Efésios 1.docx

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EFÉSIOS 1. 1-14 A carta de Paulo para os Efésios é uma das joias mais belas de toda a literatura universal. Tesouros belíssimos e assaz preciosos podem ser encontrados em cada versículo dessa obra inspirada. Aqui Paulo não trata de problemas particulares, como o faz na maioria de suas missivas. Ao contrário, descerra as cortinas do tempo, penetra nos refolhos da eternidade e traz aos homens as verdades mais consoladoras da graça. Os grandes temas da fé crista ornam a coroa dessa epístola. Os capítulos mais destacados da soteriologia e da eclesiologia podem ser encontrados nessa obra-prima do apóstolo. Paulo começa essa carta como um maestro regendo uma grande orquestra. Já na introdução, leva seus leitores ao arroubo de uma extasiada doxologia. Como que num fôlego só, despeja, em catadupas de sua alma em ebulição, as verdades mais gloriosas acerca da obra da Trindade em favor da igreja, a noiva de Cristo. Paulo aborda nessa missiva alguns temas que não trata com tanta profundidade nas demais, como a questão da reconciliação dos judeus com os gentios, o mistério do evangelho, a plenitude do Espírito, a família e a batalha espiritual. Essa é uma carta não apenas teológica, mas, sobretudo, prática. Ela tange de forma profunda e clara os princípios que devem nortear a família e a igreja neste mundo inundado de escuridão. Nessa carta, como só acontecer nas demais, Paulo une de forma equilibrada doutrina e vida, teologia e ética. Nos três primeiros capítulos, Paulo lança as bases da doutrina e, nos três últimos, aplica a doutrina. A teologia é mãe da ética, e a ética é filha da teologia. A vida decorre da doutrina, e a doutrina é o fundamento da vida. Não podemos glorificar a Deus com a plenitude do nosso coração e com o vazio da nossa cabeça nem podemos glorificar a Deus com a plenitude da nossa cabeça e com o vazio do nosso coração. Conhecimento sem vida é orgulho estéril; vida sem conhecimento é experiencialismo vazio. Precisamos ter a mente cheia de luz e o coração inflamado pelo fogo. Precisamos de ortodoxia e ortopraxia; de doutrina certa e de vida certa. Alguns eruditos consideram Efésios uma carta circular,1 e não apenas uma epístola dirigida particularmente à igreja de Efeso, uma vez que Paulo não trata ali de problemas locais como o faz nas outras epístolas. Mesmo que isso seja um fato, isso em nada deslustra a integridade e a pertinência de sua mensagem. Efésios também é considerada uma carta gêmea de Colossenses. Escritas do mesmo local, no mesmo período e levadas às igrejas pelo mesmo portador, ambas tratam basicamente das mesmas coisas. Curtis Vaughan i diz que a carta aos Efésios alcança um campo mais vasto do que qualquer outra epístola do Novo Testamento, com exceção, talvez, da Carta para os Romanos. Ela abrange os judeus e os gentios, o céu e a terra, o passado e o presente e os tempos futuros.2 A ênfase fundamental de Colossenses é j apresentar Cristo como Cabeça da igreja, e a ênfase essencial de Efésios é a apresentar a igreja como corpo de Cristo. O apóstolo dos gentios escreveu essa carta de sua primeira prisão em Roma. O missionário veterano já tinha passado por agruras terríveis antes de chegar à capital do império. Ele tinha sido perseguido em Damasco, rejeitado em Jerusalém e esquecido em Tarso. Ele já tinha sido apedrejado em Listra, açoitado em. Filipos, escorraçado de Tessalônica, enxotado de Bereia, chamado de tagarela em Atenas e de impostor em Corinto. Enfrentou feras em Éfeso, foi preso em Jerusalém e acusado em Cesareia. Enfrentou um naufrágio avassalador ao dirigir-se a Roma 1

e foi picado por uma cobra em Malta. Já tinha sido fustigado três vezes com varas pelos romanos e recebido 195 açoites dos judeus (2 Co 11.24,25). O velho apóstolo chegou a Roma preso e algemado. Durante dois anos, ficou numa casa alugada sob custódia do imperador. Vigiado pela guarda pretoriana, a guarda de elite do palácio imperial composta de 16 mil soldados de escol, encorajou os crentes de Roma e escreveu cartas para as igrejas das províncias da Macedônia e da Ásia Menor. Longe de se considerar prisioneiro de César, deu a si mesmo o título de prisioneiro de Cristo Jesus (3.1), prisioneiro no Senhor (4.1) e embaixador em cadeias (6.20). As circunstâncias, nem mesmo as mais adversas, não levaram esse gigante cie Deus a sucumbir. Ao contrário , ele foi um canal de consolo para as igrejas, porque estava ligado à fonte eterna. Ele foi um arauto de boas notícias, urn embaixador do céu, um homem que ardeu de zelo por Cristo e doou-se com a mesma intensidade até sua voz ser silenciada peio martírio. Estudar essa carta é pisar em solo sagrado. Precisamos fazê-lo com os pés descalços, o coração esbraseado e os olhos untados de lágrimas. Não podemos tratar de coisas tão sublimes com a alma seca como um deserto. Não estamos penetrando pelos umbrais de uma obra puramente acadêmica, mas entrando nas salas espaçosas do palácio do Rei da glória. Minha ardente oração é que o estudo dessa carta inflame sua alma, aqueça seu coração, abra seus lábios e apresse seus pés para anunciar ao mundo que Jesus Cristo nos amou e se entregou por nós. Que ele morreu pelos nossos pecados, mas ressuscitou para a nossa justificação e está à destra de Deus Pai, de onde governa soberanamente os céus e a terra e de onde há de vir para buscar a igreja, a sua amada noiva. A IGREJA DE DEUS, O POVO MAIS RICO DO MUNDO (Ef 1.1-14) A CARTA PARA OS EFÉSIOS É A COROA dos escritos de Paulo.3 Alguns eruditos

consideram-na a composição mais divina da raça humana. William Barclay vê Efésios como a rainha das epístolas paulinas." John Mackay, ilustre presidente do Seminário de Princeton, em seus tempos áureos, considerou Efésios o maior e o mais amadurecido de todos os escritos paulinos.6 Willard Taylor, citando E F. Bruce, diz que Efésios é a pedra de cobertura da estrutura maciça dos ensinamentos de Paulo. Mackay era de opinião que, de todos os livros da Bíblia, Efésios era o mais convincente para a situação atual, tanto da igreja como do mundo. Aqui, Deus e homem, Cristo crucificado e Cristo ressurreto, doutrina e música, pensamento teológico e viver diário, vida no lar e vida no mundo, experiência arrebatadora de segurança em Cristo e consciência de perigo iminente, calma íntima e turbulência externa no caminho da vida reconciliam-se sob os rios do mais iluminado pensamento que jamais cintilou na mente humana.8 A largueza do interesse de Paulo e a extensão da sua visão na Carta para os Efésios são igualmente supreeendentes. Seu interesse abarca tudo quanto Deus tem feito a favor do homem, o que ele tem feito ao homem e o que ele faz e pode fazer por intermédio do homem.9 Como já afirmamos, Paulo estava preso em Roma quando escreveu a carta para os Efésios. Essa carta trata da igreja e do glorioso propósito de Deus para ela, nela e por intermédio dela. Paulo abre essa carta falando sobre três coisas: Em primeiro lugar, Paulo apresenta-se como o remetente da carta (1.1). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus.” Embora alguns teólogos do século XX de viés liberal 2

tenham ousado pôr em dúvida a autoria paulina dessa carta, praticamente todos os eruditos desde o século I apontam Paulo como autor dessa missiva.10 Willard Taylor diz que, já no século II, os pais da igreja atribuíram a epístola a Paulo de Tarso. Inácio de Antioquia (martirizado em 115 d.C.) conhecia a epístola para Efésios e sabia que era paulina. O bispo Policarpo de Esmirna e também os autores da epístola de Barnabé e do pastor de Hermas dão evidências de atribuir Efésios ao apóstolo Paulo. A autoria paulina é sustentada por outros líderes cristãos do século II, incluindo Irineu de Lyon, Clemente de Alexandria e Tertuliano de Cartago. O famoso Cânon Muratoriano (190 d.C.) traz Efésios em sua relação de livros cristãos autorizados.11 Paulo é apóstolo de Cristo não por inspiração própria, ou por usurpação, nem mesmo por qualquer indicação do homem, mas por vontade de Deus.12 A igreja não nomeia apóstolos; eles sao chamados por Jesus. Nenhum homem pode constituir a si mesmo apóstolo; esse papel é da economia exclusiva de Cristo. Não temos mais apóstolos na igreja contemporânea, uma vez que a revelação de Deus está completa nas sagradas Escrituras. Hoje, seguimos o ensinamento dos apóstolos, conforme revelação registrada nas Escrituras. Russell Shedd diz que a palavra apóstolo, que indica o reconhecimento da autoridade de Paulo, baseia-se numa palavra aramai ca, shaliah. Esse termo sugere que o apóstolo é aquele que é comissionado não apenas como missionário que leva uma mensagem; não apenas como embaixador que tem sua carta selada para entregar a um rei de outro país; mas como procurador que substitui aquele que o mandou. Ele pode tomar iniciativas. Assim, o que ele faz e fala, o realiza em Cristo. Paulo, como apóstolo, nos traz uma mensagem inspirada, com autoridade.13 Em segundo lugar, Paulo indica os destinatários da carta (1.1). “Aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso.” A cidade de Éfeso era a capital da Ásia Menor e a maior metrópole da Ásia. Abrangia uma extensa área, e a sua população era superior a 300 mil habitantes. Ela era o centro do culto de Diana, a deusa da fertilidade, cujo templo, localizado a cerca de 1.600 metros da cidade, era considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo e constituía o principal motivo de orgulho para Éfeso. Quatro vezes maior do que o Partenon de Atenas, o templo de Éfeso levou, segundo a tradição, 220 anos para ser construído. Corria, na época, um dito popular de que “o Sol nada via mais belo no seu trajeto do que o templo de Diana”.1'' Paulo esteve três anos na cidade de Éfeso e, ali, plantou uma pujante igreja, que se tornou influenciadora em todos os rincões da Ásia Menor. A igreja de Éfeso tem dois endereços: ela é cidadã do j mundo (está em Éfeso) e cidadã do céu (está em Cristo). Francis Foulkes diz que toda a vida do cristão está em Cristo. Como a raiz enterrada na terra, o ramo ligado à videira, o peixe está no mar e o pássaro, no ar, também o lugar da vida do cristão é em Cristo.13 A palavra santo não quer dizer uma pessoa que nao peca.16 Os santos não são pessoas mortas canonizadas, mas pessoas vivas separadas por Deus para viver uma vida diferente. Fiéis são todos aqueles que confiam em Cristo Jesus. Todo aquele que é fiel também é santo, e todo santo é fiel. A palavra grega hagioi, “santos”, quer dizer separados. Nos dias do Antigo Testamento, o tabernáculo, o templo, o sábado e o próprio povo eram santos por ser consagrados, separados para o serviço de Deus. Uma pessoa não é “santa” nesse sentido por mérito pessoal; ela é alguém separada por Deus e, por conseguinte, é chamada a viver em santidade. Em terceiro lugar, Paulo roga bênçãos especiais para os destinatários (1.2). “Graça a vós e paz da parte cie Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.” O apóstolo fala de graça e paz tanto da parte de Deus Pai como do Senhor Jesus. A graça é a causa da salvação, e a paz é o resultado dela. A graça é a raiz, e a paz é o fruto. Essas bênçãos não emanam do homem; nem mesmo fluem 3

da igreja. Elas só podem ser dadas por Deus mesmo. William Hendriksen diz que a paz pertence ao fluir de bênçãos espirituais que emanam dessa fonte, Deus. Essa paz é o sorriso de Deus que se faz presente no coração dos redimidos, a segurança da reconciliação por meio do sangue de Cristo, a verdadeira ! integridade e prosperidade espirituais.18 'Wiliiam Barclay diz que, na Bíblia, a palavra grega eirene, “paz’, nunca tem um sentido negativo, ou seja, nunca é apenas ausência de | tribulações, dificuldades e aflições, mas relaciona-se com o . supremo bem do homem, isto é, tudo aquilo que faz com i que a vida seja verdadeiramente digna de ser vivida. Dessa ; forma, a paz crista é aigo absolutamente independente das ; circunstâncias externas. Em quarto lugar, Paulo fala sobre o objetivo da cana (1.3). “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo.” Paulo escreve essa carta para faiar que a igreja é um povo muito abençoado. Ao focar sua atenção nessas bênçãos superlativas, o apóstolo prorrompe em bendita doxologia, dizendo: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” De acordo com Westcott, essa passagem (Ef 1.3-14) é “um salmo de louvor pela redenção e consumação das coisas criadas, cumpridas em Cristo peio Espírito segundo o propósito eterno de Deus”.20 Concordo com Russell Shedd quando ele diz que toda doutrina deve ser corno um fundamento, ou solo, em que cresce constantemente a vitalidade de adoração e de culto.21 Mas adoração e culto a quem? Francis Foulkes diz que, no Novo Testamento, a palavra grega eulogetos, “bendito”, é usada somente com referência a Deus. Só ele é digno de ser bendito. Os homens são benditos quando recebem suas bênçãos; Deus é bendito quando é louvado por tudo o que gratuitamente confere ao homem e ao seu mundo.22 Essa belíssima introdução de Paulo pode ser comparada a uma bola de neve rolando colina abaixo e ganhando volume ao descer.23 Longe de pôr os holofotes em sua dolorosa situação como prisioneiro em Roma, o apóstolo eleva seus pensamentos às alturas excelsas das gloriosas bênçãos espirituais que temos nas regiões celestes. John Stott destaca que, no grego original, os doze primeiros versículos (1.3-14) formam uma única sentença gramatical complexa. Ás palavras fluem da boca de Paulo numa torrente contínua. Ele não faz pausa para tomar fôlego, nem pontua as frases com pontos finais.24 John Mackay escreve numa linguagem poética: “Essa adoração rapsódica é comparável à abertura de uma ópera, que contém as sucessivas melodias que se seguirão”. Três verdades merecem ser, aqui, destacadas: A fonte de nossas bênçãos. Deus, o Pai, nos faz ricos em Jesus Cristo. Ele é o dono do Universo, e nós somos seus filhos e herdeiros. Antes de Paulo descrever essas riquezas, ele prorrompe numa doce doxologia de exaltação a Deus, o Pai. Embora essa seja a carta mais eclesiológica do Novo Testamento, sua atenção se volta para Deus, e não propriamente para a igreja, uma vez que tudo é dele, por meio dele e para ele (Rm 11.36). A natureza de nossas bênçãos. Nós temos toda sorte de bênção espiritual. No Antigo Testamento, o povo tinha bênçãos materiais como recompensa por sua obediência (Dt 28.1-13). Mas, hoje, temos toda sorte de bênção espiritual. O espiritual é mais importante que o material. A esfera das bênçãos. “Nas regiões celestiais em Cristo.” Essa frase não aparece em outras epístolas paulinas. Russell Shedd é de opinião que Paulo quer chamar nossa atenção para a realidade de que, quando estamos em Cristo, já estamos como que levantados deste mundo e muitos fatores que normalmente controlariam nossas atitudes no mundo adquirem nova 4

realidade: a realidade da exaltação de Cristo.26 As pessoas não convertidas estão interessadas primariamente nas coisas terrenas, porque esse é o lugar em que vivem. Elas são filhas deste mundo (Lc 16.8). Mas a vida do cristão está centrada no céu. Sua cidadania encontra-se no céu (Fp 3.20). Seu nome está escrito no céu (Lc 10.20). Seu Pai está no céu (Cl 3.1).27 Concordo com Curtis Vauglian quando diz que a expressão “regiões celestiais” não se refere a uma localização física, mas a uma esfera de realidade espiritual à qual o crente foi elevado em Cristo, o que quer dizer se tratar não do céu futuro, mas do céu que existe no cristão e em tomo dele no presente. Os crentes, na realidade, pertencem a dois mundos (Fp 3.20). Da perspectiva temporal, pertencem à terra; mas espiritualmente vivem em comunhão com Cristo e, por conseguinte, pertencem à esfera celestial.28 O cristão é cidadão cio céu. Há uma segunda esfera em que ele vive: “em Cristo”. Todas as bênçãos recebidas são em Cristo. A ideia aparece não menos de doze vezes nos primeiros catorze versículos dessa epístola. Os crentes são fiéis em Cristo (1.1), escolhidos nele (1.4), recebem a graça nele (1.6), têm a redenção nele (1.7), são feitos herança nele (1.11), são selados nele (1.13) e assim por diante.24 Foulkes tem razão quando diz que a vida do cristão está erguida acima das coisas passageiras. Ele está no mundo, mas também está no céu, pois não é limitado pelas coisas materiais que se dissipam. Vida, neste instante, se é vida em Cristo, é nas regiões celestes.30 O apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, fala da procedência trinitariana das bênçãos que a igreja recebe. Curtis Vaughan diz que, no texto grego, os versículos 3-14 constituem um sublime período, cujos elementos são entrelaçados e habilmente reunidos. A fim de auxiliar o leitor a não perder a conexão do pensamento, a versão Kiiíig James poe um ponto final depois dos versículos 6, 12 e 14. De acordo com essa pontuação, lê-se em três estrofes o inspirado hino de Paulo. A primeira (v. 3-6) relaciona-se com o passado, tendo o misericordioso plano do Pai como centro. A segunda (v. 7-12) relaciona-se com o presente e gira em torno da obra redentora de Cristo. A terceira (13-14) aponta para a futura consumação da redenção e exalta o ministério do Espírito Santo.31 Bênçãos Procedentes de Deus, o Pai (Ef 1.4-6) As estrofes mencionadas no ponto anterior são relacionadas aos aspectos da redenção divina e, ao mesmo tempo, cada estrofe que termina com o estribilho “para o louvor da glória da sua graça” (1.6), “para o louvor da sua glória” (1.12) ou “em louvor da sua glória” (1.14) nos traz os ensinamentos das bênçãos que a obra redentora de Deus nos oferece. Vejamos, portanto, as bênçãos procedentes do Pai: Em primeiro lugar, Deus nos escolheu (Ef 1.4). “Como também nos elegeu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante ele.” A eleição é um ato da livre e soberana graça de Deus. Em momento algum Paulo trata da questão da eleição como um tema para discussões frívolas e acadêmicas. Ao contrário, ele entra nesse terreno com os pés descalços, com humildade e reverência. Ele abre esse assunto com doxologia e adoração, dizendo: “Bendito seja o Deus e Pai”. A Bíblia nunca argumenta a doutrina da eleição; simplesmente a põe diante de nós. Francis Foulkes tem razao quando diz que a doutrina da eleição não é levantada como um assunto de controvérsia ou de especulação. Concordo com John Stott quando diz que a doutrina da eleição não foi inventada por Agostinho de Hipona nem por Calvino de Genebra. Pelo contrário, é, sem dúvida, uma doutrina 5

bíblica, e nenhum cristão bíblico pode ignorá-la.-’3 A Bíblia não só não discute o tema, mas nos proíbe de discutí-lo: “Ele [Deus] tem misericórdia de quem quer e endurece a quem quer. Então me dirás: Por que Deus se queixa ainda? Pois, quem pode resistir à sua vontade? Mas quem és tu, ó homem, para argumentares com Deus? Por acaso a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?” (Rm 9.18-20). Dr. Gambreil, presidente da Convenção Batista do Sul de 1917 a 1920, disse que grandes reavivamentos têm resultado da pregação heróica das doutrinas da graça, pois Deus honra a pregação que o honra. Diz ele: “Vamos trazer artilharia pesada do céu e trovejar contra essa nossa época presunçosa, como fizeram Whitefield, Edwards, Spurgeon e Paulo, e os mortos receberão vida em Cristo”. As provas bíblicas acerca da eleição divina são incontestáveis. Charles Spurgeon diz que, por meio dessa verdade da eleição, fazemos uma peregrinação ao passado e contemplamos pai após pai da igreja, mártir após mártir levantar-se e vir apertar nossa mão.3'’1 Se crermos nessa doutrina teremos atrás de nós uma nuvem de testemunhas: Jesus, os apóstolos, os mártires, os santos, os reformadores, os avivalistas, os missionários. Se crermos nessa doutrina estaremos acompanhados por Jesus, Pedro, João, Paulo, Agostinho, Crisóstomo, Lutero, Calvino, Zuínglio, John Knox, John Owen, Thomas Goodwin, Jonathan Edwards, George Whitefield, Charles Spurgeon, John Broadus, Martyn Lloyd-Jones, John Stott e tantos outros. Se crermos nessa doutrina teremos atrás de nós os grandes credos e confissões reformadas. Se crermos nessa doutrina teremos ao nosso lado o testemunho das Escrituras e da história da igreja. Paulo fala sobre vários aspectos da eleição em O autor da eleição. Deus, o Pai, é o autor da eleição. Não fomos nós quem escolhemos a Deus; foi ele quem nos escolheu (2Ts 2.13; Jo 15.16). Os pecadores perdidos, entregues a si mesmos, não procuram a Deus (Rm 3.10,11); Deus, em seu amor, é quem procura os pecadores (Lc 19.10). Deus não nos escolheu porque previu que creríamos em Jesus; ele nos escolheu para crermos em Jesus (At 13.48). Deus não nos escolheu por causa da nossa santidade, mas para sermos santos e irrepreensíveis (1.4). Deus não nos escolheu por causa das nossas boas obras, mas para as boas obras (2.10). Deus não nos escolheu por causa da nossa obediência, mas para a obediência (IPe 1.2). A fé, a santidade, as boas obras e a obediência não são a causa, mas o resultado da eleição. A causa da eleição divina não está no objeto amado, mas naquele que ama. Deus nos escolheu não por causa dos nossos méritos, mas apesar dos nossos deméritos. A eleição divina é incondicional. O tempo da eleição (1.4). Spurgeon dizia que enquanto não recuarmos até ao tempo em que o Universo inteiro dormia na mente de Deus como algo que ainda não havia nascido, enquanto não penetrarmos na eternidade em que Deus, o Criador, vivia na comunhão da Trindade, quando tudo ainda dormia dentro dele, quando a criação inteira repousava em seu pensamento todo abrangente e gigantesco, não teremos nem começado a sondar o princípio, o momento em que Deus nos escolheu. Deus nos escolheu quando o espaço celeste não era ainda agitado pelo marulhar das asas de um único anjo, quando ainda não existia qualquer ser, ou movimento, ou tempo, e quando coisa alguma nem ser nenhum, exceto o próprio Deus, existia, e ele estava sozinho na eternidade.35 A eleição divina não foi um plano de última hora porque o primeiro plano de Deus fracassou. O pecado de Adão não pegou Deus de surpresa. Deus não ficou roendo as unhas com medo de o homem estragar tudo no Éden. Deus planejou a nossa salvação antes mesmo de lançar os fundamentos da terra. Antes que houvesse céu e terra, Deus já havia decidido nos escolher 6

em Cristo para a salvação. Ele nos escolheu antes dos tempos eternos (2Tm 1.9). Ele nos escolheu desde o princípio para a salvação (2Ts 2.13). Ele nos escolheu antes da fundação do mundo (1.4). Esse plano jamais foi frustrado nem anulado. Mesmo diante da nossa rebeldia e transgressão, o plano de Deus permanece intato e vitorioso. Paulo diz: “E os que predestinou, a eles também chamou; e os que chamou, a eles também justificou; e os que justificou, a eles também glorificou” (Rm 8.30). Nenhum problema neste mundo ou no mundo por vir pode cancelar essa eleição divina. Paulo pergunta: “Quem trará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica; quem os condenará? Cristo Jesus é quem morreu, ou, pelo contrário, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós” (Rm 8.33,34). O apóstolo ainda diz: “Aquele que começou a boa obra em vós irá aperfeiçoá-la até o dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Nossa vida está segura nas mãos de Jesus, e das suas mãos ninguém pode nos tirar (Jo 10.28). O agente da eleição (1.4). Deus nos escolheu em Cristo. A eleição não anula a cruz de Cristo; antes, a inclui. Não somos salvos à parte de Cristo e de seu sacrifício vicário, mas através de sua morte substitutiva. A eleição é o fundamento e a raiz de todas as bênçãos subsequentes.36 Deus não nos escolheu em nós mesmos, por nossos méritos, mas em Cristo. A parte de Cristo não existe eleição. Todas as bênção espirituais que recebemos estão centralizadas em Cristo. Ninguém pode se considerar um eleito de Deus mantendo-se ainda rebelde a Cristo. O objeto da eleição (1.4). “[Deus] nos elegeu” (grifo do autor). Isso prova que a salvação não é universalista. Paulo está escrevendo aos crentes (1.1) e aos santos e irrepreensíveis (1.4). Esse “nos” refere-se a todos os homens sem distinção (etnia, cultura, religião), mas não a todos os lioinens sem exceção. Karl Barth afirma erroneamente que, em conexão com Cristo, todos os homens, sem exceção, são eleitos e que a distinção básica não é entre eleitos e não eleitos e, sim, entre os que têm consciência de sua eleição e os que não a têm.37 O propósito da eleição. Deus nos escolheu em Cristo para “sermos santos e irrepreensíveis” (1.4). A santidade e a irrepreensibilidade são o propósito de Deus na eleição. Nenhuma pessoa deve considerar-se eleita de Deus se não vive em santidade. A santificação não é a causa, mas a prova da nossa eleição. A eleição é a raiz da salvação, não seu fruto! Vejamos com mais detalhe os propósitos da eleição. A santidade (1.4). Enganam-se aqueles que pensam que a doutrina da eleição promove e estimula uma vida relaxada. Somos eleitos para a santidade, e nao para o pecado. Somos salvos do pecado, e não no pecado. Jesus se manifestou para desfazer as obras do diabo (IJo 3-8). Uma pessoa que se diz segura de sua salvação e nao vive em santidade está provando que não é eleita. A Bíblia diz que devemos confirmar a nossa eleição. William Barclay afirma corretamente que a palavra grega hagios, “santo”, contém sempre a ideia de diferença e de separação, Algo que é hagios é diferente das coisas ordinárias. Um templo é santo porque é diferente dos edificios. Um sacerdote é santo porque é diferente do homem comum; uma vítima é santa porque é diferente dos demais animais; o dia do repouso é santo porque ê diferente dos demais dias. Deus é santo por excelência porque é diferente dos homens. Assim, j Deus escolhe o cristão para que seja diferente dos demais homens. Muitos, para sua própria ruína, pervertem a doutrina da eleição quando afirmam “Sou um eleito de Deus” mas se assentam no ócio e praticam a iniquidade com ambas as mãos. F. F. 7

Bruce comenta com sabedoria: “O amor de Deus que nos predestina é recomendado mais por aqueles que levam vida santa e semelhante à de Cristo do que por aqueles cuja tentativa de desembaraçar o mistério termina em disputas sobre questões irrelevantes de lógica”. Aqueles que não são santos não podem ter comunhão com Deus nem jamais verão a Deus. No céu, só entrarão os santos. Uma pessoa que não ama a santidade não suportaria o céu. Spurgeon argumentava: por que você reclama da eleição divina? Você quer ser santo? Então você é um eleito. Mas se você diz que não quer ser santo nem viver urna vida piedosa, por que você reclama por não ter recebido aquilo que nao deseja? Curtis Vaughan cita a conhecida a advertência de Spurgeon aos seus ouvintes: Ninguém poderá julgar-se eleito dc Deus a menos que tenha a convicção de estar em Cristo. Não imagineis que alguma espécie de decreto firmado no mistério da eternidade salve as vossas almas, a menos que creais em Cristo. Não imagineis que sereis salvos mesmo que não tenhais fé. Essa é a mais abominável e maldita heresia que tem arruinado milhares. Não tomeis a eleição divina como uma espécie de travesseiro para dormirdes sossegado, porque podereis perder-vos. A irrepreensibilidade (1.4). A palavra grega amomos, “Irrepreensível”, é a palavra veterotestamentária para um sacrifício imaculado.40 Essa palavra quer dizer “sem qualquer espécie de mancha”. Era a palavra usada para um animal apto para o sacrifício perfeito. William Barclay diz corretamente que a palavra amomos concebe toda a vida e todo o homem como uma oferenda a Deus. Cada parte da nossa vida, nosso trabalho, nosso lazer, nossa vida familiar, nossas relações pessoais deve fazer parte da nossa oferenda a Deus.41 A eleição tem como alvo nos levar a uma vida limpa, pura, santa. Somos a noiva do Cordeiro que está se adornando para ele. Não somos escolhidos para viver na lama, mas para viver como luzeiros do mundo e apresentar-nos a Jesus como a noiva pura, santa e sem defeito (5.27). A comunhão com Deus (1.5). “E nos predestinou para si mesmo.” Deus nos predestinou para ele, para vivermos diante dele. Deus não nos escolheu para vivermos longe dele, sem intimidade com ele, sem comunhão com ele. Fomos eleitos para Deus, para andarmos com Deus, para nos deleitarmos em Deus. Ele é a nossa fonte de prazer. Ele é o amado da nossa alma. Na presença dele é que encontramos plenitude de alegria (Sl 16.11). Podemos concluir dizendo que a doutrina da eleição é uma revelação divina, e não uma especulação humana; ela é um incentivo à santidade, e não uma desculpa para o pecado; é um estímulo à humildade, e não um motivo para o orgulho; é um encorajamento à evangelização, e não uma razão para o descuido missionário. Em segundo lugar, Deus nos adotou (1.5b). “Segundo a boa determinação de sua vontade, para sermos filhos adotivos por meio de Jesus Cristo.” No mundo romano, a família baseava-se no regime patria potestas, ou seja, o poder do pai. Sob a lei romana, o pai possuía poder absoluto sobre seus filhos enquanto estes vivessem. Podia vendê-los, escravizá-los e até mesmo matá-los. O pai tinha direito de vida e de morte sobre os filhos. A adoção consistia em passar de um patria potestas para outro. O filho adotiva ganhava uma nova família, passava a usar o nome do novo pai e herdava seus bens. Essa adoção apagava o passado e iniciava uma nova relação.42 Deus escolheu-nos e destinou-nos para sermos membros de sua própria família. A eleição da graça 8

outorga a nós não apenas um novo nome, um novo status legal e uma nova relação familiar, mas também uma nova imagem, a imagem de Cristo (Rm 8.29). A adoção é algo lindo. Um filho natural pode vir quando os pais não esperam ou até mesmo quando não querem ou ainda não se sentem preparados. Mas a adoção é um ato consciente, deliberado e resoluto de amor. É uma escolha voluntária. Na lei romana, os filhos adotivos desfrutavam dos mesmos direitos dos filhos legítimos. Um filho adotivo recebe o nome da nova família e torna-se herdeiro natural dessa família. Somos filhos de Deus. Recebemos um novo nome, uma nova herança. Francis Foulkes tem razão quando afirma que um filho adotado deve sua posição à graça, e não ao direito.43 Deus nos predestinou para sermos conformes à imagem de seu Filho (Rm 8.29). O interesse divino é que sejamos transformados em réplicas, imagens de Jesus Cristo e retratos vivos dele. Mas somos ainda filhos gerados por Deus. Somos nascidos do alto, de cima, do céu, do Espírito. Somos coparticípantes da natureza divina. Deus nos escolheu para vivermos como filhos amados. “O próprio Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos cie Deus” (Rm 8.16). Em terceiro lugar, Deus nos aceitou (1.6). “Para o louvor da glória da sua graça, que nos deu gratuitamente no Amado.” Não podemos fazer a nós mesmos aceitáveis a Deus. Nossa justiça é como trapo de imundícia aos seus olhos. Mas ele, por sua graça, fez-nos aceitáveis em Cristo. “Cristo habita para sempre no amor infinito de Deus, e como estamos em Cristo, o amor de Deus para com Cristo está em nós de uma maneira maravilhosa.”45 Quando o filho pródigo chegou em casa com as vestes rasgadas e sujas da lama do chiqueiro, seu pai o abraçou e o beijou e lhe deu nova roupagem! Ele se tornou aceitável ao pai. É como se alguém tomasse um leproso e o transformasse num jovem radiante.46 Bênçãos procedentes de Deus, O Filho (Ef. 1. 7-12) Todas as bênçãos que recebemos do Pai, recebemo-las em Cristo. Somos abençoados nele. Paulo destaca quatro bênçãos gloriosas procedentes de Jesus Cristo. Aqui a atenção é desviada do céu para a terra, do passado para o presente e, em certo sentido, do Pai para o Filho:47 Em primeiro lugar, Jesus nos redimiu (1.7a). “Nele temos a redenção, [...] pelo seu sangue.” William Barclay diz que a palavra apolytrosis, “redimir”, era usada para o resgate do homem feito prisioneiro de guerra ou escravo. Ela aplica-se também à libertação do homem da pena de morte merecida por algum crime. É a palavra que se usa para se referir à libertação divina dos filhos de Israel da escravidão do Egito, assim como o resgate contínuo do povo eleito em tempo de tribulação. Em cada caso, o homem é redimido e libertado de uma situação de que era incapaz de se libertar por si mesmo ou de uma dívida que jamais poderia pagar por seus próprios meios.18 A palavra redimir quer dizer “comprar e deixar livre mediante pagamento de um preço”. Foulkes diz que a ideia fundamental de “redenção” é de tornar livre uma coisa ou pessoa que se tornara propriedade de outrem.49 Na época de Paulo, o Império Romano tinha cerca de 60 milhões de escravos, e eles, geralmente, eram vendidos como uma peça de mobília. Mas um homem podia comprar um escravo e dar-lhe liberdade. Foi isso que Cristo fez por nós.“’0 O preço da nossa redenção foi o seu sangue (1.7; IPe 1.18,19). Isso quer dizer que estamos livres da lei (G1 5.1), da escravidão do pecado (Rm 6.1), do mundo (G1 1.4) e do poder de Satanás (Cl 1.13,14). 9

Em segundo lugar, Jesus Cristo nos perdoou (1.7b). “O perdão dos nossos pecados [...], segundo a riqueza da sua graça.” O verbo perdoar quer dizer “levar embora”. Cristo morreu para levar nossos pecados embora a fim de que nunca mais sejam vistos. Não há qualquer acusação registrada contra nós, pois nossos pecados foram levados embora/1 O nosso perdão é baseado no sacrifício expiatório de Cristo. O perdão de Cristo é completo. Ele morreu para remover a culpa do nosso pecado. Ele é o Cordeiro que tira o pecado do mundo (jo 1.29). Agora nenhuma acusação pode prosperar contra nós, porque Cristo já rasgou o escrito de dívida que era contra nós (Cl 2.14). Ele perdoou-nos, e dos nossos pecados jamais se lembra. O perdão de Cristo é imerecido, imediato e completo. Em terceiro lugar, Jesus Cristo nos revelou a vontade de Deus (1.8-10). O apóstolo Paulo escreve: Que ele [Deus] fez multiplicar-se para conosco em toda sabedoria e prudência. E fez com que conhecêssemos o mistério da sua vontade, segundo a sua boa determinação, que nele [Cristo] propôs para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão no céu como as que estão na terra (1.8-10). Deus não apenas recebe e perdoa àqueles que ele reconciliou consigo mesmo como filhos; ele também os ilumina com a compreensão do seu propósito. Sua graça é derramada sobre nós em toda a sabedoria e prudência (1.8). A palavra grega sophia, “sabedoria”, é o conhecimento que olha para o coração das coisas, que as conhece tal como realmente são, e phronesis, “prudência”, é a compreensão que leva a agir corretamente.52 Como William Barclay diz: “Cristo outorga aos homens a habilidade de ver as grandes venturas da eternidade e de resolver os problemas de cada instante”. Os homens têm essa sabedoria e prudência porque Deus revela o mistério da sua vontade. Esse mistério é a maneira pela qual Deus traz a uma unidade restaurada o Universo inteiro, que se tornara desordenado devido à rebelião e ao pecado do homem.53 O pecado separou o homem de Deus, do próximo, de si mesmo e da própria natureza. O pecado desintegra, rasga e separa todas as coisas; mas, em Cristo, Deus juntará todas as coisas na consumação dos séculos. Nós somos parte desse grande plano de Deus. John Mackay tem razão quando diz que Deus constituiu a Jesus Cristo como centro unificador de um vasto esquema de unidade por meio do qual as ordens celestes e terrestres, separadas como estão agora por um grande abismo entre o sobrenatural e o natural e pelo abismo ainda maior do santo e do pecaminoso, serão de novo reunidas em uma única e unida comunidade.34 Francis Foulkes diz que a palavra grega anakepha- laiosasthai, “fazer convergir”, era usada no sentido de juntar várias coisas e apresentá-las como uma só.55 O plano de Deus para a plenitude dos tempos, quando o tempo voltar a fundir-se na eternidade, é fazer convergir nele (em Cristo) todas as coisas, tanto as do céu como as da terra (1.10). No tempo presente, ainda há discórdia no Universo, mas, na plenitude do tempo, esta cessará, e aquela unidade pela qual ansiamos virá com o domínio de Jesus Cristo.56 Uma grande questão deve ser aqui levantada. Quais são essas “todas as coisas” que convergirão em Cristo e estarão debaixo de Cristo como cabeça? Será que Paulo estaria insinuando uma salvação universal? Não, absolutamente não. Com certeza, elas incluem os cristãos vivos e os cristãos mortos, a igreja na terra e a igreja no céu. Ou seja, os que estão em Cristo agora (1.1) e que em Cristo receberam bênção (1.3), eleição (1.4), adoção (1.5), graça (1.6) e redenção (1.7). Parece também que Paulo está se referindo à renovação cósmica, à regeneração do Universo, à libertação da criação que geme.57 Por essa razão, Francis Foulkes diz que é uma 10

heresia de nossa época dividir a vida em sagrada e secular. Cristo está relacionado com todas as coisas, e todas acharão seu verdadeiro lugar e unidade nele.58 Em quarto lugar, Jesus Cristo nos fez herança (1.11,12). “Nele também fomos feitos herança, predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o desígnio da sua vontade, a fim de sermos para o louvor da sua glória, nós, os que antes havíamos esperado em Cristo.” Em Cristo, temos uma linda herança (IPe 1.1- 4) e também somos uma herança. Aqueles que são porção de Deus têm sua herança nele.59 Somos valiosos nele. Pense no preço que Deus pagou por você para que fosse herança dele. Deus, o Filho, é o dom de Deus, o Pai, para nós. E somos o dom do amor de Deus para o Filho. Somos a herança de Deus, o corpo de Cristo, o seu edifício, a sua noiva, a menina dos olhos de Deus, a delícia de Deus. O povo de Deus são os santos de Deus (1.1), a herança de Deus (1.11) e a possessão de Deus (1.14). Bênçãos procedentes de Deus, o Espírito Santo (Ef. 1 33,14) Movemo-nos da eternidade passada (1.4-6) e da história passada (1.7-12) para a experiência imediata e a expectativa futura dos crentes (1.13,14).60 O apóstolo Paulo destaca duas bênçãos gloriosas procedentes do Espírito Santo: selo e garantia: Em primeiro lugar, temos o selo do Espírito Santo (1.13). “Nele, também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” O Espírito Santo selou-nos. O processo inteiro da salvação é ensinado nesse versículo. Ele mostra como um pecador torna-se santo: ele ouve o evangelho da salvação, como Cristo morreu pelos seus pecados e ressuscitou; ele crê com a fé que traz a salvação e, depois, é selado com o Espírito Santo. Você recebe o Espírito Santo imediatamente após confiar em Cristo. O que representa o selo do Espírito? William Hendriksen fala de três funções do selo: garantir o caráter autêntico de um documento (Et 3.12), marcar uma propriedade (Ct 8.6) e proteger contra violação e dano (Mt 27.66).61 Warren Wiersbe ainda fala sobre quatro aspectos da selagem do Espírito.62 O selo fala de uma transação comercial consumada. Até hoje, quando documentos legais importantes sao tramitados, recebem um selo oficial para indicar a conclusão da transação. Jesus consumou sua obra de redenção na cruz. Ele comprou-nos com seu sangue. Somos propriedade exclusiva dele. Portanto, fomos selados como garantia dessa transação final. Os compradores de madeira em Éfeso colocavam o selo na madeira e, depois, enviavam seus mercadores para buscála. O selo fala de um direito de posse. Francis Foulkes diz que, no mundo antigo, o selo representava o símbolo pessoal do proprietário ou do remetente de alguma coisa importante, e, por isso, tal como numa carta, distinguia o que era verdadeiro do que era espúrio. Era também a garantia de que o objeto selado havia sido transportado intato.63 Deus pôs o seu selo sobre nós porque nos comprou para sermos sua propriedade exclusiva (1 Co 6.19,20; 1 Pe 2.9). John Stott diz que o selo é uma marca de possessão e de autenticidade. O gado e até mesmo os escravos eram marcados com um selo por seus donos a fim de indicar a quem pertenciam. Mas tais selos eram externos, ao passo que o de Deus está no coração. Deus póe seu Espírito no interior de seu povo a fim de marcá-lo como sua propriedade.64

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O selo fala de segurança e proteção. O selo romano sobre a tumba de Jesus era a garantia de que ele não seria violado (Mt 27.62-66). Assim o crente pertence a Deus. O Espírito foi-nos dado para estar para sempre conosco. Ele jamais nos deixará. O selo fala de autenticidade. O selo, bem como a assinatura do dono, atesta a genuinidade do documento. O apóstolo Paulo diz: “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo” (Rm 8.9). Em segundo lugar, temos a garantia do Espírito Santo (1.14). “Que é a garantia da nossa herança, para a redenção da propriedade de Deus, para o louvor da sua glória.” O apóstolo Paulo também falou do Espírito Santo como garantia. O Espírito Santo nos foi dado como garantia. A palavra grega arrabon, de origem hebraica, entrou no uso da língua grega provavelmente por intermédio dos fenícios. Era usada no grego moderno tanto para aliança como para a primeira prestação, depósito, entrada.6’ William Barclay diz que, no grego clássico, arrabon significava o sinal em dinheiro que um comerciante tinha de depositar com antecedência ao fechar um contrato, dinheiro que perderia caso a operação não se consumasse.66 A palavra garantia, portanto, representa a primeira parcela de um pagamento, a garantia de que o pagamento integral será efetuado. O Espírito Santo é o primeiro pagamento que garante aos filhos de Deus que ele terminará sua obra em nós, levando-nos para a glória (Rm 8.18-23; ljo 3.1-3). Vale ressaltar que a coisa dada está relacionada com a coisa garantida — o presente com o futuro — da mesma forma que a parte está relacionada com o todo. É de tipo igual. Assim, a vida espiritual do cristão hoje é do mesmo tipo que sua futura vida glorificada; o reino dos céus é um reino presente; o crente já está assentado com Cristo nas regiões celestes. O dom presente do Espírito é só uma pequena fração do dom futuro.67 William Barclay tem razão quando diz que a experiência do Espírito Santo que temos neste mundo é uma antecipação das alegrias e bênçãos do céu. Assim, a garantia, ou primeira parcela, é a comprovação da glória por vir, glória que não se manifestará apenas quando a alma e o corpo se separarem, mas também, e especialmente, na grande consumação de todas as coisas, na segunda vinda de Cristo. A redenção tem três estágios: fomos redimidos — justificação (1.7); estamos sendo redimidos — santificação (Rm 8.1-4) e seremos redimidos — glorificação (1.14). A palavra garantia, como dissemos, tem também o sentido de anel de noivado, de compromisso.70 E a garantia de que a promessa de fidelidade será guardada. Nossa relação com Deus é uma relação de amor. Jesus é o noivo, e a sua igreja é a noiva. Todas essas riquezas vêm pela graça de Deus e são para a glória de Deus. Toda a obra do Pai (1.6), do Filho (1.12) e do Espírito Santo (1.13,14) tem uma fonte (a graça) e um propósito (a glória de Deus). O nosso fim principal é glorificar a Deus, e o fim principal de Deus é glorificar a si mesmo.

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