseca Lobo
Ca^ítuloJII MADALENA BRILHA NO DESFILE. O SEU ESTUCADOR A CONDUZ À CASA DO CARPINTEIRO JESUS, PARA ENCOMENDAR UM MÓVEL A cidade de Nazaré, situada quase no cimo do monte Carmelo, numa aba espaçosa para o nascente, é de uma vista muito agradável, cercada de casas, perto e mais longe, todas em terrenos culturados, e muito ajardinados. Era uma das mais belas cidades da C.aliléia, onde habitara a sagrada família de José, o carpinteiro, esposo da santíssima virgem e pai putativo de Jesus Cristo, e onde ainda viviam, na mesma modesta mansão, Maria e Jesus, mãe e 1'illio. Viúva aos 34 anos de idade, em toda a florescência de sua angélica beleza, não faltaram pretendentes, pobres e ricos, para desposá-la. Mas ela a todos respondia invariavelmente: - Não me casarei jamais, uma vez que tenho junto a mim o meu filho querido, de quem
não me separarei senão por morte, minha ou dele; e mais, porque jurei viver unicamente para Deus e as coisas santas: voto sempre respeitado por meu esposo, porque filho somente me foi ciado ter um... E assim, com expressões tão simples e tão profundas, sem desagrado e sem motejos aos pretendentes, a todos desenganava, rodeando-se de uma aréola* de respeito e veneração, para sempre... Jesus aprendeu com seu pai o ofício de carpintaria, consigo mesmo o de marcenaria e, com sua mãe, o que sabia das letras. A moral dela era a sua, os costumes, os hábitos, a mesma coisa. * aréola. S. f. Pequena área circular; halo. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
De seus trabalhos tiravam frugal subsistência e modesto vestuário e pagavam em dia os impostos a que eram obrigados por lei. A ninguém deviam e ninguém lhes devia. Tinham o cofrezinho das esmolas, que cuidadosamente mantinham mais ou menos prevenido. Era essa a vida pública de Maria Santíssima e Jesus Cristo, seu adorado filho, na bela cidade de Nazaré, nas pinturescas encostas do Monte Carmelo, pátria do profeta Elias. Antes da festa anunciada, Maria Madalena mandou um exímio estucador a Nazaré, alugar e preparar uma casa, para sua estada ali, em consoante com o esplendor que exigiam a sua comitiva e o seu luxo inexcedível... Maria Madalena ante gozava as delícias do seu triunfo, que devia ser soberbo! E falado na sua pátria e fora dela... De propósito deixou que se completasse a afluência de gentes de todas as partes, para, então, poder entrar na cidade toda engalhardetada; mandou aviso e escolheu a hora mais poética, mais amena das encostas e prados pinturescos... - a tardinha!... A sua recepção, movida por uma curiosidade espantosa, foi deslumbrante! A estrada de Jerico, até além da casa de Maria e Jesus estava orlada de homens e mulheres de todas as classes e condições, para aplaudirem a entrada da bela e afamada pecadora Maria Madalena!... De fato, eram bem merecidas as ovações, porque ela iria ser a estrela da cidade, o encanto daquela festa!... Judas de Kariotes, o mais guapo*, bem dizer, o seu preferido, era o que mais se aproximava dela, para dar-lhe a mão na cc subida ou descida do palanquim... * guapo..Adj.Corajoso, ousado, valente; 2- bonito, airoso. Joio Miguel da Fonseca Lobo
Por onde passavam, as flores se inclinavam para saudá-la, a brisa ia levar-lhe os seus aromas mais sutis, para acariciar-lhe meigamente o olfato... Sua entrada em Nazaré foi um verdadeiro sucesso! Jesus Cristo, que já a conhecia de nome e reputação, viu-a passar muito de perto, no esplendor de sua beleza, invejável pelas rainhas, ornada de cintilações, no empenho de deslumbrar, de perverter corações, e seus formosos olhos, ternos como uma harmonia, aljofararam-se de lagrimas, de pena e dor... Maria Madalena, que relanceava a vista para tudo ver, tudo apreciar, viu, de relance, aquele mancebo, de modesto trajo de opífice*, imensamente formoso, com os olhos rorejados de lágrimas, e sentiu que os estores virgens de seu coração se abriam para dar ingresso a um hóspede que, pela primeira vez, via tão de relance... Ela nunca amara, porque talvez duvidasse dos homens, aos quais continuadamente repetia, ao doce som de sua guitarra, este estribilho, feito por ela: - Vão-se os anos, quais dias ligeiros, Tais as paixões do peito do homem... Os olhares de amores fagueiros
São ledices* que os tempos consomem. Maria Madalena impressionou-se por aquele formoso mancebo, porém ninguém o notou, nem mesmo Judas, que ia mais achega-do e acompanhava seus olhares... Ela, de si para si, assentou de ir à casa modesta daquele mancebo-printemps*! -para vê-lo de perto e com ele falar... Necessitava de ouvir o timbre de sua voz, que se lhe afigurou ser melíflua, com o aroma sutil de uma magnólia: tal a impressão que dele teve. * opífice. S.m. Artífice. * ledices. S.f.pl. galantarias; gracejos, jovialidades, facécias. mancebo-printemps. S.m. (Hibridismo de realce) Muito jovem. Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
Chegaram, por fim, à casa, esplendidamente preparada pelo exímio estucador que entregou a Madalena a nota cie tudo. Neste ponto, as ovações retumbaram com mais entusiasmo: era um delírio!... Um velho hebreu de barbas brancas e aspecto venerando, gritou: - Isto já não é uma glorificação à beleza: é uma apoteose ao vício, à opulência, ao luxo!... - Maria Madalena ouviu e acenou-lhe com um sorriso tão doce, tão penetrante, que d velho ajoelhou-se e estendeu-lhe os braços!... Ela ficou satisfeitíssima, porque, numa cidade como Nazaré, era impossível fazer-se coisa melhor!... E muito admirou-se de um móvel feito de cedro, um boudoir portátil que lhe podia servir ali, e ser-lhe de máxima utilidade nas pousadas, no regresso para Jerico. Madalena indagou do estucador como tinha conseguido aquele móvel, tão primorosamente feito... O estucador respondeu-lhe: - Mandei-o fazer por um jovem marceneiro, a quem comprei estas artísticas tripeças, a conselho dele mesmo e para melhor cômodo de uma tão formosa e tão falada dama. Pagueilhe razoavelmente, e ele, com a máxima presteza, fez esta obra que em Jerusalém, talvez, não se possa fazer outra igual. - Realmente é um primor! - disseram todos. Madalena lembrou-se do jovem mancebo que vira, vindo, horas antes, em traje de marceneiro, na sua passagem ao entrar na cidade. "Oh! Se fora ele!" - disse ela em pensamento, e, falando perguntou: - E onde reside esse artífice sublime? - Um pouco arredado da cidade, porém perto, à beira da estrada por onde vieram ainda há pouco - respondeu o estucador. ,,::,,„„ - Bem, amanhã cedo guiar-me-ás até lá. Vou ver se ele poderá fazer, durante a minha estada aqui, uma cadeira para espre-guiçar-me e balançar-me ao mesmo tempo. João Miguel da Fonseca Lobo
57No dia seguinte, antes do almoço, Maria Madalena pediu ao estucador para ir guiando-a até à casa do artífice. Como era um passeio privado, somente a acompanhou Judas. Foram encontrar o moço artista, num trabalho de tornearia... Jesus Cristo tinha, então, 29 anos completados. Sua estatura era acima de mediana, todo seu corpo, bem conformado, seus cabelos, de um loiro aberto, crespos, repartidos em duas metades e caídos sobre os ombros, emolduravam-lhe a cara de barbas também loiras, lustrosas e bem tratadas; sua fisionomia, meigamente simpática, seus olhos, rasgados regularmente, cor do azul profundo do céu, expressavam uma doçura infinita, capaz de empolgar os corações de quem os olhasse... Jesus, vendo a formosa moça, apressou-se em mandá-la entrar, e também aos outros; e ofereceu-lhe assento em uma bonita e engenhosa tripeça, que forrou com um velo de cordeiro, bem alvo, cor de arminho. Sua voz, igual ao sutil perfume de redolente flor, infiltrou-se suavemente por todo o ser da formosa moça e incensou-lhe o coração, a
alma... Maria Madalena fitou-o e, pela primeira vez em toda sua vida, perpassou-lhe pela mente a idéia de casar-se, e ser com aquele jovem que tão bem se enquadrava no seu coração... - Mancebo, - disse ela - não sei se erro em chamar-te assim, como a um moço solteiro, vim aqui ver se é possível aceitares a encomenda de um móvel, com o primor do boudoir que fizeste para o estucador: é uma cadeira-espreguiçadeira. Mas é para estar pronta dentro de quatro dias, quantos podem ser os de minha estada em Nazaré. - Não erraste no tratamento que me dás. Sou realmente solteiro - disse Jesus. Aceito a tua encomenda e dar-ta-ei pronta antes de quatro dias, porque tenho algumas peças feitas que podem bem servir para esse fim. - Pois bem, mancebo, faze a cadeira: Do preço eu não farei questão. O meu nome é Maria Madalena. - Eu já conhecia este nome e agora tenho a felicidade de conhecer a formosa donzela que por ele se nomeia. Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticos
- E como sabes que sou donzela, mancebo, quando é pública, em toda a Palestina e onde meu nome é conhecido, que sou uma mulher de vida alegre, uma rameira, uma perdida? - Maria, - este é o nome de minha mãe - ontem te vi, quando passaste no teu rico palanquim, no meio do teu cortejo luxuoso e entre estrondosas ovações! O teu porte era de um anjo! A tua beleza, a de uma aurora, numa manhã primaveril!: Não podias ser... uma mulher perdida... E dos meus olhos res-sumbraram* lágrimas. - Eu também te enxerguei e vi os teus olhos rorejados. Qual é o teu nome, mancebo? -Jesus Cristo é o meu nome, mas, por fora daqui, sou mais conhecido por Jesus de Nazaré. - Disseste que tua mãe chamava-se Maria. E mora ela aqui? - Sim, minha mãe chama-se Maria. E esta casa é dela e onde mora. - Eu quisera conhecê-la para ver a fonte maravilhosa que te deu formas tão belas e voz tão dulcíssona*. Judas, com estas palavras de Madalena, sentiu o que nunca sentira, ciúme!... Madalena não percebeu, porém Jesus conheceu o despeito do opulento moço. - Vou buscar minha mãe para satisfazer o teu desejo, Madalena, disse Jesus e entrou. Judas disse: - É bom que não haja mais demora aqui. -Judas, - replicou Madalena - a que vem isto? Será a título de censura? Nunca outorguei esse direito a ninguém... Espero que seja a primeira e última vez que te arrogues a semelhante ousadia. Judas emudeceu, porque o olhar de Madalena foi muito imperativo e severo. *réssumbrar. O mesmo que ressumar. V.t.d.e int.deixar cair gota a gota; gotejar; destilar, fig. Deixar-se ver; patentear-se. * dulcíssono. Adj. melodioso, que soa docemente. João Miguel da Fonseca Lobo
Maria de Nazaré, mãe de Jesus, estava acabando de preparar o almoço, quando seu filho, achegando-se a ela, disse: - Minha mãe, a afamada Maria Madalena está aí e quer verte. Fez-me encomenda de uma cadeira: foi o pretexto para vir aqui... É, como te disse, uma donzela muito formosa! O seu porte não me enganou. Vou empregar todos os esforços para arrancá-la das garras aduncas dos milhafres que a perseguem e espreitam. Um desses, talvez o mais impertinente, a acompanha. Vai vê-la e faze por subtraí-la das vistas do tal milhafre, que ela poderá dizer-te se é ou não como eu penso.
Maria, mãe de Jesus, tinha 49 anos de idade. Pelos anos, já era velha. Mas, sua formosura ainda tinha atrativos admiráveis. À vista dela, Madalena era forçada a decair um pouco cie sua categoria da mais formosa mulher... Maria de Nazaré, em jovem, fora, evidentemente, mais bela do que era Madalena... Maria saiu e, ao se avistarem, as duas mulheres como que se atraíram uma para a outra!... A riqueza do luxo de Madalena formava um verdadeiro contraste com a simplicidade do traje modesto da mãe de Jesus. Madalena não vacilou e, aproximando-se dela, beijou-a... Maria de Nazaré não retraiu se, deixou-se beijar e beijou também as faces - lindas pétalas iriantes de Madalena, que se inebriou!... Maria saudou Judas e o estucador com palavras amistosas, repassadas de uma tristeza profunda, como que antevendo em Judas um inimigo de seu filho. Madalena deu à mãe de Jesus o motivo de sua vinda ali. Maria respondeu-lhe: - É do que vivemos... Meu filho trabalha continuamente para dar conta das encomendas que lhe fazem. ,}í - Sim, - disse Madalena - é porque os seus artefatos são primorosos. É pena que ele não procure realçar-se em centros Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos
. populosos, como em Jerusalém: faria a admiração do mundo e, bem depressa, tornar-seia rico. - Mas ele não quer, ou direi melhor, não pode ainda deixar a casa materna. Ele pensa em percorrer toda a Palestina e, para isto, está se preparando -disse Maria-. - Sim, - disse Jesus, delineando um riso divino - somos pobres e, pois, me é preciso primeiramente, juntar meios suficientes para a subsistência de minha mãe e então poder sair para longe e até mesmo para Jerusalém. É por isso que trabalho dia e noite. - Até à noite? - perguntou Madalena -. - Eu, -disse Jesus- divido o meu tempo em três partes: de manhã até à tardinha, trabalho na minha oficina; daí até ao crepúsculo, tomo minhas meditações; e uma parte da noite para estudar as escrituras. O resto me é absorvido pelo sono. - Tu falas em meditações, podes dizer-me em que consistem elas? - Consistem - respondeu Jesus - na contemplação das belezas do universo, tão esquecidas pelos homens, principalmente nas perspectivas pinturescas da Palestina, nossa pátria. - Mas como, se daqui pouco ou quase nada se vê? - redarguiu Madalena. - Eu - disse Jesus - tenho meu lugar predileto, de onde avisto até os mais semotos*horizontes... Quando o sol descamba para o Ocidente e a sombra daquele cume cie monte, - e apontava com o dedo - refresca as faldas e cobre as encostas, lá vou eu para minhas meditações. - O caminho até lá é de ascenção perigosa? - perguntou Madalena. - Não é, e até, por ser bem trabalhado, facilita a ascenção -respondeu Jesus. - E tu, Maria, - perguntou Madalena - já tens subido até lá? - Quando as forças me permitiam, - respondeu Maria - eu sempre ia até lá. Há muito, porém, não o posso fazer. * semoto. Adj. Remoto, afastado, distante. João Miguel da Fonseca Lobo- E é defeso*, Jesus, a um profano lá ir? - perguntou Madalena. - Não, para a formosa Madalena e para os que a acompanham - respondeu Jesus. - Pois bem, - disse Madalena - quero ir lã. Amanhã à tarde hei de vir para ver o trabalho da cadeira e fazer a ascenção ao teu lugar predileto. - E, virando-se para Maria, mãe de Jesus disse:
- Maria, deves ter jardim. Queres mostrar-me? - De muito boa vontade mostrarei. Vem comigo! E seguiram para o lado de trás, onde era o pequeno, mas lindo jardim de Maria. Judas estava enciumado...e, com astúcia, procurou insinuar-se no espírito de Jesus, admirando os seus trabalhos e dizendo-se invejoso de sua vida tranqüila e plácida. Madalena, a sós com a mãe de Jesus, disse: - Maria, tu és uma mulher admiravelmente pulcra*! Ficaste viúva somente com um filho; e por que não te casaste uma segunda vez? Juro que, moça e bela como eras, devias ter centenas de homens aos teus pés; podias escolher um, mais do teu agrado. - Eu, Madalena, nunca pensei em casar-me; tinha feito voto de permanecer em perpétuo celibato. Mas, como eu não tinha vontade discricionária, a minha família me fez desposar um homem pobre, porém honesto e probidoso*, um oficial de carpintaria... - Pela graça de Deus, tive um filho único, que é Jesus. Há 15 anos morreu meu esposo e, então, como era livre a minha vontade, aviventei o meu voto... Diziam que eu era muito formosa... * defeso..Adj. Proibido, vedado, impedido. * pulcra. Adj. Gentil, bela, formosa. * probidoso. Aclj. Probo, de caráter íntegro. Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica- Oh! Como devias ser! - interrompeu Madalena. - E, para uma segunda união, não faltaram solicitadores. Porém, além de meu voto perpétuo, a isso ainda se opunha a companhia do meu filho querido. E mesmo, Madalena, uma viúva não deve mais nunca se casar, porque em regra, o amor dos cônjuges pertence o do marido à mulher e o cia mulher ao marido. Se morre um, leva o que lhe pertence. Neste caso, que amor fica à viúva para dar a um novo marido? O amor não é bipartível, e o casamento sem amor, Madalena, é um inferno. - Tuas premoções, Maria, me convencem e me dão ensejo de dizer-te que até ontem ao entrar nesta cidade, o meu amor nunca pertenceu a ninguém: posso jurar-te isto que acabo de te dizer. Tenho sido uma vaidosa, sempre gostei de galantarias, da opulência e do luxo, vivo de contínuo acompanhada por um cortejo de moços ricos, pretendentes ao meu amor ou às minhas belas formas, que têm feito correr aos meus pés rios de dinheiro. Mas, como minhas formas são os vestidos cio meu coração, e o meu coração é o escrínio* do meu amor, formas, coração e amor somente podem pertencer a um dono e esse dono não pode ser nenhum destes pretendentes que me acompanham, inclusive este impertinente que não me deixa. O meu coração é puro, Maria, o meu amor ilibado, o meu corpo virgem... Pelo modo delicioso porque tenho levado a vida, o mundo me tem caluniado, e, para a voz pública, não passo de uma meretriz dissoluta... Porém um dia virá e talvez não esteja longe, em que desmentirei o mundo e farei emudecer a voz pública, vivendo unicamente do meu amor e para o meu amor. O teu filho, Maria, me chamou donzela e deu-me o nome de anjo!... Como pode ele adivinhar que sou donzela? Acaso será Jesus um sapiente? - O meu filho, Madalena, tem ilimitados conhecimentos do mundo e das coisas.
* escrínio. S..m. 1. Escrivaninha 2.Pequeno cofre estofado de guardar jóias; estojo. João Miguel da Fonseca cobo. Traços RomântMadalena
sentiu, ao ouvir estas palavras, imensa satisfação, porque, neste caso, Jesus teria compreendido que ela o estava amando. Voltando à sala, Madalena disse: - Retiro-me, Maria, porque o dia já vai alto e é preciso dar lugar a Jesus para que dê começo à fabricação de minha encomenda. Amanhã à tarde estarei de volta aqui.
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traças
Capítulo IV
DIÁLOGOS NA CASA DE NAZARÉ E NO MONTE DAS MEDITAÇÕES Maria Madalena, a moça galante que irradiava alegria, tornou-se seriamente preocupada, às vezes meditativa e mesta*, e para esquivar-se aos prazeres e gozos da festa, declarou
aos seus adula-dores que estava incomodada e fechou-se no seu mimoso boudoir. Somente Judas, entre todos, sabia qual era o incômodo da formosa Madalena... E, desde esse dia, concentrou um ódio terrível contra Jesus... De manhã, Madalena, que tinha, durante a noite, arquitetado mil palácios magníficos e escolhido o melhor e mais de seu agrado para nele viver com Jesus, somente para ele e ele somente para ela, num todo ínsito*, sem lembranças de gozos e fruições da carne, porém unicamente em afetos puros da alma, declarou que estava melhor, mas indisposta para sair... O dia passou-se-lhe moroso e quase sem atrativos às galantarias que lhe eram prodigalizadas pelos de seu cortejo e pelos demais que lhe vinham visitar e admirar as belezas de suas formas e os esplendores de seu luxo incomparável. À tarde ela se fez acompanhar pelo estucador e por Judas, que também quis ir, como prometera a Jesus... E lá se foram os três por uma única via, porém cada um para extremos inteiramente diversos! Um enigma!... * mesto. Adj. Que causa tristeza; triste, melancólico. * ínsito. Adj. 1. Inserido; introduzido. 2. congênito, inato.
Madalena transportava-se para um céu delicioso de seus amores nascentes... Judas caminhava para um báratro de cripta tenebrosa, onde fervilha toda a sorte de tormentos que nascem do ciúme... E o estucador ia levado para o mundo dos cálculos do interesse... Encontraram Jesus acabando de dar lustre à magnífica e primorosa cadeira, que estava pronta. Madalena não pôde deixar de expressar um "oh!" de inter-jeição agradável... -Já pronta a cadeira, mancebo? - perguntou ela. Há magia no teu ofício? - Em todos os meus atos, formosa Madalena, - disse Jesus -há mais do que magia, há fé. Eu já tinha a maior parte das peças da cadeira prontas para qualquer encomenda de urgência... Eis a magia a que todo opífice deve recorrer. Hoje mesmo, quando voltares, podes mandar levar a cadeira. - Não, - disse Madalena - ela ficará aqui até que eu volte a Jerico. Lá é que terei de usála, porque, somente em Jerusalém, poderei conseguir borrainas* e teliz* em consoantes com o primor da cadeira... O pagamento, porém, faço agora mesmo. - Não há tempo para isto, Madalena, deixa-o para quando voltarmos da ascenção ao monte - disse, meigamente, Jesus. - Pois bem. Então, Maria quarda o meu cofre. E mandou o estucador, que o trazia, pô-lo sobre uma mesinha. - São 4:30h. Às 5:00h estaremos na minha muxara predileta - disse Jesus. Subia-se ao monte por taburnos* de madeira, com alguns planos para descanso, feitos por Jesus. Madalena subiu rindo-se, pela facilidade da ascenção. João Miguel da Fonseca LoboRomânticosicos
* borraina. S.f. Almofada interior dos arções das selas. * teliz. (Do latim trilix) "Tecido em três fios", Catr. do árabe tillis). S.m. Pano com que se cobre a sela dos equídeos ou das montarias. * taburno. S.m. Degrau, estrado, supedâneo.
A muxara de que falava Jesus era um desvão natural feito num rochedo abrupto, rente a uma aresta, formando dois planos. Cada um dos dois pequenos planos estava semeado de formosos arbustos rurígenas* a que chamamos crótons, regados por tênues fios d'água manada do penhasco. Madalena admirava tudo aquilo com deleite inefável e assentou-se, por um momento, no mesmo lugar das meditações de Jesus... Dali se via bem até os mais semotos* horizontes, do Norte, do Nascente e do Sul. Madalena regozijava-se e embevecia-se com a bela e poética explanação que lhe fazia Jesus: - Vê Madalena, para o Norte, os Montes Líbanos, cujas abas nemorosas e ridentes têm tecido centenas de cidades com os seus cedros preciosos. Mais para cá, ao lado daquela
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços R
serrania desnuda de Neftali, os lagos de Merom, de Genesaré, à cuja margem oriental divisa-se a minha simpática Cafarnaum. Vês aquela cinta verde-escura, que em ziguezague, sai daquele lago e se estende para o Sul? É o benfazejo Jordão que vai formar o Mar Morto, onde, nos tempos abraâmicos, floresceram as cidades ímpias e dissolutas de Sodoma e Gomorra e, além, está o Monte Nebo, onde morreu Moysés. Mais para trás, os Montes e os formosos campos de Galaad, onde florescem Jubés, Gerasa e Manaim. Para cá do Jordão, no fim do horizonte, para o Sul, estão Bersabé, Gerar, Hebrão e Engadi, nos Montes da Judéia e no lago Asfaltito. Mais para cá Belém, onde nasci. Depois, o Monte Formoso das Oliveiras, onde está Betânia e onde nasce o Cedron. E no sopé aposto*, ostenta-se, como uma fábula, a cidade, por eufonia, santa, a Jerusalén dos Herodes, hoje súdita dos Césares!... Para um lado, Jerico, a cidade das belas rosas que nunca fenecem. Para o Nascente, cujo horizonte encerra uma saudade, está o berço da humanidade, de Adão e Eva... Mais perto daqui, os montes da Samaria, onde demora Siquém. ••* rurígena. Adj. Relativo ao campo, pessoa nascida no campo, natural do campo. * semoto. Adj. Afastado, distante, remoto. * aposto. Adj. Que se apôs; posto sobre; adjunto, acrescentado, aumentado.
- Mancebo, - disse Madalena - tudo isto que daqui se vê é duma perspectiva admirável e, explicado por ti, encantador! É pena que não se possa descortinar também o Ocidente! - De cima deste penedo pode completar-se o quadro. Podemos subir até lá, também por uns taburnos que fiz nessa sinuosidade do penhasco que vês à direita. - Então, vamos subir! - convidou Madalena - e todos subiram. A celagem* do céu poente assemelhava-se a um vasto docel, de onde chuviscavam gotas aurícomas por toda aquela terra úbere que se perdia da vista... - Vês como tudo isto é belo, Madalena!?... - Oh! Jesus, tudo isto arrebata e encanta!... Quão feliz fui em ter vindo a Nazaré e ter tomado conhecimento contigo!... - Olha, Madalena aqui perto, quase a beijar a raiz deste monte passa o mar interior que margina tocla a Palestina e a Fenícia e dá impulso às suas belas cidades: Na Fenícia-Acre, Trípole, Bibjos, Berytos, Sidônia, Serapta, Tyro!... E na Palestina-Ptolomaida, Cesaréia, Jope, As-calão, Gaza! Ao de lá do mar: Mésia, Trácia, Macedônia, Tessália, Epiros... Na Grécia, florescem ainda Ciências e Artes... Na Europa, Roma, a rainha do mundo e rainha da devassi-dão e dos crimes, domina tudo!... Para o Sul, além da curvatura do mar, é a África, onde floresce o Egito, pátria dos faraós, de onde vieram os nossos antepassados, trazidos por Moysés... Para o Norte, é Germânia, Gália, Rússia e muitos outros países... Tudo é pinturesco, não achas? - Oh! Imenso, imenso! - disse Madalena - Ah! Se eu pudesse estar sempre vendo vistas tão aprazíveis, teria muito prazer, julgar-me-ia muito feliz.
João Miguel da Fonseca Loboomânticos
* celagem. [Do espanhol celaje, ou do latim celu] S. f. A cor do céu, ao nascer e ho pôr do sol; cariz.
- Isto não é custoso, Madalena - disse Jesus. Se quiseres eu te pintarei um quadro ou painel grande onde podeias vei coisas muito mais lindas, muito mais aprazíveis, onde os montes sejam de cristais e as florestas aurícomas e úberes de flores e corimbos auríferos... Um céu ou uma uranologia e, no centro, a figura de um anjo, em forma de mulher, que serás tu. - Oh! Se quero! E quero que seja logo! - disse Madalena expressando-se do modo mais encantador que se pode imaginar numa mulher!... - Eu estava disposta a ir a Roma, para exibir-me por lá, na opolência de meu luxo e nos atrativos de minha beleza!... Mas, agora já não quero mais ir lá... e não irei. Antes de vir para a grande festa de Nazaré, recebi, no meu palácio de Jerico, um romano, embaixador de Tibério, trazendo-me uma mensagem, na qual o velho Imperador me convida, com instância, para ir fazer-lhe uma visita, correndo por conta dele todas as despesas da viagem; que me seria muito dadivoso, em sinal do que mandou-me de presente um adereço completo de brilhante e pedras preciosas... De sua parte, o embaixador empenhou-se muito, para dispor-me a ir ver Tibério e receber dele uma coroa de rainha,
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Romântic
para que eu fosse gozar um pouco as delícias de Roma e ofuscar as decantadas belezas romanas e para desbastar os grandes montões de ouro e Iraxer repletos os meus cofres... Eu respondi a Tibério e prometi ao embaixador que, quando voltasse de Nazaré, lá iria ter. - Madalena, - disse Jesus - o que te ofereceram e uma coisa que se pode chamar excesso de felicidade... Uma corna de Rainha, cofres repletos de ouro formam a excelsitude material. Não achas? — Acho que é muita coisa, mas acho, lambem, que não é tudo, - respondeu Madalena. - E que falta mais, Madalena? - perguntou Jesus - Nada mais me falta, porque o que me faltava vim encontrar em Nazaré, assim o julgo disse ela, num riso de inebriar. - Então, faltas ao teu compromisso? Não vais a Roma? -perguntou Jesus. João Miguel da Fonseca Lobo
- Jamais irei lá. Justificarei o motivo e espaçarei o compromisso - respondeu ela. - E fazes bem, Madalena, porque evitas que façam por ti uma guerra, como outrora, fizeram por Helena, em Tróia! Judas sufocava-se!... Um ciúme feroz torturava-lhe o coração... - Madalena, - disse Jesus - como te fiz ver, Roma é rainha do mundo, cia devassidão e dos crimes. E Tibério é o seu imperador!... Que mais falta para o complemento do mal? - Mas, Roma não é infalível, porque infalível somente há uma coisa, a verdade... Roma falirá um dia, porque é o erro... E é com os escombros do mal que se fabricam os taburnos do bem... Além dos domínios de Roma, para lá há outros mares, outras terras desconhecidas, rodeando o mundo, até fechar o círculo, para equilíbrio do planeta... E que coisas por lá não haverá, Madalena? - E se o nosso mundo é redondo, Jesus, onde se sustenta ele? - perguntou Madalena. - Sustenta-se sobre si mesmo. Uma grande força de atração ou centrípeta o envolve por todos os lados, com igual intensidade. Daí o seu equilíbrio no espaço. São coisas grandes essas, Madalena! A par delas, Roma com todo seu poderio, Tibério com todo o seu requinte de torpezas, não passam de micróbios pesti-lentos. É, pois, justo que fujamos deles; e bom que empreguemos meios enérgicos para combatê-los... De mim, direi que estou pronto para desempenhar bem o meu papel... Desçamos! - disse Jesus. E desceram à aresta da muxara. Madalena, pela graciosidade de sua alegria, encantava-se, dizendo: - Quanto, ó Jesus, estimaria eu, que tenho tanto dinheiro, mandar fazer aqui um palácio magnífico, onde, sem intermitência, poderia ver essas perspectivas pinturescas, olhando esses horiJesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Rozontes, e, dentro do palácio, vendo outras ainda mais belas, no quadro excelso que vais fazer para mim! - Ao lado deste penhasco, Madalena, como em nenhuma outra parte da terra, poderás encontrar um lugar adequado para fazer nele o teu palácio, a tua habitação... Mas, quero oferecer-te um lugar, isto é, um mundo digno de que nele edifiques o teu palácio, e o habites jubilosamente e para sempre - disse Jesus. - E que lugar é esse? Onde está esse mundo? - perguntou Madalena. - Esse mundo Madalena, é feito de amor, é o meu coração. Nele poderás edificar o teu magnífico palácio, somente com elementos de amor, e nele habitares eternamente gozando delícias e felicidades supremas. Vê se o aceitas! -Jesus galanteava!... - Oh! Se o aceito! - respondeu ela - E quando poderei dar começo à edificação de meu palácio? Elementos de amor tenho de sobra! - disse Madalena exultando. - Breve, Madalena. Dar-te-ei aviso - disse Jesus, num sorriso de enlevar, divino!... Judas teve ímpetos de precipitar-se sobre Jesus e despedaçá-lo de rochedos abaixo... A declaração de amor que Jesus acabava de fazer a Madalena, de um modo tão romântico, era por demais clara, e que ela correspondeu com inteiro aprazimento, não
merecia dúvida... Mas Jesus olhou-o com uma doçura infinita e, de repente, aplacou-se a tempestade que ia levá-lo em remoinho. Jesus não galanteava... guerreava o mal, e acabava de obter uma vitória esplêndida..., o coração da formosa Madalena. O seu exemplo arrastaria, após si, um séquito muito maior do que o dos adoradores de sua beleza. tí Ao chegarem à casa de Maria, que os esperava com serenidade, Madalena aproximou-se dela para pedir-lhe o cofre do dinheiro. Maria prontamente o entregou, perguntando: João Miguel da Fonseca Lobomânticosos- Gostaste do passeio? - Oh! Se gostei!... e pude ganhar o infinito. Eu já não tenho mãe! - disse Madalena. Gostarias, ó pulcra Maria, de a substituir? - O meu desejo, Madalena, - disse Maria - foi sempre de ser a mãe de toda humanidade... Servir-te-ei, pois, de mãe! - Oh! Maria, estou tão satisfeita! Sinto-me tão alegre! Tão Feliz! Tirou do cofre uma porção de dinheiro e pô-la sobre a mesa, chamou Jesus e disse: - Não te pergunto, Jesus, qual é o preço do teu primoroso trabalho. Em pagamento, porém, quero deixar-te este dinheiro. Judas mordeu os beiços... Jesus disse: - Sim, não devo recusar a tua oferta. Aceito-a. - E, tirando o valor do trabalho, com um sorriso angélico, disse ainda: Este é o custo intrínseco da cadeira e fica comigo. Este outro dinheiro, Madalena, leva-o para distribuíres em casamentos de algumas donzelas deserdadas. - Com íntimo prazer fá-lo-ei, Jesus, e quando eu vier, brevemente, dar-te-ei contas. - Não venhas, Madalena, porque não me encontrarás em casa. Tenho que sair e percorrer a Palestina para ler aos homens o livro que tenho escrito nas páginas do ternpo, páginas que representam séculos. Espera-me, porém, em Betania, em casa do teu irmão e de tua irmã. Ali, quando eu for a Jerusalém, irei ver-te. 444
Judas não sabia o que fazer; viu-se forçado a silenciar o caso, mostrando-se satisfeito, e até mesmo elogiando Jesus.- era o mais conveniente. Portanto, antes de saírem, disse: -Jesus, os teus conhecimentos são vastos, belos, profyp-dos! O teu livro deve ser maravilhosamente monumental!... Eu gostaria de ouvi-lo... E como tive esta ocasião de conhecer-te, Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judpeço-te que me inscrevas no rol dos teus amigos e admiradores. Estou agora bem certo de que não é somente a opulência, o ouro que pode enaltecer o homem e fazê-lo feliz. - Judas, no catálogo dos meus amigos, terás um lugar -disse Jesus. O estucador acabava de passar como que por uma noitada de sonhos deliciosos!
76 Capítulo V
João Miguel da Fonseca Loboai
MADALENA DEIXA A VIDA DE GALANTARIAS E VOLTA À CASA FRATERNA DE BETÂNIA PARA ESPERAR JESUS Maria Madalena voltou para Jerico, sem exibição. Foi uma viagem rápida, quase sem descanso. Logo que chegou, fez uma alocução a seus adoradores dizendo-lhes: - Meus senhores, Maria Madalena entrou numa fase nova!... A minha vida de galantarias e divertimentos passou. Vou mudar-me presentaneamente* para Betânia, onde não os receberei. Poderão ver-me no Templo de Jerusalém, do qual me farei freqüentadora... Sem olhar a prejuízos, vou expor à venda este magnífico e luxuoso palácio com todos os móveis, menos o boudoir e a cadeira que eu trouxe de Nazaré. Não lhes peço desculpas, porque tudo quanto fizeram, com relação a mim, foi voluntariamente. Se alguma vez, por
inadvertência minha, lhes causei pesares, disto peço perdão, assegurando-lhes nunca ter havido propósito de minha parte. Um dos apaixonados de Madalena, sabendo do gosto que ela tinha por seu magnífico palácio, quis sacar uma letra para um futuro, talvez próximo, e por isto disse: - Madalena, levarás a mal que eu queira ficar com o teu palácio? Tenho dinheiro para pagar-te o valor em que ele te está. Terei muito prazer de vir habitá-lo, porque, ao menos, tudo me falará de ti... As douradas abóbadas poderão repetir os ecos de tuas doces palavras, o ambiente, os sons melífluos do teu violino e poderei respirar as mesmas auras que tu respiraste.
77 * presentâneo. Adj. 1.momentâneo, rápido. 2. Eficaz, eficiente. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços
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- Não há nisto, para mim, - disse Madalena - nenhum inconveniente e hoje mesmo podemos efetuar o negócio. Tenho uma ementa de todos os gastos. - Manda, pois - disse o pretendente - chamar o notário público, para amanhã lavrar a escritura, enquanto vou a Jerusalém trazer o dinheiro. - É bom assim - disse Madalena -, porque, em saindo daqui, não terei mais cuidados, para estas bandas. Maria Madalena disse, em particular, para Judas: - O meu prometimento poderá reviver, se por acaso, a sorte me expulsar da fase em que me acho. Mas, neste caso, Judas, não serei nunca tua amante, porém, sim, tua mulher. Judas sentiu um alento novo, uma esperança prometedora... Dois dias depois, Madalena chegava, a pé, acompanhada por uma criada, à casa de seus irmãos Lázaro e Marta, em Betânia. Foi bem acolhida, pelo modo porque viramna chegar... E, quando Madalena lhes contou tudo que se dera na sua viagem a Nazaré, até o presente que recebeu do coração de Jesus, para nele fazer sua morada e da resolução que tomou de deixar por completo a vida de galantarias, deram louvores a Deus por um fenômeno tão admirável, qual o de ter Madalena achado um homem que lhe prendesse o coração. Ficaram certos, pelo que lhes disse a irmã, de que sua virgindade estava impoluta e aceitaram de coração o futuro casamento dela com Jesus de Nazaré, bem como o encargo de ajudá-la na distribuição de todos os seus haveres com os necessitados, não esquecendo de procurar donzelas deserdadas para dotá-las em casamento. João Miguel da Fonseca Lobo
A transição porque passou Madalena deu que pensar a toda gente, onde era conhecida sua vida de devassidão e de luxo... E quando, em Jerusalém, onde ela sempre deslumbrou, viram-na a pé e em trajes modestos, o assombro foi geral e estupefaciante! - Que motivaria tal mudança? - perguntavam todos. Seus adoradores, inclusive Judas, nada diziam, para que o público não os apupasse, por terem encontrado um concorrente quase aldeão que os desbancou a todos. Jesus Cristo e
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Capítulo VI MADALENA PREPARA PRISCILA E JOANA PARA CONHECEREM JESUS Havia em Jerusalém, duas romanas muito amigas. Eram Porçula Priscila, formosa dama patrícia, mulher de Pôncio Pilatos, e Joana, igualmente formosa, também patrícia, mulher de Gusa, empregado do fisco, por nomeação de César, e muito amigo de Pôncio. Essas damas, que tinham sido eclipsadas por Madalena, em beleza e luxo, alegres com o caso, e curiosas para saberem a razão de tão intempestiva e estranha mudança,
assentaram de procurar Madalena e com ela falar sobre o assunto, a fim de obterem a verdade sobre tantas versões que corriam. De fato, um dia, Joana vendo passar Madalena para o Templo, lá foi a conversar com ela. A interpelada não recusou-se a dizer-lhe tudo o que lhe ocorrera com Jesus, em Nazaré, e do seu próximo casamento com ele, pois já era dona do seu coração. Dali, a sua mudança. Asseverou-lhe que nunca tinha sido uma meretriz, como a voz pública a alcunhava, que era virgem e que seu adorado Jesus conhecera que ela era ainda uma donzela. - Realmente, - disse Joana - esse Jesus deve ser um homem superior em tudo, belo demais para cativar-te o coração, e sapien-te para conhecer as coisas ocultas! Eu gostaria muito de vê-lo e certamente a minha amiga Porçula Priscila. - Ele não tardará muito em vir a Jerusalém: assim me afirmou, e prometeu-me de pernoitar em nossa casa, em Betânia. Se quiseres, eu te avisarei quando ele chegar e farei com que tu e essa tua amiga possam vê-lo e até falar-lhe. - Eu quero, Madalena, e de antemão te agradeço, por mim e por minha amiga. João Miguel da Fonseca Lobo
Priscila e Joana tinham se casado por interesse de família, e não por amor... Joana tinha dinheiro, porém, não era patrícia; e como Gusa era patrício, e havia muita nobreza em ser patrício, o pai dela conseguiu fazer-lhe o casamento com o patrício. Priscila era patrícia, formosa e rica. Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judaica, Traç
Capítulo VII
TIBÉRIO, UM "IMPERADOR" VEJETE, RIDÍCULO E REPUGNANTE Tibério, imperador romano, para gozar mais comodamente dos prazeres de sua vida dissoluta e torpe, entregou o governo do império a Sejano, em quem depositava inteira confiança, e mudou-se para a ilha de Capréa, perto de Nápoles. Duma constituição que não se alquebrava de toclo, o corrupto Imperador, não podendo mais dispor e usar de satiríase* nos membros, comprazia-se em ter consigo muitas jovens formosas, para vê-las tripudiarem nuas, ora a se masturbarem e ele por entre elas, a beijálas e apertá-las nos braços descarnados, no ato ou momento das delícias sublimes das ejaculações espermáticas, ora pondo-as num tribadismo* fremente, umas galãs, outras fanchonas*, e ele fazendo-se de tribômetro*, todo pressuroso, a examiná-las, e cuidadosamente azeitando-as, até ao termo das contrações espas-módicas e de cujos ressumbros*, nesse trabalho meretrício, tornava-se um glutão esfaimado, no intento de revigorar os seus velhos membros amolecidos!... Era o requinte do deboche incurável do velho fescenino* e chacarreiro Imperador de Roma! * satiríase. S.f. (Psiq.) Exaltação mórbida do impulso sexual masculino. * tribadismo. S.m Vício de tríbacle; homosexualismo feminino, que consiste no esfregamento recíproco dos órgãos genitais; safismo; lesbianismo. * fanchono. Adj. Pederasta ativo. *-tribômetro. S.m. Aparelho para medir a força do atrito. "ressumbros (De ressumbrar - ressumar) S.m. Ato ou efeito de gotejar, destilar, ressudar. * fescenino. Adj. Burlesco, obsceno, licencioso. João Miguel da Fonseca Lobo
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Tibério conhecia Porçula Priscila e muito a cobiçava, porém a bela moça fugia sempre dele. Pôncio Pilatos, noivo apaixonado de Priscila, sabia disto. E, como desejava ser governador de uma província rica, foi, na qualidade de noivo de Priscila, pedir a Tibério, em Capréa, para ser nomeado governador da Judéia, cargo que ia vagar. O imperador, vejete* ridículo e repugnante, disse a Pôncio Pilatos: - Casa-te com Porçula e, na mesma hora, traze-a aqui, sem tocar-lhe na virgindade. Somente assim, far-te-ei governador da Judéia... Daqui mesmo irás para Jerusalém, primeiro sozinho, para preparares as coisas por lá, consertares o palácio onde terás de morar. Depois mandarei deixar Priscila, com as honras devidas a uma Rainha, porque, hei de
depor Herodes e nomear-te-ei Rei de toda a Palestina, apenas tributário do Império Romano. Isto mesmo podes dizer a Priscila; e mais, que a coroa de Rainha será solenemente por mim a ela oferecida. Pôncio Pilatos, ambicioso em demasia, conheceu, perfeitamente, a condição tácita do custo de sua nomeação e, com a promessa de chegar a ser um rei, aceitou tudo de muito boa vontade. Voltou a Roma, conversou com Priscila, a quem tudo contou, menos de ficar ela em Capréa, salientando o futuro reinado que Tibério lhe garantia; que, portanto, convinha casarem-se logo, para, sem perda de tempo, ir ele tomar conta do governo em Jerusalém, no que concordaram os pais de Priscila; que na ida, iriam, por Capréa, despedir-se de Tibério, e dar, ela - Priscila - os devidos agradecimentos ao velho Imperador. Não demorou, pois, o casamento. A lua de mel iriam gozar em Jerusalém... * vejete. S.m. Homem velho e ridículo ou mal vestido. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticos
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Priscila, não podendo pensar que acabava de casar-se com um vil ambicioso, nacla receou de passar por Capréa... Mas, uma vez ali, Tibério ordenou as coisas cie modo muito diverso do que pensava a formosa Priscila... A infeliz moça teve que ficar em Capréa, separada do marido e sujeita a todas as torpezas cio velho corrupto e corruptor... Para livrar-se dos tripúdios, masturbações e tribadismo, em concorrência com as demais jovens do harém tiberiano, prestou-se a dormir com ele no mesmo leito e suportar as carícias torpes e nojentas cio velho repugnante e impotente, felizmente... Dias de amargas torturas para uma jovem como Priscila, pudibunda e casta... Somente depois cie um ano, e a muito rogo de Pôncio Pilatos, Tibério mandou deixar-lhe a mulher que não mais o amava, porque, em Capréa, o próprio Tibério lhe tinha revelado o contrato que fizera com o marido... Eram essas as duas mulheres que se fizeram amigas de Maria Madalena, a beleza cia Palestina. os RomânticosMaria Madalena - Lenda Judaica. T
João Miguel da Fonseca Lobo
Capítulo VIII JESUS ANUNCIAVA O "REINO DO CÉU E A REDENÇÃO DOS HOMENS" E FAZIA MILAGRES. JUDAS TRAMA Pouco tempo depois, divulgou-se a notícia das missões de Jesus de Nazaré, por toda a Galiléia e paízes vizinhos. Os povos, em massas, o proclamavam "Messias", o predito pelos profetas. Por onde passava, os cegos recobravam a vista, os paralíti-cos andavam, os surdos ouviam, os leprosos ficavam limpos e os possessos, livres dos espíritos malignos!... Anunciava o reino do Céu e a redenção dos homens e, mais do que tudo, fazia que resuscitassem os mortos! O poder de Jerusalém estremeceu-se... O Senado reuniu-se para deliberar a respeito, e ficou assentado que se devia esperar que o ousado Galileu viesse a Jerusalém, como ele prometia vir. Judas, que não se podia conformar com o desprezo de Madalena, fazia coro com os doutores da lei, contra Jesus... Madalena vivia enlevada pelas notícias que todos os dias chegavam de Jesus e dizia, consigo mesma: - Sem dúvida, ele é o Messias, porque, somente assim poderia, como pôde, absorver o meu coração e o meu amor, de um modo tão afetuoso, tão puro, tão isento de sentimentos mundanos. Judas, tendo combinado, com o Príncipe dos Sacerdotes, para ir acompanhar Jesus, ouvir-lhe as prédicas e testemunhar tudo o que ele dissesse contrário às leis do culto religioso, como dos códigos civis, 1-4 partir a encontrar-se com Jesus. Mas, antes, quis
falar com a mulher por quem vivia obcecado... Madalena apenas lhe disse: Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, T- Vai, Judas, eu terei prazer em te ver junto a Jesus. Judas partiu... Judas foi encontrar Jesus em Jubés de Galaad. Quando lhe falou, disse: - A tua fama, Jesus, ressoa por toda a Palestina... Em Jerusalém já é um hino!... Vim em tua procura, porque ouvi dizer que te acompanham muitos discípulos e eu desejo aliar-me a eles. -Judas, - respondeu-lhe Jesus - se tens fé, podes completar o número dos meus apóstolos, que são doze, e, presentemente, tenho onze, porque o último lugar eu tinha reservado para ti, lembrando do que, anteriormente, me disseste. - E quem, Jesus, - disse Judas - será tão duro de entendimento que não tenha fé nas tuas palavras e nos teus atos, cujo poder não foi dado a nenhum outro homem? - Pois bem, Judas, junta-te aos meus apóstolos e serás um deles. Judas mostrou-se satisfeitíssimo e, em poucas horas, estava amigo de todos. De Jubés passou Jesus a Gerasa, de Gerasa a Mahanaim, dali a Jabok, de Jabok a Succóth e a Silo, de Silo a Ramoth, de Ramoth a Rabath-Amon, dali a Jerico, onde Zaqueu converteu-se. De Jerico foi a Gálgala, onde Simão, o leproso, homem rico, ofereceu hospedagem a Jesus e aos seus apóstolos. As notícias de cada momento faziam ecos nas ruas de Jerusalém... Os doutores da lei e o Sumo Sacerdote, o energúmeno Caifás, íCqpspiravam!... Maria Madalena não pôde conter-se e foi ter com Jesus, em casa de Simão... Estavam amesandados para o festim, quando enJoão Miguel da Fonseca Lobo
trou Madalena, mais formosa e radiante do que sempre fora... Suas compridas e fulvas madeixas, espargidas sobre suas espádu-as e ebúrneo colo, pareciam feitas de fios de ouro reluzente!... Jesus viu-a e o seu olhar de amor infinito penetrou-lhe rfalma, no coração!... Ela não olhou mais para ninguém... Judas delirou!... Madalena ajoelhou-se aos pés de Jesus e os banhava com lágrimas copiosas, enxugando-os com os seus lindos cabelos e derramou sobre a cabeça de Jesus um bálsamo odorante de subido valor. Simão, admirado de ver Jesus receber semelhantes afetos de uma mulher tão pecadora, como Madalena, ia observar-lhe quem era essa mulher, mas, antes disso, Jesus o atalhou, dizendolhe: - Vê, Simão, quão formosa é esta mulher! E posso dizer-te que o seu coração é mais formoso ainda! Vê as lágrimas, feitas em pérolas, com que ela me banha os pés, beijando-os e enxugando-os com suas comas aurícomas*! Vê que perfume suavíssimo ela derrama sobre minha cabeça! E tu, nem sequer água me deste para lavar os pés, nem o beijo de paz, nem óleo para minha cabeça!... No entretanto, eu vim à tua casa trazer-te a cura e a salvação... - Madalena, - disse Jesus, numa voz melígena - os teus pecados estão perdoados, porque tu muito me amas... Levanta-te c vai em paz esperar-me em tua casa... E dois risos celestes se congraçavam e evolaram-se às alturas!... Judas sentiu o sangue em ebulições terríveis!... No fim do jantar, veio água para lavarem as mãos e os rostos. Simão, metendo as mãos n'água, sentiu despregarem-se-lhes as escamas, e ficarem perfeitamente limpas! Banhou o rosto, que lambem ficou limpo!... - Milagre! - bradou ele, e ajoelhando-se, disse: Jesus perdoa c >.s meus pecados, como fizeste a Madalena. oy * aiiricomo. Adj. Que tem cabelos dourados
- Simão, disse Jesus - eu perdôo os teus pecados, porém, tens de restituir o que mal adquiriste. - Sim, senhor! Eu o farei, tanto com o que mal adquiri, como com o bem adquirido, porque hoje ganhei a salvação. Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticosraços Românticosraços Rom3ntioRomânticosca, Traços Ro
io Migu
Capítulo IX JESUS EM BETÂNIA Madalena voltou a Betânia, inundada cie um júbilo indescritível!... Disse aos irmãos que Jesus lhe mandara que viesse esperá-lo. Assearam a casa, e prepararam uma ceia esplêndida. À sonoite*, chegou Jesus com os seus apóstolos... Somente ali, viu Madalena ajudas e, falando com ele, disse: -Judas deste um passo para o bem... Eu folgo por te ver no número dos apóstolos de Jesus. Judas respondeu-lhe com o riso que pode ter a hibridez do hipócrita com o traidor: - Devo a ti isto que te dá gosto. Madalena contou a Jesus o desejo que Porçula Priscila e Joana tinham de vê-lo e a ânsia em que estavam pelo batismo. Nessa mesma noite, depois das exortações cie Jesus, Lázaro e Marta, e todos de casa foram batizados pelo apóstolo Pedro. Jesus Cristo batizou Madalena, a pedido dela... Pela Manhã, foram todos para Jerusalém e entraram no Templo. Enquanto Jesus pregava e era aclamado por milhares de pessoas, Judas foi falar com o Sumo Sacerdote Caifás e os doutores da lei e, em presença de todos, disse: - Até hoje nada tenho podido adquirir contra Jesus, é certo; porém, também é certo que não o deixarei e tenho quase a certeza de que hei de surpreendê-lo em alguma falta grande que o * sonoite [de só- + noite.] S.f. desus. - O anoitecer iusco-fusco.possa comprometer perante o povo. É preciso que se amaine a efervescência do fanatismo do povo. Jesus, ao sair do Templo, já noite, entrou, com os apóstolos, num prédio magnífico pertencente a dois senadores amigos, que, pelos ditos e afirmativas cie Madalena, desejavam ver Jesus e a tinham, por isto, posto à disposição dela, para habitação de Jesus em Jerusalém. Em seguida José de Arimatéia e Nicodemos, os dois senadores amigos, vieram ver Jesus e fizeram-se seus discípulos ocultos. Na outra noite, depois das exortações no Templo, Jesus recebeu, em lugar à parte no edifício, as três amigas, Madalena, Joana e Priscila. As duas últimas -Joana já o tinha visto e ouvido no Templo e Priscila era a primeira vez que o via... Tanto uma como a outra, crentes, confirmaram-se na fé e no amor divino e pediram o batismo a Jesus, que as batizou. Jesus queria visitar ainda os mesmos lugares por onde andara, para confirmação da fé, e, temendo ser atraiçoado, na grande cidade, poucos dias demorou-se ali. Passou dois dias em Betânia. Ali já estava Joana, em companhia de Madalena... Joana tinha repudiado o marido, por causa de Jesus e outro tanto queria fazer Priscila, oportunamente. Gusa, repreendendo a mulher, na noite anterior, dissera-lhe: - Joana, eu proíbo-te de ires mais ao Templo, ouvir as loucuras daquele embusteiro da Galiléia. ()() :;, - Como! - exclamou Joana -. Tu o chamas embusteiro, porque ele chama a ti e aos outros, como tu, - hipócritas e ladrões... Ele diz a verdade e, pois, não é embusteiro nem louco. Tu, Gusa, casaste comigo, unicamente pelo meu dinheiro, que era muito; e, não satisfeito ainda, vieste para Jerusalém, somente tendo em vista as rapinagens de toda sorte. E, depois de tudo isto, que me repugna e avilta, ainda entendes que me deves ordenar como a uma escrava? Pois enganas-te, Gusa... Desde este momento, eu te repudio, deixando contigo todo o meu dinheiro que está em teu poder. Não procures, pelas leis, trazer-me à tua casa, porque, neste caso, o repúdio será judicial e darei provas das tuas infâmias, das tuas rapinas, até contra as rendas do Estado! E, dizendo isto, saiu de cabeça erguida, indo ter com sua amiga Madalena, que a recebeu de
braços abertos... Gusa ficou com o amolecimento dos covardes. Jesus Cristo, sabendo desse acontecimento, disse: - Foi um trigo salvado do joio. Madalena teve tempo à sua vontade para conversar com o seu adorado Jesus. - Oh! Jesus! - disse ela uma vez. Que grande alegria tive!... Que grande felicidade foi a minha, quando, em casa de Simão, perdoaste os meus pecados! - Madalena - disse Jesus - os teus pecados eram veniais, tuas faltas, leves... Não tem fedor o perfume, nem sombra pode ter a luz. E o teu coração, Madalena, é um perfume e a tua alma, uma luz... A opulência, o luxo e a vaidade que te davam tão fortes embates, passaram, como passa o vento, o furacão, o ciclone... E tu, belo lírio das campinas... ficaste incólume... Já sei de tudo que tens feito e por modéstia tua, nada me disseste. O que fizeste e estás fazendo, Madalena, é a edificação do teu palácio, no mundo de amor que te dei... Sinto que já nele habitas, porque meu coração exulta, vendo-te, nele repousares. OJ - Então, - disse Madalena - estarei onde estiveres, gozarei do que gozares, sofrerei do que sofreres... Agora, Jesus, porque Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços Românticos Jesus Crista t Maria Madalena - Lenda Judaica, Traças Româimpossível será o meu pensamento deixar de acompanhar-te, dia e noite, hora, minuto, instante, posso bem compreender o sentido das tuas palavras... Belo quadro, Jesus, o que tens desenhado para mim!... Salvas-te-me da perdição!... Devo-te a vida, é tua a minha alma e também o meu amor. - Sim, Madalena, eu me vou, mas levo-te comigo. Ficas tu e eu fico contigo. É a mesma coisa que se dá entre mim e meu Pai que está no céu. - Jesus, - disse Madalena, exultando - isto já é uma bem-aventurança! Uma uranologia!
Esse trato tão íntimo, tão a sós, tão prolongado de Jesus e Madalena, dava a pensar a Judas, que tinha como coisa certa que eles levariam esses idílios até aos extremos de deliciosos concúbitos... Daí a garantia que deu a Caifás de apanhar Jesus em uma falta grande que o comprometesse perante o povo e as leis. Mas o moço, enciumado, estava obcecado e não podia conceber a idéia das coisas divinas... O inferno é que lhe fervia nas idéias, no coração... Rico e bem apessoado, tinha-se enamorado da beleza incomparável de Madalena, como muitos outros jovens de sua igualha e condições. Ela a todos recebia sem predileção, com um só olhar, o mesmo sorriso, o mesmo agrado. Entrara, pois, nessa partida, terso*, como era, com firmeza e sombran-ceirismo, sem medir sacrifícios, sem calcular dispêndios e desperdícios... E quando julgava ganha a partida e tinha por certa a vitória, eis que Jesus de Nazaré, pobre marceneiro, no mais alto do Monte Carmelo, lhe grita de frente e diz: - Para trás Judas... A bela Madalena me pertence; é meu o Ir dela... terso. Adj. Limpo, lustroso; correto; vernáculo. Miguel do Fonseca LobonticosmânticosE Judas, o moço intrépido, sentiu-se aniquilado, sem força de reagir!... Parece, pois, que tinha direito a despeito e ódio contra Jesus. Madalena lhe estava muito cara. Maior parte de seus haveres tinha passado para ela, em dádivas repetidas. Os seus interesses há mais de dois anos, paralizados, por sua convivência com a bela moça... Era justo, pois, que ele, de qualquer modo, procurasse reivindicar direitos que por ela própria lhe tinham sido garantidos... Em tempo, temendo que o velho Tibério mandasse buscar Madalena, enviou-lhe uma chapa, dizendo: "O mundo perdeu o seu encanto mais primoroso, a beleza de Madalena! Os fados a tinham roubado! Ela morrera!..." O velho Tibério acreditou nos dizeres da chapa e não mais pensou em Madalena.
No terceiro dia, antes de Jesus deixar Betânia, Lázaro e suas irmãs fizeram um esplêndido festim no qual deram manumissão* a todos os seus escravos, inclusive à criada grave* de Joana... Jesus fez neste sentido, uma brilhante e patética alocução! E aconselhou que todos os manumetidos deviam passar a estipendiários. Judas, em presença de todas essas coisas, novas para ele, não passava de um maninelo* ... Jesus, ao despedir-se daquele povo amigo, chorou; e prometeu a Madalena que voltaria breve. Judas começou a ver em Jesus um homem superior!... Pois, como seria possível que um moço, na flor da idade, cheio de viço, como era Jesus, dono exclusivo do coração de Madalena, tão bela, tão moça, tão meiga, de formas tão esurinas* , impregnando-o * manumissão. S.f. Euforria, libertação ^^, * grave. Adj. Distinto, elevado, nobre, imponente. ^**! * maninelo. Adj.S.m. Idiota, maluco, palerma. 2.Diz-se de ou homem afeminado. * esurina. (Do radical e do Latin esurire, ter fome) Adj. Med. Que excita a fome.
com a quididade* de seu hálito de virgem, aquecendo-o com o calor de seus seios, pomos de delícias, pudesse conter-se, e não fazer dela sua amante, porque lhe pertencia e não regatearia desejos? Como dela fugir? Oh! Dizia Judas - Jesus é um homem sublime!... Não é como eu nem como os outros.
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traças Românticos
quididade. [Do Latim escolástico Quidditate] S.f. 1. A essência de uma coisa; Qualidade essencial. 2. O conjunto das condições que determina um ser particular. Joio Miguel da Fonseca Lobo
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Capítulo X JESUS REVISITA A PALESTINA E AS AUTORIDADES TRAMAM COM JUDAS. JESUS É PRESO, JULGADO E CONDENADO Jesus foi segunda vez a Cafarnaum, aos limites de Sidônia e de Tiro e perpassou por todas as partes por onde andara. Sua fama cada vez mais era ruidosa, seus milagres ecoavam mais fortes... O Sumo Sacerdote, senadores e doutores da lei exasperavam-se!... A Palestina parecia revirar-se... Era preciso acabar com aquele homem, custasse o que custasse, fosse de que modo fosse... Pilatos caçoava deles... Jesus Cristo, saindo de Betânia, atravessou a Samaria, pregando e convertendo povos. Em Nazaré não pregou porque os seus conterrâneos não quiseram ouvir a sua doutrina, que manda dar tudo que se possue, para ser-se pobre, fazer o bem e amar a seus inimigos. E somente lhe pediram milagres... Foi de novo a Cafarnaum e tornou a percorrer, a terceira vez, todos os lugares por onde já tinha ido. Quando se aproximava a páscoa, voltou ele a Nazaré, onde predispôs sua mãe para acompanhá-lo até Jerusalém, porque achava que não voltaria mais, por isto que, dia a dia, o Sumo Sacerdote Caifás e os doutores da lei mais o acusavam perante o Senado e já o esperavam para vítima de um drama terrível, de uma tragédia de morte... Maria concordou em também ir, embora os seus 51 anos não a permitissem caminhar, numa jornada de muitas léguas, senão muito devagar... Maria Cleófas acompanhou-a... No meio da jornada, em Sebaste, os encontrou um portado; de duas irmãs Marta e Madalena, que pediam a Jesus que fosse ver seu irmão Lázaro que se achava à morte. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, !
Jesus, a título de sentimento e dor, demorou a viagem dois dias... Depois dirigiu-se para Betânia... Quando ali chegou, a casa estava cheia de pessoas, ricas e pobres, que, de
Jerusalém, onde a família de Lázaro era muito prezada, por suas boas qualidades e avultada fortuna, tinham vindo, para fazer a visita de cova do 3a dia... Madalena e Marta, ao verem Jesus, o abraçaram, chorando e ele também chorou, o que admirou aos judeus que estavam presentes. Foram todos à visita do sepulcro de Lázaro... Judas mandou que tirassem a lage que o tapava. Marta opôs-se dizendo: - Senhor, é de 4 dias o cadáver, e o interior do sepulcro deve estar cheio de ar fétido! Jesus olhou-a e perguntou: - Perdeste a fé, Marta? Judas, que tudo espreitava, foi mesmo tirar a lage e verificou que o betume que a prendia estava inteiramente seco, o que provava que aquele serviço era de 3 dias e que, por isto mesmo, impossível seria conservar-se uma criatura viva dentro do sepulcro todo esse tempo. Retirada a lage, Jesus aproximou-se, orou a Deus e bradou em voz alta e imperativa, dizendo: - Lázaro! Levanta-te e sai desse sepulcro! Ao terminarem essas palavras, todos viram, pasmados, Lázaro sair amortalhado. Jesus perguntou-lhe: - Que tens, meu amigo? - Nada, - respondeu ele - nada, absolutamente. Sinto apenas o arrocho destas ligaduras. Tiraram-lhe a mortalha e foram todos para casa, cantando hinos a Deus e a Jesus Cristo, seu filho. Todos aqueles judeus se converteram. Judas não duvidava mais estava convicto de que Jesus era o verdadeiro Messias. Porém, ainda assim, não o pouparia, pelo fato de lhe ter ele roubado o coração de Madalena. João Miguel do Fonseca Lobo
Maria de Nazaré, mãe de Jesus, e Maria Madalena, sua filha adotiva, muita satisfação tiveram de acharem-se juntas e Madalena, comovida, rememorava os momentos felizes que passara com ela e Jesus de Nazaré. Na mesma noite, Jerusalém estremeceu em peso, pela notícia da ressureição de Lázaro, operada por Jesus Cristo e, ansiosa, esperava o dia para ir ao encontro do filho de Davi. O Sumo Pontífice, os Príncipes dos Sacerdores, Doutores da Lei e Senadores reuniram-se no Sinédrio, para resolver sobre o caso de Jesus. . . De manhã desceu Jesus à cidade, acompanhado dos apóstolos e das mulheres... Em Betfagé, no caminho, arranjou Cristo um jumento e, montando-o sobre um enxalmo*, continuou a seguir, para complemento das profecias... Adiante, encontrou duas alas de milhares de pessoas que o vinham encontrar, cobrindo de ramos o leito da estrada, e todos, com as mãos cheias de palmas de flores, gritavam hosanas ao filho de Deus!... Jesus entrou triunfante em Jerusalém!... Priscila presenciou com inteiro júbilo e logo foi ter com as amigas, na casa em que residiam na cidade, para comentarem, jubilosas, a glória de Jesus. **+
Judas, no dia anterior, pedira licença a Jesus para ir a Kariotes, visitar seus parentes, garantindo que voltaria a tempo, para comerem a páscoa juntos. &l * enxalmo. S.m. Manta que se põe sobre a albarda para lhe aplanar o assento; manta; pelego.
Por isto, logo que chegaram à cidade, ele despediu-se dos companheiros, e deixou-os. Dali, foi ao Sinédrio falar ao Sumo Sacerdote Caifás, sobre Jesus, e, então, declarou-lhe que esse Galileu, para fazer uma sublevação vencedora, não encontraria dificuldades... a prova era a multidão assombrosa que acabava de entrar com ele na cidade; que ali dentro era impossível prendê-lo, porque o povo revoltar-se-ia. Mas, em Betânia, onde ele iria pernoitar com os apóstolos, a prisão seria fácil, porque o mestre não resistiria, nem consentiria que os apóstolos resistissem, mesmo porque todos
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eram mansos e humildes; que, preso Jesus, os apóstolos fugiriam, para jamais aparecer e o povo, sem chefe, somente sabe empregar interjei-ções de espanto e admiração... Formariam logo o processo, que em sumário, prendê-lo-iam, incomunicável, na "Torre Antônia", e estaria o negócio liquidado... No entanto, precisavam provas, porque ele, Judas, não podia oferecer-lhes nenhuma. Todavia, em Jerusalém, não faltaria quem se prestasse a jurar tudo que o Sumo Sacerdote quisesse. - Oh! Quanto a isto é facílimo. - disse Caifás. Aqui, uma pessoa, bem qualificada já me veio dizer que jura, se preciso for, que ele, Jesus, é um hipócrita consumado! Que sabe bem o que quer fazer, que prega a moral e tem ocultamente uma formosa amante chamada Madalena, bem de teu conhecimento. - Pois eu - replicou Judas - se ouvir alguma pessoa, quem quer que seja, afirmar semelhante calúnia, quebrar-lhe-ei os dentes, para não ser tão aleivosa. Sumo Sacerdote, -continuou Judas-eu tenho acompanhado Jesus, há dois anos, e sabes a razão para quê. Pois bem, juro, sem titubear, que nunca o peguei num erro ou má fé. Conheço que é necessária a prisão desse homem extraordinário, para salvação do Estado, razão porque estou do teu lado porém não posso obscurecer a verdade... Podes arranjar testemunhas de ele sublevar os povos de fazer-se filho de Deus, que manda trabalhar nos sábados etc. Tudo isto, provado, leva-o ao máximo da pena, dez anos de prisão incomunicável. A justiça está João Miguel da Fonseca Lobo
nas tuas mãos, Caifás. E ai do direito que tem por oponente o próprio juiz!... - Bem Judas, - disse Caifás - farei como dizes e, preso Jesus, poderás vir receber o teu talento. - Virei - disse Judas - quando voltar de Kariotes, para onde vou agora mesmo. E, dizendo isto, saiu. José de Arimatéia e Nicodemos, à noite, foram à casa onde assistiam Jesus e seus apóstolos e José disse-lhe: - Mestre, o teu apóstolo Judas te é traidor! Acaba de contratar com o Sumo Sacerdote, a tua entrega, por um talento. Hoje, pela meia noite, mandar-te-ão prender em Betânia. Por isto não vás dormir lá, nem também nesta casa, porque é certo que, não te encontrando em Betânia, virão prender-te aqui. Eu te mandarei levar, e os teus apóstolos, a um lugar, onde ele, Caifás, não te mandará nunca procurar, porque nos pertence: é o horto de Getsêmane, do outro lado do Cedrom, bem no pé do monte. Cautela para que Judas não saiba, quando voltar, porque, segundo disse ele, já deve ter ido para Kariotes. - José, - disse Jesus - eu te agradeço o serviço que me estás prestando. Judas fez-se meu apóstolo unicamente para trair-me; eu bem o sabia e aceitei-o para ver se poderia resgatálo do mal. Agora estou desenganado e o mandarei embora, logo que me apareça... - Eu não desejo ainda ser crucificado, como dizem as profecias, porque quero ir levar, eu mesmo, as palavras da verdade à Pérsia e à Mesopotâmia e até mesmo ao Oriente. Onde chegou, outrora, Alexandre com as armas, eu quisera chegar com a palavra, que é arma de melhor calibre. Entretanto, tudo isto está no querer do eterno Pai, e eu, como sempre, pronto para o servir, qo Jesus Cristo e Mario Madalena - LendaÀ meia noite, Caifás mandou um centurião, com um troço* de herodianos, prender Jesus, na casa de Lázaro, em Betânia. Mas lá não encontraram Jesus. De volta, cercaram a casa, onde Jesus assistia, na cidade; deram-lhe busca, porém, ali não encontraram também Jesus. Caifás desesperou-se e, encaprichado, logo que chegava a noite, mandava pôr patrulhas secretas em todas as portas da cidade; porém debalde!... Jesus e seus apóstolos saíram à noite disfarçados, por diversas portas, um por um, para irem reunir-se no horto. No dia de Páscoa, à primeira hora da tarde, chegou Judas, e, primeiramente, foi falar com o Sumo Sacerdote, Caifás, que lhe contou, furioso, o insucesso da prisão de Jesus.
Judas animou-o dizendo: - Hoje ele será preso, porque hei de saber onde ele dorme e virei avisar-te. - Eu confio em ti, Judas - disse Caifás. - E confias bem, - respondeu Judas, e saiu. Foi ter com os companheiros. Jesus recebeu-o sem nenhuma demonstração de desagrado e os apóstolos, com a alegria fraterna de costume... Judas de Kariotes era amigo íntimo de seu homônimo, Judas Tadeu, e, com ele confabulando à parte, perguntou como iam as perseguições ao mestre. Tadeu, irrefletidamente, e porque supunha estar falando com um camarada e colega fiel, contoulhe tudo e como Jesus escapava, indo dormir no horto do Getsêmane. Era isto, justamente, o que Judas queria saber... Saindo dali, foi prevenir a Caifás que Jesus dormia no horto do Getsêmane, do outro do "Cedrom", no sopé do monte. * troço. S.m. corpo da tropa; porção de gente. João Miguel da Fonseca Lobo
Passaram o resto da tarde em boa harmonia, preparando a ceia. E à noite quando sentaram-se à mesa, Jesus disse: - Um dos que aqui estão acaba de trair-me e quer entregar-me a Caifás. Os apóstolos ficaram atônitos, e Jesus lhes disse: - Acalmai-vos. Isto tinha que suceder. No entretanto ainda a hora pode ser transferida. Jesus, dizendo isto, partiu um pão, deu um pedaço a Judas e disse: - Sai Judas e o que tens de fazer, faze-o logo. Judas saiu furioso, porque a sua traição havia sido descoberta por Jesus. Acabada a ceia, foram para o horto. Ali reunidos, Jesus disse: -Judas é o traidor!... Felizmente, eu o despedi antes da ceia, e ele ignora onde dormimos. A estas palavras, Judas Tadeu disse: - Senhor, fujamos daqui, porque eu, que de nada sabia, disse a Judas de Kariotes, que dormíamos no horto. - Não te recrimino, Tadeu - disse Jesus. Eu é que tive a culpa de não prevenir a todos, da falsidade de Judas. Mas agora é tarde: que se cumpra a vontade de Deus... À meia noite, chegou Judas à frente de uma coorte de soldados, que prenderam Jesus, sem resistência, e, pondo em fuga os apóstolos... Levaram Jesus à presença de Anás. Este mandou que o levassem a Caifás que tinha reunido em conselho os Sacerdotes, Senadores, doutores da lei, e anciões do povo, para deliberarem sobre a sorte de Jesus, como deviam recriminá-lo etc... Com a presença de Jesus, uma corja de mercenários, adrede preparados gritou: - Merece a morte. E Caifás bradou: - E há de tê-la... .«, -Judas, ouvindo estas palavras de Caifás, aproximou-se dele e disse: Jesus Cristo e Mario Madalena - Lendo Judaica.- Eu não te entreguei Jesus para ser condenado à morte, mas sim, para ter a pena de dez anos de prisão incomunicável: é este o nosso contrato, do qual deves estar bem lembrado... - Judas, - disse Caifás - tu sempre estiveste do nosso lado, sempre te considerei corno um dos mais futurosos rebentos para defensão dos nossos direitos. Contudo, foi preciso que eu te prometesse um talento, para firmares o contrato da entrega de Jesus... Tu acabas de o fazer; recebe o teu dinheiro, que está contado... E quanto ao mais deixa que tudo corra por conta nossa. - Caifás, eu levo o dinheiro, porque confio que voltes à letra do nosso contrato e faças condenar Jesus a 10 anos de prisão incomunicável, que serão suficientes para que, durante eles, possam fenecer as idéias que hoje lhe passam pela mente. Se o condenarem à morte e o crucificarem, virei restituir-te o dinheiro, para não ter eu parte no homicído de um justo.
-Judas - disse Caifás- tu, que és um moço bem versado nas letras e entendido nas escrituras, deves saber que quase todos os nossos profetas falaram claramente da vinda de um Messias, para salvação dos filhos de Deus, que somos nós; que devia nascer de uma virgem etc, no que deves estar concorde... Agora, vou contar-te um acontecimento que se deu, entre nós, há 33 anos; põe sentido nele, para depois dares a tua opinião. Esse acontecimento notável não ficou escrito nos anais da nossa história, razão porque o ignoras. No reinado de Herodes, o Grande, por ocasião de um senso público, nasceu em Belém, uma criança, filha de um casal residente em Nazaré, diz-se que, por falta de albergue, num presépio ou manjedoura, que no nascimento da criança houve premoções* maravilhosas... Poucos dias depois chega-aqui em Jerusalém três reis do Oriente - Gaspar, Melchior e * premoção. (do Latím praemotíone). Ação de Deus que influi na vontade do homem. João Miguel da Fonseca Lobo
Baltasar, e perguntaram: "Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo". Herodes e toda Jerusalém tomaram a notícia dos reis como prognóstico de grandes acontecimentos e a turbação foi geral. Herodes, presentaneamente, fez que se reunissem os Príncipes dos Sacerdotes e os Doutores da Lei e consultou-os acerca do lugar onde devia nascer o Messias, segundo as profecias. Eles responderam: Em Belém de Judá, conforme o que está escrito pelo profeta Miquéas: "E tu, Belém, terra de Judá, não te deves considerar a última das cidades principais da Judéia, porque de ti há de nascer o chefe que governará o meu povo de Israel." Herodes, amedrontado, chamou, então, os reis e informou-se circunstanciadamente do que com eles ocorrera, animou-os e disse-lhes: - É em Belém o berço do salvador de Israel, segundo as profecias. Ide e informai-vos bem do menino. E, quando o encontrardes, dai-me aviso, para que eu vá também adorálo. Os magos, guiados pela estrela, foram ter ao presépio de Belém, adoraram o menino, e, inspirados, nada mandaram dizer a Herodes e regressaram por caminhos desviados. Depois, Herodes, sabendo que eles tinham adorado a criança, augurando-lhe coisas extraordinárias, e deixado todo aquele povo alvoroçado, para prevenir qualquer movimento sedicioso, violento e irascível como era, mandou degolar todas as crianças de dois anos abaixo, em Belém e seus subúrbios. Mas, o filho de José e Maria não foi atingido. Três dias antes, haviam fugido para o Egito... Herodes soube e mandou atrás dos pobres fugitivos, com ordem de irem os seus soldados até mesmo ao Egito, contanto que degolassem o menino. Os soldados partiram, pressurosos, para executar a ordem do Rei. No segundo dia de viagem, já em pleno deserto, e na trauta* fresca da família indefensa, apareceu-lhes de encontro um desses ' trauta - s.f. rasto da caça.
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Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, T
tufões medonhos que sepultavam caravanas!... Os soldados, ao enxergarem o fenômeno terrível retrocederam violentamente, a toda carreira dos fogosos corséis, o que não foi bastante para evitar que quase todos ficassem soterrados nos arcais adustos do deserto. Herodes, informado do insólito desastre, respirou folgada-mente e disse: - Estou satisfeito... As areias que sepultaram os meus soldados terão igualmente sepultado os prófugos que se iam escapando do meu ódio. Era, pois, certo que o menino-fenômeno perecera no deserto. Tempos depois morreu Herodes... Sucedeu-lhe seu filho Arquelau... Por ocasião de uma festa aqui em Jerusalém, a festa da Páscoa, quando, no Templo, os doutores explicavam as Escrituras, de repente foi ter com eles um menino de 12 anos de idade que os escutou atentamente, esclarecendo-lhes, ao mesmo tempo, a verdade sobre os pontos em que
havia controvérsia. O menino era galileu. Foi um sucesso extraordinário! E o governo nada mandou sindicar sobre o menino fenomenal que, com sabedoria admirável, deu sublimes lições aos mais ilustres doutores... ... Agora aparece esse galileu, até ao presente desconhecido, com petulância desmarcada, procurando inverter a ordem das coisas estabelecidas por leis, costumes, hábitos etc, sem credenciais que para isto o habilitem... Faz milagres, ressuscita mortos e tudo que a magia pode operar. Diz-se Messias, filho de Deus! Não se entende com os sacerdotes do Templo a quem chama, insolente-tejnte, hipócritas e ladrões!... Talvez seja o menino que tão belas lições deu aos doutores do Templo... Mas ele a nada alude. E é a um homem desta ordem, Judas, que quando quiser e entender, pode, com o povo fanático, apossar-se de nossa terra e dela fazer-se rei, que devemos, ingenuamente dar-lhe escapula*? Uma prisão para ele, nada vale... Bem podes saber. Somente o que dele nos pode livrar é a morte e é por tudo isto que hemos de dar-lha. - Caifás, - disse Judas - pensa melhor, com equanimidade, que chegarás à verdade de que Jesus Cristo é um homem muito superior a nós outros, justo e excelsamente bom... Tem somente a fascinação dos grandes ideais. E a prisão de dez anos é suficiente para amortecer o facho do seu entusiasmo... A magia, Caifás, é uma ilusão. E a "Torre Antônia" é uma realidade. Dali jamais poderá ele evadir-se. Judas retirou-se, levando o dinheiro, preço de sua traição enegrecida pelo ciúme, mas, acabrunhado e já sentindo estrias de remorsos... José de Arimatéia incontinente, foi avisar à mãe de Jesus e a Madalena a prisão de Jesus e da voz em grito de Caifás e doutores da lei para condená-lo à morte, à crucifixão... Madalena, presentaneamente, foi falar com Priscila, que dera ordem às escravas para deixarem-na passar e entrar a qualquer hora do dia ou da noite. Entrou até à câmara onde dormia a amiga, separada da alcova de Pôncio por um corredor; contou à amiga a prisão do mestre e que tratavam de condená-lo à morte. Priscila, em lágrimas, animou Madalena, dizendo: - Eles não podem levá-lo à morte sem o firma* do Pôncio; este não o dará, porque, agora mesmo, eu vou pedir-lhe para que o não dê. Espera-me aqui, para levares a certeza disto que seguramente, amainará as dores de Maria, sua mãe, e de Joana nossa amiga. • escapula - escape; escapatória. * firma - s.m. - o mesmo que firmão; ordem emanada de um soberano ou autoridade muçulmana.
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Priscila foi ter com o marido e disse-lhe: - Não tenho podido dormir com a vozeria que ressoa nas ruas e dela pude ouvir que prenderam Jesus e querem condená-lo à morte... Mas eu venho pedir-te, Pôncio, que não dês o teu firma para que o matem; e mais, que o mandes pôr em liberdade. Pôncio abraçou e beijou sua mulher, dizendo: - Quanto és bela, querida Priscila!... Vai dormir sossegada, que te farei o pedido. Priscila beijou-o e foi ter com a amiga e, quase sorrindo, disse: - Vai, querida Madalena consolar nossas amigas, e dizer-lhes que Pôncio Pilatos não dará o seu firma para a morte de Jesus; pelo contrário, mandará pô-lo em liberdade. Madalena foi prestes avisar as amigas a deliberação do governador. Priscila, que tinha por hábito dormir até dia alto, antes de adormentar-se, ordenou á sua criada de quarto que de manhã, quando viessem trazer Jesus à presença de Pilatos, fosse dizer-lhe, de sua parte, que não esquecesse o pedido que lhe fizera. A criada, fiel à ordem que recebera, logo que viu a multidão que escoltava Jesus à porta do "Pretório", foi dar a seu senhor o recado de sua senhora. Pilatos disse: - Priscila devia saber que eu não esqueceria o seu pedido. Saiu do saguão do palácio e recebeu a denúncia dos chefes
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica. Tnraços Romântic
dos Judeus contra Jesus Cristo... Depois de atentamente lê-la, virou-se para eles e disse: - Este homem não merece pena de morte... Açoitem-no cautelosamente e, feito isto, tragam-mo aqui à minha presença. Açoitaram cruelmente a Jesus e em seguida levaram-no a Pilatos, que vendo o estado lastimoso de Jesus, disse aos chefes Judeus: - Devem estar satisfeitos de castigar tão cruel e barbaramen-um inocente... Agora, ordeno que o ponham em liberdade, porque ele não tem culpa e é um homen justo. Caifás bradou com arrogância a Pôncio Pilatos: Jo3o Miguel da Fonseca Lobo
- Sim!... O governador romano em Jerusalém, nega o seu firma para ser condenado à morte um celerado que tem subleva-do o povo, que prega doutrina subversiva e quer ser proclamado Rei dos judeus, com independência de Roma, fora dos domínios de César! E diz-nos, em face, que Jesus Cristo é um inocente, um homem justo!... E, por escárnio às nossas leis, ordena-nos que o ponhamos em liberdade... É demais!... Resta-nos porém, um meio que não nos pode ser tolhido. Vamos, pois, como vassalos fiéis, lavrar o nosso protesto, para o remetermos a César. Era a última cartada de Caifás... Cartada de mestre; ganhou. Ouvindo esta tremenda ameaça, Pôncio Pilatos estremeceu, sentiu fugir-lhe o sangue, e, covarde como era, com a voz trêmula, disse: - Pois bem, assim como querem, assim seja feito. E assinou a sentença de morte contra Jesus, dizendo: - Sou inocente do sangue deste justo. - Como se essas frases metafóricas o isentassem da tremenda culpa! Era deveras muito pusilânime esse Pôncio Pilatos, governador da JudéiaL. Ficando a sós, disse: "Priscila há de dar-me razão e concordar que fiz bem, porque nos seria muito funesta uma denúncia desses energúmenos contra mim a Sejano, que tudo faz para desgostar Tibério, sendo muito provável que chegasse a demitir-me." Os Doutores da Lei, o Sumo Sacerdote e os outros exultaram e trataram de levar Jesus, já quase exangue, com sua cruz, grande e pesada, ao cimo do Monte Calvário. Quando, meio dia, se despertou Priscila e soube, por Madalena, da condenação de Jesus, disse: - Pôncio Pilatos ainda não deixou de ser indigno. É um pusilânime, um infame... Comigo não viverá jamais. Depois da Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticomorte de Jesus Cristo, Madalena, teremos de tomar uma deliberação definitiva. Agora estou resolvida a dizer-lhe que não ficarei mais em Jerusalém. Ele mandar-me-á deixar em Jope, para dali, transportar-me a Roma. Mas de Jope, eu voltarei às ocultas, para juntar-me contigo e as outras. Vai, minha amiga, para acompanha-res Jesus ao Calvário. Á noite, irei ter contigo para me contares todos os pormenores da tragédia inaudita!... ;
João Miguel da Fonseca Lobo
• Capítulo XI JESUS É CRUSCIFICADO E JOSÉ DE ARIMATÉIA O COLOCA NUM SEPULCRO NOVO. JUDAS DEVOLVE O DINHEIRO DA
TRAIÇÃO E DESAPARECE, DECIDIDO A MATAR-SE Às 3 horas da tarde, estava Jesus crucificado... Do alto da cruz, pediu a Deus perdão para seus algozes!... Relanceando a vista, viu o grupo das mulheres e enviou-lhes um riso dulcificante. João, o seu discípulo amado, estava ao lado de Maria e Jesus disse-lhe: - João, eis tua mãe - e com um gesto de olhos indicou Maria; e para esta, repetiu: - Mãe, eis aí teu filho. E, dizendo isto expirou. Neste instante, um eclipse total obscureceu o sol... A atmosfera cobriu-se de uma cor de crepe, com um luto da Natureza, pela morte do Redentor... O povo ficou amedrontado, e batia nos peitos... José de Arimatéia foi pedir a Pilatos licença para sepultar Jesus e obteve-a... Ajudado por João e pelas mulheres, colocou-o num sepulcro novo, que tinha mandado fazer para si. Depois, voltaram para casa, onde os esperava Priscila, que não tinha ainda falado com o marido, dizendo-se indisposta. Disse-lhes que se achava ali para saber de tudo que se dera no epílogo da bárbara tragédia e que deliberação tomariam, para, então, poder falar com o Pôncio... Os apóstolos ainda não tinham aparecido, com receio de serem presos. Somente João, moço intemerato, não se ocultou. José de Arimatéia era de opinião que os apóstolos deviam continuar nos ensinamentos de Jesus Cristo, a despeito de todag| qualquer perseguição, que, por isto, era conveniente porem a saFi! vo as mulheres, em lugar ignorado dos perversos judeus, e lem* a Jesus Cristo e Maria Madalena - Lebrou Éfeso... Foi aceita a idéia e ficaram certos de que na 2 feira de manhã partiriam para Jope, onde esperariam Priscila, para depois transportarem-se para o lugar escolhido. Isto assentado, voltou Priscila, que somente de manhã iria falar ao marido. José de Arimatéia ficou certo de ir deixá-los em Éfeso e nesta mesma noite foi pôr em ordem os seus negócios e aprestos para a viagem. . Após a saída de Priscila e de José de Arimatéia, apareceu Judas, que pretendia justificarse perante Madalena, de sua inocência, quanto aos sucessos ocorridos, na prisão e morte de Jesus Cristo. Começou a dizer que, pela ocasião da ceia, Jesus o tinha mandado... Madalena, indignada, interrompeu-o, dizendo-lhe: v - Judas, nem mais uma palavra quero ouvir da tua boca. Tu és um infame... Entregaste Jesus à ira desses possessos, para rece-beres um talento em paga de tua traição... José de Arimatéia e Nicodemos, dois senadores, foram testemunhas do teu ominoso contrato. Vai-te, pérfido, e oblitera de tuas idéias a minha imagem, que eu jamais pensarei em ti, e se por acaso a tua imagem me vier à mente, será para ser arrenegada por mim. Judas saiu cabisbaixo e foi ter à sua casa, onde permanecia uma velha, somente para espanar e tomar cuidado dos trastes e roupas. Ali entrou num gabinete, assentou-se, respirou e disse: "Que será de mim agora?!... Jesus Cristo, o homem verdadeiramente divino... assassinado bárbara e cruelmente!... Por minha causa!... Madalena, por uma vez, perdida para mim!... Melhor me será a morte. E vou matar-me. Não posso morrer como Jesus, porque eu mesmo não me posso pregar na cruz. Mas, morrerei enforcado... Antes, porém, vou escrever a minha defesa, jurando que não recebi, pela morte de Jesus, nem um real, que o meu contrato com o Sumo Sacerdote Caifás era de entregar-lhe Jesus, por um talento, não para o matarem, como fizeram, porém, unicaJoõo Miguel do Fonseca Lobo
mente para ser processado e ter uma prisão incomunicável por dez anos. Porque, neste caso, Madalena voltaria à sua vida de outrora e seria minha mulher, como me prometera. E o talento do meu contrato seria para a manutenção de Jesus e sua mãe durante os dez anos da prisão... Como, porém sucedeu o contrário, não quero o dinheiro do energúmeno Caifás e, antes de mais nada, vou levar-lho."
Judas sobraçou o dinheiro e dirigiu-se para o Sinédrio, onde devia estar Caifás em consultas com os senadores. Ali chegando, perfilou-se, cortesmente, e disse: - Caifás, venho restituir-te o dinheiro, um talento que de ti recebi pela entrega que te fiz de Jesus Cristo, uma vez que infrin-giste o nosso contrato. Comprometi-me a ir acompanhar Jesus Cristo, para apanhá-lo em qualquer falta contra as nossas leis civis e religiosas, que desse lugar a um processo que o condenasse a uma prisão incomunicável de dez anos. Disse-te qual o motivo que a isto me impelia... Deixaria em abandono os meus interesses, os meus haveres... E tu, com uma generosidade que é em ti desconhecida, disseste-me: "Vai, Judas, que, para ressarcir-te dos teus prejuízos e te compensares dos incômodos e mal passadio que vais sofrer, eu te darei, em ouro, um talento, contanto que me entregues Jesus, ainda mesmo que não consigas nenhuma prova contra ele, porque, neste último caso, eu arranjarei provas aqui mesmo." Que te respondi a isto? Lembras-te, Caifás? Respondi-te: "Aceito, Caifás, o que me ofereceres, com tanta generosidade ficando assentado, entre nós, entregar-te Jesus para uma prisão de dez anos, nunca, porém, à morte. Aceito, Judas. - disseste e juramos. Acompanhei Jesus dois anos, como seu apóstolo, andei a pé por toda a Palestina, duas vezes. Passei privações, sofri incle: cias do tempo e ao cabo de dois anos, entreguei-te Jesus, o homem justo, o homem divino, o meu mestre de bondade Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judaica, Traçoincomparável! E tu, Caifás, pérfido e perjuro, o fizeste condenar à morte e levá-lo cruelmente à crucifixão! E eu, sem cooperação nesse crime ominoso e tremendo, não devo, não quero o teu dinheiro ensangüentado. Aí fica ele, põeno no lugar donde o tiraste, que, certamente, não foi do teu erário particular... Tu és o assassino de Jesus Cristo, e também a causa eficiente do suicídio de Judas de Kariotes." Disse e saiu pisando forte. Todo aquele auditório ficou mudo e perplexo! Nenhum deles, senadores, aludiu uma palavra a respeito. Caifás disse: "Fiz o meu dever, sacrificando um homem para salvar uma pátria. Não quis Judas o dinheiro, melhor. - O alvo dele era a reivindicação da formosa Madalena. Admira, pois que já não existindo o seu antagonista, e que, por isto mesmo, mais fácil ser-lhe-ia a reivindicação tão anelada, esqueça tudo, para matar-se, como acaba de dizer. É que seguramente, a sua traição foi descoberta, e ele, em seguida, repelido por Madalena. Dessa corja de prosélitos que formava a comitiva do tal mestre deve ser expurgada a nossa pátria. Disto encarregar-me-ei, com o auxílio do egrégio Senado de Jerusalém, composto de cidadãos fidedignos, à exceção cie alguns bestuntos presumidos, como José de Arimatéia e Nicodemos. ' •* ::);,!,
Capítulo XII • JUDAS ESCREVE A SUA EMENTA... "EU ME CONDENO À MORTE..." E SE ENFORCA Judas voltou à sua casa, entrou no seu gabinete, sentou-se e escreveu, por último, na sua ementa* : "Aqueles que amaram loucamente, apaixonadamente uma mulher formosa e meiga, e sentiram os cruéis tormentos do mais feroz ciúme, por verem-se dela privados por outro homem, saberão compreender-me, e condoer-se de mim de um modo mais atenuante. Tudo que fica referido, Judas escreveu na ementa, como todos os episódios de Jesus Cristo e Madalena, desde o primeiro dia em que se conheceram em Nazaré, no Monte
Carmelo, até à inumação de Jesus, no Monte Calvário, em Jerusalém. Depois, fez um legado, para o Templo, selou-o e deixou sobre a mesa. Trajou-se com o seu melhor gabão*, meteu n'algibeira seu ementário, muniu-se de uma corda e dirigiu-se, a passos apressados, para a porta da fonte de Siloé... Por ela saiu e começou a descer o monte, com uma escuridão tenebrosa, mas lembrado de um sicômoro que deitava um galho por sobre a estrada, justamente num ângulo do barranco. A escuridão era profunda, porém, por seus olhos fuzilavam em chispas os desesperos de sua alma! E, qual um so-nâmbulo, desceu um monte até ao sicômoro, onde trepou-se, amarrou a corda, formou laço, meteu nele a cabeça e pôs-se a pensar... no itinerário de sua vida toda: - nos brinquedos e alegrias inócuas da sua infância, nos campos e nas devesas*, nos tempos
* ementa - s. f. - apontamento para lembrança; sumário, lista, rol (DPI) * gabão - (do italiano gabbano) - capote com mangas ou casacão, com capuSil cabeção garnacho. *1 devesa. S.t.i. - alameda que limita um terreno; arvoredo ou terreno cercado. Jesus Cristo e Mario Madalena - Lenda Judas colheitas, nos gozos deliciosos da puberdade, quando o coração se abre em flor e a vida é um sorriso cativante, quando todas as mulheres são fadas, são sonhos, são harmonias, quando nas dores há bálsamos, há beijos nos sofrimentos, porque, a puberdade é um hino, um perfume, uma felicidade! Lembrou-se das cantatas a Madalena, nas doces noites luarentas, na poética Betânia, dos seus sorrisos que expressavam enlevos, nos seus olhares que expressavam encantos, das suas falas, dos seus cabelos loiros que atraíam, conquistavam e prendiam corações, dos festins e convívio inigualáveis, no magnífico palácio de Jerico, nos deslumbramentos dos seus passeios, em festas, pelas aldeias e cidades, onde a beleza e os encantos de Madalena eram proclamados com delírio e excelsos aplausos e de que ele era o candidato feliz para gozar, um dia, o sumo deleite de concúbitos supremos! Lembrou-se da primeira tacha que passou por sobre a tela de sua felicidade, com a idéia da visita ao velho Imperador de Roma e do deboche. Mais, da fagueira viagem a Nazaré, onde pensava exibir-se como o homem mais feliz da terra, por ser o preferido de Madalena! porém onde foi encontrar, na pessoa de Jesus, modesto e pobre marceneiro, um rival feliz que absorveu Madalena, deixando-o aniquilado e dissipados os seus dourados sonhos de ventura e gozo. E, no seu coração, o fervilhamento de ciúmes torturantes; lembrou-se dos idílios e galanteios de Jesus e Madalena, no cimo do Monte Carmelo, que lhe deixaram no coração um tóxico animicida; do regresso, sem atrativos, mudo, mesto, até ao palácio de Jerico, onde Madalena deu a todos um cartaz de despedida, talvez de morte, e, apenas a ele, num tênue fio de vida, a promessa de poder ser sua ainda um dia! Lembrou-se dos seus sofrimentos morais e físicos na penosa peregrinação acompanhando Jesus, da bondade incomparável do divino mestre, dos seus ensinamentos sublimes, dos seus conselhos fraternos, de suas promessas pater-..nais, das curas maravilhosas, dos milagres inauditos, dos seus sentimentos humanos imunes dos instintos de casualidade, todos eles amor, todos eles puros como a luz, atraentes como um pólo,
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benfazejos como a absolvição. Lembrou-se de que Madalena, alma cândida que nunca aludiu à malícia, impregnara-se do amor divino, transformando-se num anjo, aspirante do céu e que jamais podia tocar, nem de leve, as impurezas da vida material, com as pontas de suas asas impolutas. E de que ele, insensato, infeliz, obcecado, quase louco, na obsessão de possuir Madalena, querendo reivindicar direitos mortos e, por um retrocesso da natureza, traze-la dos almos* caminhos do céu para as atras* vias da terra, persistira no seu ominoso contrato com o endiabrado Caifás, de entregar-lhe Jesus, o homem justo, o cordeiro imaculado, não para o matarem, porém para uma condenação de 10 anos que eqüivalia à sua morte moral, sem passar-lhe pela imaginação que, descoberto o seu trama, perderia Madalena para sempre!...
E tudo isto, em remoinhos candentes, torrificava-lhe as idéias e o coração; e, num supremo esforço, num último suspiro, disse: "Sim, perdi Jesus! Perdi Madalena! O que acabei de rememorar é um libelo sem atenuante para mim; e eu mesmo me condeno à morte... Que me esqueçam os homens e me perdoe Jeová." E deixou-se cair. Dois minutos depois era cadáver!... • • • * almo. [Do Latim almu] Adj. Poet. l.Que cria, alimenta ou nutre; 2. Adorável, ... delicioso, encantador; 3-Benigno, benéfico, bom; 4. Santo, Venerável. * atro! [Do Latim atru] Adj. Negro, escruro; 2. Tenebroso, lúgubre, medonho; 3. Fig. Aziago, Infausto. * Jeiui Cri.to c Maria Madalena - Lenda Judaica. Traços' -
SAMUEL BENJÓ, O ADMINISTRADOR DA HERDADE DE JUDAS, ENCONTRA-O ENFORCADO NO CAMINHO • • . A notícia da morte de Jesus espalhou-se rapidamente por montes e vales... A cinco léguas de Jerusalém, para o lado do Nascente, possuía Judas uma rica herdade, chamada "Javan", onde mandara construir uma vivenda confortável para o seu recreio nas épocas da inflorescência das plantas e da colheita das frutas mais saborosas. Por mais de uma vez, ali fora ele, guiando o luxuoso séquito da formosa Madalena, passar com ela e seus confrades, dias e semanas, no mais íntimo convívio. Então, que festins estonteantes! Que passeios deliciosos! Que cantatas inebriantes! Que fantasias de doirados sonhos!... Madalena tinha predileção pela aprazível mansão e a chamava de - "meu conforto javanesco" - o tempo que ali passava... Para Judas era um paraíso, uma ante-câmara do céu... O administrador dessa bela e rica herdade era um velho judeu de nome Samuel Benjó, amigo de Judas e que o vira brincar na infância, de sua inteira confiança e agrado. Samuel era um amigo decidido de Jesus Cristo e exultara de prazer, quando soube que Judas seu amo, se fizera apóstolo do divino mestre e deixara as adorações platônicas a Madalena, antes conhecida por uma rameira multívola, mas já arrependida e amiga de Jesus... Desta vez ainda não tinha como ver Jesus, porque estava , Colhido de uma perna; e isto já lhe tinha mandado dizer. Quando soube da tragédia do Calvário, disparou num pranto copioso!... E, chorando, disse à esposa: ir
r
- E eu, minha velha querida mulher, nem sequer posso ir ver Jesus morto. Que infelicidade a minha! Ato contínuo achou-se bom da perna e exclamou: - "Milagre!..." A noite estava escura, porém, ele não fez caso da escuridão. Selou o macho, botou o espadim de um lado, meteu o punhal no cinto e pôs-se de viagem para Jerusalém. Samuel estava na idade de 50 anos, porém o seu aspecto, o seu porte era de moço, sua musculatura, possante, e sua coragem, à prova de qualquer cometimento... O animal, de boa marcha, não demorou a galgar a ladeira do monte silencioso e tétrico. Ao chegar à volta ou ângulo do monte, o macho refugou o caminho, e não houve meio que o fizesse ir para diante... Samuel era corajoso, como já disse, porém, seria urna temeridade avançar a pé, como imaginou. - Será talvez algum salteador? - disse ele -. Mas, o certo é que não regresso a "Javan".
Esperarei que amanheça. Vou guardar as costas num barranco mais íngreme, e esperarei quem vier pela frente. E isto fez, porém, ninguém apareceu. Já o dia claro, Samuel montou no macho e seguiu. Ao dobrar o ângulo, o animal ainda refugou... Mas ele, sem medo, porque via bem, apeou-se e puxou o animal pela rédea... Logo adiante deparou com o cadáver de um enforcado... Aproximou-se e não o pôde reconhecer... As mãos estavam roxas e o rosto inteiramente preto; a língua, toda de fora e tão intumescida que não caberia mais dentro da boca, os olhos tão bugalhados,* que pareciam pregados fora das órbitas!... Estava medonhamente horrendo!... Samuel viu, pelo gabão de alto preço, que o personagem era rico, e disse, como que falando ao cadáver: João Miguel da Fonseca Lobo
' bugalhados - esbugalhados. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, T- Serás um dos malvados que mataram Cristo e, arrependido, vieste enforcar-te na estrada? Neste caso, fizeste bem em ir logo para o inferno, porque realmente, quem matou Jesus, e todos os que para isto concorreram, não escaparão do inferno, quando morrerem, e, aqui na terra, pagarão com língua de fora, como a tua está. Não sei mesmo para que se quer coragem e dinheiro, se numa ocasião destas não se procura fazer uso de ambas as coisas. Meu amo Judas é um moço rico e sei que tem coragem; é mesmo intrépido e valente. Ainda me lembro duma vez em que ele, sozinho, desbaratou 50 ladrões armados e comandados por um chefe de bandidos, o mais temível, que o surpreenderam entre "Javan" e "Jerico", com o fim de roubarem o dinheiro que ele levava para Madalena, ou para matá-lo a mandado, a peso de ouro, por algum rival despeitado. Quando me foram avisar que meu amo ia ser atacado na estrada, eu não perdi tempo, nem para chamar companheiros; armei-me e corri a toda brida, para alcançá-lo, porém cheguei tarde!... Meu amo estava bravo, como um leão no circo!... Os bandidos tinham fugido, deixando caídos no campo da luta companheiros, inclusive o chefe, que ficou inutilizado para sempre, porque, meu amo lhe decepara o braço direito e o jarrete da perna esquerda!... E ele, a não ser os rasgões feitos na roupa, não tinha no corpo nenhuma arranhadura!... Fiquei certo de que em toda a Palestina não há um homem valente como meu amo. Como é possível, pois, que não se revoltasse e se pusesse - na frente do povo para defender seu mestre? Já não digo nada dos outros apóstolos, porque ignoro se têm coragem... mas, meu amo Judas?.. É admirável!... E ele que ainda ontem esteve em "Javan", e tão bem falou de Jesus!... Pois eu, mesmo doente, se tivesse sabido de tal desgraça, teria vindo defender Jesus... e sairia vitorioso, porque, é certo, o 118 PQVO somente não se levantou porque não teve chefe e eu seria esse chefe. Além disso, eu tenho, em "Javan", mais de cem homens resolutos, valentes, escolhidos por mim, que nunca quis
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saber de gente fraca. E então os escravos que, por serem escravos, atiram-se a tudo e jogam com a vida, como quem joga petisca*!... Eu, de minha parte, daria cabo de cem, pelo menos, porque, quando quero, faço-me de Sansão e vou levando tudo de vencida... Os meus dois filhos saíram a mim e; moços como são, fariam um estrago de causar dó... E Jesus seria salvo. Bem, deixemos de premoções, que o tempo urge. Quero ver Jesus morto e falar com o meu amo, e saber como se deu o caso, e qual a razão de ter desprezado o mestre...
Este taful* foi rico, pelo gabão se vê... Como se faz preciso de arredá-lo do meio da estrada, para o meu animal poder passar, verei se tem, na algiberia do gabão, alguma coisa que dê sinal de quem seja, pois, pela caricatura dele, juro por Abraão, que ninguém o reconhecerá. Dizendo isto, Samuel trepou-se, puxou, para seu lado a corda que, a muitos esforços, cedeu, meteu a mão na algibeira e tirou de dentro um livrozinho. Abriu-o e leu o nome de Judas. Ah! - disse - é o garboso e rico Judas de Kariotes, meu amo, o ex-amante da formosa Madalena, antes de arrependida, e apóstolo de Jesus Cristo! Está justificada a razão porque meu amo não se revoltou, nem deu sinal de si. Prenderam, talvez, todos ao mesmo tempo...A Jesus crucificaram e enforcaram os apóstolos... Como o livrozinho trata dele, de Jesus e de Madalena, levá-lo-ei para dar a ela. Guardou-o no bolso, desceu do sicômoro, montou-se no macho e foi ter à porta da fonte. Aí deixou o animal e entrou na cidade. Dirigiu-se diretamente ao "Monte Calvário," onde estavam alguns soldados guardando um sepulcro. Samuel perguntou: - Soldados, sabem dizer-me aonde puseram o corpo de Jesus Cristo? ' petisca - brinquedo de menino em que se lançam pedrinhas a uma moeda» ,>-posta no chão, ganhando-a aquele que acertar. ' taful. Adj. 2.g. l.Casquilho, loução, garrido, luxuoso; 2. Alegre, festivo. S.m. 3 Janota, peralta, casquilho. 4. jogador profissional.' Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Rom- Sabemos sim. Foi aqui neste sepulcro a que estamos fazendo guarda. - Querem dinheiro para consentir que eu veja o corpo de Jesus Cristo? - Queremos dinheiro, mas não podemos consentir que vejas o corpo de Jesus, porque, a lage que fecha o sepulcro está selada, o que muito sentimos, não somente por não podermos satisfazer o teu desejo... como, mais ainda, por não receber nosso dinheiro, que nos ofereces. - Não seja essa a dúvida, soldado de boa vontade também merece pagamento. Tomem o dinheiro e guardem bem o corpo de Jesus. Samuel deu o dinheiro, desviou-se e foi ter à casa onde devia encontrar os apóstolos e as mulheres que acompanharam Jesus. Lá não encontrou os apóstolos; somente as mulheres ali estavam, combalidas e com os olhos roxeados de chorar, o que mais confirmava a suspeita de Samuel, de que os apóstolos também tinham sido sacrificados. - Já sei, - disse ele - mataram todos. - Não, - disse Madalena -, que contou tudo que se dera e todo o ocorrido no dia anterior, proporcionado por Judas de Kariotes, o infame, o pérfido, o venal... - Ah!... Este traidor. - disse Samuel - Deixei-o ainda agora, muito a cômodo, pendurado numa corda, num barranco da estrada de Siloé, onde me demorei quase toda a noite por causa dele, que meteu um medo assombroso no macho em que eu vim montado, de modo que me vi obrigado a ficar esbarrado até de manhã. Não o reconheci, porque está horrivelmente medonho! Vi que era personagem rico, porque o gabão é de seda. Como tive que tirá-lo do meio da estrada, meti a mão na algibeira e encontrei um livrozinho manuscrito, onde li: "História de Maria Madalena, de Judas de Kariotes e de Jesus de Nazaré." -Então, não tive dúvida sobre a identidade do cidadão enforcado e, pois, achei que devia traze-lo para te entregar. Joõo Miguel da Fonseca Lobo
- Samuel, - disse Madalena - eu não quero nem vê-lo. Peço-te, porém, que o leves e o leias até decorá-lo bem, para que contes essa história a toda gente que repousar em tua casa, a fim de que ela vá passando de tradição em tradição até à consumação dos séculos. - Sim, Madalena, farei o teu pedido. Eu vinha ver Jesus morto. Como, porém, não o posso ver aqui, aguardo-me para vê-lo no céu... E agora, Madalena, onde vais viver com as tuas amigas? Aqui mesmo ou em Betânia? - Nem aqui, nem em Betânia, Samuel; será onde Deus quiser. Sobre isto nada está definitivamente deliberado - disse Madalena.
- De minha parte, Madalena, jamais deixarei de rogar a Deus e a Jesus Cristo, por ti e tuas amigas - disse Samuel. Agora, me retiro, porque vou tratar de regular os meus negócios, para mudar-me de "Javan". - Mudares-te de "Javan", Samuel? Não penses nisto, pois não se pode saber a quem ficará pertencendo. Judas é que não é mais o dono dela... E tu, Samuel, és mais senhor de "Javan" do que os Judeus da Palestina - disse Madalena. - É mesmo, Madalena, tomo o teu conselho e de lá não sairei. - A loucura, que fez a perversidade de Judas, em coisa alguma poderá afetar "Javan" a não ser que algum fluido magnético ligue as coisas aos donos; e ele lá tem alguns trastes... Porém, para ressalva do que possa haver sobre isto, em chegando eu lá, reduzirei a cinza todos os trastes dele - disse Samuel. - Samuel, - disse Madalena - os apóstolos reunir-se-ão para continuar na missão de Jesus, nos seus ensinamentos. O ódio e a perseguição de Caifás e de toda essa gente má, cairá sobre eles e os novos adeptos. Tu, Samuel, és valente e resoluto, defende-os, auxilia-os, faze o que estiver em tuas forças. - Oh! Madalena, sobre isto não há dúvida, podes ficar descansada, que eu estarei sempre pronto para cortar línguas e arrancar olhos dessa corja malvada. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda JuSamuel, retrucou-lhe: - Madalena, não te ponhas assim fora dos ensinamentos e conselhos de Jesus que mandava perdoar as injúrias e as fraquezas do nosso próximo. Ele, Samuel, foi preso, amarrado, como um malfeitor, açoitado, injuriado, arrastado e crucificado, sem proferir uma queixa, sem pronunciar uma ameaça, sem demonstrar um sinal sequer de ódio. Esteve sempre em consoante com os seus ensinamentos, não se contradisse numa única coisa, e do alto da Cruz, Samuel, ele pediu a Deus, perdão para os seus perseguidores... Sublime, Samuel! - Isto que eu disse, Madalena, é um modo de falar, é o arriba-cão* de espantar os lobos. Sei bem como hei de protegê-los e auxiliá-los. Disse isto, despediu-se saudosamente das mulheres e saiu. •
s* arriba-cão. (expressão sertaneja da época do autor.) Sinal dado pelo caçador Spàrã os cães avançarem (contra os lobos ou outros quaisquer animais. - arriba. Acima. 2. Voz de comando para fazer arribar o navio. 3. Ordem de montar, dada ao domador por quem segura o animal.
João Miguel da Fonseca Lobo
Capítulo XIV PRISCILA ROMPE COM PILATOS Enquanto isto se dava na casa onde estavam Maria, mãe de Jesus, Madalena e Joana, outra cena tinha lugar no palácio de Pôncio Pilatos. Priscila passou a noite insone, chorando as barbaridades indescritíveis infligidas a Jesus, conforme lhe contaram Madalena e Joana. Maria de Nazaré nada lhe pôde dizer, porque naquela hora de transes acerbos, de agonias supremas, representava apenas a estátua do sofrimento e da dor... Muito cedo, foi Priscila ter com Pilatos e disse-lhe secamente: - Então, Pôncio, não quiseste fazer o meu pedido e man-daste crucificar Jesus? - Priscila, - disse ele - fiz o que pude; mandei até pô-lo em liberdade. Mas, Caifás protestou energicamente e ameaçou-me de mandar a César uma denúncia grave contra mim. Por isto, achando que me darias razão, prestei o meu firma. - Sim, Pôncio, é justo que eu deva achar que fizeste bem... - Mas, declaro-te que não permanecerei mais tempo nenhum, nesta terra, cujo ambiente é letífero, está corrompido... Prepara uma comitiva para me acompanhar até "Jope", de
onde seguirei para "Roma." Observo-te, Pôncio, que esta minha resolução é irrevogável. - Eu também irei, querida Priscila, não contigo, porque não posso deixar o governo da província à toa, porém, logo que chegue a licença, que mandarei pedir no primeiro correio. Vou mandar preparar a liteira para tua ida até "Jope", de modo que possas sair na 4a feira, pela manhã. No entretanto, prepara a tua bagagem e o que for mais de mister. Irás morar no nosso palácio, em Roma, ou, no campo, em nossa aprazível e rica vivenda, a pinturesca "Perúcia". Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços - Quanto a isto, Pôncio, não tenhas cuidado; irei morar onde o meu coração ditar-me. Pôncio Pilatos já sabia do repúdio do seu amigo Gusa, por parte de Joana, e ambos supunham que, com a morte de Cristo, ela volvesse ao lar conjugai. Todavia, Cusa punha suas dúvidas, por causa da amizade que ele sabia existir entre ela, Madalena e Maria mãe de Jesus. Quando Pôncio Pilatos lhe contou a disposição de Priscila, de ir, sem demora, para Roma e a de que tinha tomado de pedir licença para ir ter com ela lá, disse: - Entendo que Priscila devia esperar por ti, porque a demora não pode ser grande. Pretenderá ela repudiar-te? Não estará aliada a Madalena e a Joana e à mãe de Jesus? - Não. Posso garantir-te que nem sequer conhece a Maria Madalena, e a mãe de Jesus, nem viu Joana depois do repúdio. E nunca ouviu nem falou a Jesus Cristo. Alguma coisa sabia a respeito dele, porque Joana, quando aparecia por aqui, lhe contava, mesmo em minha presença, e lastimávamos a sua sorte. Priscila pediu-me que não desse o meu firma para a condenação de Jesus e que mandasse pô-lo em liberdade, o que pretendia fazer, porém não pude, em vista do protesto de Caifás e da ameaça de denunciar-me a César. Ela achou justo o que fiz, porém tomou um nojo tal a Caifás que não quer mais respirar do ar que ele respira... Não lhe pedi que esperasse por mim, o que, talvez, foi falta de minha parte, porém, vou reparar a falta, pedindo-lhe cariciosamente para esperar por mim. "
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- Quão deserta vai ser a minha vida, aqui! Que sofrimento padecerei! Que noites de insônias! Que saudades!... E bem podes, Priscila adorada, desvanecer tudo isto, somente em esperar um pouco, para irmos juntos. Priscila, muito placidamente, respondeu-lhe: - Pôncio, a que vem tudo isto? Que idéias são as tuas a meu respeito? Que juízo fazes de mim? Põe em balança tuas insônias, o deserto de tua vida, sofrimentos e saudades e o desespero da minha alma, os tormentos de minha consciência, a ânsia que me aniquila, por ainda respirar o ambiente desta terra maldita, e vê para que lado pende o fiel... Devias conhecer a minha conduta amigável e a minha complacência para contigo... Não é de muito tempo o procedimento indecoroso que fizeste para comigo... Ne-gociaste com o debochado Tibério a minha honra, a minha dignidade de mulher patrícia, pelo governo da Judéia... Assegurado o negócio, voltaste a incutir-me n'alma que eu chegaria a ser Rainha, porque o Imperador prometera fazer-te Rei de Jerusalém, que por tudo isto, devíamos passar por Capréa, para eu dar a César meus sinceros agradecimentos. Lá fomos, pois, e, como o negócio estava realizado, tu vieste para Jerusalém e eu fiquei em Capréa, vítima indefesa de um velho debochado e corruptor... Que torturas!... Que sofrimentos!... Que desesperos foram os meus... mais de um ano!... Vim ter contigo, como se viesse de meu leito de donzela-irrisão! Para um tálamo de castos esposos... De coisa nenhuma quiseste saber, nada de mim inda-gaste. Que pezares me deste? Que sentimentos foram os teus? E eu,
boa, complacente, esqueci o teu procedimento ignominioso e cruel e nunca aludi uma frase a respeito desse passado que desapareceu num esquecimento completo... E, ainda agora, não poderei ser credora, ou por outra, ainda não merecerei uma complacenciatura? Seria uma injustiça, até, posso dizer, tirania. Jesus Cristo e Maria
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- Lenda Judaica. TraçoRomânticosdaica. Tr.ânticosr
Pôncio Pilatos apreciava sua mulher. A convivência de alguns anos fez com que a amasse, e talvez muito e julgava ser por ela amado... Mas, enganava-se, porque o amor não resuscita. Priscila tinha por ele a condescendência e a estima de uma boa mulher; nada mais podia ter. O que sofreu em Capréa matara-lhe o amor. E ele, em vista da justa delação de Priscila, somente teve ânimo para dizer: - Priscila, eu também fui vítima do infame Tibério... Nada de ti indaguei, é certo, de nada quis saber desse passado, que foi para mim a noite mais profunda da minha vida, porque a tua entrada nesta casa foi igual à luz de um astro que dissipa as trevas mais densas. Desde então, não houve para mim mais noites... Vivo imergido na tua luz benéfica... Já têm luz para mim as noites, já há luz nos meus sonhos e meus sonhos já são de luz... Seja feita a tua vontade: vai para Roma, sai deste pestífero ambiente. Agora sou eu que mando, que desejo, que quero... Sim, Pôncio, vou preparar-me - disse Priscila. i
Capítulo XV JOSÉ DE ARIMATÉIA FAZ A APOLOGIA DE JESUS NO SINÉDRIO Como é sabido por toda a gente, o dia de sábado sempre foi feriado para os judeus, pelo que só no domingo, Caifás pôde reunir o Senado, no Sinédrio, para porem em forma de legalidade o processo iníquo, que tão de afogadilho forjaram contra Jesus. Compareceram todos os senadores, à exceção de Nicodemos, Justos e José de Arimatéia. Caifás disse: - Nicodemos participou que está prostrado, por isto não pode comparecer: é justo. Mas, o Senador José de Arimatéia nada participou, nem veio. Segundo a lei deve ser multado. - Talvez não tenha sido avisado, - disse um senador amigo dele... - Foram todos avisados, - disse Caifás, arrogante. - Pois, para que não reste dúvida, é bom ir novo aviso -disse o amigo -. No entretanto vamos tratando de pôr as coisas em ordem. - Que vá um segundo aviso, - disse Caifás. Veremos o caso que ele faz do aviso. - Quem ignora mais o pacto que tinha ele com o tranquiberneiro* de Nazaré? Quem não o viu, como um trancarruas, por entre os soldados, todo vexado para sepultar o galileu bem envolvido em lençóis de puro linho e rorejados de bálsamos preciosos, no seu próprio cenotáfio*? Não foi ele, em pessoa, obter
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* tranquiberneiro. S.m. que faz tranquibérnias (tramas, tramóias, burla, frau trapassa) * cenotáfio. S.m. - monumento fúnebre erigado à memória de alguém, mas que não lhe encerra o corpo. João Miguel da Fonseca Lobo
do fracalhão do Pôncio, licença para dar-lhe uma sepultura? E a lei é expressa na proibição de sepulturas aos crucificados. Podemos contá-lo, desde já, como nosso inimigo. - Caifás, - disse ainda aquele senador - és injusto com um dos nossos pares que mais honram e abrilhantam o Senado de Jerusalém e as nossas letras pátrias. José de Arimatéia é um homem distintíssimo, de sentimentos nobres, predicados que somente podem ter as consciências livres. Ouviu as prédicas de Jesus, estudou, com a competência que tem e todos nós reconhecemos, o fundamento de suas idéias, achou que não eram infensas às nossas leis civis e religiosas e fez-se seu amigo particular. - Não o defendeu em juízo, o que poderia ter feito e com proveito, é claro, se fosse seu partidário. Quem, em verdade, poderá supor e crer que José de Arimatéia seja capaz, sequer em pensamento, de dar um passo, dizer uma palavra, escrever uma letra, contra a nossa pátria?.. Impossível. Pelo contrário, tem sido ele um de seus paladinos mais intemeratos e intementes em prol dos nossos direitos. Quem, como ele, advoga a causa da nação judaica, perante o Senado Romano? Ninguém, certamente. Entrava no Sinédrio, neste momento, o senador José de Arimatéia, que, saudando cortesmente os senadores, disse: - Agradeço, ao nobre colega e meu delicado amigo, a defesa que me estava fazendo e peço-lhe que me ceda a palavra para que eu mesmo produza minhas articulações, não defesa, porque, quem não é culpado não pode ter defesa. Hoje, muito cedo, fui, isto é, tive um aviso de Caifás, quase uma ordem, para, hoje mesmo comparecer à reunião do Senado, que fora convocado, para sessões extraordinárias. Tomei a deliberação de não vir tomar parte nos trabalhos dessas sessões extraordinárias. Agora, nesta hora, tive um segundo aviso ameaçador.
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- Dizendo apenas que o senador que não comparecesse, sem causa justificada, seria multado. - replicou Caifás. - E então, - perguntou José de Arimatéia - que nome tem isto? - Avisei-te apenas. - disse Caifás. - Um aviso num aviso! Para esclarecer este ponto e outros mais é que vim aqui, não para comparecer à sessão do Senado. Serei, por isto, multado? E será exeqüível essa multa? perguntou José de Arimatéia. - A lei é bem clara, - disse Caifás: O senador que não comparecer às sessões, sem causa justificada, será multado. Daí a exequibilidade da multa. - A tal ponto chega o teu conhecimento das leis de nossa constituição? - perguntou José de Arimatéia. - É pena, é lastimável que um chefe, como tu, Caifás, ignore as nossas leis, a não ser que queiras fazer de leis, e a teu arbítrio, as tuas idéias. A lei diz muito claramente: "O Senado reunir-se-á uma vez por ano, em data fixada, e o senador que não comparecer às sessões, sem causa justificada será multado. Se, em qualquer emergência que possa trazer perigo à pátria, houver necessidade de reunião, o chefe supremo poderá convocar os senadores que comparecerem." Logo, neste caso, o comparecimento fica ao alvedrio dos Senadores e conseguintemente isentos de multa e responsabilidade... - Bem sabes que é extraordinária. - respondeu Caifás. - E como queres trazer para uma sessão extraordinária o que somente é devido às sessões ordinárias? És ignorante, ou queres fazer da tua vontade as leis que nos regem? Eu declaro-te que não voto por denhuma dessas duas coisas. Quero ser breve, portanto aviemo-nos, para que me queres aqui? - Para pormos em ordem o processo-crime do celerado e tranquiberneiro da Galiléia,
Jesus Cristo. - Protesto contra essas aleivosias atribuídas a Jesus Cristo... - Celerado é o caráter da sentença que condenou à m< um homem justo. Tranquibernice é a usurpação de direitos previstos nas leis, puros, claros, concludentes. João Miguel da Fonseca Lobo Jesus Cristo t Maria Madalena - Lenda Judaica. Traças Românticos
Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda Judaica, Traços Românticos< Românticosdaica. Traços Românticoss Românticosnda Judaica. Traços Românticossos Traços Românticos Judaica. Traçai Românticos *Traços RomânticosTroce»
-Jesus era galileu, pelo que não podia ser julgado em Jerusalém, como o fizeste. Devias tê-lo mandado à jurisdição de Herodes, na Galiléia, para que lá pudesse ser feito o seu processo e julgamento. - Herodes está aqui, e concordou em que ele fosse processado aqui. - disse Caifás. - Mas, Herodes - contrapôs José de Arimatéia - não pode declinar da jurisdição de sua competência exarada nas leis. Portanto o seu assentimento é irrito*, sem valor jurídico, e o teu processo nulo, a tua sentença criminosa. Não defendi Jesus, porque supus que Pôncio Pilatos não prestasse o seu firma para tamanha iniqüidade... Ele, cobarde, teve medo dos teus rugidos de leão e confirmou a sentença. Mas eu é que, de modo nenhum, escreverei o meu nome em tão monstruosa tranquibernia. Em presença do Senado, Caifás, concito-te para dizeres-me quais são os pontos de tua acusação contra Jesus. - E ignoras tu, por ventura, quais são eles? - perguntou Caifás. - Ignoro, sim - respondeu José de Arimatéia. Quando co-meçaste os teus insinuantes interrogatórios, eu e Nicodemos nos retiramos. - Acusei-o de celerado - disse Caifás. - Mas, se pode provar o contrário - respondeu Arimatéia. - Jesus nunca fez mal a ninguém. Era manso, por índole, aconselhava o sofrimento, a harmonia, a paz. Dizia que era melhor ser vítima muitas vezes do que ser algoz uma só. Esse homem, pois, não era um celerado. - Acusei-o de sublevar o povo com doutrinas subversivas. -disse Caifás. - Mas, pode-se provar o contrário - disse Arimatéia. A síntese de nossas doutrinas encerra-se nos mandamentos da lei de Deus dada a Moisés, no Monte Sinai. E jamais Jesus Cristo tocou mandamentos, para refutá-los. Pelo contrário, esclarecia-os, ' irrito - adj. - que ficou sem efeito; nulo; vão. João Miguel da Fonseca Lobo •
Capítulo XVI
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OS DISCÍPULOS SE DISPERSAM. A VIAGEM PARA O JOPE • • José de Arimatéia, saindo do Sinédrio, onde falou brilhantemente e deixou tão profundamente abalados os senadores e Caifás vergonhosamente acaçapado, foi diretamente para casa, onde estavam as mulheres reunidas, e já também todos os apóstolos. Chegou e foi dizendo: - Acabei de desmascarar o pérfido Caifás, em presença do Senado reunido no Sinédrio e seguramente de abrir uma luta, talvez de morte, entre mim e ele... De minha parte não recuarei uma linha. Se não fosse o amor que tenho à minha pátria, daria uma boa lição àquele réprobo. Porém deixa-o!... A maldição dele será eterna e a glória de Jesus Cristo, um dia, iluminará o mundo com o facho da redenção!... A missão do divino mestre não deve ser interrompida jamais. Sejamos firmes, resolutos, intrépidos, in-fatigáveis! Que o sangue incorrupto dos mártires, a começar de Jesus, seja o amanho do Cristianismo e cada mártir, uma semente multípara da cristandade. Deixo, - disse a Pedro - esta casa para o Cenáculo dos apóstolos.
Numa voz uníssona disseram os apóstolos-. - Juramos, por Deus e por Jesus Cristo, que nada há nem haverá no mundo que nos faça calar a sua palavra. Que venham as dores, os sofrimentos, os martírios, a morte. - Bem, - disse Arimatéia - o tempo urge. Às cinco e meia horas da manhã, eu, João e as mulheres devemos, sem falta, fazer^ viagem para Jope e muitas coisas tenho que fazer antes da saícft. Portanto, é bom que as mulheres enxuguem, por enquanto, as lágrimas e preparem-se para a jornada, que não é pequena. Eu vou, agora mesmo, à casa de Nicodemos, deixar-lhe uma procuração, dizer-lhe adeus e o que quero que ele faça na minha ausência. De lá, vou tratar dos ablativos* da viagem e somente voltarei aqui para pormo-nos em marcha. Disse e saiu. ' .. '
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* ablativo. Adj. (do Latim ablativu) Que pode extrair, privar, tirar. Sm.l Últimos preparativos para a viagem, etc. João Miguel da Fonseca Lobo
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Capítulo XVII EM JOPE, TODOS REUNIDOS. A VIAGEM PARA ÉFESO Na segunda-feira, ao romper da aurora, partiram para Jope: José de Arimatéia, João, discípulo amado e as mulheres, depois que Maria, mãe de Jesus, deu, por doação, à sua prima, Maria Cleofas, sua vivenda em Nazaré, aonde jamais voltaria, recomendando-lhe que a conservasse sempre como estava atualmente e que assim fosse passando de geração a geração... Na quarta-feira Priscila partiu também para Jope. Pôncio Pilatos, com um bonito cortejo de amigos, acompanhou-a até Ramlé. Em Jope, todos reunidos, José de Arimatéia comprou uma barca veleira para transportálos a Éfeso e tê-la sempre a seu serviço. Ele possuía embarcações de pesca, cujos tripulantes eram, na maior parte, escravos. Escolhera, entre eles, os que lhe foram precisos para equipagem da barca e peritos em marear. Depois de tudo pronto, deu à polícia marítima da cidade, os nomes dos passageiros, da barca e do lugar demandado. José de Arimatéia, como convinha e era preciso, deu nota falsa do nome da barca, de seu proprietário, dos passageiros, dos tripulantes e do lugar demandado. Priscila embarcou com o nome de Maria de Jesus, para escapar das pesquisas de Pôncio Pilatos. Chegados a Éfeso, José de Arimatéia comprou, na área urbana da povoação, uma quinta de proporções medianas, para viverem à parte da movimentação do povo e, por ser-lhes conveniente para a semeadura do Cristianismo no meio daquela gente idolatra e paga... Jesus Cristo t Maria Madalena -Lenda Judaica, Traço: RomâDinheiro não lhes faltava. Maria Madalena destribuíra muito ouro. Porém ainda possuía, destinadas para o mesmo fim, somas consideráveis. Joana tinha também muito dinheiro. Priscila, outro tanto. E José de Arimatéia, igualmente. Tudo isto formava um único montão de ouro, comum a todos... Com vagar e com o tempo erigiram um templozinho, mesmo no terreno da quinta e o Cristianismo começou a vicejar ali, com pujança e vigor. '
"...IMPLANTOU-SE EM EFESO UMA PLANTULA DO CRISTIANISMO..." As missões de Jesus Cristo, os seus divinos ensinamentos, os seus milagres de curas e resurreição de mortos, as perseguições que lhes moveram os poderosos da terra, a tragédia cruenta do Calvário abalaram o mundo!... As palavras de Jesus Cristo traziam aos povos um alento novo à fé, à certeza na felicidade eterna para as almas benfazejas, de corações bem formados! E sua voz harmoniosa e suave como uma essência do céu, difluiu-se por toda a Palestina e além dos mares... Em toda parte criou prosélitos. Quando a família prófuga das perseguições de Caifás chegou a Éfeso, Jesus Cristo e sua doutrina já eram ali conhecidos. Com a notícia dos martírios e crucifixão de Jesus, implantou-se em Éfeso uma plântula* do Cristianismo, que, com o hálito vivificador da augusta e excelsa família, não tardou a prolificar. Pouco mais de um mês depois dos acontecimentos relatados, chegou a Jerusalém a licença pedida por Pôncio Pilatos, que não demorou a deixar, por uma vez, Jerusalém, transportando-se para Roma, numa ânsia febril de abraçar sua querida e inolvidável Priscila... Porém, coitado! Não a encontrou mais, nem em Roma, ne: na vivenda do campo! Procurou-a por toda parte, na Itália, voltou1 * plântula. [diminutivo de planta] s.f. plantinha recém-nascida. Jesus Cristo e Maria Madalena - Lendaa Jerusalém, onde Gusa fê-lo acreditar que sua mulher devia estar junto às outras, Maria Madalena e Joana, que nunca mais foram vistas em Jerusalém. Deviam estar em Betânia, ou em Jerico, ou em "Javan", lugares prediletos da formosa Madalena, ou em último caso, em Nazaré, no Monte Carmelo, na Galiléia. E foi com o amigo por todos esses lugares, porém não acharam nem notícia da família bendita... Pôncio Pilatos foi ao Egito, à Grécia, à Jônia, à Cicília, à Espanha. Fez o que humanamente era possível, tudo, porém, de-balde! Desenganado, recolheu-se à sua vivenda do campo, onde morreu dementado*, a chamar, por montes e vales, sua querida Porçula Priscila, que se lhe escapara, para sempre, para sempre! -
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ERRATA: NA PÁG. 18, ONDE SE LÊ ...4a FEIRA EM PROVA... - LEIA-SE 3a FEIRA EM PROSA...
* dementado. Adj e S.m. Que ou aquele que perdeu o juízo; demente. João Miguel do Fonseca Lobo
' / l dando-lhes elasticidade para o bem. Pregava a caridade, a fraternidade, o trabalho, o amor dos cônjuges, dos pais, dos filhos, pregava contra a avareza, contra a ladroice, contra a injustiça, contra a vaidade e os gozos indébitos desta vida de misérias, apontava Deus e insinuava as bem-aventuranças eternas. Isto, Caifás, não é subversão, pode ser, e
é, um exaltamento para os espíritos decaídos, apáticos, aferrados ao erro etc. - Acusei-o de sedicioso, insurgindo-se contra as leis, para pagar o povo os impostos à nação e a César. - Mas prova-se o contrário, Caifás, com a resposta cabal que ele deu no Templo, aos teus emissários, quando lhes disse: "Pagai a César o que se deve a César e dai a Deus somente o que é de Deus." E também quando disse a Pedro que a ninguém era lícito insurgir-se contra o fisco e mandou que pagasse os impostos que lhe cobravam. - Acusei-o de imoral e hipócrita e amante da formosa Madalena. - Mas o contrário se prova com o que te disse Judas, que a ti o entregou jurando que quebraria os dentes de quem quer que isso quisesse afirmar em presença dele. Caifás, disse por última José de Arimatéia - eu podia requerer, em termo e forma de não poder ser negada, a revisão do processo iníquo e da condenação monstruosa e inautida contra Jesus Cristo... E ai de ti, Caifás e dos teus cúmplices e mandatários, se eu o fizesse... Mas eu não o farei, porque não quero o aniquilamento da pátria, que me é tão cara e estremecida, porque o caso seria para isto. Caifás, lembra-te bem de minhas palavras: o progresso do mal é uma ruína, e quanto mais progride o mal, tanto mais se cava a ruína. E é para isto que trabalhas, obcecado pelos teus próprios interesses. Se as coisas prosseguirem assim, dentro de meio século desaparecerá do mapa do mundo a nação judaica... Sei, Caifás, que, ao te dizer tudo isto, nada mais faço do que exaltar o teu ódio contra mim. Mas, não fugirei do terreno em que piso. Podes assalariar sicários para eraj:m varem-me no peito um estilete... Eu tenho porém dois filhos moços, tenho centenas de escravos e outro tanto de estipendiários. •• Jesus Cristo e Maria Madalena - Lenda JudaicSou bem conhecido no meu país, principalmente em Jerusalém. Não conto um só inimigo, nenhum desafeto, senão tu de hoje por diante. Sendo, pois, assim como é, és tu o único responsável do que suceder à minha pessoa, e fica certo de que cada um dos meus filhos, dos meus escravos, dos meus estipendiários, será o teu carrasco. - Senador José de Arimatéia, chamo-te à ordem. São demais os teus insultos. - Chefe Caifás, sou Senador. Porém, não estou em sessão. Por isto não obedeço à tua ordem, e, somente por decoro ao Sinédrio e respeito aos Senadores, meus amigos, não te escarro na cara. Disse e saiu, pisando duro, porém sereno, como se não saísse de uma arenga tão violenta e acerba Caifás teve medo de José de Arimatéia... O sangue fugiu-lhe da superfície para as veias cavas do interior: ficou branco como uma estátua de gesso!... Os senadores estavam perplexos... Um deles disse: - Acho bom encerrar-se a sessão de hoje. Os espíritos estão perturbados com as veementes articulações do senador José de Arimatéia. Não podemos deliberar com o discernimento que o caso exige. É conveniente não esquecermos as palavras do Arimatéia. Ele pode resolver-se a requerer ao Senado Romano uma revisão do processo. E o Senado de Roma que não nos vê com bons olhos, pode ordená-la e, neste caso, é necessário que o processo esteja formado com todos os requisitos da lei. Esse parecer foi aceito e Caifás encerrou a sessão. '.'
O TESTEMUNHO DE UMA NETA
João Miguel, como todo filosofo, tornou-se imortal na história dos homens, porque descobriu a ciência geral do ser, do princípio geral e das causas. Na antigüidade, os poucos homens que possuíam cultura eram chamados sábios. João Miguel descobriu na Filosofia a fonte da vida e dela bebeu até à sacíedade. A sua experiência nos mostra como, concretamente, um homem, e nós também, podemos vencer na vida. Querido vovô, mesmo sem te conhecer, aprendi a te amar, pelo ser humano que eras e pela lição de vida que deste ao mundo. Corajoso, destemido, buscaste, nos recantos do Brasil, trabalho e conseguiste fortuna. Fortaleza, novembro de 2001 guiomira fontes lobo Nos dias de hoje, é difícil um João Miguel. Talvez no próximo s culo, quem sabe?!... O que mais me comove, meu querido filósofo, é a não edição dos teus importantes livros. E é justamente este o objetivo desta obra, mostrar a verdadeir imagem desta personalidade que s comprometeu até ao fim.
MOYSÉS RODRIGUES PEREIRA Sertanejo de Hidrolândia, agricultor e tropeiro, conheceu o clima ibiapabano em São Benedito, onde cultivou
cana e café com o pai e os muitos irmãos. Foi para o Seminário e se ordenou sacerdote em 1965. Colou grau em Filosofia, Pedagogia e fez curso de especialização em Programação e Planejamento Educacional. Fez curso de pós-graduação de Pedagogia do Ensino Fundamental no Campus Avançado da Universidade Estadual Vale do Acaraú -UVA - em Guaraciaba do Norte. Lecionou Ciências da Educação no Curso de Graduação em Pedagogia do Ensino Fundamental» no mesmo Campus Avançado, ensinando Ciências da Educação. E funcionário concursado da UFC - Pedagogo - Habilitação e professor de Filosofia e Sociologia na Escola de Ensino Fundamental e Médio Guaraciaba do Norte. Em 1978 renunciou ao celi-bato para se casar, afastando-se canonicamente do Ministério Sacerdotal, enquanto a Igreja repensa a sua decisão contestada por 90% das bases católicas. Fortaleza, novembro de 2001
a, Traços Românticos Judaica, TÜ&t IKÉÍIITtUJTnticosRomânticos