“A qualidade dos recursos hídricos só tem se deteriorado no decorrer desses anos, já que a cidade tem crescido assustadoramente desde a década de 60 para cá.” O coordenador de Monitoramento e Hidrogeologia, Eduardo Topázio, enxerga um avanço nas políticas públicas, mas destaca o processo histórico de degradação dos recursos hídricos. A importância dos recursos hídricos em uma cidade é imensurável. Com o advento da modernidade, os rios e mananciais transformaram-se em “esgotos a céu aberto”, refletindo a ocupação desordenada e a insuficiência de políticas públicas. Nesse quadro, o INGÁ (Instituto Nacional de Gestão das Águas e Clima) busca monitorar os recursos hídricos, tanto do estado, quanto de Salvador. Visto isso, é de suma importância a opinião do Coordenador de Monitoramento e Hidrogeologia, Eduardo Topázio, ante essa problemática ambiental. Problemática essa que conta com a precariedade sanitária, com o processo errôneo da canalização dos rios, e com a insuficiência da educação ambiental entre a população. Como o INGÁ avalia a qualidade e a disponibilidade dos recursos hídricos na cidade de Salvador? A qualidade só tem deteriorado no decorrer desses anos, já que a cidade tem crescido assustadoramente desde a década de 60 para cá. Salvador se abastecia de águas e mananciais muito próximos, basicamente do Ipitanga e do Joanes, mas hoje já quase não conta mais com essas águas. A maior parte das águas que atendem a Salvador vem de
Eduardo Topázio
Rio das tripas – outrora rio, agora esgoto a céu aberto.
Pedra do Cavalo, e isso é desde a década de 80. Eu acho que com o advento da Pedra do Cavalo, o que ocorreu, isso é uma análise que eu faço como engenheiro sanitarista, é que à medida que não se precisou mais das águas urbanas, pouco cuidado se teve com esses mananciais. Então desde essa época, quando se nota um grande crescimento industrial e urbano, os rios vêm sofrendo os impactos desse crescimento, já que não foi um crescimento bem acompanhado paralelamente de sistema de esgotamento sanitário. Ou seja, os rios só têm piorado sua qualidade. E quais são as práticas que promovem a deterioração dos rios? As duas principais são a falta de saneamento e a desordenada ocupação e uso dos solos. Não há uma hierarquia entre as duas, mas basicamente vemos a ocupação dos solos, que dada de forma desordenada, não controlada, traz concomitante a falta de saneamento. Ou seja, você ocupa o solo em áreas que não deveria ocupar, gerando resíduos líquidos e sólidos, e isso sem uma política de saneamento municipal traz prejuízos a, não só à qualidade dos rios, mas ao ambiente em geral do espaço geográfico. Em um seminário proposto pelo INGÁ entitulado “Proteção e Revitalização dos Rios Urbanos” os especialistas concluíram que os rios em Salvador estão sendo “engavetados, sepultados”, representando a prática da canalização. Dessa forma, como o INGÁ enxerga os malefícios da prática da canalização dos rios? O INGÁ como um órgão de gestão de recursos hídricos não pode concordar com isso, visto que a canalização não é uma solução adequada em hipótese alguma.
Recentemente, em um congresso nacional da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), contando com mais de 100 mil participantes, houve um painel sobre rios urbanos.
“Revitalização é propiciar que as águas naturalmente escoem e que as áreas sejam efetivamente recuperadas, tornando-se permeáveis. É menos concreto e mais capacidade de absorção da água das chuvas.” Foram mostrados exemplos de revitalização desses rios, em diversas áreas. O caso que mais me chamou atenção foi quando a professora Mônica Porto apresentou um trabalho sobre a questão do Rio Tietê em São Paulo, visto que é um rio com um caudal muito maior do que os rios que passam em Salvador. Foi feito recentemente uma obra de ampliação até o limite máximo de canalização, já que o Rio Tietê é um canal oficializado, com leitos edificados. Nesse ano, na primeira chuva ocorrida, as marginais do rio estavam alagadas, com os carros embaixo d’água. Ou seja, a revitalização é muito mais do que você tapar ou aumentar a secção dos rios. Revitalização é propiciar que as águas naturalmente escoem e que as áreas sejam efetivamente recuperadas, tornando-se permeáveis. É menos concreto e mais capacidade de absorção da água das chuvas. No processo de revitalização dos rios na Colômbia, por exemplo, em nenhum momento se falou em
canalização, ou pôr concreto. Criaram-se áreas verdes, gerando a redução da temperatura e uma maior atratividade local. Segundo o engenheiro sanitarista Roberto Moraes, “essa prática de sepultamento é feita por empreiteiras que são fábricas de dinheiro”. Você concorda com essa afirmação? Bom, Moraes foi meu professor. Essa questão é muito subjetiva, e eu nem tiro a razão dele. Mas não podemos fazer uma afirmação de que é meramente a vontade da empreiteira que faz isso. Se formos verificar, e eu até quero crer, a empreiteira tem interesse em fazer as obras. Mas quem comanda as obras é o poder estabelecido, tanto municipal quanto estadual. E se formos ver o caso recente da Centenário, em que o rio foi coberto, vemos o apoio muito forte da população. Eu vejo que, de certa maneira, isso é algo residual. Eu acho que na verdade é a velha história da especulação imobiliária. Quando o poder não é exercido em sua plenitude pela população, pelos seus dirigentes representantes, o poder econômico às vezes predomina. É muito comum se ver empreiteiras pondo normas na Câmara de Vereadores em relação ao uso do solo, e isso é fruto da luta de poder local, faz parte da democracia. É necessário que haja uma população muito mais mobilizada para que essas coisas não aconteçam. A empreiteira quer fazer a obra, porque a vida dela é essa, e a população tem que prezar pela qualidade de vida. O problema é que as empreiteiras vendem essas obras como se fosse qualidade de vida para o povo, e eu tenho dúvidas se representa de fato alguma qualidade para a população. Mas se você for na Centenário perguntar sobre a
obra, a maioria vai achar a obra fantástica. Mesmo não sendo... Inclusive o Ministério Público iniciou uma ação na 1ª Vara Federal contra a obra da Centenário, porque feriu a legislação ambiental. E a obra de canalização do Rio das Pedras, no Imbuí, sofreu restrições.... Olha, eu não conheço detalhes técnicos. Mas nesse processo todo existe um ponto positivo. A nossa ação do INGÁ fez com que um dispositivo da lei, que é a necessidade de um aval de um órgão gestor para a intervenção nos recursos hídricos, fosse respeitado. Então isso é um avanço do ponto de vista institucional. E foi o que eu disse, eu não vejo essa prática da canalização como solução. O ideal é a instalação de estruturas permeáveis para drenagem. Salvador possui uma topografia com vales recortados com córregos e rios, além de ser uma cidade que chove muito. O processo de urbanização no mundo todo, principalmente no século passado, foi desenfreado. E vários lugares registraram mudanças, e aqui ainda estamos na contra-mão. Ainda se acha que urbanização é passar concreto em tudo, e isso ainda conta com o apoio da população. Então temos uma luta inglória, para conscientização, de conquistar corações e mentes. Que é uma luta na verdade pela qualidade de vida da cidade. Essa prática, nesses exemplos que você trouxe, acarreta numa maior impermeabilização, tornando essas áreas suscetíveis a inundações. A impermeabilidade retarda a vazão cheia, a gota de água que chega ao solo demora muito mais tempo pra chegar na parte mais profunda dos solos. Quando se tem concreto, a água escoa muito rapidamente. Segundo estudos, o único rio ainda com qualidade em
Salvador é o Rio do Cobre, que nasce na Lagoa da Paixão, no Subúrbio de Coutos. Qual a importância e a situação atual desse rio? Na minha opinião, ainda há outros rios que se salvam em certas áreas. Mas se você for pesquisar no entorno desses rios, há uma forte pressão urbana e ocupação
“O projeto Águas de Salvador é um projeto acadêmico desenvolvido pela UFBA, e será apresentado no final do ano. A partir desse diagnóstico poderemos realizar um monitoramento regular de todos os rios de Salvador” popular. Há casas já dentro dos rios, e tem que se acabar com isso, não se pode deixar a ocupação urbana chegar nas margens. No caso do Rio do Cobre, ele ainda é usado como manancial de abastecimento, como reserva. Na verdade já se tem um nível de degradação, ele já não é utilizado frequentemente, porque o custo para tratamento da água é elevado. A água não possui uma mesma segurança sanitária da que vem de Pedra do Cavalo, além de ser um manancial pequeno. Mas no passado o Rio do Cobre foi um manancial importante para a cidade de Salvador, localizando-se na suburbana, então é um grande desafio nosso recuperar e preservar o que resta de qualidade naquelas águas. Como o INGÁ realiza o monitoramento dos recursos hídricos em Salvador? Na verdade, monitoramos águas em várias áreas do estado, mas em Salvador ainda não realizamos
um monitoramento regular. Nos rios Ipitanga e Joanes realizamos um monitoramento, mas os rios menores não são significativos em porte e tamanho para o estado. Devido a isso, estamos fazendo um trabalho conjunto com a Universidade Federal da Bahia, para fazer esse mapeamento qualitativo dos recursos hídricos. Nós já fazemos monitoramento conjunto com eles, assim como a Embasa, a própria prefeitura de Salvador, entre outros órgãos. O projeto “Águas de Salvador” é um projeto acadêmico desenvolvido pela UFBA, e será apresentado no final do ano. A partir desse diagnóstico poderemos realizar um monitoramento regular de todos os rios de Salvador, e isso é pioneiro, nunca foi feito anteriormente. Esse caráter de mostrar a realidade da água de forma sistemática passou a ser feito agora pelo INGÁ em 2008, e é um processo árduo e caro. Existe um projeto do INGÁ cujo nome é “Programa de Matas Ciliares e Nascentes”. Qual a importância da preservação das matas ciliares no percurso dos rios? É fundamental. Mata ciliar, cujo nome vem de cílios, representa uma proteção de fato das águas. Foi o que eu tinha comentado antes, a importância de retardar a chegada das águas até os rios e diminuir o impacto das chuvas. Isso representa não só a idéia da chuva chegar com menos velocidade e mais naturalmente ao leito dos rios, como ajuda a melhorar a qualidade dessas águas que chegam até os rios. Impede o assoreamento e entupimento desses rios, não só por materiais contaminantes, como também pela terra de fato. Então as matas ciliares são fundamentais para a saúde dos rios. Esse trabalho foi assumido pelo INGÁ e representa um trabalho gigantesco, abrangendo a Bahia inteira. Esse trabalho é
desenvolvido por um setor, a Diretoria Socioambiental Participativa. Na sua ótica, pode-se ver avanços nas políticas públicas, realização de projetos, e conscientização popular atualmente? Tenho certeza que sim. Todas essas atribuições novas que o INGÁ passou a ter, além de projetos de longa maturação, que não dão resultado da noite para o dia, como a avaliação dos recursos hídricos, demonstram isso. Antes não se sabia como era a situação dos rios, mas a partir daí passamos a tomar conhecimento da qualidade desses rios. Esse foi o primeiro passo para que medidas sejam tomadas, para que se recupere a qualidade onde for necessário, entende? Esses são processos
que precisam ser continuados, que resultam em um aumento de qualidade nas políticas públicas pra área. Antes você não sabia como estava a qualidade dos rios da Bahia, mas com esses avanços pode-se dirigir programas como o “Água para Todos” e outros programas de saneamento para áreas que possuem necessidade. Qual deve ser o papel individual e comunitário na preservação dos rios? Eu acho que o quesito educação é o ponto mais complicado. A educação ambiental é uma das coisas mais complexas, e necessita do envolvimento de diversas esferas do poder, de setores da educação formal. Não é uma política partida de um órgão de gestão de recursos hídricos que vai surtir os efeitos esperados. Eu acho que a educação permite à sociedade
tomar conhecimento de suas ações e passar a ter uma outra postura perante a água. A gente ainda hoje joga lixo na rua, a gente ainda hoje utiliza a água de maneira pouco adequada. Nós precisamos de uma conscientização para o uso racional da água, que é um bem cada vez mais raro e caro. Um recurso mineral para chegar às casas custa muito dinheiro. O que falta, na verdade, é a população colaborar com isso. Mas como a população vai colaborar se ela não tem conhecimento desses mecanismos? Deve haver então uma divulgação maior desse contexto, um trabalho mais integrado com a educação, de valorização e preservação dos recursos hídricos e por um uso mais racional da água. Mas isso é muito complicado. A gente ainda tem a cultura do desperdício muito forte.