A partir da leitura do livro “Os Argonautas do pacífico ocidental”, o primeiro ponto que podemos analisar da obra de Malinowski diz respeito à sua meotologia proposta para realização de uma etnografia. Segundo o autor, durante a pesquisa de campo o etnógrafo deve preocupar-se em estabelecer todas as leis que regem a vida daquela sociedade estudada, ou seja, sua constituição social. No entanto, esses elementos não se encontram explícitos ao pesquisador fazendo com que o mesmo exercite sua capacidade de atenção para ser capaz de percebê-los. Para o resultado da pesquisa ser satisfatório, o etnógrafo deve observar e analisar exaustivamente todos os acontecimentos que possam estar ao seu alcance, investigando rigorosa e interativamente a cultura nativa em sua totalidade de aspectos. “A lei, a ordem e a coerência que prevalecem em cada um desses aspectos são as mesmas que os unem e fazem deles um todo coerente” (MALINOWSKI, 1922, p.28). Dessa forma, separando o que não é recorrente e “irrelevante” daquilo que de fato faz parte da estrutura social, o pesquisador torna-se capaz de formular um “esquema mental” coeso da sociedade em estudo. A metodologia que Malinowski nos apresenta é visivelmente influenciada pelo modo de pensar característico das ciências naturais. A “exatidão” proposta para as suas anotações, a busca por leis que regem sociedade estudada e a perspectiva de uma totalidade dos fatos e elementos sociais são alguns dos elementos que comprovam o caráter cientificista de sua metodologia. As idéias de Durkheim também encontram-se presentes em sua obra, os interesses pelo “fatos sociais” e a “estrutura social” da sociedade em estudo são alguns dos indícios. No entanto, durante algumas passagens de sua etnografia, é possível notarmos uma hesitação que passa a manifestar-se no discurso do autor: Malinowski percebe que nem sempre as regras sociais que governam a sociedade atuam de uma mesma maneira. Quando, por exemplo, ao descrever as funções sociais de um ritual mágico e este, nem sempre apresentar a mesma estrutura em sua execução. Nos referimos aqui aos casos de rituais relacionados à construção de canoas e não executados pelo toliwaga, (dono da canoa) mas, por outro indivíduo próximo a ele. Nesse ponto, residiria um problema, pois, segundo a “regra” social trobriandesa, somente ao toliwaga seria permitido a licença para execução desses rituais mágicos. Após a apresentação parcial da metodologia proposta por Malinowski, podemos dialogar com o conteúdo lido em sua etnografia. Em primeiro lugar, é possível constatarmos que o autor conseguiu, até certo ponto, ser fiel à sua metodologia quando
esta foi posta em prática. O detalhamento com que o mesmo é capaz de descrever os acontecimentos observados durante sua pesquisa é digno de nosso reconhecimento. Podemos ter como exemplo disto o capítulo dedicado à descrição e análise da construção de canoas, em que, o autor, além de apresentar os "fatos sociais”, demonstra-nos um notável conhecimento de algumas práticas manuais presentes naquele contexto. Também é notável o conhecimento de Malinowski no que diz respeito à geografia local das Ilhas Trobriand, sua descrição sobre o ambiente é feita de maneira minuciosa ao longo de todo o livro. No entanto, em nossa visão, muitas vezes o autor se dispõe a descrever os acontecimentos e as geografias locais de maneira tão detalhada que acaba por não conterse em análises importantes à compreensão dos nativos. A elaboração dos “esquemas mentais” feita por Malinowski é incapaz de trazer-nos uma efetiva percepção dos simbolismos intrínsecos ao domínio psicológico trobriandes. Essa problemática encontrada em sua etnografia pode ser constrastada e dialogada com as análises feitas por Maurice Leenhardt em seu livro “Do Kamo: la persona y el mito em el mundo melanesio”. Diferentemente de Malinowski, Leenhardt propõe-se a analisar detalhadamente as categorias psicológicas e os simbolismos presentes na mente dos caledônios. O uso da linguística no trabalho de Leenhardt encontra-se - além de mais presente que na obra Malinowski – em um outro domínio, isto é, em outra forma de uso. Ela assume papel fundamental em seu trabalho pois o estudo da subjetividade presente na mente nativa se torna um pilar da pesquisa etnográfica. Diferentemente, na etnografia de Malinowski, a linguística apresenta-se mais como um recurso de diálogo entre ele e os trobriandeses e, como parte de um estudo pragmático de compreensão do nativo. A análise subjetiva não chega a se manifestar de maneira vívida em sua obra. Outro campo de conhecimento que podemos analisar na obra de Malinowski diz respeito à magia praticada pelos trobriandeses e sua respectiva influência para a constituição dessa sociedade. Segundo o autor, qualquer aspecto da vida tribal seria governado pelas práticas mágicas: “Pode-se afirmar sem exagero que a magia, de acordo com suas idéias, governa os destinos humanos; que ela dá ao homem, uma arma e uma couraça contra os múltiplos perigos que o ameaçam de todos os lados.” (MALINOWSKI, 1922, p. 292). A magia trobriandesa também é caracterizada por um aspecto não criacionista, isto é, nunca é concebida como uma criação mas como algo que sempre existiu. “As palavras que o feiticeiro exerce seu poder sobre uma coisa ou um processo são tidas como coexistentes a esta ou processo” (MALINOWSKI, 1922, p.296). Sendo
assim, os mitos contados pelos nativos não buscam uma explicação sobre como a magia foi criada, mas sim como ela foi transmitida àquele grupo. Diante essa formulação sobre magia feita por Malinowski, podemos expor algo frequentemente discutido em sala de aula: diferentemente de como nós, ocidentais, taxamos a magia como uma forma de crença, para os trobriandeses esta seria um tipo de conhecimento com o qual o indivíduo lida com a natureza e com as suas próprias emoções.