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SUPLEMENTO ESPECIAL

BRIDGEMAN ART LIBRARY, LONDRES/KEYSTONE

A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE DE BOLONHA (século XIV), mármore de Jacobello e Pier Paolo dalle Masegne

UNIVERSITAS MAGISTRORUM ET SCHOLARIUM

A renovação do saber na Europa medieval

As universidades foram o canal ideal para a difusão das idéias e para a expansão do conhecimento ocorrida entre os séculos XII e XV POR

REUVEN FAINGOLD

REPRODUÇÃO

ARISTÓTELES MEDIEVAL. Um dos fatores que explicam a emergência das universidades, nos primeiros anos do século XIII, foi a onda de traduções das obras de Aristóteles, com comentários de pensadores árabes como Avicena e Averróis. Acima, ilustração de livro de Avicena

A

s primeiras universidades surgiram na Europa central no início do século XIII. Mesmo sem conhecermos as datas exatas de fundação, podem-se considerar contemporâneas as universidades de Bolonha (1088), Paris (1150), e Oxford (1167); um pouco mais tardia foi a universidade de medicina de Montpellier (1289). Tanto por sua estrutura institucional como por sua função social e intelectual, tais universidades não surgiram ex-nihilo; foram herdeiras de uma longa tradição que perdura ainda hoje. As disciplinas ensinadas nos centros universitários eram aquelas que a Antigüidade havia considerado continuadoras da cultura erudita, a forma mais alta de saber intelectual à qual um homem livre poderia almejar: as artes liberais (gramática, retórica, lógica, aritmética, música, astronomia e geometria) formando sua base e a ciência sagrada (teologia), seu coroamento. Disciplinas mais práticas como direito ou medicina, capazes de obter um nível suficiente de abstração encontravam igualmente seus lugares dentro do sistema. Os enciclopedistas da Alta Idade Média, os reformadores e os pedagogos dos séculos IX–X nada mais fizeram senão retornar a tal programa. A longa tradição

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pedagógica proveniente da Itália foi reanimada na França durante os últimos anos do século XI. A rede escolar foi enriquecida. Se as escolas monásticas, sem desaparecer, voltaram para as sombras, as escolas-catedrais, até então modestas e até mesmo inexistentes, multiplicaram-se. Os prelados mais eruditos que a reforma da Igreja designou para as inúmeras sedes episcopais dedicaram-se a dotar suas catedrais de escolas dinâmicas para formar clérigos instruídos na direção dessas escolas e colocaram escoliastas competentes e ativos. Foi assim desde a primeira metade do século XII: a maioria das catedrais do norte da França possuía uma escola permanente de bom nível onde se ensinavam as artes liberais e a Sagrada Escritura. Às escolas-catedrais vieram se juntar aquelas que as novas ordens de cônegos instruíram em algumas de suas abadias. Por fim, em determinados centros como Paris, surgiram o que poderíamos denominar escolas particulares. Nelas, os mestres instalavam-se por conta própria e ensinavam aqueles que aceitassem pagar matrículas escolares. Abelardo (1079-1142) foi um dos iniciadores do movimento e rapidamente contou com dezenas de mestres ensinando a gramática ou a lógica. Esse desenvolvimento ESPECIAL VYGOTSKY

A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

espontâneo inquietou a Igreja, desejosa do monopólio escolar e colocou em funcionamento o sistema de licentia docendi (autorização de ensino) para abrir escolas, mesmo particulares; autorização esta outorgada em cada diocese pela autoridade episcopal. Esse sistema se impôs, principalmente, porque a maioria dos mestres era composta por clérigos. Bastante independentes e muito mais laicas foram as primeiras escolas de direito e de medicina surgidas nos países mediterrâneos. Ainda aqui, tratava-se de escolas particulares, funcionando de maneira autônoma, sob a única responsabilidade do mestre firmando contratos com seus ouvintes. No decorrer do século XII, mestres formados nas escolas italianas de direito e medicina começaram a espalhar-se e a ensinar na Provença, no Languedoc, na Catalunha e até mesmo ao norte da França e na Inglaterra.

CRÉDITO: MUSEU CONDÉ, CHANTILLY

A RENOVAÇÃO DOS SABERES A renovação escolar não é explicada pelo desenvolvimento geral do Ocidente, pelo auge da economia,

pelo crescimento urbano ou pela aceleração das trocas de conhecimento. Isso se deve ao fato de a Igreja e os poderes leigos e classes dirigentes terem sentido cada vez mais a necessidade de apelar a letrados competentes, dominando as disciplinas eruditas e todas as técnicas da escrita, para gerir seus negócios, tanto privados quanto públicos. A renovação escolar fez-se acompanhar de uma espetacular promoção social de pessoas saídas das escolas, os denominados magistri. Além disso, o prestígio desses magistri devia-se ao fato de seu saber ser bastante superior ao das épocas anteriores. Por certo, o panorama geral das disciplinas que definiam o campo da cultura erudita não fora modificado, como também não o fora o monopólio do latim como veículo dessa cultura. Manteve-se então a seguinte idéia: todo saber acessível repousava num determinado número de textos, de autoridades veneráveis, e todo progresso no campo do saber podia derivar apenas de uma interpretação mais aprofundada desses mesmos textos. Contudo, o século XII enriqueceu a cultura de forma considerável. Foram resgatados antigos manuscritos, e na Itália o Corpus Iuris Civilis (codificação do direito romano realizada pelo imperador Justiniano) foi redescoberto e transformou-se em objeto de ensino. Nas artes liberais e na medicina, destacam-se as traduções de textos filosóficos, de pensadores gregos (Aristóteles) e de seus comentários gregos ou árabes, realizados e difundidos como material de ensino tanto na Espanha como na Sicília. BOLONHA, PARIS, OXFORD Esta mudança de escolas para universidades não pode ser apresentada como uma mera conseqüência do crescimento ou como a indefectível vitória de forças emergentes em detrimento de estruturas tradicionais. Inicialmente houve um processo de reclassificação. Numerosas escolas sofreram um declínio brusco: escolas-catedrais voltam para a obscuridade, os ensinamentos de direito enraizados em vários lugares desaparecem. Qual seria o motivo de tal fracasso? Os professores não souberam se renovar? As cidades não foram capazes de absorver o fluxo de estudantes? Em todo caso, apenas alguns centros escaparam a essa evolução e conheceram, ao contrário, um crescimento acelerado. Tomemos como exemplos Bolonha, Paris, Oxford e Montpellier. No século XII as escolas de direito de Bolonha eram famosas e haviam recebido do imperador Frederico uma proteção especial para funcionar. Elas constituíam peque-

SÃO TOMÁS DE AQUINO ministra aula, miniatura de Fouquet em edição de Horas, de Étienne Chevalier (século XV) WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR

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BODLEIAN LIBRARY, OXFORD

nas societates e atuavam ao redor de seu mestre. A mudança se iniciou em 1190, quando os estudantes começaram a se agrupar de acordo com sua origem (ingleses, alemães, provençais, lombardos, toscanos) querendo se proteger de cobranças da população local, administrar seus conflitos internos, assinar contratos com professores e determinar eles mesmos as disciplinas necessárias. Aos poucos, nações se agruparam em universidades, surgindo um reitor eleito anualmente. Em Bolonha, o papa também obrigou universidades a introduzir o sistema de licentia docendi, ali outorgada pelo seu núncio. Em Paris, após 1200, os mestres associados ensinavam principalmente artes liberais. Mesmo evoluindo, certas disciplinas como direito canônico e teologia foram lecionadas com certo atraso entre 1210 e 1220. O rei da França

não se opôs a nada, e o bispo concedeu a licentia docendi e seus estatutos por 1215. Sua autonomia estava garantida, e em 1231 foram confirmados os privilégios através da bula Parens Scientiarum. O centro universitário de Oxford também é antigo. A primeira associação de mestres nasceu por volta de 1200, e em 1214 foram-lhe outorgados seus privilégios pontificiais fazendo de Oxford uma verdadeira entidade autônoma. Em Montpellier, enfim, a transformação em universidade foi conseguida em 1220 graças aos estatutos de um legado pontificial. Em Bolonha, a outorga desses estatutos teve como contrapartida a introdução da licentia docendi que instaurava um controle eclesiástico sobre uma instituição até então totalmente leiga. Cabe lembrar que conflitos da época traduziram-se na partida voluntária de grupos de mestres e estudantes. Assim, nesses desdobramentos, novas universidades nasceram, mas apenas duas delas mostraram-se duráveis: Cambridge, desde 1209, nascida de uma migração oxfordiana, e Pádua, fundada em 1222 pelos doutores e estudantes foragidos de Bolonha. PRIMEIRAS COMUNIDADES UNIVERSITÁRIAS É notório que as primeiras universidades não obedecem a um modelo único. Desde o início estamos diante de sistemas pedagógicos distintos. Na região norte da Europa (França e Inglaterra), as universidades contavam com um público jovem e eram associações de mestres ou federações de escolas. As disciplinas predominantes eram as artes liberais e a teologia, a marca eclesiástica continuava forte. Já nas regiões mediterrâneas (Itália), elas foram antes de tudo associações de estudantes, das quais os mestres eram mais ou menos excluídos. As disciplinas norteadoras eram o direito e a medicina, conseqüentemente seus alunos tinham média de idade mais avançada e nível social mais elevado. E se também existiu um controle eclesiástico imposto, este permanecia apesar de tudo exterior à própria instituição. Mesmo com essa diversidade, encontramos também alguns traços comuns ao conjunto das primeiras universidades. Na Europa cristã do século XIII, mestres e estudantes reuniram-se para constituir uma universidade juramentada. Eles redigiram seus estatutos e nomearam representantes eleitos, organizaram-se para garantir um auxílio mútuo, asseguraram a sua proteção diante das possíveis ameaças das autoridades locais e regulamentaram o exercício autô-

PROFESSORES E ESTUDANTES em ilustração da Brevis chronica sobre o New College de Oxford (século XV)

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ESPECIAL VYGOTSKY

ROGER-VIOLLET/TOPFOTO/KEYSTONE

A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

UNIVERSIDADE DE SALAMANCA, na Espanha

nomo da atividade intelectual, sendo a própria raison d’être de sua associação. Aos poucos, as universidades saíram do restrito quadro diocesano, e com forte proteção pontificial afirmaram sua capacidade de recrutamento em toda a cristandade, sem outro limite além de seu renome específico. Como explicar a emergência, nos primeiros anos do século XIII, dessa forma institucional nova? Alguns estudiosos, como Jacques Le Goff, enfatizaram a conjuntura geral favorável, o progresso constante em centros urbanos como Paris, as novas necessidades dessas cidades, dos príncipes e Igreja oferecendo empregos cada vez mais numerosos aos graduados provenientes das escolas. Outros pesquisadores, como Grundmann, preferiram insistir nos fatores intelectuais, principalmente no que se refere a Paris. Seja como for, fica claro que essa evolução aconteceu graças a uma nova onda de traduções das obras de Aristóteles, acompanhadas de seus comentadores árabes de maior prestígio: Avicena e Averróis. Com tais textos, não se tratava mais simplesmente de lógica, como no século XII; tratava-se doravante do conjunto da filosofia e da ciência grecoárabes, surgidos nas escolas do Ocidente. Essa renovação WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR

fascinava vários espíritos, brindava maior liberdade, porém despertava a desconfiança das autoridades eclesiásticas. Para Steven Ferruolo, todos esses fatores interferiram, mas na sua opinião é preciso acrescentar-lhes uma tomada de consciência mais aguda das necessidades profissionais do ensino. Poder-se-ia dizer que, para fazer frente a determinado número de disfunções surgidas nas escolas existentes, a solução universitária foi construída. Algumas escolas periclitavam, enquanto outras mal dominavam seu próprio crescimento. As autoridades eclesiásticas tradicionais estavam ultrapassadas. A massa dos estudantes tornava-se uma ameaça para a ordem pública. Os mestres eram cada vez mais numerosos e entravam abertamente em concorrência. Cada um ensinava a seu modo, percorrendo com superficialidade as “autoridades”, misturando O AUTOR REUVEN FAINGOLD é Ph.D. em história pela Universidade Hebraica de Jerusalém, membro fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e pesquisador da história judaica medieval e moderna; especialista em Segundo Império, é autor do livro D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876 (Sêfer, 1999).

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de maneira perigosa disciplinas, a filosofia com a teologia, e o direito civil com o direito canônico. A renovação pedagógica proposta trazia evolução, mas implicava também incertezas no âmbito do conhecimento e do saber.

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CONFLITO ENTRE PODERES Nesse esforço para a retomada de controle, as autoridades externas prestaram sua ajuda. Não tanto as autoridades eclesiásticas locais, presas a prerrogativas tradicionais e hostis à autonomia universitária, mas as autoridades superiores (rei e papa), detentoras de poderes ilimitados capazes de intervir em todos os campos. Vejamos a seguir alguns exemplos. Na Inglaterra, o rei desempenhou um papel significativo; na França a universidade beneficiou-se com sua benevolente abstenção. O papado, representado por seus teólogos e canonistas, deu apoio decisivo, apostando abertamente na modernidade institucional e intelectual. Em todos os lugares, o papa garantiu autonomia universitária; ele reconhecia nas universidades uma espécie de magistério doutrinal extensivo a toda a cristandade, servindo em última instância a objetivos definidos por ele mesmo.

Por volta de 1230, as universidades ainda eram pouco numerosas, mas seu prestígio já era considerável. Suas instituições, de início tão simples, foram pouco a pouco se tornando mais complexas e por isso seus estatutos definitivos datam freqüentemente apenas do século XIV. Tomemos como exemplo Paris. Depois de 1250, vemos surgir em Paris universidades organizadas: a faculdade preparatória das artes, as faculdades superiores de medicina, as de direito canônico e teologia, todas elas dirigidas por um decano. Na faculdade de artes, por volta de 1245, mestres e estudantes agruparam-se de acordo com suas origens geográficas em quatro nações (França, Normandia, Picardia e Inglaterra) para dirigi-las, surgindo assim a figura do reitor eleito. Ele se impôs como chefe de toda a universidade, mas a brevidade de seu mandato (três meses) e os poderes preservados pelas assembléias gerais das nações e das faculdades limitaram sua função. Finalmente, começaram a aparecer os Collèges, destinados a abrigar estudantes pobres. Nem por isso, a universidade se viu imune a conflitos e crises. Se, por um lado, as autoridades eclesiásticas e leigas passavam a respeitar a autonomia da instituição, por outro, os choques com a população urbana continuavam freqüentes. Quanto ao papa, intervinha diretamente nos assuntos da universidade. Sua benevolência, os favores coletivos e individuais com os quais gratificava seus membros não o impediam de supervisionar a ortodoxia dos ensinamentos. Além do mais, desde 1217 ele impôs às universidades a admissão em seus quadros das novas ordens mendicantes – dominicanos e franciscanos – às quais tinha confiado a luta anti-herética e a pregação. Embora os mendicantes tenham sido bem acolhidos inicialmente, tão logo começaram a ter seus próprios professores e suas escolas revelaram-se incômodos a seus colegas seculares. A qualidade do ensino (pensemos em Tomás de Aquino) despertava inveja; além de não se importarem com a autonomia universitária, manifestando total obediência a seus superiores e ao papa. Porém, quando se pretendeu expulsá-los (1250-1256), já era tarde demais, e as ordens, apoiadas pelo papa, resistiram vitoriosamente. Esse conflito voltará à tona tanto em Paris quanto em Oxford, mas sempre com vantagem para os mendicantes. O impasse seria superado nos primórdios do Renascimento. PROLIFERAÇÃO E EVOLUÇÃO Os séculos XIV e XV marcam uma nova fase na história das universidades medievais. Ela se caracteriza por dois

AVERRÓIS. Frontispício de exemplar dos Comentários do filósofo árabe à obra de Aristóteles

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A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

marginais que não tiveram relação alguma com centros traços principais: (a) surgimento de novas fundações; (b) culturais e políticos da Europa como as universidades maior intervenção dos Estados de Saint Andrews (1411) e Glasgow (1451), na Escócia; Surgimento de novas fundações. Inicialmente, o próprio universidade de Copenhague (1475) e Uppsala (1477), na sucesso acadêmico contribuiu para a expansão das uniSuécia, e Cracóvia (1397), na Polônia. versidades. As novas unidades universitárias resultaram A essas fundações é preciso adicionar faculdades ainda de um ato de fundação decidido por reis e príncipes e inexistentes, principalmente as de teologia, assim como confirmado pelo papado. a multiplicação de colégios, sobretudo em vilas como As primeiras universidades fundadas aparecem por volta Paris, Oxford e Cambridge. Geralmente esses colégios de 1220-1230. Ousa-se qualificar como universidade o foram fundados por ricos benfeitores, homens da Igreja, studium de Nápoles (instituído em 1224 pelo imperador príncipes ou grandes oficiais reais. Frederico II), tamanha era a limitação de sua autonomia. Do mesmo modo, as escolas estabelecidas em Toulouse deMaior intervenção dos Estados. O poder político sempre pois da cruzada contra os albigenses (1229) só se tornaram se interessou pelas universidades. Embora permanecenverdadeiras universidades após a outorga dos privilégios do instituições eclesiásticas, as universidades passaram pontificiais de 1233 e 1245. Mas a terra eleita das univercada vez mais para o controle das cidades e dos Estados. sidades fundadas foi, no século XIII, a península Ibérica. Havia uma necessidade de formar letrados para cargos Lá, hispanos e lusitanos tomaram a iniciativa de instituir de administração nas grandes cidades. Surgia aos poucos universidades em Salamanca (1218), Valência (1245), o Estado moderno. Valladolid (1250), Sevilha (1254), Lisboa, Coimbra (1290) Sob formas diversas, o controle e Lérida (1300). Por 1300, não hapolítico do Estado tornou-se opresvia mais de 12 ou 13 universidades O controle político sivo para algumas universidades, ativas em toda Europa, e até 1378 do Estado tornou-se pois havia restrição ao exercício das o ritmo das fundações continuou liberdades e privilégios, intervenção moderado. opressivo para na nomeação dos professores e no Lembremos, as escolas de certas universidades recrutamento de estudantes. Em direito existentes desde o século troca, é verdade, os universitários XIII viraram universidades, tais os obtiveram algumas gratificações ficasos de: Orléans (1306), Angers nanceiras, assim como promessas de brilhantes carreiras. (1337), Avignon (1303), Perusia (1308) e Pavia (1361). A antiga universidade de Paris resistia à perda de Sem fracassar totalmente, outras fundações vegetaram, são sua autonomia. Enquanto isso, as novas universidades, elas: Cahors (1332), Florença (1349), Perpignan (1350) quase sempre ligadas a um principado territorial, não e Siena (1357). ostentavam nem um brilho universal nem uma impossível O fenômeno mais original desse período foi o apareciindependência. Elas se submeteram de boa vontade, em mento das primeiras universidades no mundo germânico troca de favores, a um papel determinado: ministrar um e na Europa central. Em 1348, o imperador Carlos IV ensino ortodoxo, formar as futuras elites locais e contribuir decretou a fundação da universidade de Praga. Seus pripara o êxito da ordem social e política estabelecida. Cada meiros tempos foram difíceis. Muito mais difíceis foram universidade pretendia consolidar suas metas e atender aos os das universidades de Cracóvia (1364), Viena (1365) e interesses daqueles que a apoiavam naquela época. Pécs (1367), três sociedades sem condições mínimas de desenvolver instituições universitárias. POPULAÇÃO ESTUDANTIL Essa situação irá a mudar após o Grande Cisma (1378Somente nos últimos anos a documentação histórica 1417). Essa crise acelerou a emergência dos Estados e das nos permitiu conhecer melhor o perfil da população Igrejas nacionais. Enquanto havia menos de 30 universiestudantil na Europa. Apareceram pergaminhos com redades ativas em 1378, após 1500 este número dobrará. querimentos individuais endereçados pelas universidades Três países aproveitaram-se desta situação: a França, onde ao papado, registro de matrículas, e dados que permitem oito fundações provincianas – entre elas Aix-en-Provence, fazer análises quantitativas. Poitiers, Caen e Bourges – se juntaram a centros antigos; A formação de letrados devia ser grande: por volta de a Espanha, com cinco fundações novas; e a Alemanha 1400, Paris tinha provavelmente em torno de 4 mil alunos, atingindo uma dúzia de universidades entre 1378 e 1500, Bolonha conseguiu de 2 mil a 3 mil alunos, em Toulouse, entre elas Erfurt, Colônia, Heidelberg, Leipzig, Freiburg, Avignon, Oxford e Praga, chegamos por aproximação a 1,5 Basiléia e Tübingen. Acrescentamos, por fim, países WWW.VIVERMENTECEREBRO.COM.BR

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UMA DEMANDA SOCIAL SUSTENTADA permitiu a manutenção de contingentes estudantis e, mesmo nas últimas décadas do século XV, a retomada do crescimento

lação dos homens e a validade universal dos diplomas. mil a 2 mil alunos. Havia também aquelas como Cahors, Contudo, tal mobilidade não deve ser superestimada. Ela na França, onde o número não passava de uma centena beneficiava as grandes universidades como Paris e Bolonha, ou de algumas dezenas. mas, mesmo ali, os estudantes de origem distante eram Na França, os mestres parisienses lamentavam a consempre minorias. Em Bolonha, os ultramontanos jamais corrência de Caen e de Bourges. Na Inglaterra, Cambridge representavam mais de um quarto com 1,3 mil estudantes aproximoudo total. No final da Idade Média, se de sua irmã mais velha Oxford As populações a multiplicação das universidades com uns 1,7 mil alunos. Mas foram nacionais ou regionais reduziu as universidades da Alemanha que universitárias ainda mais essa mobilidade. mostraram um forte dinamismo: na Idade Média De fato, no decorrer da Idade Louvain (1425) e outros centros Média, a principal corrente miacadêmicos da região alpina chegaeram móveis gratória foi para Itália e rumo a ram a ter entre 1385 e 1500 quase Paris. Logo depois haveria uma 250 mil estudantes. preferência pelos países da Europa Central. Na contramão, Apesar das intempéries, uma demanda social susos britânicos dirigiam-se para Oxford e Cambridge, e os tentada permitiu em todos os lugares a manutenção de espanhóis e portugueses para as universidades de seus contingentes estudantis e, mesmo nas últimas décadas respectivos países. do século XV, a retomada do crescimento. Fica ainda mais difícil reconstituir a origem social dos estudantes. Os nobres nunca foram numerosos e dificilmente MOBILIDADE GEOGRÁFICA E ORIGEM SOCIAL atingiram mais de 5% ou 10%. Os estudos universitários não O estudo sistemático das listas nominativas de professores conduziam ainda nem ao tipo de cultura nem ao tipo de care alunos nos permitiu elucidar dois assuntos significativos, a reira a que esse grupo social se dedicava preferencialmente. saber: (a) a mobilidade social, (b) a origem socioeconômica Os custos e a duração dos estudos eram suficientes As populações universitárias na Idade Média eram motivos para afastar a grande massa da população. Os bastante móveis, não havia fronteira impedindo a circu96

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A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA

PALÁCIO APOSTÓLICO, VATICANO

CRÉDITO: BRIDGEMAN ART LIBRARY, LONDRES/KEYSTONE

estudantes pobres eram sempre minoritários. Na melhor das hipóteses nas faculdades da Alemanha chegavam a formar 20% do efetivo total. É provável, portanto, que a maior parte dos alunos e graduados viesse das “classes médias” (notários, comerciantes e artesãos abastados). Para as pessoas de recursos, os diplomas significavam um meio de ascensão social e também uma forma de obtenção de rendimentos, ou no mínimo serviam para galgar posições mais seguras e prestigiosas, tanto no alto clero do século XV, onde encontramos porcentagens importantes de graduados, como na prática privada (médicos) ou no serviço da corte, nos cargos superiores de administração e da justiça. O objetivo maior desses graduados era entrar na nobreza ou fazer carreiras de professores.

No final da Idade Média, a prática dos estudos tornarse-á uso corrente, principalmente em famílias de oficiais reais, de juristas ou de médicos. Longo e complexo foi o trajeto das universidades na Idade Média. A maioria evoluiu de “escolas” para universidades com ajuda do braço secular e também com a supervisão do eclesiástico. Afinal, nenhum centro acadêmico poderia fugir dos padrões religiosos da época, norteados pela cristandade. Foi ela quem conquistou dia a dia posições de destaque no desenvolvimento das cidades. As sete disciplinas que faziam parte das artes liberais foram fundamentais na formação da mentalidade do homem medieval e, concomitantemente tiveram um papel significativo nas transformações pelas quais passou a Europa rumo à modernidade. O movimento universitário, se é que podemos falar em “movimento”, teve uma missão especial na renovação do saber e na aquisição do conhecimento. A Igreja supervisionou as faculdades e os regimentos internos de cada instituição, mas mesmo assim cada universidade conseguiu aprimorar sua linha pedagógica e capacitar pessoas para as mais diferentes funções sociais, ora na corte ora na continuidade da própria instituição. Apesar de terem um papel central na consolidação do saber e na difusão do conhecimento, as universidades foram duramente criticadas pelos humanistas do Renascimento. Mesmo assim, foram elas as únicas responsáveis pelo crescimento intelectual de boa parte da população da Europa. A sociedade medieval na Europa dos séculos XII-XV encontrou nas universidades uma verdadeira parceira na difusão das idéias e no aprimoramento VMC sociocultural. PARA CONHECER MAIS English university life in the Middle Ages. A. B. Cobban. Columbus Ohio State University Press, 1999. Histoire des universités. C. Charle e J. Verger. Presses Universitaires de France, 1994. História da educação – Da Antigüidade aos nossos dias. M. A. Manacorda. Cortez, 2000 Les intellectuels au Moyen Age. J. Le Goff. Seuil, 1985. Life in the medieval university. R. S. Rait. Cambridge University Press, 1931. Origens da universidade. Aldo Janotti. Edusp, 1992. The origins of the university. The schools of Paris and their critics, 1100-1215. S. C. Ferruolo. Stanford University Press, 1985.

FUNDAÇÃO da Universidade de Bolonha (1088) e privilégios concedidos pelo papa Paulo II em imagem do século XV

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The rise of universities. C. H. Haskins. Cornell University Press, 1972. Vom Ursprung der Universität im Mittelalter. H. Grundmann. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1964.

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