SISTEMAS ECONÔMICOS Como assinalou Heilbroner, “se uma sociedade quiser assegurar seu constante reaprovisionamento material, deverá distribuir sua produção de modo a manter não só a capacidade, mas também a disposição de se continuar trabalhando. E assim reencontramos o foco da investigação econômica dirigido para o estudo das instituições humanas. Pois uma sociedade econômica viável [...] deve não só superar a estreiteza de recursos da natureza, mas também conter e controlar a intransigência da natureza humana”. E perguntamos: de que maneira a humanidade conseguiu resolver os problemas de produção e distribuição? Examinando a evolução da sociedade contemporânea, Heilbroner apregoa que “dentro da enorme diversidade das instituições sociais que guiam e dão forma ao processo econômico, o economista descortina apenas três tipos abrangentes de sistemas que, separadamente ou em combinação habilitam a humanidade a resolver seu desafio econômico. Estes três grandes tipos sistêmicos podem ser designados como economias governadas pela tradição, pelo mando e pelo mercado”. Vejamos mais de perto as características de cada um destes tipos. A tradição Para assegurar que as tarefas indispensáveis à produção fossem realizadas, as sociedades baseadas na tradição procuravam transmitir, de pai para filho, os diversos ofícios necessários ao desenvolvimento da atividade econômica. Conforme Heilbroner, “uma cadeia de hereditariedade garante que as qualificações serão transmitidas e as ocupações desempenhadas de geração para geração”. E acrescenta que Adam Smith, em sua obra “The Wealth of Nations” [conhecida por “A Riqueza das Nações”] “todo homem estava obrigado por um princípio religioso a seguir a ocupação de seu pai e estaria cometendo o mais nefando sacrilégio se mudasse para outra”. Esta afirmação é complementada pela observação de que “não foi só na antiguidade que a tradição preservou uma ordem produtiva no seio da sociedade. Em nossa cultura ocidental, até os séculos XV e XVI, a alocação hereditária de tarefas também foi a principal força estabilizadora na sociedade. Embora ocorresse certo movimento do campo para a cidade e de profissão para profissão, o nascimento determinava usualmente o papel de cada um na vida. Um indivíduo nascia para cultivar a terra ou para um ofício; e, na terra ou no ofício, cada indivíduo seguia os passos dos antepassados”. Durante muito tempo, as economias baseadas na tradição desempenhavam suas necessidades de produção e distribuição, porque o costume pode efetivamente fornecer um importante mecanismo para resolver o problema econômico. Heilbroner destaca que a solução oferecida pela tradição para os problemas de produção e distribuição é estática. Para ele, “uma sociedade que adota o caminho da tradição em sua regulação dos assuntos econômicos o faz em detrimento da mudança social e econômica rápida e em larga escala”. Por isto, “a tradição resolve o problema econômico, mas o faz em detrimento do progresso econômico”.
O mando Trata-se igualmente de um método antigo. Diferente da tradição – perpetuação de um sistema viável pela reprodução imutável de seus métodos – o mando constitui a “organização de um sistema de acordo com as ordens estabelecidas por um comandanteem-chefe econômico”, segundo Heilbroner. E que não se limitou às antigas sociedades. Também se fez presente nas determinações das autoridades econômicas comunistas. A cobrança de impostos, por exemplo, pressupõe o direito de preempção – de tomar posse primeiro – de parte de nossa renda pelas autoridades públicas. No exercício do mando não ocorre a redução do ritmo da mudança econômica, como destacado por Heilbroner no caso da tradição. Para ele, “o exercício da autoridade é o mais poderoso instrumento de que a sociedade dispõe para impor a mudança econômica”. Assim, “o Governo pode, por exemplo, utilizar suas receitas fiscais para criar uma rede de estradas que coloque uma comunidade estagnada no fluxo da vida econômica ativa”. E, ainda, “pode elaborar um sistema de irrigação que mudará radicalmente a vida econômica de uma vasta região”. E mais: “pode alterar deliberadamente a distribuição de renda entre classes sociais”. Mas, atento às implicações de ordem social, especialmente quanto à justiça social, este autor ressalta que “a nova ordem imposta pelas autoridades pode ofender ou agradar nosso senso de justiça social, tal como pode melhorar ou piorar a eficiência econômica da sociedade”. Para ele, o “mando pode, é claro, ser um instrumento de vontade tanto democrática quanto totalitária”. Assim sendo, “não existe julgamento moral implícito a ser emitido acerca desse segundo dos grandes mecanismos de controle econômico”, voltados para a produção e distribuição de bens e serviços. Para Heilbroner, “se a tradição é o grande freio à mudança social e econômica, o mando econômico pode ser o grande incentivo para a mudança”. Mas, tanto o mecanismo da tradição quanto o mecanismo do mando “contribuíram para a solução bem-sucedida dos problemas econômicos, ambos servem a seus objetivos, ambos têm seus usos e inconvenientes”. O mercado A terceira solução para o problema econômico, ou seja, uma terceira forma de manter padrões socialmente viáveis de produção e distribuição é a organização de mercado da sociedade. Trata-se, na visão de Heilbroner, de “uma organização que, de modo verdadeiramente notável, permite à sociedade assegurar seu próprio aprovisionamento com um mínimo de recurso à tradição ou ao mando”. Para ele, o conhecimento da ciência econômica é de vital importância para a compreensão dos mecanismos que norteiam a produção e a distribuição numa sociedade de mercado. Por este sistema, os mais simples problemas de produção e distribuição são resolvidos pela livre interação de indivíduos, sem orientação da tradição ou do mando. E muitos dos problemas em que as sociedades contemporâneas se debatem se relacionam com o bom ou mau funcionamento do sistema de mercado. Daí a necessidade de se estudar a própria economia. Síntese do Tema 6 – Sistemas Econômicos Este tema foi destinado à identificação dos sistemas econômicos baseados na tradição, no mando e no mercado, como pano de fundo para o estudo da sociedade de mercado.
Cap. 2 A SOCIEDADE DE MERCADO OBJETIVO As experiências históricas auxiliam o processo de entendimento das transformações por que passaram as formas de organização da atividade econômica e que ainda se manifestam, conduzindo a novos mecanismos de produção e distribuição. Este tema é dedicado a uma análise da evolução que se processou de forma variada, confusa e irregular, sucedendo a época medieval, no longo período que vai do século X ao século XIX. INTRODUÇÃO Recuemos no tempo, até a época das grandes conquistas romanas. Visualizemos o que nos ensina a história, por meio de livros e filmes que retratam o convívio social: nas sociedades antigas, o aspecto econômico da vida está subordinado ao aspecto político. Em outras palavras, significa que o sacerdote, o guerreiro e o estadista eram superiores ao mercador ou negociante. Nos dizeres de Heilbroner, “a riqueza acompanhava o poder”, não o inverso, como nas sociedades de mercado que virão depois e que serão alvo de nossa análise neste tema. Com o declínio da lei e da ordem romanas surge a vida econômica medieval. Imperava uma forma única de organização da atividade econômica, denominada sistema senhorial, onde os senhores locais eram os centros do poder político, militar, econômico e social. A maioria dos camponeses estava vinculada a determinado senhor, para quem era obrigada a trabalhar e a quem deviam impostos ou tributos. Em troca, os senhores possibilitavam uma relativa segurança física e também certa segurança econômica em épocas de crise. Assim como no sistema de tradição, imperava um sistema econômico estático, onde os pagamentos monetários desempenhavam papel apenas secundário. O principal objetivo, portanto, consistia na auto-suficiência, principal característica do senhorio. Seriam necessárias profundas e generalizadas mudanças para converter a sociedade medieval numa sociedade de mercado: a primeira delas é representada por uma nova atitude em relação ao ganho de dinheiro como atividade legítima, substituindo a suspeita medieval em relação à busca de lucro; A segunda diz respeito à monetarização da economia, que teria de se expandir para além de seus estreitos confins, evidenciando a compra e a venda como forma de controle da produção de todas as mercadorias e o desempenho de quase todas as tarefas; a terceira, igualmente importante e abrangente, diz respeito à necessidade de que o fluxo de “demanda” e “oferta” – conceitos que serão aprofundados nos temas subseqüentes – assumisse a direção da atividade econômica, retirando-a das prescrições dos senhores feudais e dos usos e costumes. O presente tema tratará da evidenciação destes aspectos no conjunto das relações econômicas voltadas para a produção e distribuição dos bens e serviços.
SÍNTESE DO CAPÍTULO 2 – A SOCIEDADE DE MERCADO
Este capítulo nos remete a uma análise histórica do processo de transformação da sociedade econômica. Descobrimos como, aos poucos, a sociedade foi se transformando em uma busca permanente de sobrevivência econômica, ou seja, a aquisição de rendimento se transformando em um aspecto fundamental da vida dos agentes econômicos, até mesmo o detentor de posses. Será esta uma das evidências da sociedade de mercado.