Educação a Distância: diferentes possibilidades interdisciplinares Eguimara Selma Branco
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De repente, eu me senti interdisciplinar, ao mesmo tempo em que senti que nem sempre fui/sou/serei, e neste ser/não ser, percebi que poderia ser, que estava sendo, na ousadia/coragem de tentar ser, na humildade de reconhecer que não fui/sou/serei, na espera de me tornar/ser que me desafiava, envolvia, comprometia e me responsabilizava livremente pelo outro, meu parceiro, por mim, pelo mundo em mim/fora de mim. Senti que estava sendo, estamos sendo, nos tornando a cada instante, livres, na força do querer, na beleza dos tantos encontros/desencontros, no ser/estar/não estar consigo e com o outro. Feliz só/acompanhada. (SCHERER, 2005).
Apresentação Neste
trabalho
proponho-me
a
apresentar
aproximações
entre
a
interdisciplinaridade e o meu projeto de pesquisa, a partir dos referenciais discutidos na disciplina Tópicos de Filosofia da Matemática e da Educação Matemática, ministrada pelo professor Dr. José Carlos Cifuentes, no Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Educação Matemática - Universidade Federal do Paraná (UFPR), no segundo semestre de 2008. Assim, por meio das leituras, busco trazer a interdisciplinaridade como um processo, como uma atitude, como algo em movimento, oportunizada por meio dos ambientes virtuais de aprendizagem em uma proposta para ressignificar a Educação a Distância (EaD), com vistas a superação de modelos tradicionais de ensino nesta modalidade. O desafio destes temas propõem refletir a partir de dois pontos-chave: a tecnologia, aqui proposta como o conjunto de conhecimentos, instrumentos e princípios que norteiam a EaD e a interdisciplinaridade vista como uma atitude interdisciplinar. Aproximações: tecnologias, EaD e a interdisciplinaridade Sempre que nos referimos a EaD e ao uso de tecnologias, nossa imaginação nos leva diretamente às novas tecnologias digitais de comunicação, ou seja, a computadores,
internet e seus desdobramentos. Porém, estes meios e técnicas estão em nosso meio há muito tempo. Segundo o filósofo francês, Gilbert de Simondon (1969), o processo de humanização do homem começou com a diferenciação de seus comportamentos em relação aos animais, no momento em que ele se utilizou de recursos existentes na natureza em seu benefício. Materiais como pedras, ossos, galhos e troncos foram transformados em ferramentas pelos nossos ancestrais, desta forma, eles superavam fragilidades físicas em relação às demais espécies. O homem primitivo contava com o cérebro e a suas mãos (CHAUCHARD, 1972). Por ser frágil em relação a alguns animais, e precisar defender-se de fenômenos da natureza, o homem precisava de equipamentos, sua sobrevivência não seria garantida apenas pelas possibilidades do seu raciocínio com sua habilidade manual. Utilizar recursos naturais para atingir fins específicos ligados à sobrevivência foi a maneira que o homem encontrou para não desaparecer. (KENSKI, 2006). Com base nas reflexões da autora, podemos observar que a tecnologia existe desde que o homem primitivo utilizou-se de recursos naturais, para atingir fins específicos ligados à sobrevivência. À medida que a humanidade evoluiu, novas tecnologias surgiram, e com elas novas possibilidades e recursos. Essa evolução tecnológica confunde-se com a evolução social do homem, ou seja, “o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas. Elas transformam suas maneiras de pensar, sentir, agir. Mudam também as formas de se comunicar e de adquirir conhecimentos” (KENSKI, 2006). Estes avanços tecnológicos, ocorreram de forma tão significativa e relevante no mundo contemporâneo que a partir deles, surgiram novas formas de pensar e agir, de ensinar e aprender, surgem outras formas de organizar a educação. A EaD se estabelece como mais uma possibilidade de educação. Inúmeros são os pesquisadores que retratam o desenvolvimento da EaD ao longo dos anos. Belloni apud Nipper(1999), apresenta três gerações a partir do uso de inovações tecnológicas de comunicação. Para esses autores, a primeira geração é a do ensino por correspondência (material impresso); a segunda geração, do ensino por multimeios (impresso, vídeo e áudio); e a terceira geração com o desenvolvimento e a disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Associando a evolução tecnológica aos processos de EaD, podemos dizer que o auge da utilização de recursos na Educação a Distância se dá ao final da década de 1980 e início dos anos 1990, onde surgem os computadores e a internet. Almeida (2003) diz que a EaD, por
meio
dos
ambientes
digitais,
favoreceu
o
desenvolvimento
de
conhecimentos
relacionados à produção escrita propiciando aos alunos expressar o próprio pensamento, a leitura e a interpretação de textos, os hipertextos e as idéias registradas por outros participantes, a partir de uma perspectiva de interação e construção colaborativa. Alonso (1994), diz que a EaD liga-se a idéia de democratizar e facilitar o acesso à escola. Para ela, falar de EaD não é falar de algo isolado da educação em geral. A autora entende que um sistema de EaD é um sistema de Educação, para tanto, deve ter como objetivo diversificar seu trabalho, tendo como proposta fundamental a democratização da educação e o compromisso social e político de oferecer diferentes possibilidades sem perder a qualidade do ensino. Afirma ainda, que tantas são as fronteiras possíveis, que mesmo o termo “a distância” não pode mais ser compreendido como distância física ou geográfica, uma vez que com a utilização das diferentes TIC, novas fronteiras são ultrapassadas frente ao “estar junto virtual”.(MORAN, 1999) Segundo Moore (2007), a idéia básica que norteia a Educação a Distância é muito simples. Para este autor, o que diferencia a EaD da educação presencial é a separação espaço/temporal entre os envolvidos no processo. Estando em locais diferentes durante todo ou em parte do tempo que ensinam e aprendem, professores e alunos dependem de algum tipo de tecnologia para transmitir informações e propiciar interações. As potencialidades educativas oferecidas pelas diferentes mídias, impõem repensar a dimensão coletiva e individual dos processos de ensino e aprendizagem, repensar os diferentes ritmos e tempos de aprendizagem, repensar as formas de estruturação e organização das informações para a construção do conhecimento. Tratase de flexibilizar processos, aproveitando ao máximo os recursos. Hoje é possível relativizar os condicionantes de espaço e tempo, acumular experiências, mudar modelos, rotinas e formas de trabalho. (SANCHO, 2006) Aqui, apresenta-se outra característica peculiar da EaD, a inovação educacional oportunizada pela integração das tecnologias digitais nos processos educacionais. Porém, para isso é preciso prever e organizar a utilização do tipo de técnica de criação e comunicação específicas de cada tecnologia, diferentemente de como os professores aplicam em sala de aula. Empregar bem essas tecnologias e técnicas para a Educação a Distância exige planejamento e intencionalidade educativa, até porque o que muito vemos pelo mercado é uma banalização do ensino e a subutilização das tecnologias digitais de comunicação. Vale destacar aqui, que quando falamos em tecnologias digitais de comunicação, não mais as tratamos como meros meios para distribuir as informações e o conhecimento,
mas as trazemos com diferentes papéis indispensáveis a qualquer processo educativo, com novas atitudes e novos enfoques aos responsáveis pelos processos de ensino e aprendizagem. EaD, uma atitude interdisciplinar Conforme já destacamos, as novas tecnologias digitais modificaram as relações de aprendizagem da EaD, reorganizando-a como uma modalidade capaz de aproveitar ao máximo a inserção tecnológica da sociedade informacional. As possibilidades de uso dos diferentes recursos nas práticas educativas integradoras, em uma perspectiva disciplinar, são evidentes e isso implica a construção de uma nova pedagogia baseada nestes novos recursos, que possibilite ou integre o local com o global (PABLOS, p. 73, 2006). Utilizando conceitos como mediação e construção social do conhecimento, propostas interdisciplinares ganham novas perspectivas na EaD, por meio do uso dos diferentes recursos tecnológicos. Estes recursos permitem novos formatos educativos, rompendo com modelos limitadores impostos pelo currículo. Nesse contexto, o professor não é mais o detentor do saber, “pois compartilha estas capacidades com hipertextos, equipes de especialistas, que inclusive podem ser consultados a distância, bases documentais, etc.” (PABLOS, p. 80, 2003) Para que essas práticas se evidenciem, se faz necessário um envolvimento de toda uma equipe de produção, diferentes especialistas para o trabalho de criação de materiais e conteúdos e seu uso nos processos de ensino e de aprendizagem. Também se faz necessário a criação de uma dinâmica curricular que articule as diversas possibilidades num processo de criação interativo e interdisciplinar, até por que habitualmente o que vemos nesses sistemas é um processo da fragmentação disciplinar do conhecimento Portanto, para a EaD o desafio é propor essas articulações intencionando uma comunicação interativa interdisciplinar, com o envolvimento de todas as partes: professores especialistas, conteudistas, designers e equipe pedagógica podem ser os autores e co-autores. O que propomos é uma atitude interdisciplinar que possibilite uma nova ação de abertura, compreensão e parceria em relação ao conhecimento e aos processos de ensino e de aprendizagem. Essa ação dirige-se em um movimento de transformação, de abertura e de mudança de atitude e pensamento, de co-construção e de colaboração “com” o outro, do questionamento e da busca, da ação e reflexão, visando o desenvolvimento individual e coletivo.(SANTOS, 2003)
“ A intersubjetividade (princípio primeiro da parceria) é muito mais do que uma questão de troca, mas, que o segredo está na intenção da troca, na busca comum da transcendência. Aprendemos também o cuidado que precisamos ter com a palavra, esta tal como o gesto tem por significação o mundo, o importante é, pois, nos utilizarmos de boas metáforas, pois o sentido de poiesis, de totalidade que as mesmas contemplam exercem um poder de despertar não apenas o intelecto, mas o corpo todo. Quando adquirimos a compreensão da ambigüidade que o corpo contempla, adquirimos a capacidade de lidar com o outro, com o mundo, enfim, recuperamos o sentido da vida” . Fazenda (2002)
Especificamente, para a Educação Matemática, práticas como essa vem somar as propostas e possibilidades de avanço na área, uma vez que observasse claramente um desgosto geral nas concepções e propostas para o ensino da Matemática. Garnica (1999) propõe a Educação Matemática como um movimento, um conjunto de práticas sociais, o autor lembra que: “ (...) assumir Educação Matemática como “movimento” implica aceitar que, desde o primeiro instante em que se decidiu ensinar a alguém alguma coisa chamada “Matemática”, uma ação de Educação Matemática começou a se manifestar. (...) Assumir a Educação Matemática como “movimento” implica não em desqualificar sua vertente prática e, até mesmo, radicalizando, sua vertente “meramente” prática. Pretende-se, porém, uma prática que demande necessariamente, reflexão. Não a mera reflexão teórica fundante supostamente “auto-suficiente”, mas uma reflexão que, sugerida pela prática, visa a uma efetiva intervenção na ação pedagógica” (p. 60-61)
E é dentro dessa concepção que penso a Educação a Distância, uma vez que não é limitante, pois a partir das novas possibilidades, da ousadia, do desafio em redimensionar o velho e da vontade de desvendar saberes novos, nos impele a querer conhecê-los e a propor novas atitudes, atitudes interdisciplinares. Ao falarmos em Educação a Distância e não em ensino a distância, nos assumimos interdisciplinares, “ao sermos interdisciplinares, assumimos uma atitude de abertura1 frente ao conhecimento, frente aos outros e frente a nós mesmos, abandonando a atitude preconceituosa, pois todo o conhecimento é igualmente importante assim como todas as formas de educar, que com intenções alicerçadas em pesquisas, buscam pelo novo e respeitam o ser humano.” (SCHERER, p. 67, 2005)
Vale lembrar que EaD é educação e, sendo educação, é movimento e incompletude revelada por meio das ações.
1 Atitude traduzida por Ivani Fazenda como a atitude de ultrapassar de um estágio subjetivo, em que as limitações são camufladas, a um estágio compreensivo, em que passa-se a aceitar e incorporar as experiências dos outros, a ver na experiência do outro, a complementação de sua própria.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Elizabete de. Educação a Distância na Internet: abordagens e contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. São Paulo: PUC-SP. 2003. ALONSO, M. Kátia. Educação a distância no Brasil: a busca de identidade. Cuiabá, NEAD UFMT, 1999. disponível em:
Acesso em 10 de fevereiro de 2009. ALONSO, M. Kátia. Formação de professores em exercicio, educação a distância e a consolidação de um projeto de formação: o caso da UFMT. Tese de doutoramento, 2005, 322 p. UNICAMP. Acesso em 10 de fevereiro de 2009. BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas, SP: Autores Associados, 1999. GARNICA, Vicente M. Filosofia da Educação Matemática: algumas re-significações e uma proposta de pesquisa.. In: BICUDO, M. A. V. (org.) Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1999, (Seminários & Debates) p. 59 -74. KENSKI, Vani Moreira. Gestão e uso das mídias em projetos de Educação a Distância. Revista E-Curriculum. São Paulo, v. 1, n. 1, dez. 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2008. KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias de ensino presencial e a distância. 3. ed. São Paulo: Papirus, 2006. MOORE, Michael G; KEARSLEY, Greg. Educação a Distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage Learning, 2008. PABLOS, Juan. A visão disciplinar no espaço das tecnologias da informação e comunicação. In: SANCHO, Juan María; HERNÁNDEZ, Fernando. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. SANCHO, Juan María; HERNÁNDEZ, Fernando. Tecnologias para transformar a educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. SANTOS, Edméa. O. ; OKADA, Alexandra . Articulação de saberes na EAD. In: X Congresso Internacional de EAD, 2003, Porto Alegre. X Congresso Internacional de EAD, 2003. SCHERER, S. Uma estética possível para a educação bimodal: aprendizagem e comunicação em ambientes presenciais e virtuais. São Paulo: PUC, 2005. 240 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005. VALENTE,
José
Armando.
Formação
de
professores:
diferente
abordagenes
pedagógicas. In:VALENTE. J.A. (Org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: UNICAMP/NIED, 1999. p.131-156.