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DO EFEITO VINCULANTE: SUA LEGITIMAÇÃO E APLICAÇÃO

www.lumenjuris.com.br EDITORES João de Almeida João Luiz da Silva Almeida CONSELHO EDITORIAL Alexandre Freitas Câmara Amilton Bueno de Carvalho Augusto Zimmermann Eugênio Rosa Fauzi Hassan Choukr Firly Nascimento Filho Flávia Lages de Castro Flávio Alves Martins Francisco de Assis M. Tavares Geraldo L. M. Prado Gustavo Sénéchal de Goffredo J. M. Leoni Lopes de Oliveira Letácio Jansen Manoel Messias Peixinho Marcos Juruena Villela Souto Paulo de Bessa Antunes Salo de Carvalho

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CELSO DE ALBUQUERQUE SILVA

DO EFEITO VINCULANTE: SUA LEGITIMAÇÃO E APLICAÇÃO

Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2005

Copyright © 2005 by Celso de Albuquerque Silva

Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pela originalidade desta obra nem pelas opiniões nela manifestadas por seu Autor.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no Brasil

Printed in Brasil

Para meus pais: Ivan Demetri Silva, que desde cedo me ensinou o valor da retidão e honradez de caráter; Irani de Albuquerque Silva, que me preparou para vida, ensinando-me o caminho do amor e dos sentimentos nobres. Para meus sogros: Antonio Leite Paessano, um homem de pouco saber, mas muita sabedoria; Ana de Moraes Paessano, uma admirável mulher de fibra e muita sensatez.

Sumário

Apresentação .............................................................................................

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Introdução ..................................................................................................

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PARTE I – DOS PRINCÍPIOS LEGITIMADORES DO EFEITO VINCULANTE Capítulo 1 – Igualdade e Efeito Vinculante............................................ 1. Introdução ............................................................................................. 2. O conceito de igualdade...................................................................... 2.1. Uma concepção de igualdade...................................................... 2.2. O princípio formal da igualdade.................................................. 3. Igualdade formal e justiça................................................................... 4. Eqüidade como uma teoria de Justiça – A teoria de Rawls ........... 4.1. O equilíbrio reflexivo..................................................................... 4.2. A posição original ......................................................................... 5. Igualdade e coerência ......................................................................... 5.1. Coerência atual ............................................................................. 5.2. Coerência futura............................................................................ 6. Igualdade e efeito vinculante ............................................................. 7. Crítica ao princípio da igualdade como legitimador do efeito vinculante – o dogma da única decisão correta .................................... 7.1. A idéia regulativa da única decisão correta – uma resposta à crítica.............................................................................................. 7.1.1. A exigência de correção dos discursos jurídicos – seu sentido ................................................................................. 7.2. A jurisdição extraordinária e a idéia regulativa da única decisão correta. A questão das súmulas 400 e 343 do Supremo Tribunal Federal............................................................................. 7.2.1. A posição do Supremo Tribunal ........................................ 7.2.2. A posição do Superior Tribunal de Justiça ...................... 7.3. A idéia de única decisão correta e integração pessoal – uma outra resposta à crítica................................................................. Capítulo 2 – Legalidade e Efeito Vinculante .......................................... 1. Introdução ............................................................................................. 2. O princípio da legalidade ....................................................................

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2.1. A vinculação necessária entre o princípio da legalidade e controle judicial ............................................................................. 3. O princípio da legalidade ampliado – seu sentido........................... 3.1. O positivismo jurídico de Herbert Hart – o direito como sistema de regras .................................................................................. 3.1.1. O direito como um sistema de ordens baseado em ameaças ............................................................................... 3.1.2. O sentido das regras .......................................................... 3.1.3. Direito como um sistema de regras primárias e secundárias ................................................................................... 3.2. A doutrina pós-positivista de Ronald Dworkin – o “direito como sistema de regras e princípios” ............................................ 3.2.1. Um conceito de direito ....................................................... 3.2.2. O princípio da integridade ................................................ 3.2.3. A concepção do direito como integridade....................... 4. Princípio da legalidade e efeito vinculante ....................................... 4.1. Crítica à legitimação do efeito vinculante pelo princípio da legalidade....................................................................................... 4.2. A nova hermenêutica – resposta à crítica.................................. 4.2.1. A função normativa da interpretação judicial na nova hermenêutica ...................................................................... 4.2.2. A vinculação das decisões proferidas em sede de interpretação conforme a constituição e de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. O reconhecimento e autorização do legislador à função normativa da interpretação judicial na nova hermenêutica.................. Capítulo 3 – Democracia e Efeito Vinculante ......................................... 1. Introdução ............................................................................................. 2. Democracia dos Antigos e Democracia dos Modernos ................... 3. O que é democracia? ........................................................................... 4. Liberdade .............................................................................................. 4.1. Dois conceitos de liberdade......................................................... 4.1.1. Conceito de liberdade negativa ........................................ 4.1.2. Conceito de liberdade positiva ......................................... 4.1.3. A liberdade na Democracia ............................................... 5. Democracia e efeito vinculante .......................................................... 5.1. O princípio majoritário.................................................................. 5.2. Democracia e independência judicial......................................... 5.2.1. Independência judicial e imparcialidade......................... 5.2.2. Liberdade democrática e Efeito vinculante..................... viii

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PARTE II – DA APLICAÇÃO DO EFEITO VINCULANTE Capítulo 4 – O Precedente Judicial nos Sistemas da Common e Civil Law ................................................................................................... 1. Introdução ............................................................................................. 2. O papel do judiciário nas modernas sociedades.............................. 2.1. Modelos teóricos do papel desempenhado pelas cortes no desenvolvimento do direito de criação judicial ......................... 3. A vinculação ao precedente nos sistemas jurídicos da common law ......................................................................................................... 4. A vinculação ao precedente no sistema romano-germânico .......... 4.1. A vinculação no direito alemão ................................................... 4.2. A vinculação no direito canadense (província de Quebec)...... 4.3. A vinculação no direito francês ................................................... 4.4. A vinculação no Brasil .................................................................. 5. Possibilidade de uma aplicação ampla do instituto do efeito vinculante em nosso sistema jurídico ..................................................... 5.1. Súmula vinculante......................................................................... 5.1.1. O processo de formação da doutrina vinculante nos Estados Unidos da América .............................................. 5.1.2. O contexto brasileiro .......................................................... 5.2. Súmula vinculante ou súmula impeditiva de recurso? ............. Capítulo 5 – Fundamentos Teóricos do Efeito Vinculante .................... 1. Noções conceituais .............................................................................. 1.1. Precedentes vinculativos e precedentes persuasivos .............. 1.2. Holding/ratio decidendi ................................................................ 1.3. Obiter dictum................................................................................. 1.4. Rationale......................................................................................... 2. Modelos teóricos de vinculação ao precedente judicial .................. 2.1. Modelo minimalista ...................................................................... 2.2. Modelo centrado no resultado ..................................................... 2.3. Modelo normativo ......................................................................... 2.4. Análise crítica dos modelos de vinculação ................................ 2.4.1. O modelo centrado no resultado....................................... 2.4.2. O modelo minimalista ........................................................ 2.4.3. O modelo normativo ........................................................... 2.5. Modelo minimalista x modelo normativo – fratura ou complementaridade?................................................................................. 3. Métodos de identificação do holding................................................. 3.1. Método fático-concreto.................................................................

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3.2. Método abstrato-normativo ......................................................... 3.3. Análise dos métodos .................................................................... 4. Um caso ilustrativo .............................................................................. 5. Conseqüências processuais decorrentes da adoção do efeito vinculante ................................................................................................... 5.1. Medida cabível da decisão posterior que afronte o precedente vinculante .................................................................................. 5.2. Limites objetivos da decisão vinculante .................................... 5.2.1. Leis/atos normativos de conteúdo semelhante .............. 5.3. A concessão de liminar nos processos de controle concentrado de constitucionalidade ............................................................ 5.3.1. Efeitos da concessão de liminar nas ações declaratórias de constitucionalidade....................................................... 5.3.2. Efeitos da concessão de liminar nas ações diretas de inconstitucionalidade ......................................................... 5.3.3. Efeitos da concessão de liminar nas ações de argüição de descumprimento de preceito fundamental ............... 5.4. Efeitos da denegação de liminar nas ações de controle concentrado da constitucionalidade de lei ...................................... 6. Limites subjetivos da decisão proferida no precedente.................. 6.1. Vinculação das instâncias inferiores do Poder Judiciário e do Poder Executivo............................................................................. 6.1.1. Legitimidade ativa para propor reclamação visando garantir a autoridade da decisão da corte superior dotada de efeito vinculante ................................................... 6.2. Vinculação da própria corte prolatora da sentença .................. 6.3. A distinção (distinguish) .............................................................. 6.3.1. Limitando a regra com base em inconsistência com outra regra ........................................................................... 6.3.2. Limitando a regra com base em claro e inadvertido erro . 6.3.3. Limitando a regra em situações que a corte vinculante claramente não queria que fossem abrangidas pela regra fixada............................................................................. 6.3.4. Ampliando a regra fixada no precedente em razão de um desenvolvimento posterior do direito ........................ Capítulo 6 – A Mudança na Doutrina Vinculante .................................. 1. Introdução ............................................................................................. 2. Razões que legitimam a mudança na doutrina vinculante ............. 2.1. A completa invalidação da doutrina vinculante (overruling)... 2.1.1. Doutrina obsoleta e desfigurada....................................... x

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2.1.2. A doutrina é atualmente considerada plena e substancialmente injusta e/ou incorreta ....................................... 2.1.3. A doutrina é inexeqüível ................................................... 2.2. A invalidação da doutrina com efeitos futuros (prospective overruling) ...................................................................................... 2.3. A técnica de sinalização/aviso (signaling/caveat) .................... 2.4. Invalidação parcial da regra (Overriding) .................................. 3. Anotações sobre a compatibilidade do overruling e overriding e a doutrina do efeito vinculante..............................................................

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Considerações Finais ................................................................................

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Referências Bibliográficas ........................................................................

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Apresentação

É com imenso prazer que escrevo essas palavras introdutórias a propósito do trabalho desenvolvido por Celso de Albuquerque Silva, intitulado “Do Efeito Vinculante – sua legitimação e aplicação”. Referida obra é resultado de sua extensa pesquisa no programa de Doutorado em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. No presente estudo, pretendeu o autor aprofundar a análise sobre o instituto do efeito vinculante e explicitar as razões pelas quais deveriam as cortes a quo perfilhar a decisão das cortes superiores, além de propor uma teoria coerente sobre os fundamentos da aplicação do referido instituto. Nas palavras de Celso Albuquerque, “...apesar do efeito vinculante já existir em nosso sistema há mais de uma década e estar sendo paulatinamente ampliado para alcançar outras hipóteses, esse instituto tem sofrido sérias objurgações por parte da doutrina e parcela do judiciário quanto à sua legitimidade. Como um consectário lógico dessa resistência de parte dos operadores do direito, pouco se tem aprofundado no estudo dos fundamentos teóricos da ‘doutrina vinculante’”. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao disciplinar a chamada representação interpretativa, introduzida pela Emenda no 7 de 1977, estabelecia que a decisão proferida na representação interpretativa seria dotada de efeito vinculante (art. 187 do RISTF). Em 1992, o efeito vinculante das decisões, proferidas em sede de controle abstrato de normas, foi referido em Projeto de Emenda Constitucional apresentado pelo Deputado Roberto Campos (PEC no 130/1992). No aludido projeto, distinguia-se nitidamente a eficácia geral (erga omnes) do efeito vinculante. Tal como assente em estudo que produzimos sobre este assunto, incorporado às justificações apresentadas no projeto, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante deveriam ser tratados como institutos afins, mas distintos. xiii

A Emenda Constitucional no 3, promulgada em 16 de março de 1993, que, no que diz respeito à ação declaratória de constitucionalidade, inspirou-se direta e imediatamente na Emenda Roberto Campos, consagra que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo” (art. 102, § 2o). Mais recentemente, a Lei no 9.868, de 1999, estabeleceu, no art. 28, parágrafo único, que “a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. Assim, o legislador assumiu uma nítida posição com o objetivo de interpretar o efeito vinculante, que, na referida fórmula, passa a abranger não só as decisões proferidas na ação declaratória de constitucionalidade, mas também aquelas adotadas na ação direta de inconstitucionalidade. Tal constatação parece legitimar a investigação sobre o significado do “efeito vinculante”, inspirado diretamente pela chamada Bindungswirkung do direito germânico (§ 31, I, da Lei da Corte Constitucional alemã). A doutrina constitucional alemã há muito vinha desenvolvendo esforços para ampliar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito da jurisdição estatal (Staatsgerichtsbarkeit). Importantes autores sustentaram, sob o império da Constituição de Weimar, que a força de lei não se limitava à questão julgada, contendo, igualmente, uma proibição de reiteração (Wiederholungsverbot) e uma imposição para que normas de teor idêntico, que não foram objeto da decisão judicial, também deixassem de ser aplicadas por força da eficácia geral. Essa concepção refletia, certamente, a idéia dominante à época de que a decisão proferida pela Corte teria não as qualidades de lei (Gesetzeseigenschaften), mas, efetivamente, a força de lei (Gesetzeskraft). Afirmava-se inclusive que o Tribunal assumia, nesse caso, as atribuições do Parlamento ou, ainda, que se cuidava de uma interpretação autêntica, tarefa típica do legislador. Em se tratando de interpretação autêntica da Constituição, não se cuidaria de simples legislação ordinária, mas, propriamente, de legislação ou reforma constitucional (Verfassungsgesetzgebung; Verfassungsänderung) ou de xiv

decisão com hierarquia constitucional (Entscheidung mit Verfassungsrang). Embora o conceito de Bindungswirkung (efeito vinculante) corresponda a uma tradição do direito alemão, tendo sido também adotado por diversas leis de organização de tribunais constitucionais estaduais aprovadas após a promulgação da Lei Fundamental, não se pode afirmar que se trate de um instituto de compreensão unívoca pela doutrina. Não são poucas as questões que se suscitam a propósito desse instituto, seja no que concerne aos seus limites objetivos, seja no que respeita aos seus limites subjetivos e temporais. Entre nós, pretendeu-se, com o efeito vinculante, conferir eficácia adicional à decisão do Supremo Tribunal Federal, outorgando-lhe amplitude transcendente ao caso concreto. Os órgãos estatais abrangidos pelo efeito vinculante devem observar, pois, não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição. Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão algo assemelhado a um efeito vinculante, independentemente da intervenção do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei no 9.756, de 17.12.1998). Como se sabe, a ampliação do sistema concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar radicalmente a concepção que dominava entre nós sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a Emenda Constitucional de 16/65 e sob a Carta de 1967/69. No sistema constitucional de 1967/69, a ação direta era apenas uma idiossincrasia no contexto de um amplo e dominante modelo difuxv

so. A adoção da ADI, posteriormente, conferiu perfil diverso ao nosso sistema de controle de constitucionalidade, que continuou a ser um modelo misto. A ênfase passou a residir, porém, não mais no modelo difuso, mas nas ações diretas. O advento da Lei no 9.882/99 conferiu conformação à ADPF, admitindo a impugnação ou a discussão direta de decisões judiciais das instâncias ordinárias perante o Supremo Tribunal Federal. Tal como estabelecido na referida lei (art. 10, § 3o), a decisão proferida nesse processo há de ser dotada de eficácia erga omnes e de efeito vinculante. Ora, resta evidente que a ADPF estabeleceu uma ponte entre os dois modelos de controle, atribuindo eficácia geral a decisões de perfil incidental. Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal (art. 52, X, da CF 88). Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII). Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988. Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADIn, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema. De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental. xvi

Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF, tomadas em sede de controle difuso. É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto. Em verdade, a aplicação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao disposto no art. 52, X, CF, indica que o referido instituto mereceu uma significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988. Assim, é de se esperar que a adoção da Súmula vinculante venha a acelerar a necessária revisão da jurisprudência sobre o papel do Senado Federal em sede de controle incidental de normas, permitindo que se atribua eficácia geral à declaração de inconstitucionalidade da lei proferida pelo Supremo Tribunal também no modelo difuso. Sobre a questão do papel exercido pelo Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade, anota Celso Albuquerque: O sistema de controle difuso da constitucionalidade tem o sério inconveniente de abalar a exigência da certeza do direito e a segurança nas relações que ele disciplina. Esse defeito se atenua sensivelmente no sistema da common law, exatamente em razão da adoção do stare decisis. No Brasil, adotado o controle difuso, substituiu-se a doutrina do stare decisis pelo sistema de compartilhamento de funções no controle difuso da constitucionalidade das leis com o Senado Federal, que não se mostrou eficaz. O resultado foi uma crescente insegurança jurídica e incerteza no direito. O trabalho de Celso Albuquerque aborda, com superioridade, relevantes questões sobre o efeito vinculante. A primeira parte é dedicada aos princípios legitimadores do instituto do efeito vinculante – o da isonomia, o da legalidade e o democrático e ao explorar. Na segunda parte, o autor estuda a aplicação da douxvii

trina vinculante, mediante análise de diversos modelos de vinculação aos precedentes judiciais, terminando, no capítulo terceiro, por abordar, com bastante acerto, a tensão existente entre a necessidade de estabilidade do sistema jurídico e as demandas de flexibilidade do significado dos conteúdos das normas legais, a fim de adaptá-las às dinâmicas demandas da justiça social. O autor contempla, pois, tema da maior importância para o desenvolvimento e consolidação de nosso sistema constitucional. Estou certo de que o estudo desenvolvido configura contribuição significativa para o estudo do controle de constitucionalidade e o aprimoramento da função jurisdicional em nosso país. Brasília, maio de 2005. Gilmar Ferreira Mendes

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Introdução

A presente obra, que foi resultado de estudo levado a efeito para fins de doutoramento em direito, versa sobre o instituto do “efeito vinculante”, ou seja, a obrigação das cortes seguirem precedentes judiciais. O trabalho tem por finalidade explicitar as razões pelas quais as cortes de nível hierárquico inferior devem obedecer o que ficou decidido pelas cortes superiores e, após descortiná-las, estruturar em uma teoria coerente os fundamentos da aplicação desse instituto. O “efeito vinculante” foi introduzido no ordenamento jurídico nacional no ano de 1993, através da Emenda Constitucional de no 03 que, ao acrescentar o parágrafo segundo ao artigo 102 da Constituição, atribuiu a eficácia vinculante às decisões de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ação declaratória de constitucionalidade. Posteriormente, o legislador ordinário estendeu essa eficácia às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade, ao dispor no parágrafo único do artigo 28 da Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, que seria dotada dessa eficácia vinculante a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. A Emenda Constitucional no 45/2004, que tratou da reforma do Judiciário, atribuiu esse efeito também para as decisões do STF proferidas no controle difuso de constitucionalidade, desde que objeto de súmula aprovada por dois terços de seus membros. É interessante notar, entretanto, que apesar do efeito vinculante já existir em nosso sistema há mais de uma década e estar sendo paulatinamente ampliado para alcançar outras hipóteses, esse instituto tem sofrido sérias objurgações por parte da doutrina e parcela do judiciário quanto a sua legitimidade. Como um consectário lógico dessa resistência de parte dos operadores do direito, pouco se tem aprofundado no estudo dos fundamentos teóricos da “doutrina vinculante”. Diante dessa realidade, optou-se por dividir o trabalho em duas partes. A primeira irá tratar dos princípios que legitimam a adoção do efeito vinculante, com o que se pretende vencer as resistências que são opostas ao novel instituto jurídico. A seu turno, a segunda parte busxix

cará aprofundar a discussão sobre os fundamentos teóricos para uma correta operacionalização do efeito vinculante. Na primeira parte foram selecionados três princípios legitimadores do instituto do efeito vinculante. O princípio da isonomia, o princípio da legalidade e o princípio democrático. Os dois primeiros porque são eles que historicamente justificaram a adoção desse efeito no sistema jurídico da common law onde tomou a forma da doutrina do stare decisis. O último, porque tem sido utilizado pela doutrina nacional, juntamente com os dois primeiros para, paradoxalmente, criticar o instituto do efeito vinculante. Com base nesses princípios, pretende-se refutar todas essas críticas e reavivar a idéia original de que eles, longe de repelir, em verdade legitimam o “efeito vinculante”. Nesse passo, impende ressaltar que, classicamente, o efeito vinculante tem sido considerado a melhor política judicial porque permite concretizar a regra de justiça consubstanciada no mandamento isonômico de que os iguais devem ser tratados igualmente. Desse princípio deflui a regra de que litígios judiciais substancialmente semelhantes devem ser destinatários de decisões judiciais idênticas. Essa regra de justiça, portanto, exige um coerente tratamento dos casos judiciais. As decisões judiciais precisam ser justificadas e é essa necessidade de justificação que impõe uma exigência de coerência com padrões públicos de justiça. Um desses princípios públicos de justiça é, como visto, o de que casos iguais devem ter tratamento igual. Como a coerência das decisões judiciais se dá com princípios públicos de justiça, esses princípios são externos à própria decisão e se aplicam tanto a decisões concomitantes como a decisões futuras, e essa aplicação a decisões futuras é que forma a base legitimadora da adoção do efeito vinculante de precedentes judiciais, conferindo uniformidade no tratamento jurídico dos litígios sociais. O segundo princípio que legitima a adoção do efeito vinculante é o princípio da legalidade que encarna o ideal do governo das leis – rule of law. As vantagens da adoção da rule of law são classicamente referenciadas à previsibilidade do significado das leis e dos resultados de sua aplicação, com o que se maximiza a liberdade dos cidadãos ao tornar previsíveis as conseqüências legais de suas ações, permitindo-lhes planejar e estruturar suas vidas em padrões razoáveis de confiabilidade. Como consectário, obtém-se um ganho líquido de eficiência na gestão dos conflitos sociais pela natural redução de demandas que aumentariam exponencialmente na ausência de regras claras de conduta. xx

É o princípio da legalidade que garante consistência da ordem jurídica e essa consistência deve se traduzir também nas decisões judiciais, pois que o ordenamento jurídico nada mais é do que sua interpretação que, em última instância, é levada a efeito pelo poder judiciário. O efeito vinculante assegura essa consistência judicial ao tornar obrigatório o dever das cortes inferiores obedecerem os precedentes das cortes superiores. Não é por outra razão que tanto teorias positivistas quanto pós-positivistas sobre o que é o direito, devidamente tratadas no capítulo 2 da primeira parte, acolhem em seu seio esse instituto. A seu turno, o princípio democrático também pode ser considerado como legitimador do efeito vinculante. A uma, porque a obrigatoriedade de seguir os precedentes da corte superior atua como um autocontrole da função judicial (self restraint), funcionando como um anteparo ao arbítrio judicial que poderia advir do exercício de um poder absolutamente livre de qualquer obrigação de respeito à coerência e consistência nas decisões judiciais. A duas, porque o efeito vinculante reforça o princípio da maioria e capacita o Judiciário a resistir à tentação de repetidamente “legislar” sobre o mesmo assunto, ainda que para o caso concreto, interpretando e re-interpretando uma particular norma legal. Ao seguir estritamente uma regra de efeito vinculante quanto a uma dada interpretação conferida pela corte superior, o Judiciário permite aos cidadãos instar a legislatura a corrigir qualquer interpretação politicamente errônea ou inconveniente porventura levada a efeito pelas cortes judiciais, reconhecendo no Poder Legislativo o órgão constitucional legitimado, por excelência, a tomar as decisões políticas fundamentais concernentes à boa vida dos cidadãos e ao bem comum. A segunda parte do trabalho lida com a aplicação da doutrina vinculante e foi dividida em três capítulos. O primeiro capítulo analisa as funções que, nos sistemas jurídicos da common law e civil law, as cortes judiciárias exercem nas modernas sociedades, para concluir que elas não se limitam a resolver litígios intersubjetivos mas, também e principalmente, exercem uma função normativa de enriquecimento e desenvolvimento do ordenamento jurídico que se dirige à coletividade como um todo. Essa função normativa decorre da valorização do Poder Judiciário e reconhecimento de que ele é um verdadeiro poder político e permite que as Cortes Superiores legislem para as Cortes Inferiores via adoção do efeito vinculante. O segundo capítulo descreve três modelos de vinculação aos precedentes judiciais e conclui que o mais adequado e que melhor responxxi

de aos anseios da sociedade brasileira é um modelo misto. Um modelo de vinculação condicional no âmbito dos Tribunais Superiores responsáveis pela elaboração da doutrina vinculante e um normativo de vinculação estrita aos precedentes das cortes superiores, no âmbito dos tribunais inferiores, que admite poucas e raras hipóteses em que as cortes inferiores podem se afastar do precedente pelo manejo da técnica da distinção. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de discussões sobre tão relevante tema, adotou-se uma abordagem estruturada na análise crítica de diversas decisões da Suprema Corte, delas extraindo os fundamentos teóricos para uma adequada aplicação da doutrina vinculante. O último capítulo da segunda parte trata da tensão existente entre as necessidades de estabilidade e previsibilidade do sistema jurídico e as demandas de flexibilidade do significado dos conteúdos das normas legais, a fim de adaptá-las às demandas de justiça social que são dinâmicas. Nesse capítulo, discorreu-se sobre os princípios institucionais que devem reger o abandono total ou parcial da doutrina vinculante anteriormente estabelecida. Também aqui optou-se, na medida do possível, a extrair tais princípios de uma análise crítica de diversas decisões judiciais, tanto da nossa práxis jurídica, como da experiência alienígena. Derradeiramente, impende ressaltar que o presente trabalho, desde sua primeira idealização, não teve jamais a pretensão de exaurir tão palpitante assunto, mas tão-somente estimular o aprofundamento de seu debate e propor algumas linhas de orientação nesse propósito.

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PARTE I DOS PRINCÍPIOS LEGITIMADORES DO EFEITO VINCULANTE

Capítulo 1 Igualdade e Efeito Vinculante

1. Introdução A justiça deve ser considerada um princípio fundamental, integrando, portanto, o próprio conceito de direito e da sociedade. Nada obstante, algumas vezes o seu lugar fundamental foi compreendido muito mais intuitivamente do que analisado racionalmente pelo sistema jurídico. Sabe-se apenas, e isto foi objeto de reiterado reconhecimento por nossos tribunais, que o direito nunca obrigou as Cortes a decidirem de forma injusta ou, pelo menos, manifestamente iníqua. Essa busca intuitiva sobre o conceito de justiça não é em si má e não merece ser desprezada ou completamente abandonada. É importante, mesmo porque alguns pontos de vista morais só podem ser alcançados dessa forma. Nada obstante, embora relevante e, até mesmo necessária em certas ocasiões limites, a intuição não é suficiente para dar respostas robustas às questões colocadas por este tema. A comungar-se a concepção da justiça como não sendo apenas mais uma, porém, a primeira das virtudes sociais, razão pela qual as leis e instituições iníquas, ainda que bem elaboradas e eficazes devem ser abolidas,1 mister se faz reconhecer-se que os fundamentos estruturantes da concepção pública de justiça devem estar assentados em bases racionais, pois essa concepção constituirá a pedra fundamental das relações travadas em qualquer comunidade humana bem ordenada. Considerando-se que parte do que se entende por justiça provém da intuição, os princípios que regulam a ordenação de uma determinada sociedade são naturalmente objeto de uma razoável disputa. Essa circunstância conduz ao nascimento de várias determinadas e concretas concepções de justiça. Nesse sentido, revela-se importante a distinção do conceito de justiça das suas diversas concepções. A diferença não é simplesmente de forma, mas de fundo. Quando me refiro ao conceito de alguma virtu-

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de ou instituição, v.g., a justiça, apelo ao que justiça significa sem dar importância às minhas opiniões sobre o assunto. Quando formulo uma concepção não apelo ao significado abstrato da instituição ou virtude, mas concretizo e determino aquilo que entendo por justiça. Na concepção, minhas opiniões sobre o assunto são fundamentais para sua compreensão e formulação. O conceito coloca uma questão para o debate e a concepção intenta dar solução para o problema colocado.2 O conceito de justiça, portanto, representa aquele aspecto mais abstrato existente nas diversas concepções concretas de justiça, naquilo que todas possuem em comum apesar das divergências de princípio. Em outras palavras, significa o ponto de “consenso sobreposto de doutrinas abrangentes e razoáveis”,3 representativo das premissas básicas endossadas por todas as concepções de justiça, cada qual evidentemente a partir de seu ponto de vista específico. Esse consenso se materializa no “fato de que as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição dos direitos e deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem um equilíbrio adequado entre as diversas pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em sociedade”.4 A igualdade na atribuição dos direitos e deveres dos cidadãos é, portanto, uma característica presente em todas as concepções de justiça.

2. O conceito de igualdade A idéia de sociedade de iguais remonta à antiguidade. Em Atenas, explicava o sofista Protágoras, “quando o objeto de sua deliberação implica sabedoria política, eles ouvem a cada homem, porque supõem que todos devem participar desta virtude, do contrário, não poderiam existir poleis”. (Platão, Protágoras, 322E-323A).5 Essa assertiva de Protágoras só foi possível em virtude da política, criação grega excepcional. Da mesma forma que a política, também a teoria política tem suas origens na Grécia antiga. A pólis foi concebida idealmente como uma comunidade de iguais, os chamados politai, que determinavam a política em debate aberto e organizado.

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Isso demonstra que não faltou ao pensamento grego a idéia de que o melhor modo de se exercer o governo parte do pressuposto básico da igualdade de natureza ou nascimento, em razão da qual todos os indivíduos são iguais e igualmente dignos de exercer o poder político. Igualdade, portanto, já desde a Grécia na linguagem política, tem um significado valorativo altamente positivo, ou seja, se refere a alguma coisa que se deseja. Embora seja algo desejável, a doutrina afirma que descrever o que seja igualdade não está isento de dificuldades e a dificuldade maior se refere a sua indeterminação. Não se discute que formular em termos concretos uma concepção de igualdade é questão submetida a fortes divergências. Entretanto, em um primeiro momento e para os fins da argumentação, nos será suficiente o recurso ao conceito de igualdade, que pela própria definição é mais abstrato e genérico, situando-se no ponto convergente das diversas concepções de igualdade. Para a linguagem política e também jurídica, o conceito de igualdade indica uma relação entre pessoas ligadas entre si em virtude de algum vínculo fático, posteriormente submetido a um juízo normativo. A igualdade ou desigualdade de algo ou alguém só adquire relevância quando relacionada com uma outra situação ou pessoa paradigmática. Se em termos de conteúdo valorativo pode-se entender a idéia de liberdade em si mesma quando afirmo “eu sou livre”, o mesmo não ocorre quanto à idéia de igualdade. A assertiva “eu sou igual” demanda uma informação adicional concretizada na resposta à seguinte questão: igual a quê ou a quem? Assim, em termos de conceito, naquilo que é compartilhado pelas diversas concepções, pode-se expressar que igualdade significa uma relação entre pessoas e coisas que, depois de cotejadas com base em certos standards de comparação, sejam reputadas similares ou diferentes para fins de atribuição de direitos e deveres. Os específicos e concretos standards de comparação utilizados para fins dessa averiguação são os que compõem as diversas concepções desse conceito de igualdade.

2.1. Uma concepção de igualdade Como já averbado anteriormente, não é tarefa isenta de dificuldades a elaboração de uma específica concepção de igualdade, exatamente em função dos diversos parâmetros de comparação que poderiam vir a justificá-la. 3

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As possíveis concepções resultantes da combinação dos diversos parâmetros conduzem a quatro formulações básicas: a) Igualdade de todos em tudo; b) igualdade de todos em alguma coisa; c) igualdade de alguns em tudo; d) igualdade de alguns em alguma coisa.6 No caso brasileiro, o princípio geral da igualdade vem positivado no ordenamento pátrio no artigo 5o e inciso I da Constituição Federal com a seguinte dicção: “Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” (g.n.) Diante do texto constitucional, já se pode desde logo afiançar, ao menos em nosso sistema jurídico, que igualdade não pode significar os princípios consagrados às alíneas “c” e “d” supracitadas, ou seja, não poderia significar igualdade de apenas alguns, seja em tudo, seja em alguma coisa, posto que a Constituição assegura a igualdade a todos. Resta, portanto, analisar as hipóteses parametrizadoras das alíneas “a” e “b”. Em outras palavras, cumpre verificar se o princípio da igualdade significa igualdade de todos em tudo ou de todos em alguma coisa, para fins de, na formulação do direito, serem tratados isonomicamente pelo legislador e, a fortiori, pelo aplicador da lei. Parece simples afirmar, até mesmo pela parte final do inciso I do artigo 5o, I (iguais nos termos desta constituição), que igualdade não significa o dever de o legislador colocar todas as pessoas na mesma posição jurídica. Essa concepção conduziria a normas não funcionais, absurdas e injustas. O legislador não apenas pode estabelecer serviço militar somente para os adultos, prisão somente para os criminosos ou

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tributar apenas quem demonstre capacidade contributiva, como deve assim fazer, sob pena de criar normas não funcionais (serviço militar para bebês), absurdas (prisão para criminosos e inocentes) ou injustas (tributar quem não possui recursos para sua própria sobrevivência).7 De modo semelhante, igualdade não pode significar que o tratamento jurídico igualitário exige daqueles a quem se destina, a titulação das mesmas propriedades naturais ou a identidade em todas circunstâncias fáticas. Como é cediço, não existe ninguém em tudo igual a outra pessoa em termos fáticos-naturais. Nem mesmo gêmeos univitelinos. As diferenças decorrentes da loteria natural, tais como força, beleza, inteligência, capacidade, talento etc., podem ser reduzidas ou compensadas por um legislador justo e equânime, porém jamais eliminadas.8 Assim, se igualdade não demanda uma igualdade fática absoluta e total, não pode significar um mandamento ao legislador para tratar todos exatamente da mesma maneira, nem exigir que todos devam ser tratados igualmente em todos os aspectos. Por exclusão, nossa concepção de igualdade conduz ao resultado da letra “b”, ou seja, igualdade de todos em algo. O juízo de igualdade é o que Alexy chama de relação triádica:9 A é igual a B com relação a uma determinada propriedade fática P. É, portanto, um juízo sobre igualdade fática parcial, ou seja, igualdade em algum critério fático. Assim, em primeira linha de aproximação, pode-se afirmar que o princípio da igualdade não significa que o legislador deva tratar todos exatamente da mesma maneira e em todos os aspectos, podendo, e aliás devendo, estabelecer classificação de pessoas e bens segundo os mais diversos critérios fáticos para fins de se atribuir a cada conjunto da realidade efeitos jurídicos singulares. Por outro lado, o princípio da igualdade não pode permitir toda e qualquer diferenciação ou toda sorte de distinção se quiser possuir algum sentido. Como solucionar o paradoxo? Sobre o tema, já discorremos em outro lugar que, diante deste paradoxo, a moderna jurisdição constitucional nem abandonou a exigência de garantia do princípio da igualdade, nem negou à legislatura o seu inequívoco natural, inafastável e inerente direito estabelecer

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classificações e discriminações. Seguindo um meio-termo, resolveu a contraditória exigência de concretização e individualização, no nível da lei, e abertura/generalidade constitucional, adotando a teoria da classificação razoável.10 A razoabilidade da classificação desborda da simples identificação de uma igualdade ou desigualdade fática parcial. Isto, entretanto, é facilmente explicável. É que a simples identificação de uma igualdade ou desigualdade fática não diz, de per se, nada sobre se está ordenado um tratamento igual ou desigual, na medida em que tais juízos são plenamente compatíveis com tratamentos jurídicos distintos. O simples fato de A ser um servidor público da mesma forma que B, não impede que A seja punido administrativamente por indisciplina em virtude da prática de uma falta funcional, enquanto B, que não praticou qualquer falta, não o seja. Esse tratamento diferenciado, apesar da igualdade fática parcial partilhada (qualidade de servidor público) é razoável e justa. A razoabilidade da discriminação efetuada pelo legislador e, a posteriori, pelo aplicador da lei, ainda que diante de igualdades fáticas parciais, remete a um juízo valorativo de igualdade ou desigualdade. Assim, a igualdade fática parcial que justifica o tratamento igualitário é, não apenas uma igualdade fática, mas uma igualdade fática parcial essencial. Existe uma “igualdade essencial quando um tratamento desigual é arbitrário”.11 A seu turno, o tratamento legal é arbitrário quando não é possível encontrar um fundamento razoável que decorra da natureza das coisas ou torne justificável e compreensível sua adoção. O princípio da igualdade significa, então, que ao legislador é vedado tratar o essencialmente igual de modo desigual, o que necessariamente conduz à idéia de que alguns aspectos fáticos parciais são valorados juridicamente como destinatários de um idêntico tratamento jurídico. Esse critério valorativo que permite encontrar os aspectos fáticos essencialmente iguais, é um critério objetivo. Deve ser aferido com base no propósito da lei e não em razão de preferências subjetivas do intérprete. Uma classificação razoável e não arbitrária, é aquela que inclui todas as pessoas que estão similarmente situadas em termos fáticos quando referenciadas aos objetivos colimados pelo legislador.12

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A concepção de igualdade põe em evidência a questão do que é uma legislação correta, razoável ou justa.13 Igualdade, portanto, remete a uma questão de justiça.

2.2. O princípio formal da igualdade Como um subproduto do conceito de igualdade anteriormente afirmado, é também correntio na linguagem política e jurídica, referir-se à igualdade tomando-se em consideração não uma relação entre pessoas ou coisas, mas certos preceitos normativos que decorrem daquele conceito. Tais axiomas ou proposições jurídicas são conhecidos como princípio formal da igualdade e a presunção da igualdade. O princípio formal da igualdade estatui que as pessoas, coisas ou situações iguais, devem ser tratadas igualitariamente; e pessoas, coisas ou situações distintas, devem ter tratamento também diferenciado. A seu turno, a presunção de igualdade expõe a idéia moral de que as pessoas devem ser tratadas isonomicamente na ausência de boas razões para tratá-las desigualmente.14 O princípio da igualdade de que devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem, é dito formal exatamente porque, ao não definir quem são os iguais e quem são os desiguais para fins de tratamento jurídico, é suficientemente abstrato para permitir um consenso entre as diversas concepções de igualdade que postulam precedência. Nesse sentido, pode-se afirmar que o princípio formal da igualdade é aceito por todas as concepções de igualdade. Apenas para umas, ele será necessário e suficiente, enquanto que para outras, o princípio em si é aceito como necessário e faz parte daquela concreta concepção igualitária, mas a ele precisam ser agregados outros elementos para a completude do preceito igualitário. Para esses últimos, a exclusiva utilização desse princípio poderá conduzir a situações iníquas e, conseqüentemente, não isonômicas. Pense-se no seguinte exemplo: Todos os servidores públicos de autarquias federais de ensino são merecedores de um determinado benefício funcional. Em razões de diferenças no poder de pressão política, o chefe do executivo encaminha projeto de lei concedendo referi-

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do benefício apenas para suas duas principais instituições de ensino, excluindo injustamente, os servidores das instituições de ensino menores e menos famosas. Houve aquilo que a doutrina constitucional chama de exclusão arbitrária ofensiva ao princípio da igualdade, razão pela qual os servidores dessas pequenas instituições ingressam em juízo postulando uma ordem judicial que lhes estenda a percepção do referido benefício. Por ingerência do princípio da separação de poderes e da reserva de lei formal, o Judiciário está impossibilitado de estender referido benefício legal sem a previsão na lei.15 Por outro lado, por ingerência do princípio da igualdade, todos os que estão na mesma situação fática devem ser tratados igualmente. A questão que surge é, portanto, o que acontece agora com os servidores das demais autarquias que receberam de forma justa o benefício. Há quem afirme que o princípio da igualdade se exaure em tratar igualmente os iguais. Assim, como não é possível estender sem lei formal o benefício para as demais autarquias, o judiciário deveria declarar a lei inconstitucional por ofensa à isonomia, retirando-a do mundo jurídico. Essa decisão, entretanto, seria totalmente inaceitável e o seria por ferir nosso senso de justiça. A declaração de inconstitucionalidade retiraria o benefício daquela parcela do funcionalismo que o recebeu justamente, sem qualquer benefício para os demais que foram excluídos injustamente de sua percepção. É que a cassação da norma porque não contemplou um determinado grupo que deveria contemplar, além de outros que deveriam e foram contemplados, não assegura a fruição ao direito perseguido pelo seu eventual titular. A declaração de nulidade de todo o complexo normativo ao fundamento de violação à isonomia revelaria uma esquisita compreensão do princípio de justiça, que daria ao postulante pedra, ao invés de pão.16 A questão de fundo não é, portanto, a igualdade formal em si, mas a igualdade entendida como justiça.

3. Igualdade formal e justiça Em termos de filosofia política, os termos igualdade e justiça são muitas vezes utilizados como sinônimos. Essa noção de justiça tem raízes

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em Aristóteles que tratou dos dois conceitos de justiça. O primeiro como legalidade e o segundo como igualdade. Justo é o que é equânime. Aristóteles, conquanto de forma concisa e talvez exatamente por isso, fez três afirmações sobre igualdade que têm influenciado de forma profunda e marcante o pensamento ocidental: a) é justo tratar igualmente os iguais; b) é justo tratar desigualmente os desiguais; e, c) que essas afirmações são evidentes e aceitas por todos.17 Essa noção de igualdade, entretanto, tem sido objeto de divergência, embora a questão, tal como colocada, nos permita afirmar que tais divergências são mais conceituais do que substanciais. De fato, como já anotado anteriormente, a discussão se centra não na exclusão dessas afirmações Aristotélicas, mas na sua suficiência ou não, de sorte que todo aquele que defende uma específica concepção de justiça não pode deixar de reconhecer que pessoas iguais devem ser tratadas de forma idêntica. Transplantando essa afirmação para o aspecto central deste trabalho que diz respeito ao efeito vinculante das decisões judiciais, podese inferir que, qualquer concepção de justiça que possa ser adotada como ordenadora da vida de uma coletividade, assumirá a proposição de que é exigência da justiça enquanto igualdade que os juízes julguem casos semelhantes de forma semelhante, o que quando menos significa a aplicação imparcial e coerente das regras jurídicas.18 Que igualdade de tratamento para situações iguais é sinônima de justiça não é necessário muito esforço para justificação. É um sentimento natural, condensado no noético “dois pesos e duas medidas”, cuja mensagem traduz uma crítica a um tratamento diferenciado para situações idênticas e reputado como injusto, na medida em que demonstra arbítrio de quem assim age. E arbitrariedade não se coaduna com a noção de justiça. Essa noção de igualdade como justiça é intuitiva. Entretanto, por vezes temos intuições que nos parecem justas, mas de fato não o são, pelo menos para outra categoria de pessoas. O problema do intuicionismo ético reside exatamente no fato de que, embora reconheça aos juí-

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zos morais uma função cognoscitiva, porque apreendem uma propriedade considerada valiosa, tal apreensão não pode (e na verdade nem precisa) ser justificada racionalmente.19 Como hodiernamente não se admite a existência de uma moral heterônoma ou sobre-humana, precisamos conciliar nossos sentimentos intuitivos com princípios racionais para verificarmos se nossas intuições imediatas são realmente justas (e por conseguinte morais). Qualquer concepção de justiça para que seja aceita, deve possuir um mínimo de racionalidade para pleitear sua observância.20 Há que se buscar “um equilíbrio reflexivo”21 entre nossas crenças morais ordinárias e intuitivas, portanto não refletidas, e algum arcabouço teórico que possa unificar e justificar essas crenças, o que se buscará demonstrar a seguir.

4. Eqüidade como uma teoria de Justiça – A teoria de Rawls A justiça como eqüidade de Rawls parte da idéia comum que vem sendo explorada pelas teorias clássicas de contrato social. Rawls imagina um grupo de pessoas que se reúnem em um determinado momento para o fito de estabelecerem o contrato social que regerá e ordenará a vida da comunidade. A posição original em que se encontram essas pessoas quando realizam o ajuste é o fato inovador e marcante dessa teoria. Para Rawls, as pessoas que se encontram na posição original possuem gostos, talentos, interesses e ambições divergentes, mas também algumas aspirações comuns. Devem tais pessoas, na formulação desse contrato, encontrar os princípios de justiça pública a que racionalmente poderiam aderir independentemente de suas circunstâncias e características pessoais ou sociais. Essa adesão voluntária tem como premissa, o fato de essas pessoas na posição original serem iguais, gozando dos mesmos direitos no processo para a escolha dos princí-

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pios, podendo apresentar propostas, submeter argumentos em seu favor etc.22 Para alcançar esses objetivos, essas pessoas passam por uma ignorância temporal dessas características de sua própria personalidade. É o que Rawls chama de “véu de ignorância”. Na verdade, esse véu é mais amplo, pois afasta do conhecimento das partes contratantes, além dos dados referentes a sua pessoa (inteligência, capacidade, força), qualquer informação sobre as circunstâncias particulares de sua própria sociedade, ou seja, lhes é vedado o conhecimento de sua específica condição política e econômica na sociedade, bem como o nível de civilização e cultura que essa sociedade conseguiu atingir. Em suma, as partes, no momento de contratar, não sabem quem serão na sociedade e nem de qual geração da sociedade farão parte.23 O assentimento ao contrato deverá ser dado antes dos participantes recuperarem seu conhecimento de si. O objetivo desse véu de ignorância é anular a força centrípeta que as inclinações e aspirações particulares, bem como as concepções de cada um sobre seu próprio interesse e boa vida, exercem sobre a formulação de princípios de justiça gerais que se aplicam a todos, mas podem conflitar em determinados momentos com uma situação individual de um ou alguns dos membros da coletividade irrelevante do ponto de vista da justiça. Rawls procura demonstrar que, sob esse véu de ignorância, se essas pessoas forem racionais e atuarem unicamente visando alcançar seu próprio interesse, escolherão seus dois princípios de justiça assim formulados: a) Princípio da maior liberdade igual para todos; b) Princípio da igualdade eqüitativa de oportunidade e princípio da diferença.24 Os dois princípios, como veremos mais adiante com mais profundidade, apontam para a igualdade. O primeiro deles, e isto é fundamental, embora se refira à liberdade, afirma que não basta a existência da liberdade; é necessário que ela seja igual para todos.

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O segundo princípio aponta expressamente para igualdade. A igualdade eqüitativa de oportunidade busca superar a igualdade liberal em sentido estrito, ao defender a idéia de que as funções e carreiras sociais devem não apenas ser formalmente abertas a todos, mas que todos devem ter uma possibilidade razoável de as atingir independentemente de sua posição inicial na sociedade ou seus talentos e habilidades naturais. Explicitando melhor o princípio, Rawls pontifica: “assumindo que há uma distribuição de ativos e qualidades naturais, aqueles que têm talentos e capacidades do mesmo nível e a mesma vontade de os aplicar, devem ter as mesmas perspectivas de sucesso, independentemente do seu lugar inicial no sistema social”.25 Considerando-se, entretanto, que as desigualdades econômicas sempre existirão, pois ainda que afastadas as contingências sociais pelo princípio da igualdade eqüitativa de oportunidades, persistem as diferenças naturais, Rawls complementa esse princípio com o princípio da diferença. Esse princípio, reconhecendo que na prática é impossível assegurar iguais possibilidades de sucesso a todos em razão da própria loteria natural, afirma que nenhuma desigualdade econômica pode ser admitida, a menos que melhore a posição social do menos favorecido. Não sendo possível uma distribuição que melhore a situação de ambos os sujeitos (melhor e pior favorecido) uma distribuição igual é preferida.26 Esses princípios se justificam e seriam escolhidos, segundo Rawls, porque eles permitem de uma forma melhor que qualquer outro, passar pelo teste do “equilíbrio reflexivo”. Como se sabe, Rawls sustenta que em termos de filosofia moral se busca chegar a um equilíbrio reflexivo entre certas convicções intuitivas e determinados princípios gerais. Desqualificamos aqueles princípios que contrariaram nossas convicções particulares mais íntimas e profundas de um lado, e por outro, abandonamos nossas intuições que não se justificam sob standards de princípios plausíveis. Nesse sentido, para analisarmos os fundamentos dessa conclusão de Rawls, devemos partir da idéia de que as pessoas absorvem intuitivamente a posição original de Rawls como um ponto de partida para a colocação dos problemas relativos à justiça e que a considerariam correta se fosse demonstrado que as partes

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colocadas naquela posição efetivamente estabeleceriam um contrato que estipulasse os dois princípios mencionados.

4.1. O equilíbrio reflexivo Como salientado anteriormente, pressuposto para a formalização do contrato é a igualdade das partes na posição original. Essa igualdade não decorre de circunstâncias fáticas, mas de um pressuposto moral. A equivalência das partes contratantes representa a igualdade entre os seres humanos enquanto sujeitos morais, enquanto seres dotados da capacidade de autonomamente definirem uma concepção de seu próprio bem e capazes do sentido de justiça.27 O equilíbrio reflexivo de Rawls é, portanto, um modelo ético, um fato familiar de nossa vida moral. As pessoas têm certas convicções sobre o que é justo e o que é injusto. Muitas dessas intuições nada mais são que derivações ou deduções de algumas crenças sobre o que acreditamos ser o bom. Mas qual o fundamento dessas convicções? Classicamente, a filosofia esboça sobre a natureza dos valores duas posições unilaterais: o subjetivismo e o objetivismo axiológico. Rawls busca com sua formulação superar as dificuldades dessas concepções apodícticas. Para o subjetivismo axiológico,28 os valores morais não existem por si. Os valores éticos só existem quando relacionados a um determinado sujeito e a sua concepção do que é bom. O bom, o belo ou o justo não existem por si. Eles são uma relação psicológica do sujeito a determinadas situações, coisas ou propriedades normativas. O justo ou injusto vai depender do modo como a presença do objeto de avaliação moral afeta o sujeito O objetivismo ético tem suas raízes na doutrina metafísica de Platão sobre o mundo ideal das idéias. O bom, o justo ou o belo existe idealmente como entidades supra-empíricas. Os valores morais independem das pessoas para existirem. Subsistem por si próprios.29 São absolutos,

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imutáveis, atemporais e incondicionados. Ao homem cabe apenas conhecê-los ou na verdade intuí-los, uma vez que em sua grande maioria tais crenças ou convicções não podem ser comprovadas empiricamente. Importa para o desenvolvimento do raciocínio em curso menos que realçar as diferenças entre os dois modelos, apontar as suas similitudes. Para ambas teorias os valores não podem ser racionalmente fundamentados. Os subjetivistas negam qualquer racionalidade aos juízos morais, porque sendo produto do psiquismo individual não se pode falar que um juízo é verdadeiro ou falso. Essa questão nem mesmo se coloca pois, para o subjetivista, todo e qualquer juízo moral é verdadeiro na medida em que traduz uma relação psíquica entre o agente e uma propriedade normativa. Cai-se no ceticismo ético. A teoria objetiva também não logra resultado na racionalização dos juízos éticos. Entende que por serem propriedades não naturais, os juízos morais nos são impostos sem necessidade de prova, como algo evidente por si. Assim, os juízos morais são captados intuitivamente e, por serem auto-evidentes, podemos considerá-los verdadeiros independentemente de qualquer prova. A intuição, não se nega é elemento integrante de uma concepção de justiça. Ocorre que uma concepção baseada só nela seria incompleta, pois diante da situação de duas pessoas – “A” e “B” – que, com referência a determinado juízo moral, tivessem intuições diferentes quanto a seus deveres éticos, não haveria como solucionar o impasse. O problema que se coloca é que embora A e B reconheçam que suas intuições são contraditórias e, portanto, um dos dois está errado, não há como determinar qual delas é válida e justificá-la perante a outra a sua validade. Se ambas as intuições são evidentes por si mesmas e não existe nenhum critério independente que transcenda a própria evidência, não existe solução possível para o impasse, pois nenhum pode justificar racionalmente a validade do respectivo juízo moral perante o outro. Cai-se no relativismo ético. O modelo de Rawls difere dos modelos clássicos porque, embora reconheça a existência de intuições do que é a justiça, não as trata como propriedades independentes descobertas seja pela emoção, seja pela intuição, mas como traços estipuladores de uma teoria ainda por construir através de um equilíbrio reflexivo entre intuições e princípios morais racionais. O equilíbrio reflexivo traduz um modelo construtivo que, ao invés de assumir a existência fixa e objetiva de princípios morais independentes, estabelece que homens e mulheres têm a responsabilidade de 14

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organizar os juízos particulares de justiça sobre o qual atuam em um programa de ação coerente, ou pelo menos, que é esse tipo de responsabilidade que têm os funcionários que exercem o poder sobre outros homens.30 O equilíbrio de Rawls é, portanto, um processo dinâmico de adaptação dos princípios gerais de justiça e das intuições éticas, até se obter a melhor ponderação possível. Resta agora confirmar que os princípios que derivam do modelo de Rawls efetivamente cumprem melhor o teste do equilíbrio como afirmado.

4.2. A posição original O modelo de Rawls segue, como visto, a idéia contratualista. O traço distintivo de sua teoria da justiça das outras teorias contratualistas reside exatamente na posição original em que se encontram as partes contratantes. A posição original traduz uma situação limite de ignorância na medida em que os homens e mulheres que irão realizar o ajuste não têm conhecimento, quer de sua situação natural (talentos, capacidade, riqueza, força etc.), quer de sua posição social. Essa situação naturalmente limita os interesses que possam ser objeto de um ajuste, na medida em que reduz substancialmente os objetivos individuais que as partes contratantes desejariam perseguir e obter após a formalização do contrato. É certo que esse véu de ignorância não elimina totalmente a capacidade das pessoas para raciocinar sobre seus interesses. Entretanto, como não sabem que interesses terão posteriormente à formalização do contrato, os únicos interesses anteriores que porventura tenham, seriam aqueles que otimizassem o máximo possível os interesses que as partes posteriormente desejariam conseguir, mas que agora são desconhecidos. Assim, os juízos que as partes contratantes podem fazer referentes aos seus próprios interesses, necessariamente precisam ser bastante abstratos, de molde a lhes permitir posteriormente uma futura qualquer combinação de interesses, sem a pressuposição de que alguns interesses seriam mais prováveis que outros. Não há como definir qualquer escala de probabilidade em razão do véu de ignorância. Os direitos básicos que decorrem da teoria da justiça de Rawls são, portanto, necessária e não apenas contingentemente, direitos abstratos, direitos que não tenham por fim atingir nenhum objetivo individual determinado e específico, porque as partes contratantes não sabem

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ainda quais serão seus objetivos individuais. Em termos de teoria política, dois direitos têm classicamente pleiteado essa função. O direito à liberdade e o direito à igualdade. A teoria de Rawls, como já averbamos alhures, reconhece como direito fundamental o princípio da igualdade. Essa afirmação pode parecer inicialmente incongruente, na medida em que é o próprio Rawls quem enuncia em forma de ordenação lexical o seu primeiro princípio da liberdade como prioritário sobre o segundo princípio da igualdade eqüitativa de oportunidades, do qual faz, inclusive, depender.31 Estaria, então, a teoria de Rawls assentada em um direito fundamental à liberdade? A resposta é negativa. Estabelecer o significado do vocábulo liberdade é questão eriçada de dificuldades, quando menos, porque esse termo na linguagem política possui no mínimo dois sentidos diferentes. Um, quando relacionado ao querer (liberdade positiva) outro, ao agir dos indivíduos (liberdade negativa). O conceito de liberdade negativa contrapõe-se ao de coerção, se por coerção se considera qualquer deliberada interferência de terceiros na área em que o indivíduo poderia atuar. Nesse sentido, liberdade significa a área que alguém pode agir sem sofrer a obstrução de outrem. Daí porque é comum na linguagem política a referência à liberdade negativa como sendo a ausência de impedimento e de constrangimento. Liberdade positiva na linguagem política equivale à autodeterminação.32 Traduz uma situação em que o indivíduo orienta suas decisões com base em sua vontade, sem depender ou estar vinculado aos desejos ou querer de outra pessoa. Rawls procura unificar as duas definições, mesmo porque considera que suas divergências se situam mais no valor que se dá a específicas liberdades, do que na própria definição do que liberdade é. Descreve a liberdade como sendo “uma estrutura institucional, um sistema de regras públicas que definem direitos e deveres. Assim enquadrados, os sujeitos têm liberdade de fazer algo quando estão livres de certas restrições quanto ao fazer ou não fazer, e quando sua decisão está protegida da interferência de outros”.33 Liberdade geral pode então ser definida como o mínimo possível de restrições globais por parte do governo ou por parte de outros homens, quanto à consecução de objetivos individuais de cada pessoa.34

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Não parece plausível que esse seja um direito passível de concordância. Impede-o, o véu de ignorância na medida em que, embora os contratantes não saibam quais interesses específicos terão depois da formalização do contrato, sabem que alguns desses interesses exigem, como premissa para sua satisfação, restrições pontuais na liberdade de outros e, como não sabem se alguns desses objetivos serão por eles perseguidos, segue-se a natural conclusão que o direito à liberdade que surge do contrato social se refere não a um direito abstrato à liberdade, mas a um direito a certas, específicas e determinadas liberdades básicas, que Rawls inclusive chega a catalogar. A passagem do liberalismo político abaixo transcrita corrobora expressamente essa anterior conclusão: “Uma outra questão preliminar é que as liberdades fundamentais iguais do primeiro princípio de justiça são especificadas por uma lista que é a seguinte: a liberdade de pensamento e de consciência; as liberdades políticas e a liberdade de associação, assim como as liberdades especificadas pela liberdade e integridade da pessoa; e, finalmente, os direitos e liberdades abarcados pelo império da lei. Não se atribui nenhuma prioridade à liberdade como tal, como se o exercício de algo chamado ‘liberdade’ tivesse um valor preeminente e fosse a principal, senão a única finalidade da justiça política e social.”35 Superado o princípio da liberdade, resta-nos analisar a igualdade. Com efeito, o segundo princípio filosófico abstrato, talvez até mais que o da liberdade, é o princípio da igualdade. Diferentemente do princípio da liberdade geral que não pode ser protegido na situação original, os homens e mulheres que estão na posição original não possuem outra opção senão proteger o princípio da igualdade. Ora, face à amplitude do véu de ignorância, o único interesse anterior à formulação do contrato social que todos os agentes compartem é o direito que cada pessoa tem de ser tratada isonomicamente, como pessoa humana que é, sem se levar em consideração suas aptidões, talentos, gostos ou preferências. Esse direito mais genérico à igualdade tem como fundamento justificador o fato de que ninguém, na posição original, pode assegurar, ainda que em termos de probabilidades, uma posição melhor na sociedade em decorrência desses atributos individuais.

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Em uma situação de total incerteza quanto a seus talentos, habilidades, preferências, aptidões, objetivos e posição social, circunstâncias que, se conhecidas, permitiriam uma avaliação da posição social de cada indivíduo, a única opção disponível é o reconhecimento do direito à igualdade entre os homens, decorrente daquilo que é inerente a todas as pessoas, a capacidade moral, independente de outras características pessoais oriundas do acaso da loteria natural. Dessa singular característica moral inerente a todo o ser humano decorre o direto a que todas as pessoas, tanto o mais quanto o menos favorecido pela fortuna, tenham igualdade de consideração e respeito no desenho e administração das instituições políticas que os governam. Esse conceito de igualdade é, entretanto, muito abstrato. O significado de “igualdade de consideração e respeito frente às instituições políticas” é questão aberta ao debate e à formulação de diversas e concorrentes concepções de justiça. Assim, poder-se-ia afirmar que esse direito se encontra respeitado quando se assegura igualdade de oportunidades para ocupar cargos públicos com base no mérito (concepção meritocrática), ou uma concepção que assegure o aumento do bem estar médio da coletividade, que seria utilizado como igual parâmetro para averiguação do bem estar de cada indivíduo (utilitarismo), ou ainda, como postula Rawls, se adota uma concepção que, em nome dessa igualdade fundamental, defenda o princípio da prioridade de iguais liberdades e o princípio da diferença que só admite desigualdades econômicas quando melhorarem a situação dos menos favorecidos. A posição original, entretanto, demonstra que os dois princípios de Rawls são os que melhor atendem à exigência de igual consideração e respeito. Face o véu de ignorância, pode-se afirmar que não se coadunam com o direito de igual consideração e respeito, aquelas instituições políticas que tratam melhor e respeitam mais os membros de determinada classe (utilitarismo) ou pessoas que detêm determinados talentos ou habilidades (meritocracia). Os homens que não sabem a quais classes pertencem, nem quais talentos possuem, não podem desenhar instituições que favoreçam sua classe ou pessoas que possuam determinados talentos. Na verdade, o direito a igual respeito e consideração é pressuposto e fundamento da própria teoria de Rawls, na medida em que é condição sine qua non da posição original. Esta passagem da teoria da justiça bem o demonstra: 18

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“É razoável supor que as partes na posição original são iguais. Isto é, todos gozam do mesmo direito no processo para a escolha dos princípios; todos podem apresentar propostas, submeter argumentos em seu favor, e assim por diante. É óbvio que o objetivo destas condições é representar a igualdade entre os seres humanos enquanto sujeitos morais, enquanto criaturas com uma concepção do seu próprio bem e capazes do sentido de justiça.”36 Essa noção sugere um equilíbrio reflexivo mais amplo que o que coloca Rawls explicitamente, já que ele deve dar-se não por dois, mas sim por três princípios: convicções intuitivas particulares, princípios substantivos gerais que dêem conta delas e, por último, regras ou aspectos formais do discurso moral que permitem derivar tais princípios.37 Revisitado, ou melhor, mais aclarado o equilíbrio reflexivo, podemos afirmar que na formulação de uma teoria de justiça, devemos abandonar nossas intuições que não possam se justificar sob a base de princípios gerais plausíveis, modificar os princípios que não se ajustem as nossas intuições mais firmes ou que não derivem de regras formais do discurso moral e, por último, alterar a reconstrução das regras formais quando elas não permitam derivar princípios plausíveis. É essa incorporação da própria posição original pelo equilíbrio reflexivo que, segundo Nino, dá sentido ao ajuste que Rawls propõe entre intuições particulares e princípios gerais, na medida em que esse ajuste mútuo, tendente a detectar os princípios que de fato sustentamos na moral positiva, se explica não porque tais princípios são válidos porque são socialmente aceitos, mas porque esse ajuste é um passo prévio de outro ajuste, tendente a detectar as regras formais do discurso moral ordinário, regras essas sim, consideradas relevantes para a justificação de certos princípios morais, sejam eles aceitos, ou não, socialmente.38 Está, portanto, aberto o caminho para a racionalização, explicitação e justificação de nossos juízos morais. As teorias intuicionistas, ao partirem da premissa de que as intuições morais se referem a propriedades fixas, objetivas, imutáveis e atemporais, insistem na sua manutenção, ainda que ande as testilhas com outras convicções que

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decorram de um sistema de princípios gerais plausíveis e coerentes. O mesmo se diga das teorias emotivistas. A coerência com minha emoção ou com minha intuição de uma realidade metafísica me impede de abandonar tais crenças, por mais inquietante e contraditório que isto seja. O modelo de Rawls, a seu turno, não descansa em pressupostos céticos nem relativistas, entretanto não abandona as convicções sobre juízos morais que as pessoas ostentam. Pelo contrário, parte da idéia de que essas pessoas irão defender tais crenças, inclusive, para sustentar críticas a atos ou sistemas públicos que ofendam tais convicções por considerá-los ofensivos aos seus princípios de justiça. O modelo parte do mesmo pressuposto moral que os modelos subjetivistas ou objetivistas. A diferença é que a coerência nesses modelos tem como suposto uma defesa intransigente das intuições ou emoções. O modelo de Rawls parte do suposto de que o que deve ser congruente é o atuar dos funcionários públicos. Isso demanda que eles só ajam sob a base de uma teoria pública geral que proporcione padrões públicos e racionais com base nos quais, de um lado se possibilite analisar, discutir ou até mesmo prever o que fazem os funcionários, e de outro, impedir que estes apelem para intuições particulares que, em determinados casos, podem servir de máscaras do preconceito ou da defesa do interesse privado.39 No modelo do equilíbrio, as convicções ou intuições do que é justo funcionam como propulsores da discussão pública sobre princípios gerais de justiça, podendo funcionar, ainda, como limite superior para a definição desses princípios. Assim, princípios gerais que afrontem violentamente convicções profundamente enraizadas devem ser afastados. Por outro lado, como as convicções imediatas não são tomadas como verdades absolutas, o modelo permite que algumas intuições sejam abandonadas quando não puderem ser sustentadas coerentemente com outras convicções decorrentes de um sistema coerente de princípios gerais de justiça plausíveis. As convicções são abandonadas não porque sejam falsas, mas porque não se mostraram coerentes dentro do programa de princípios adotado. Sacrifica-se a coerência com a fé em favor da coerência com princípios, dentre os quais sobressai o princípio da isonomia.

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5. Igualdade e coerência É cediço que toda e qualquer norma jurídica fornece, em maior ou menor grau, uma margem de discricionariedade na sua interpretação e/ou aplicação. O intérprete e aplicador da lei não é mais um mero e autômato transmissor da vontade autônoma da lei como professava Montesquieu. A aplicação da norma traduz uma certa atividade criativa dotada de uma carga construtiva do direito.40 Ninguém pode mais seriamente afirmar que a tarefa de interpretar se resume a um mero juízo de subsunção lógica do fato à norma. Na verdade, na interpretação da norma “não se pode fechar completamente a porta a ingredientes subjetivos”.41 A moderna doutrina constitucional não busca hoje negar, mas constranger, limitar, através da exigência de fundamentação racional do juízo de valor proferido,42 aquele resíduo de voluntarismo que se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenêutico.43 Nada obstante esse inevitável voluntarismo e, ipso facto, juízo “discricionário” do intérprete, é certo que dele se exige que em seu mister exegético, proceda de modo justo e coerente. Considerando-se que a discricionariedade do aplicador da lei é exatamente aquela margem de liberdade que ele possui para fazer um juízo de valor sobre a questão que lhe é posta para solução, pode-se inferir que a exigência de coerência não decorre da norma em si mesma, mas de um princípio externo a ela que demanda aquela exigência: o princípio de justiça de que os iguais devem ser tratados igualmente. Isso é o que a seguir se passa a demonstrar.

5.1. Coerência atual A exigência de coerência na aplicação da lei surge desde logo e de forma mais destacada e, por isso mesmo mais facilmente justificada, em decisões concomitantes ou contemporâneas. O próprio ordenamen-

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to processual pátrio possui instrumentos que visam obviar a incoerência ou inconsistência de decisões contemporâneas, através dos institutos da conexão e continência.44 Exemplifiquemos, com um caso hipotético, a exigência de coerência na aplicação da norma legal. Suponhamos que um juiz condene conjuntamente dois diretores da mesma empresa pela prática de sonegação fiscal em um determinado período X. As penas previstas para o referido crime variam de dois a cinco anos de prisão. O juiz tem por princípio de justiça: a) que a pena mínima deverá ser aplicada ao condenado que tiver a seu favor todas as circunstâncias judiciais subjetivas favoráveis e nenhuma agravante. Apesar desse princípio, ele também considera justo que b), diante de certas circunstâncias sociais, pena superior pode ser aplicada em tais hipóteses, como medida de política criminal tendente a, forte na teoria do desestímulo, prevenir a prática desse mesmo delito por outras pessoas. Observe-se que, no exemplo, o juiz possui uma certa discricionariedade na aplicação da pena. Analisando todo o processado, o juiz verifica que militam a favor de ambos os réus todas as circunstâncias judiciais subjetivas favoráveis e não existe qualquer agravante. Decide, então, condenar os dois réus à pena mínima de dois anos de prisão. Pode-se afirmar que a sentença é coerente, posto que adotou para ambos os réus o mesmo princípio de justiça. Por outro lado, ao sentenciar os réus, o juiz poderia agir de modo diverso, condenando um dos réus à pena mínima de dois anos e o outro à pena máxima de cinco anos. Para o primeiro, a sentença está coerente com o princípio de justiça exposto anteriormente no item “a” e, para o segundo, coerente com o princípio de justiça exposto no item “b”. Ainda assim, pergunta-se: A decisão como um todo é coerente? Há toda evidência que a resposta há de ser negativa, porque, para que uma decisão seja coerente, não basta que ela adira a um princípio, mas que ela adira a um princípio a que ela deve aderir.45 Na primeira hipótese de nosso exemplo, a decisão aderiu a um princípio de justiça interno à norma, conjugado com outro externo e que lhe exige a coerência, o de que os iguais devem ser tratados de forma isonômica. Na segunda hipótese, ainda que se pudesse falar que a decisão guardaria coerência interna com princípios de justiça que dela

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podem ser hauridos, falhou em aderir ao princípio externo, a que ela obrigatoriamente deve aderir: “os iguais devem ser tratados igualitariamente” e, portanto, não é coerente. Confirma-se, assim, que a coerência da decisão é exigência externa a ela e que deflui do princípio de justiça formal da igualdade de que os iguais devem ser tratados igualmente.

5.2. Coerência futura A questão do dever de coerência das decisões judiciais em princípio não se altera quando se passa de decisões concomitantes para decisões futuras, ou seja, aquelas separadas por um determinado lapso temporal. Adote-se, por hipótese, um julgamento pelo tribunal do júri de dois réus; A e B, acusados da prática de um homicídio simples cuja pena varie de 3 a 10 anos de prisão. Os acusados são irmãos gêmeos, tendo ambos, em decorrência de uma briga de trânsito, agredido a vítima que faleceu em virtude das agressões. Os réus são defendidos em juízo por um mesmo advogado que adota uma única tese para a defesa conjunta. Designada sessão do júri, apenas o réu A comparece. O réu B apresenta motivo justificado para seu não comparecimento. O julgamento, então, é desmembrado, adiando-se o julgamento do réu ausente para a próxima sessão e prosseguindo-se no julgamento do réu presente que a final vem a ser condenado pelo tribunal do júri, restando ao juiz fixar a sua pena. Tal como nosso juiz singular do prévio exemplo relativo ao crime de sonegação fiscal, o presidente do tribunal do júri considera como princípios de justiça válidos: a) que a pena mínima deverá ser aplicada ao condenado que tiver a seu favor todas as circunstâncias judiciais subjetivas favoráveis e nenhuma agravante; b) por questão de política criminal, pena superior à mínima pode ser aplicada para prevenir conduta semelhante por outras pessoas. Analisando os autos, nosso hipotético juiz aplica a pena mínima segundo o princípio de justiça acolhido na alínea “a”. Dois meses após, é realizada a sessão de julgamento do Réu B que, em síntese e no essencial, reproduz com fidelidade quase absoluta o ocorrido na prévia sessão em que foi julgado o réu A. As teses centrais da acusação e da defesa foram com o mesmo placar acolhidas e/ou rejeitadas tal como tinham sido no julgamento anterior. As pequenas diferenças observadas foram totalmente irrelevantes para o resul23

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tado do mérito da demanda. Assim, por exemplo, os jurados do segundo caso, levaram no total, dois minutos a mais para chegar à mesma conclusão dos jurados do primeiro caso. Em outras palavras, o resultado de ambos os julgamentos é essencialmente idêntico, restando ao juiz presidente impor a pena ao condenado. Ocorre que, tal qual o juiz da causa penal-tributária, nosso juiz decide aplicar ao co-réu B, como técnica de política criminal, uma pena muito mais gravosa, até para comparar os resultados dessa política, tendo em vista a ampla repercussão que o caso teve na imprensa em virtude da notoriedade da vítima ou dos réus. Essas decisões distintas temporalmente, do mesmo modo que uma outra proferida conjuntamente, podem ser consideradas coerentes com princípios de justiça internos a elas, mas quando se compara a decisão posterior com a anterior, força é reconhecer sua incoerência, e mais do que isso, sua arbitrariedade e injustiça. O princípio de justiça de que casos iguais devem ter soluções iguais postula a invalidade da decisão posterior, revelando que a coerência entre decisões prévias e subseqüentes, tal como em decisões concomitantes, é exigência externa que deflui do princípio maior de que os iguais devem ser tratados igualmente.

6. Igualdade e efeito vinculante Nos tópicos anteriores vínhamos trabalhando com os aspectos relativos à justificação de uma teoria na formulação e administração da justiça. É hora, portanto, de aplicarmos os princípios teóricos então levantados nas questões práticas concernentes às instituições públicas que administram a justiça. Por questões metodológicas relacionadas inclusive com o específico objeto de estudo, não nos preocuparemos em abordar os aspectos relativos à justiça na formulação dessas instituições públicas, mas somente à justiça na administração das políticas desenvolvidas por essas instituições. Na verdade, o objeto de análise é ainda mais restrito, pois o estudo se limita a analisar a administração da justiça por parte da instituição do Poder Judiciário e, nessa instituição, o papel que a adoção do efeito vinculante pode desempenhar. Para esta finalidade, o modelo de justiça de Rawls nos é bastante útil. O modelo de Rawls, como visto nos parágrafos anteriores, pressupõe que os princípios de justiça são uma construção humana e, assim, podem ser racionalmente explicitados. Parte da premissa de que nossas intuições sobre o que é a justiça são as molas propulsoras e traços fun24

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damentais de uma teoria de justiça a ser construída pelo homem. Recusa a idéia de que tais intuições sejam indícios de princípios de justiça objetivos a serem pesquisados e “descobertos” pelo homem, ou pelo menos, por alguns mais afortunados, em uma realidade metafísica inacessível à razão humana. Diversamente, assume a proposição de que, ao invés da responsabilidade de “descobrir”, cabe ao homem a responsabilidade de organizar os juízos particulares de justiça, sobre cuja base e dentro de um coerente programa de ação, há de pautar sua conduta. Essa coerência com princípios plausíveis, racionalmente justificados e em equilíbrio com nossas convicções imediatas de justiça, é fundamental na administração pública da justiça. De um lado, traduz a exigência incontornável de que os agentes públicos somente devem agir com base nos princípios públicos de justiça que os obrigue a uma coerência com essa teoria pública compartida pela comunidade. De outro, proporciona um padrão público de aferição e discussão dos atos e decisões dos agentes públicos, impossibilitando a tais agentes o recurso a intuições excepcionais, que no caso concreto possam – excepcionalmente ou não – servir de biombo para ocultar preconceitos e predileções do próprio agente ou a prática de atos destinados a favorecimento de interesses particulares e não públicos. Esse modelo construtivo de justiça não é estranho aos juristas e na verdade é plenamente aplicável à adjudicação judicial. Suponha-se que o juiz esteja diante de um caso difícil, ou seja, um caso onde as regras legais não fornecem uma diretriz segura ao aplicador da lei relativamente ao caso objeto de adjudicação judicial e existam diversas intuições sobre o que seja a decisão justa para aqueles casos. Diversos juízos com diversas intuições estão dando decisões distintas. Ora, isso sob a base de um coerente e racionalmente justificável programa de justiça não se admite. Imaginemos o seguinte exemplo absolutamente hipotético tanto com relação ao fato, quanto as teses jurídicas nele sustentadas: dois jovens namoram duas irmãs gêmeas menores de catorze anos. Ambos mantêm relação sexual com suas respectivas namoradas. A namora I1 e B namora I2. A e B nem mesmo se conhecem, entretanto, os une um ilícito penal: relação sexual com menores de 14 anos. Eventualmente A e B acabam sendo processados e julgados por juízos distintos por violação ao artigo 213 combinado com o 224 do Código Penal, que considera presumida a violência quando a vítima é menor de 14 anos. Não parece haver dúvida que um valor moral (é errado e mais reprovável se aproveitar da inocência de uma criança, que 25

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não possui condições emocionais e psicológicas de oferecer resistência ao algoz) subjaz à norma atributiva da presunção legal. Diante do caso que lhe é posto, o juiz J1 do réu A possui a intuição de que essa presunção legal é absoluta e deve ser aplicada em qualquer hipótese e sob qualquer circunstância, não a elidindo a demonstrada perda anterior da virgindade da vítima. Conseqüentemente condena o réu A pela prática do crime de estupro. A seu turno, o juiz J2 do réu B, considera que a presunção legal é relativa, devendo ceder se a pretensa vítima já não era mais virgem. Verificada essa circunstância no caso concreto, absolve o réu B. As partes vencidas nos dois processos recorrem. O réu A, para fazer valer o princípio de justiça que subjaz a sentença proferida no caso em que “B” foi absolvido. A seu turno, o Ministério Público recorre da decisão absolutória de “B”, para fazer valer o princípio que subjaz a decisão em que “A” foi condenado. Ambos os recursos são processados e as causas chegam simultaneamente no Tribunal para julgamento pela mesma Turma.46 A Turma, julgando os recursos, dá pela procedência do recurso do condenado A, reconhecendo como relativa a presunção legal do artigo 214, I, do Código Penal, que deve ser afastada pela razão invocada pelo juiz J2 de que a vítima não seria mais virgem. Coerentemente julga improcedente o recurso do Ministério Público, mantendo a decisão absolutória do réu B. A coerência das duas decisões do Tribunal se expressa pelo princípio de que causas iguais devem ter tratamento idêntico. De fato, as ordens jurídicas ocidentais, partem de há muito, com arrimo no direito romano e sob a influência da filosofia do direito grego, de que o direito e a justiça são caracterizados pela “regularidade”, quer dizer, pelo igual tratamento do que é idêntico.47 Essa regra de justiça de tratamento idêntico para os iguais é intuitiva e, mais importante, o princípio que dela dá conta é racionalmente explicitado através de um equilíbrio reflexivo, como já demonstrado ao visualizarmos a justiça como equidade, na medida em que essa afirmação nada mais é do que uma concretização do princípio mais abstrato de igual consideração e respeito.

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O entendimento da corte superior sobre a natureza relativa da presunção do artigo 224 do código penal é reiterado e ratificado em diversas outras decisões até se tornar pacífico. É o momento, portanto, de enfrentarmos a questão do efeito vinculante das decisões das Cortes Superiores. Suponha-se, agora, que o nosso juiz J1 tenha novamente em suas mãos um outro caso de estupro presumido contra vítima menor de 14 anos, onde o acusado logra demonstrar que ao manter sua primeira relação sexual com a vítima, ela não era mais virgem. Apesar disso, nosso juiz J1 condena o réu “C” por estupro presumido. A questão que exsurge é a seguinte: Poderia o juiz J1, legitimamente, julgar o pedido da acusação procedente, condenando o réu “C”? Em outras palavras, pode então julgar, de modo diferente do que decidiu o Tribunal de modo reiterado, manso e pacífico? Se for coerentemente cego com as suas convicções imediatas de justiça, sejam elas decorrentes de percepção subjetiva do que a justiça é (emotivistas), sejam decorrentes de intuições de uma realidade objetiva metafísica, alcançável por alguns poucos privilegiados, mas insuscetível de ser apreendida pela razão (intuicionistas), a resposta há de ser positiva. Porém, dentro de uma teoria de justiça racionalmente justificável, há toda evidência que a resposta há de ser negativa. A justificação dessa resposta passa antes pela averiguação sobre a possibilidade, ou não, de fundamentar racionalmente as decisões judiciais. Hodiernamente é amplamente reconhecido que as decisões judiciais embutem juízos de valor e, portanto morais, ou ao menos, em uma tese mais fraca e por isso receptiva a uma aceitação mais ampla, que tais julgamentos são “moralmente relevantes”.48 É manifesto que ao juiz não é possível em muitos casos fazer decorrer a decisão apenas da lei, nem sequer das valorações do legislador que lhe incumbe conhecer. Tome-se como exemplo expressivo a legalização dos chamados conceitos indeterminados (mulher honesta) ou cláusulas gerais (boa fé). Em tais hipóteses, o quadro legal é amplo e aberto, cabendo ao juiz, no caso concreto, preenchê-lo com uma valoração adicional. A questão avulta de importância quando se verifica que em variegadas hipóteses, nas quais se acreditara que, “através de uma mera subsunção da situação de fato à previsão normativa, forçosamente objeto de interpretação prévia, a norma legal seria suficiente, o que na verdade acontece é que

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tem lugar uma ordenação valorativa ou se requer um juízo de valor para qualificar a situação de fato de determinado modo, em consonância com o indicado pela previsão normativa”.49 Diante dessa realidade inafastável, surge a questão de se averiguar se essas valorações são simplesmente um ato de opção pessoal e arbitrária ou, ao revés, são passíveis de justificação racional. Desde muito tempo se advoga a impossibilidade de se derivar de um juízo de fato, um juízo normativo. Afirma-se que graças à experiência e à demonstração, pode-se estabelecer a verdade de certos fatos e até mesmo de certas proposições lógicas e matemáticas, mas aos juízos de valor falta qualquer lógica, pelo que permanecem controvertidos, sem que seja possível encontrar-se um método racional que permita estabelecer um acordo entre eles, ou fazer a passagem do mundo do ser para o do dever ser. A afirmação mais emblemática dessa posição é encontrada na seguinte passagem do Tratado do Entendimento Humano de Hume: “Em todos os sistemas de moralidade que examinamos até agora, se terá notado sempre que o autor, por certo tempo, exprime-se de uma maneira habitual, e estabelece a existência de Deus, ou faz comentários sobre os assuntos humanos; mas de repente, surpreende deparar com o fato de que – em lugar dos verbos copulativos ‘ser’ e ‘não ser’ entre as proposições – não há mais nenhuma proposição que não esteja ligada por um ‘devia’ ou ‘não devia’. Essa mudança é imperceptível, contudo, é de grande importância. Porque, dado que esse ‘devia’ ou ‘não devia’ expressa uma nova relação ou afirmação, é necessário que se analise e se explique, ao mesmo tempo que se dá alguma razão de algo que nos parece inconcebível, será preciso que nos expliquem como esta nova relação pode ser uma dedução de outras que são totalmente diferentes.”50 De acordo com Hume, a passagem de um juízo de fato a um juízo de valor, ou seja, de um ser a um dever ser, simplesmente não poderia ser racionalmente feita, pois não pertenceria à lógica. Acolher-se inte-

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gralmente a tese de impossibilidade absoluta de justificação racional das afirmações normativas, conduz inapelavelmente, em caso de divergência de valores, a soluções baseadas na razão do mais forte que se impõe pela força bruta, como a melhor ou a mais correta. Em última instância, se renunciarmos à idéia de racionalidade nos discursos normativos, significa abandonarmos às emoções, aos interesses, às preferências e, no final das contas, à violência, a solução de todos os problemas relativos à ação humana, especialmente, à ação coletiva, tradicionalmente relacionados com a moral, o direito e à política.51 Tal não se pode hoje admitir. Embora se reconheça que os juízos de valor não decorrem logicamente de juízos de fato, isso não implica dizer que o fato tenha valor por si e tampouco que o valor possa existir independentemente do fato, ou que a norma possa surgir e valer abstraindo-se da realidade humana efetiva. Por isso, a maioria dos jusfilósofos defende a possibilidade de enunciados suscetíveis de fundamentação sobre as valorações adequadas (no sentido de um dado ordenamento jurídico), mesmo que os fundamentos não sejam cogentes de um ponto de vista estritamente lógico.52 Assim, ao adotar-se uma concepção construtiva pública de justiça, o juiz J1 está obrigado, no caso “C”, a abandonar suas convicções imediatas, não porque sejam necessariamente falsas (podem até sê-lo, mas não é requisito indispensável), senão, porque não são elegíveis dentro de um programa que satisfaça a exigência desse modelo,53 que exige um equilíbrio entre as convicções imediatas de justiça do indivíduo com princípios públicos de justiça. E essa convicção imediata do juiz do caso de “C”, não pode ser justificada sobre a base de princípios plausíveis, porque ofende o princípio formal da igualdade de que casos iguais merecem tratamento igualitário. A quase totalidade dos autores envolvidos na mais recente discussão metodológica partilha a concepção de que o direito tem algo a ver com justiça, com a conduta socioeticamente correta. As decisões judiciais precisam ser justificadas e sua justificação traduz uma exigência de coerência com princípios de justiça públicos, daí porque externos à própria decisão. Essa exigência de coerência também se aplica a decisões futuras e é a base legitimadora da vinculação a precedentes judiciais anteriores.

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A decisão judicial representa um caso especial do discurso racional prático em geral.54 É, portanto, um procedimento para provar e fundamentar enunciados normativos e valorativos por meio de argumentos. A correção desses enunciados tem por pressuposto serem eles o resultado desse procedimento, ou seja, do discurso racional.55 É certo que toda discussão tem que ter um ponto de partida. Não pode começar do nada. Esse ponto de partida são as diversas intuições normativas que os juízes terão sobre os casos que lhe são postos para decisão. Mas essas intuições, esses sentimentos jurídicos não são fonte do Direito. Uma vez que esse sentimento não é senão seu sentimento individual, qualquer outra pessoa poderá partilhar, ou não, desse sentimento; ninguém poderá afirmar que seu próprio sentimento de justiça é mais infalível que o do outro. A teoria do discurso nada mais é do que um procedimento para seu tratamento racional, de molde que cada intuição normativa relevante passa a ser um potencial candidato para modificação ou abandono baseados em uma argumentação racional.56 A motivação da decisão judicial não tem por finalidade simplesmente explicitar as intuições ou sentimentos de justiça de seu prolator ou justificá-la para aqueles que compartilham do mesmo sentimento de justiça. Na verdade, ela serve para convencer aquilo que Perelman classifica como um auditório universal, ou seja, o conjunto de pessoas que tenham acesso ao conteúdo decisório e podem processá-lo racionalmente o que, em tese, abarca o gênero humano como espécie racional. O auditório universal é aquele que só pode ser convencido por meio de argumentos racionais. O acordo desse auditório imparcial, composto inclusive por aqueles que inicialmente discordavam da opinião manifestada, mas foram convencidos de sua correção pela força dos argumentos, é que é o critério da racionalidade e objetividade da decisão.57 O valor da argumentação que convence apenas a parte vencedora é muito menor do que o valor conferido àquela que convence imediatamente todas as partes envolvidas no processo e, mediatamente os “juristas e, principalmente, as instâncias superiores que teriam de conhecê-la”.58

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Uma argumentação racional, a seu turno, tem por pressuposto o estabelecimento de regras objetivas nas quais o discurso se dará. Tais regras devem atender em um juízo de otimização máxima as duas seguintes condições: a) devem possuir o conteúdo valorativo mais forte possível, excluindo outros juízos de valor o mais possível com o fito de aumentar sua significação de decisão; b) devem ser o mais abstrato possível, a fim de obter ampla aceitação.59 Como demonstrado no item quatro, o princípio da igualdade postula, com proeminência, essa posição. Em razão da adoção de uma concepção de justiça como equidade, pode-se dizer que o resultado do discurso não é apenas subjetivo, nem apenas objetivo. É relativo, na medida em que está condicionado pelas intuições iniciais dos participantes e é objetivo na medida em que depende das regras públicas de justiça. Dessa maneira, a teoria da argumentação jurídica evita tanto as deficiências das teorias morais subjetivistas, quanto das teorias morais objetivistas.60 Nessa linha de raciocínio não se admite que jurisdicionados tenham tratamento diverso quando postulam em juízo questões similares. A falta de uma vinculação ao entendimento esposado pelas Cortes Superiores permite, ao menos em hipótese, que o juiz julgue caso a caso. Em assim procedendo, pode ser induzido por incúria, por erro, ou até por infame vontade, julgar a mesma lide de modos distintos ou duas lides distintas do mesmo modo. Em outro dizer, uma exclusão arbitrária ofensiva ao princípio da igualdade de tratamento. Sabe-se que, mesmo quando se encontra diante de um caso absolutamente novo, sem previsão legal de solução, exige-se do juiz que, antes de romper totalmente com a tradição, utilize-se da analogia, cujo fundamento axiológico é que até o limite do razoável o caso novo deva ser solucionado como foram solucionados pela lei casos semelhantes e cujo objetivo é mais uma vez a não disparidade de tratamento entre situações e contextos que podem ser incluídos em uma única categoria geral. Por isso sinala Dworkin que a força gravitacional de um precedente se pode explicar apelando à equidade de tratar de maneira semelhante os casos semelhantes. Um precedente é a constância de uma decisão política prévia; o fato, mesmo dessa decisão, como fato da his-

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tória política, oferece alguma razão para decidir outros casos de maneira similar no futuro.61 No mesmo diapasão Perelman afirma: “A regra de justiça requer a aplicação de um tratamento a seres ou a situações que são integrados numa mesma categoria”. A seguir, conclui: “A regra de justiça fornecerá o fundamento que permite passar de casos anteriores a casos futuros, ela é que permitirá apresentar sob a forma de argumentação quase-lógica o uso do precedente”.62 Assim, o efeito vinculante, ao implicar que as cortes inferiores julguem de conformidade com o que foi decidido pelas cortes superiores, coarcta a possibilidade de tratamento desigual para situações semelhantes, garantindo uniformidade, regularidade, segurança jurídica, eficiência e transparência63 nas decisões judiciais e reforçando, diuturnamente, o princípio da igualdade, direito fundamental da pessoa humana e condição sine qua non de qualquer teoria pública de justiça.

7. Crítica ao princípio da igualdade como legitimador do efeito vinculante – o dogma da única decisão correta Vínhamos de defender que a regra consubstanciada no dever de tratamento igual para situações semelhantes justifica a obrigação de se seguir os precedentes. Não se poderia considerar completamente demonstrada a necessidade de adoção do efeito vinculante como um corolário do princípio da igualdade, sem se enfrentar a crítica mais virulenta que se faz à linha de argumentação que se vem de deduzir. Dizem os críticos que o equívoco da argumentação radica na premissa adotada: a de que existe uma única decisão correta no processo de adjudicação judicial, o que seria uma falácia. Tal como a pretensa absoluta neutralidade do intérprete já foi rechaçada, também não merece acolhimento a teoria que aponta para a existência de uma única decisão correta, especialmente, nos ditos casos difíceis. Alguns doutrinadores deduzem que o dever de seguir uma decisão anterior por respeito ao princípio de que os iguais devem merecer tratamento idêntico, parte da premissa que o primeiro tratamento dado

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é o único correto. A não ser assim, não haveria falar-se em ofensa ao princípio da isonomia, pois que se existem outras decisões igualmente certas para aquela específica questão objeto de adjudicação judicial, o princípio da igualdade não exigiria uma coerência absoluta com a prévia decisão, já que não haveria qualquer injustiça na diferenciação. “O sentido do justo comporta sempre mais de uma solução. Não existe uma única resposta correta para os casos jurídicos; inexiste uma única interpretação correta. Se for assim, cabe então indagar: por que conceber uma interpretação ‘eleita’ como a única e universavelmente válida?”64 Por isso, como afirma Enrique Garcia, “como ocorre com todos os silogismos, a conclusão é inevitável, se as premissas são corretas...o problema não é pois de lógica, mas de premissa”.65 A questão de se existe para toda questão jurídica uma única decisão correta é um dos problemas mais discutidos da atual filosofia do direito. Quem desencadeou a discussão foi o filósofo de direito de Oxford, Ronald Dworkin. A tese de Dworkin de que existe uma única resposta correta para cada caso se inclui em uma teoria de sistema jurídico que se distingue fundamentalmente de teorias positivistas como de Kelsen e mais modernamente Hart. Como se sabe, segundo a perspectiva positivista, o sistema jurídico é, ao menos no essencial, um sistema de regras que podem ser identificadas tomando-se em consideração sua validade e/ou eficácia. Um tal sistema jurídico é sempre um sistema aberto, quando menos pela abertura da linguagem do direito, pela possibilidade de conflito entre normas e pela existência de casos não regulados. Se o caso objeto de adjudicação judicial cai numa espécie de vazio do ordenamento jurídico positivo, que ademais não possa ser solucionado de forma intersubjetivamente obrigatória com a ajuda da metodologia jurídica, então força é reconhecer que em tais casos o juiz não está vinculado pelo sistema jurídico. Como sempre tem que decidir, deve fazê-lo por meio de fundamentos extrajurídicos, quando então sua situação se assemelharia em tudo à do legislador. Sob esse suposto, evidentemente que não se pode falar de uma única resposta correta já dada pelo sistema jurídico, que só cabe reconhecer. A seu turno, Dworkin contrapõe a este modelo positivista de regras um outro que denomina modelo de princípios. De acordo com

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esse modelo, o sistema jurídico é composto além de regras, essencialmente, de princípios. São os princípios jurídicos que vão permitir que também exista uma única resposta correta naquele vazio onde as regras não determinam uma única resposta correta. A única resposta correta seria, portanto, aquela que melhor se pode justificar através de uma teoria substantiva que contenha aqueles princípios e ponderações de princípios que melhor correspondam com a constituição das regras de direito e os precedentes judiciais.

7.1. A idéia regulativa da única decisão correta – uma resposta à crítica A tese de Dworkin acerca da única decisão correta coloca uma grande quantidade de problemas. Desde logo, o próprio Dworkin reconhece que até o presente momento não se encontrou nenhum procedimento que conduza necessariamente a uma única resposta correta. Mas isso não é um obstáculo absoluto para o reconhecimento de sua existência. Um juiz ideal, chamado por Dworkin de Hércules, dotado de habilidade, sabedoria, paciência e agudeza sobre-humanas estaria em condições de encontrar a única resposta correta. É impossível apresentar aqui um estudo elaborado da teoria de Dworkin e de suas rivais,66 mas afortunadamente é também desnecessário. Na verdade, são os críticos do reconhecimento do princípio formal da igualdade como legitimador da adoção do efeito vinculante que partem da premissa errada ao afirmarem que ele demanda uma única resposta correta como condição sine qua non para o seu reconhecimento. Os defensores do efeito vinculante, inclusive os que não concordam com a idéia de única decisão correta, nunca defenderam essa tese, que na verdade, chega a ser tautológica. Com efeito, se uma corte superior prolata uma decisão considerada por todos os juízes como a única correta, a adoção do efeito vinculante é uma completa desnecessidade. Essa decisão será seguida por todos exatamente pelos seus elementos endógenos de correção e convicção. Inexiste aqui a necessidade de um princípio a ela externo – de

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igual tratamento – para garantir a obediência por parte dos demais órgãos judiciais e/ou constitucionais. Ela se imporia por seus próprios méritos de justiça e correção. O efeito vinculante é necessário somente e exatamente naquelas hipóteses em que a absoluta correção da decisão judicial é colocada em xeque. Na verdade, aqueles que a ela não querem aderir a reputam errada ou, o que é uma tese mais frágil, “menos correta” e por isso se recusam a obedecê-la em outros casos idênticos que lhe sejam postos para adjudicação. Isso coloca a seguinte questão. A argumentação de que não existe uma única resposta correta como razão para a não adoção do efeito vinculante é uma falácia. Embora se admita a impossibilidade de se obter uma única resposta correta do juiz ideal Hércules, corresponde ao juiz real a tarefa de aproximar-se desse ideal o mais perto possível. O aplicador do direito que utiliza a argumentação de que não existe uma única resposta correta para não se vincular a prévias decisões das cortes superiores não é totalmente honesto com suas convicções mais íntimas pois, no fundo, acredita que a sua resposta é a (única) correta. A não se entender assim, a noção de discurso prático e fundamentação racional das decisões judiciais perderia qualquer sentido e cairíamos no ceticismo moral da teoria subjetivista emocional onde tal questão não se coloca para discussão, ou no intuicionismo moral onde, embora a questão se coloque, não é possível encontrar uma solução racional que convença a todos. Por outro lado, as decisões judiciais devem ser justificadas através de uma argumentação racional, típica de um discurso prático. A afirmação de que a decisão judicial é um caso especial de discurso prático geral, básica e principalmente, é fundamentada na característica de que a argumentação jurídica é caracterizada por seu relacionamento como a lei válida. Tratando especificamente sobre o tema, Robert Alexy aponta uma das mais importantes diferenças entre a argumentação jurídica e a argumentação prática geral. Assim expressou sua tese: “No contexto da discussão jurídica, diversamente no que ocorre no discurso prático em geral, nem todas as questões estão abertas ao debate. Essa discussão ocorre com certas limitações. A extensão e os tipos de limitação são muito diferentes nas diferentes formas. A mais livre e menos limitada é a discussão do tipo científico jurídico. Os limites são maiores no contexto de um processo. Aqui os papéis são desigualmente distribuídos, participa35

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ção do acusado não é voluntária, e a obrigação de dizer a verdade é limitada. O processo de argumentação tem limite de tempo e é regulado pelas leis processuais. As partes são instruídas a se guiar pelos próprios interesses.”67 Por outro lado, mais importante do que apontar as diferenças entre o discurso jurídico e o discurso prático geral, é o dever de realçar as características de gênero que permitem afirmar ser a discussão jurídica um caso especial da discussão prática. A primeira é que as decisões jurídicas também se preocupam com questões práticas, ou seja, com a justificação de afirmações normativas, com asserções sobre o que deve ou não ser feito ou deixado de fazer.68 A segunda é que tais questões normativas são discutidas com exigência de correção, o que se passa a demonstrar:

7.1.1. A exigência de correção dos discursos jurídicos – seu sentido A exigência da correção nos discursos jurídicos desde logo pode ser inferida da própria estruturação desses discursos. Com efeito, como observa Alexy, em qualquer forma de discurso jurídico são apresentados argumentos justificativos. Assim, “qualquer pessoa que justifique algo, está implicitamente exigindo que essa justificação seja correta e, portanto, que seja correta a afirmação. Não é permissível nos discursos jurídicos assim como não o é nos discursos práticos gerais, afirmar algo e depois se negar a justificá-lo sem dar razões para isso”.69 De fato, é algo fora de dúvida que os participantes de um discurso jurídico, para que suas afirmações e fundamentações tenham pleno sentido, devam deduzir a pretensão de que a sua resposta é a única correta, independentemente do fato de ela existir ou não em termos absolutos.70 A exigência de correção das afirmações normativas convive cientificamente com alguma incerteza. Diferentemente dos enunciados

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sobre fatos perceptíveis que podem ser classificados como verdadeiros ou falsos (errados) aos enunciados sobre a validade de afirmações normativas, classificamos como corretos ou incorretos. “Ambos os modos de expressão significam aparentemente o mesmo; todavia, o segundo exprime um grau de certeza mais débil. A ciência jurídica satisfaz-se em regra com a correção de seus enunciados, sem com isso renunciar à pretensão de cientificidade. Subsiste um resíduo último de incerteza, mas que na prática pode ser negligenciado.”71 Derradeiramente, um outro forte argumento que aponta para a exigência de correção da decisão judicial é que ela, por expressa determinação constitucional, deve ser necessariamente justificada72 sob a base do princípio da legalidade e da regra da lei.73 Destarte, pode-se afirmar que as afirmações jurídicas, tal com as afirmações normativas gerais, fazem a exigência da correção. Se julgamentos de valor moral já impõem uma exigência através de seu significado de possuírem a capacidade de serem aprovados por toda pessoa razoável e, nesse sentido, serem válidos, então isso deve ser verdade para graus ainda maiores de julgamentos de valor jurídico. A idéia regulativa da única resposta correta, ao invés de negar, reafirma a adoção do efeito vinculante como respeito ao princípio da igualdade. Ainda que em termos absolutos não exista uma única resposta correta nas decisões reais, nessas mesmas decisões uma deve, após passar pelo teste do discurso jurídico e dele ser resultante, ser necessariamente considerada, recebida e aceita como correta, afastando intuições iniciais que com ela se mostram, afinal, incompatíveis. A estruturação hierarquizada dos órgãos judiciais tal como delineada em nossa Carta Magna, permite a afirmação de que as decisões da Cortes Superiores, depois de pacificadas no seio dos respectivos tribunais, postulam essa qualidade.

7.2. A jurisdição extraordinária e a idéia regulativa da única decisão correta. A questão das súmulas 400 e 343 do Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal, enfrentando a tormentosa questão da existência de uma única decisão correta para cada caso judicial, editou

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duas súmulas relacionadas ao tema, consubstanciadas nos verbetes de números 343 e 400. “Súmula 343 – Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.” “Súmula 400 – Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do arts. 101, III, da Constituição Federal.” Referidas súmulas teriam, assim, por fundamento hermenêutico, o reconhecimento de que, em decisões reais, ainda não se descobriu a fórmula ou o procedimento para se encontrar uma única decisão correta, o que desautorizaria reforma de decisão contrária a entendimento posteriormente manifestado pelo excelso pretório, seja em via recursal extraordinária, seja via ação rescisória na hipótese de seu trânsito em julgado já ter ocorrido. Como visto, porém, a existência real de uma única decisão correta não é pressuposto para adoção da súmula vinculante, bastando o recurso à idéia regulativa da única decisão correta para que se possa alcançar tal desiderato. Por outro lado, reconhecendo-se que a adoção do efeito vinculante prescinde da absoluta e incontrastável correção da decisão vinculativa, consectário natural seria a revisão, por parte do Supremo Tribunal Federal, no que concerne às divergências de interpretação do texto constitucional e pelo Superior Tribunal de Justiça no que concerne à divergência de interpretação de texto infraconstitucional, do entendimento anterior que deu origem à edição das citadas súmulas.

7.2.1. A posição do Supremo Tribunal No ordenamento constitucional pretérito, o Supremo Tribunal exercia a dúplice função de velar pelo respeito à Constituição Federal e bem assim ao direito infraconstitucional. É naquele contexto, portanto, que vieram a ser editadas as mencionadas súmulas consubstanciadas nos verbetes nos 343 e 400. A análise do enunciado dos referidos verbetes permite afirmar que ambos tratam da mesma situação material – decisão judicial que deu razoável interpretação da lei – diferençando-se apenas quanto ao momento processual em que referida decisão fora objeto de inconformis38

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mo. No caso da súmula 343, a decisão já havia transitado em julgado, enquanto que a hipótese da súmula 400 tratava de decisão ainda sujeita a recurso, embora extraordinário. Ontologicamente, porém, os fundamentos para a edição dos verbetes eram os mesmos. Desde cedo, o Supremo Tribunal Federal na aplicação da súmula 400, fez distinção entre lei ordinária e lei constitucional. No julgamento do RE 81.429/SP74 o Ministro Moreira Alves afirmou que, tratando a hipótese de dispositivo constitucional, “é cabível o recurso extraordinário para examinar, se correta ou não, a interpretação que as instâncias ordinárias lhe deram. Não fora assim, e deixaria o Supremo Tribunal Federal de ser o sumo intérprete da Constituição e, conseqüentemente, o guardião de sua observância”. No que concerne ao verbete no 343, o Supremo Tribunal Federal no ordenamento constitucional pretérito, vinha aplicando-o amplamente até que em 1980 no julgamento do RE 89.108/GO, o Tribunal se afastou de sua anterior orientação e passou a tratar de modo uniforme as hipóteses das súmulas 400 e 343. No julgamento do leading case que afastou a aplicação da súmula 343 quando a controvérsia se referisse a interpretação constitucional, o Ministro Moreira Alves escreveu: “...Entendo que a súmula no 343 nada mais é que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da súmula no 400 que não se aplica a texto constitucional – âmbito do recurso ordinário. Como se infere do artigo 119, III, a da Emenda Constitucional no 1/69, o correspondente, no plano constitucional, à negativa de vigência de lei é a contrariedade à Constituição, e, em assim sendo, se a legislação ordinária (no caso o Código de Processo Civil) se limite a aludir como pressuposto da rescisória a violação literal de disposição de lei, impõe-se que se distinga a lei ordinária (para qual é necessária a negativa de vigência) e a lei constitucional (para qual basta a contrariedade).”75 No ordenamento constitucional atual, o Supremo Tribunal Federal, com expressa referência ao precedente antes citado, veio reafirmar a sua função de intérprete supremo e último do texto constitucional e, portan-

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to, a titularidade da competência para, concretizando o conteúdo da constituição, oferecer a única interpretação correta do texto constitucional. Tratando de divergências na interpretação de texto constitucional, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, relator do RE (AgR) 328.812-AM, em voto vencedor76 disse: “Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado a sua decisão. Não se pode diminuir a eficácia das decisões divergentes. Assim, se somente por meio de controle difuso de constitucionalidade, portanto, anos após as questões terem sido decididas pelos Tribunais ordinários, é que o Supremo Tribunal Federal veio a apreciá-las, é a ação rescisória com fundamento em violação de literal disposição de lei, instrumento adequado para a superação da decisão divergente. (g.n.) Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição. A aplicação da súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa da constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Admitir a aplicação da orientação contida no verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias inferiores em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal. Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em duas instâncias ordinárias. Privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta corte, significa afrontar a efetividade da constituição.” Considerando-se que no atual ordenamento constitucional as questões que podem ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, diferentemente do que ocorria antes da Constituição de 1988,

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se restringem a matérias de índole constitucional, pode-se afirmar que, no âmbito da Suprema Corte não mais subsistem os enunciados dos verbetes no 343 e no400. Prevaleceu, portanto, o entendimento de que, sendo o Supremo Tribunal, por expressa determinação constitucional, o intérprete último e absoluto do Texto básico, suas decisões em matéria constitucional, como ideal regulativo, são aquelas que devem ser consideradas como as únicas corretas e passíveis de aplicação, defluindo dessa circunstância o dever dos demais tribunais de vincularem suas decisões posteriores a prévias decisões sedimentadas no seio do Supremo Tribunal Federal. Na hipótese de as decisões judiciais serem prévias à adjudicação do caso constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e terem transitado em julgado, caberá ação rescisória para fazer valer a autoridade do Supremo e eficácia das normas constitucionais, dentre as quais se sobressai o princípio da igualdade. Em síntese, do supra narrado as seguintes conclusões podem ser hauridas: a) decisão anterior trânsita em julgado dos demais tribunais que contrarie interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso ou concentrado estão sujeitas à ação revisional; b) decisões posteriores dos demais tribunais sobre questões pacificadas no seio do STF devem, obrigatoriamente e de forma vinculante, observarem a interpretação sedimentada no seio do Excelso Pretório, sob pena de em não o fazendo, ainda que venham a transitar em julgado, se submeterem ao juízo revisional daquela augusta corte.

7.2.2. A posição do Superior Tribunal de Justiça Embora como já afirmado anteriormente, a axiologia que subjaz às sumulas no 343 e no 400 do STF é ontologicamente a mesma, a ponto de ter o ministro Moreira Alves reconhecido que a súmula no 343 nada mais é do que a repercussão da súmula 400 no âmbito da ação rescisória, entendimento e circunstância que culminaram com a desconsideração de ambas as súmulas quando a divergência se referisse a interpretação de texto constitucional, o Superior Tribunal de Justiça tem dado um trato diferente e até mesmo contraditório à matéria. 41

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No que concerne à aplicação do verbete no 400, desde logo o Superior Tribunal de Justiça cuidou de afastá-la, posto que incompatível com o sistema recursal instituído na carta da república.77 Sálvio de Figueiredo Teixeira,78 cuidando de apontar as diferenças na abordagem jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça quando cotejada com prévio entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, pontificou: “A primeira dessas ‘insurreições’ localizou-se no repúdio ao enunciado no 400 do STF. Ousada e destemidamente, embora com postura respeitosa, mostrou o novo Tribunal, vencidas pequenas resistências, a incompatibilidade do referido enunciado, que admitia mais de uma interpretação como razoável com o novo sistema que criara a Corte para dizer qual a exata exegese da lei”. (g.n.) Diante da novel ordem constitucional, outro não poderia ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema. Tendo-se em conta o disposto no artigo 105, III, c, da Constituição Federal que elenca como uma das condições recursais do recurso especial a divergência de interpretação de lei federal por parte de outros tribunais, seria insano acolher-se o entendimento da súmula no 400, vedando acesso à via especial, quando houvesse interpretações divergentes sobre uma lei federal. Daí a sua natural e imediata rejeição pelo Superior Tribunal de Justiça. Competindo ao Superior Tribunal de Justiça dirimir conflitos de interpretação e definir o exato sentido da lei ou ato normativo federal, não é possível aceitar-se a tese de várias interpretações razoáveis. Embora essa plêiade de interpretações efetivamente possa existir, por uma questão de sanidade do sistema, uma e somente uma deve vir a prevalecer, e essa é a definida pelo Superior Tribunal de Justiça. Relativamente à súmula no 343, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado entendimento que se harmoniza com o do Supremo Tribunal Federal quando da edição do enunciado. Nesse diapasão, o STJ tem afastado a aplicação da referida súmula quando a divergência for de interpretação constitucional e mantido sua aplicação quando a divergência se referir à interpretação de textos legais. No julgamento do recurso especial no 93.96579 disse o ministro Ari Pargendler, tangenciando a questão da única interpretação correta, que a lei pode ter uma ou mais interpretações, mas ela não pode ser

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válida e inválida a depender de quem seja o encarregado de aplicá-la. Por isso, se a lei é conforme a Constituição e o Tribunal deixa de aplicá-la ou se declara inconstitucional uma lei conforme a Constituição, há, em ambos os casos, aplicação equivocada do texto constitucional, sujeitando o julgado à ação rescisória. Posteriormente, no julgamento do recurso especial no 96.213,80 o STJ reafirmando seu entendimento, afastou a aplicação da súmula 343, em decisão bem fundamentada e talvez a mais completa sobre o cabimento de ação rescisória por divergência de interpretação constitucional. O voto vencedor do relator, ministro José Delgado, é bem abrangente ao apreciar a questão e, a par de abordar a já reconhecida primazia do Supremo Tribunal Federal como intérprete último e absoluto da constituição agregou, pela vez primeira, o princípio da isonomia como elemento legitimador da revisão da decisão trânsita em julgado. Nesse particular assim se manifestou: “O trânsito em julgado da decisão ocorre, ou por o contribuinte não recorrer para o STF, ou pela apresentação de recurso sem pressuposto legal para ser conhecido, fato este que, também, é praticado pela Fazenda Pública. A desordem da aplicação da lei tributária está, em decorrência, realmente, instalada pelo que urge se construir um sistema capaz de evitá-la, em homenagem à função principal da ciência jurídica aplicada que é de provocar harmonia nas relações entre as partes, principalmente, quando uma delas é o Poder Público, ante o dever de se obedecer aos princípios constitucionais e jurídicos que informam especialmente o sistema tributário nacional, com destaque o da igualdade. (...) Configurada qualquer uma das situações acima expostas, entendo que o único caminho processual existente em nosso ordenamento jurídico para solucionar a controvérsia é o da ação rescisória para que se restabeleça a aplicação harmônica de dispositivo legal, com respeito ao princípio da igualdade para todos os contribuintes, especialmente porque se está diante de uma situação jurídica de direito público específica, de natureza tributária, sujeita de modo cogente, a um princípio constitucional pétreo, que é o da isonomia tributária, previsto expressamente no art. 150, II, da CF. Penso, desse modo, por entender que o fenômeno da coisa julgada, enquanto posto no âmbito temporal relativo por não terem

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decorridos dois anos exigidos para que possa ser atacado por rescisória, não pode atuar sobranceiro sobre o princípio da legalidade, da impessoalidade, da indisponibilidade da coisa pública e de igualdade, quando se tem presente relação de direito público. (...) Venho afirmando em meus escritos e decisões, com a devida vênia dos que têm entendido diferente, que a função do direito aplicado pelo Poder Judiciário é, exclusivamente, a de ordenar, impondo segurança e confiabilidade nas relações jurídicas, em face de não lhe ser possível criar comportamentos que fujam dos limites impostos pela legalidade objetiva e prestigiada pela constituição. Não concebo o atuar de qualquer ordenamento jurídico que não seja na forma de sistema. Se assim não atuar não é ordenamento e não expressa função harmonizadora a ele exigida. Impossível, conseqüentemente, que uma decisão judicial importe em criar privilégio no âmbito das relações jurídicas, impositivos tributários, permitindo que uma empresa não pague determinado tributo, mesmo que seja por período certo, enquanto outras empresas são obrigadas a pagá-lo, apenas, porque, de modo contrário ao assentado pelo STF, uma decisão se impõe. O prevalecimento da sentença trânsita em julgado, em tal hipótese, quanto atacada por ação rescisória, seria provocar um desrespeito à ordem jurídica, cuja estrutura e finalidade estão voltadas para a promoção da justiça. Esta, por sua vez, só será alcançada se a todos for emprestado o sentimento de igualdade e de segurança. No trato de confronto de lei com a Constituição Federal, de acordo com o nosso sistema imposto pela nossa Carta Magna, só o STF tem competência absoluta para se pronunciar, declarando, com força obrigatória, a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. A declaração de inconstitucionalidade assumida pelos tribunais de segundo grau não tem a mesma potencialidade de imperatividade da oriunda pelo STF pela ausência de efeito definitivo absoluto e por aqueles não terem a competência outorgada pela Carta Magna de serem obrigados a guardarem a Constituição como a possuída pela Colenda Corte (art. 102 CF)”. (grifos acrescidos) Os fundamentos apresentados no bem lançado voto me parecem irrespondíveis e corretamente equacionam a questão sob a ótica da 44

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supremacia outorgada pelo constituinte à interpretação das cortes superiores sobre o exato sentido da legislação constitucional (STF) e da legislação infraconstitucional (STJ) e bem assim, sob o plano da igualdade dos jurisdicionados, princípio pétreo de nossa carta política. Nada obstante, o Superior Tribunal de Justiça tem, até o presente momento, aplicado a súmula 343 quando a questão se referir à divergência de interpretação de textos legais, seja por alçar à categoria de absoluto o princípio da segurança jurídica, via autoridade da coisa julgada (ação rescisória 159, rel. Ministro Sálvio de Figueiredo), seja por questão meramente processual, por reputar como condição, de conhecimento do recurso especial a demonstração de afronta ao artigo 485, V pela decisão na ação rescisória e não afronta aos fundamentos do julgado rescindendo, em razão da interpretação divergente (Resp. 259.142/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 30/10/2000, p. 206). Essa posição ambígua do Superior Tribunal de Justiça não é digna de encômios e termina por demonstrar a falta de sensibilidade do Tribunal com sua função institucional de assegurar a uniformidade do direito federal. Talvez o Superior Tribunal de Justiça não tenha ainda percebido de que, a exemplo do que ocorre com o Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, é o STJ o responsável pela última e, conseqüentemente única, obrigatória e vinculante interpretação do direito federal infraconstitucional. A exemplo do que ocorreu com o Supremo Tribunal Federal que inicialmente afastou a aplicação da súmula 400 e depois estendeu o mesmo entendimento para a sumula 343, acreditamos e esperamos que o Superior Tribunal de Justiça, fazendo valer sua missão constitucional, também afaste a aplicação da súmula 343 para admitir a propositura da ação rescisória quando a decisão trânsita em julgado afrontar entendimento jurisprudencial sedimentado no Tribunal, uniformizando a aplicação do direito federal e distribuindo a justiça ao conferir tratamento igual a situações jurídicas idênticas. O princípio da segurança jurídica não pode ser adequadamente manejado nessas hipóteses para superar as demandas da justiça igualitária, porque nessas circunstâncias ele já está relativizado pela possibilidade de propositura da ação revisional. Não existe justificada confiança que considere imutável o que decidido na decisão trânsita em julgada, o que só ocorrerá quando ultrapassado o lapso temporal para a propositura da ação revisional. O argumento processual também não se sustenta, pois que o processo é apenas o meio para a defesa do direito material, não se justificando o excesso de formalismo aplicado ao conhecimento do recurso. 45

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Pelo que se expôs, conclui-se que a adoção do efeito vinculante promove a concretização de um direito fundamental do homem que é o direito de ser tratado com igual consideração e respeito, princípio esse base necessária para uma coerente formulação de uma teoria pública sobre a Justiça. A força jurígena da vinculação ao precedente se manifesta em todos os aspectos quando se trata de objetos litigiosos idênticos. Diante disso podemos afirmar as seguintes regras principais para uso dos precedentes. Se o juiz pode aduzir a favor ou contra um precedente, tem a obrigação de fazê-lo e, aquele que quiser afastar-se de um precedente, tem o ônus de racionalmente argumentar porque está decidindo contrariamente.81

7.3. A idéia de única decisão correta e integração pessoal – uma outra resposta à crítica A hierarquização constitucional do poder judiciário, ao menos no que concerne aos tribunais superiores com as competências que lhe foram conferidas,82 indica a intenção do constituinte de reconhecer nesses órgãos a função que Smend classificou como de integração pessoal.83 Smend defende a tese de que essa força integradora pessoal não deriva das qualidades pessoais daquele que detém o mando político, mas sim de um sentimento espontâneo produzido pelos governados e canalizado para a pessoa do governante. Esse, de agente externo e solitário de mudanças sociais, é na verdade um receptáculo das aspirações comunitárias, de modo que ambos – governantes e governados – são “uma força dinâmica de tudo o que neles é capaz de converter-se em vida social e espiritual”.84 Essa nova perspectiva retira da análise da força integradora da integração pessoal as qualidades individuais do chefe político e permite visualizar uma nova função para o dirigente político: a de obter o reconhecimento dos governados de que consolida em si a responsabilidade pela condução dos negócios públicos, independentemente de os

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estar conduzindo bem ou mal. Mais importante do que se firmar como um bom governante, é firmar-se como governante integrando a coletividade sob o manto da liderança. Nesse sentido, a integração depende mais da capacidade do órgão político para gerar adesão, do que para fazer um bom governo. Como esclareceu Smend, “o característico da integração pessoal é que o órgão constitucional legítimo simboliza basicamente a tradição histórica dos valores políticos comunitários, isto é, constitui ao mesmo tempo um caso típico de integração objetiva. Quando se ovaciona, por exemplo, o Soberano, não se pretende com isso honrar a uma pessoa concreta, senão que se trata de um ato de consciência de um povo politicamente unido”.85 Por outro lado, não se pode seriamente negar que a burocracia judicial, apesar de exercer uma função técnica, também exerce função integradora. Dessa afirmação não discrepa Smend ao averbar que “A burocracia...judicial também pertence...ao círculo de pessoas que realizam uma função de integração”.86 Reconhecido que o Poder Judiciário também possui uma função integradora, força é concluir que a adoção do instituto do efeito vinculante reforça esse sentimento coletivo de unidade e coesão, quando menos pelas seguintes duas razões básicas: Por primeiro, como já anotado adrede, o mais importante da integração pessoal, para fins de integração da comunidade, não é o acerto ou desacerto pontual das decisões proferidas por aqueles que detêm o mando político. Em termos de Poder Judiciário, evidentemente nas suas diversas esferas de competência, a cúpula desse poder está consubstanciada nos Tribunais Superiores em razão do poder de revisão das decisões das cortes inferiores que lhe foi outorgado pelo constituinte originário. Ao Supremo Tribunal Federal foi conferida a qualidade de supremo intérprete da constituição. Ao Superior Tribunal de Justiça, o de supremo intérprete da legislação infraconstitucional, pois é sua atribuição pacificar e uniformizar interpretações divergentes dos demais tribunais. Por expressa vontade constituinte originária, ambos órgãos constitucionais, dentro de suas respectivas competências, foram alçados a categoria daquilo que Smend chama de “órgão estatal supremo“, a

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quem foi conferida a fundamental tarefa de garantir, aos diferentes fatores de integração, em especial dos distintos órgãos estatais, uma efetiva força aglutinante real.87 Nesse diapasão, torna-se imprescindível a adoção do efeito vinculante para as decisões proferidas pelos Supremos Tribunais, que se apresenta como o único meio de tornar efetiva e eficaz a diretriz integradora expedida por aquelas augustas Cortes. Com efeito, urge que se reconheça aos Tribunais Superiores o papel integrador que lhe foi conferido pelo constituinte originário decorrente da função de órgão máximo na defesa da Constituição. O exercício dessa função indeclinável independe como visto, do acerto ou desacerto pontuais das decisões proferidas pelos Pretórios. É mais importante para o ordenamento constitucional pátrio, como elemento integrador da comunidade, reconhecer-se que a decisão proferida pelos Tribunais Superiores é, e deve ser aceita como a regulativamente correta e, portanto, definitiva, do que desrespeitá-la ao fundamento de uma alegado desacerto desta ou daquela decisão específica. Daí porque a impossibilidade de se demonstrar que aquela é a única resposta correta é irrelevante para a adoção do efeito vinculante. É que, ademais de exercer sua função de interpretar a Constituição ou as leis com rigor técnico na medida do possível incensurável, os Tribunais Superiores exercem uma segunda função igualmente importante, qual seja, através de seus julgamentos, sejam eles subjetivamente entendidos como bons ou maus, acertados ou equivocados, afirmarem-se como os supremos guardiões e intérpretes da constituição e/ou das leis e obterem dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo o reconhecimento desse status e, ipso facto, o respeito ao que ficou decidido, que por isso mesmo deverá ser observado por eles doravante de modo necessário e não meramente contingente. Essa função integradora das decisões judiciárias foi reconhecida pelo Justice Brandeis, ao afirmar que o “efeito vinculante é a melhor fórmula política, porque na maioria dos problemas, é mais importante fixar o sentido da norma do que fixá-lo corretamente”.88 Em outro dizer, na maioria das vezes, é mais importante a função integradora da decisão judicial, do que a busca pela certeza da absoluta correção quanto

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ao sentido da norma extraído pela decisão. Mais importante do que evitar uma decisão não tão correta é, em razão da insegurança gerada pela falta de uma diretriz unificadora segura, evitar-se o caos e a desagregação social ao se definir o significado da norma. A função de interpretar o mais corretamente possível o sentido das normas não é desprezível, porém, a função integradora de uma decisão judicial, seja ela “certa” ou “não tão certa”, é também importante na medida em que alcança resultados positivos no sistema como um todo, em termos de uniformidade e segurança jurídica. A segunda razão justificadora da adoção do efeito vinculante como fator de integração pessoal se relaciona com a mera existência dos Tribunais Superiores. Como já alertava Smend, “a eficácia integradora dos órgãos constitucionais pode resultar de sua própria existência ou de seu processo de formação e funcionamento”.89 Quando resulta de sua própria existência é fonte de integração pessoal.90 A integração pessoal decorrente da mera existência do órgão constitucional resulta da autoconsciência de um povo quanto as suas tradições históricas, concepções e valores culturais profundamente enraizados na consciência coletiva de uma determinada nação. Nessa hipótese, tais órgãos cumprem uma função integradora similar àquela que realizam fatores objetivos ou funcionais de integração, a exemplo das bandeiras, dos escudos ou hinos nacionais. Esse tipo de integração se relaciona então com aqueles sentimentos compartilhados pela nação, de devoção e respeito quase míticos pelas suas instituições democráticas. Nesse sentido, é parte do sentimento coletivo o de pertencer a uma nação democrática, que respeita os direitos fundamentais da pessoa humana, bem como estar submetida a um Estado de Direito, que dentre outros princípios, vincula a atuação de todo poder estatal aos postulados legais, restando ao judiciário a efetivação desses princípios e/ou valores. Assim, o respeito ao que ficou decidido pelos Tribunais Superiores, independentemente da análise sobre o grau de correção do decidido, que sempre será objeto de inconformismo especialmente nos chamados casos difíceis, e a devoção conferida aos seus pronunciamentos, é valor que deve estar inserido no sentimento cultural da nação brasileira como pertencente a um Estado Democrático de Direito, que traduz a consciência

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de um povo politicamente unido na defesa dos princípios, regras e valores que subjazem a tal espécie de sistema jurídico, dentre os quais sobressai com indiscutível proeminência o princípio da igualdade. Dentro dessa ótica, curial a conclusão de que o efeito vinculante das decisões proferidas pelas Cortes Superiores exerce uma função integradora de caráter pessoal, reforçando o papel integrador do direito, inerente a qualquer sistema que postule a qualidade de ordenamento jurídico, razão porque devem vincular os tribunais e juízos inferiores.

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Capítulo 2 Legalidade e Efeito Vinculante

1. Introdução O princípio da legalidade é uma das formas de manifestação do ideal de justiça. Justiça enquanto regularidade na aplicação da ordem estatal coerciva. Aristóteles escandiu seu conceito de justiça em duas óticas. Justiça enquanto igualdade e justiça como legalidade. Existem, defende ele, dois conceitos de justiça: a igualdade e a legitimidade. “Sustenta-se que o termo ‘injusto’ aplica-se ao homem que toma mais do que lhe é devido, o homem parcial. Portanto, é claro que o homem respeitador da lei e o homem imparcial serão ambos justos. ‘O justo’, portanto, significa aquilo que é legítimo e aquilo que é igual ou imparcial, e ‘o injusto’ significa aquilo que é ilegal ou aquilo que é desigual ou parcial”.1 Sinala Kelsen, que como postulado esse conceito de justiça “significa apenas que o direito positivo será aplicado em conformidade com seu próprio significado. A igualdade dessa justiça é a igualdade perante o direito, o que significa apenas legalidade”.2 Justiça, nesse sentido, é aplicação imparcial e regular das normas jurídicas, ou seja, é o domínio da vontade lei (rule of law), sustentáculo do Estado de Direito, em substituição à vontade dos homens, fundamento do Estado Absoluto. Por outro ângulo, justiça como legalidade, como domínio da lei, implica em fortalecimento do Poder Judiciário, último responsável pela concretização da norma jurídica através da atribuição de um sentido ao texto legal. “Ir a um juiz é ir à justiça, pois o juiz ideal é, por assim dizer, a justiça personificada”.3 Nesse sentido, o princípio da legalidade assume vital importância com a redemocratização do país, processo político que culminou com a

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promulgação da Constituição de 1988 e propiciou o destravamento de uma demanda social por justiça por longos anos reprimida em razão da experiência autoritária vivida pelo país. A conseqüência fundamental desse movimento político-social foi trazer o Poder Judiciário para o centro de atenção dos movimentos sociais que nele passaram a depositar suas aspirações. Buscar a justiça é, em última instância, buscar socorro no judiciário. As esperanças que a sociedade depositava no Poder Judiciário com relação à afirmação de seus direitos de cidadania não demoraram a esmorecer. Diante da crescente enxurrada de ações judiciais, o Estado – por seu Poder Judiciário – demonstrou completo despreparo, cristalizando no seio da coletividade a idéia de que, tal como atualmente, estruturado, não possuiria condições de responder – a tempo e a hora – às legítimas demandas sociais que lhe eram colocadas para solução. A euforia inicial cedeu passo ao desalento e este, logo a seguir, à crítica. É então o Poder Judiciário confrontado com a dura realidade de que precisava mudar para se adequar aos ventos da democracia. Passou a ser alvo de acerbadas críticas por não cumprir com sua função constitucional que é de distribuir a justiça, pacificando o tecido social.4 Nesse quadro de mudanças, diversas reformas institucionais estão sendo levadas a efeito no âmbito do Poder Judiciário, objetivando torná-lo mais acessível a uma grande parcela da população excluída dos reais benefícios da cidadania e que, efetivamente, não tem acesso à Justiça. Esse processo de reformas do judiciário não é uma experiência exclusiva do Brasil, mas se apresenta como uma tendência em toda a América Latina, continente que tem presenciado um número extrema-

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mente elevado, seja em quantidade, grau e natureza, a apresentação de propostas e iniciativas de reformulação das instituições judiciárias.5 Dentre as propostas de mudanças e iniciativas já implementadas, pode-se citar um fortalecimento das carreiras judiciais, inclusive no que concerne a sua necessária independência do poder político, a fim de garantir a imparcialidade na apreciação das demandas; criação de instituições estatais para representação dos interesses dos menos privilegiados – as defensorias públicas; uma revisão das leis processuais objetivando maior celeridade na resolução dos conflitos; criação de justiças especializadas para julgamento de crimes de menor potencial ofensivo, bem como causas cíveis de menor complexidade – os juizados especiais, tudo com o declarado objetivo de levar a justiça aos pobres, de resto excluídos também do acesso à justiça face aos elevados custos desse serviço público. A dificuldade dos dotados de menor poder econômico acessar a justiça, já foi explicada com a seguinte frase: “Os tribunais e os serviços legais são em teoria disponíveis para todos, do mesmo modo que no Sheraton Hotel qualquer um pode entrar; tudo que se precisa ter é dinheiro”.6 As razões para tais mudanças são facilmente localizadas na transição operada nesses países de economia periférica, de um estado autoritário para um estado democrático. Inseridos em estruturas autoritárias, os sistemas judiciários dos países da América Latina nunca possuíram papel de relevo que lhe confere um Estado democrático, não passando, no mais das vezes, de um apêndice do governo, submetido a intensa pressão política partidária, muito fraco e incapaz de fazer cumprir a lei contra o Estado ou qualquer outro grupo social dominante, além de ter sua estrutura minada pela corrupção. Ocorre que o estabelecimento de sistemas políticos democráticos em países que nunca os tiveram ou o restabelecimento da democracia são os principais motores para o aumento da importância do papel do Judiciário, o que implica necessidade de reformulação desse subsistema estatal específico.

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O Brasil adotou várias dessas mudanças supracitadas. Criou estruturas estatais para defesa dos menos privilegiados; modificou e reformou inúmeras leis processuais visando tornar o processo judicial mais coerente e eficaz; criou justiças especializadas para causas mais diretamente ligadas aos pobres etc... Entretanto, o que se tem observado até agora é um débil sucesso dessas iniciativas para garantir o acesso à justiça aos não privilegiados. As defensorias públicas não conseguem dar conta da demanda que lhe é imposta, sendo atendida apenas uma pequena parcela da população mais desfavorecida. Ademais, a estrutura desses órgãos estatais é, na melhor das hipóteses, extremamente precária. Seus quadros são reduzidos, sua remuneração é bem inferior à percebida por juízes e membros do ministério público, os recursos materiais infinitamente menores do que o das outras instituições da justiça, que já são contingenciados, tudo a desestimular, tirante nobres e raras exceções, a permanência dos melhores quadros de que dispõe. Com recursos humanos e materiais deficientes não se pode esperar uma boa representação judicial dos pobres. Não se pode exigir o impossível. As justiças especializadas para causas de menor complexidade – os juizados especiais – cuja criação objetivava expressamente possibilitar o aceso à justiça pelos pobres, através da simplificação de seus procedimentos (em algumas hipóteses nem mesmo é necessária a assistência de profissional qualificado tecnicamente); da ampliação da “rede de atendimento”, do estímulo à composições amigáveis e da celeridade de seus julgamentos, também se mostrou insuficiente. Logo essas justiças se tornaram abarrotadas de causas para julgar, gerando a mesma lentidão vista na justiça comum.7 A informalidade e oralida-

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de dessa justiça especializada cederam passo a uma formalização similar a da justiça comum, não sendo raro o cidadão, especialmente nos juizados especiais estaduais, embora sem que a lei o exija, ter que aceitar que sua causa seja patrocinada por advogados nomeados pelo juizado, sob pena de não ver sua demanda apreciada. O objetivo declarado de tais exigências ilegais é garantir uma melhor defesa dos interesses em juízo; o não declarado é facilitar a vida dos juízes acostumados ao “juridiquês” e desacostumados do linguajar comum do povo. Por outro lado, as reformas legislativas até agora implementadas também não lograram o efeito desejado de racionalizar o processo e desobstruir a pauta dos tribunais superiores.8 A par desses problemas que dificultam em muito, o acesso dos pobres à justiça, existe outro tão grave ou talvez até mais grave, a abater-se sobre os não privilegiados, mesmo quando a despeito de todas as dificuldades dantes mencionadas conseguem por sua causa em juízo. Refiro-me à parcialidade da decisão judicial que, em termos de aplicação da lei, ao menos em nossa experiência, tem sido discricionária – para não dizer arbitrária – e amiúde excessivamente severa, com relação aos pobres. A lei deveria funcionar como o grande equalizador dos cidadãos, entendidos estes como pessoas legais, ou seja, portadores de direitos e obrigações formalmente iguais não só no domínio político, mas também nas questões privadas de natureza civil, comercial e nas relações que mantêm com o Poder Público. Entretanto, o que se observa é que, de variegados meios, os detentores do poder político ou econômico, seja diretamente, seja indiretamente através de uma teia de ligações e conexões adequadas, se eximem de cumprir a lei. A atual estruturação pública decorre da origem patrimonialista das instituições nacionais, ranço do qual não foi possível ainda nos livrarmos. Apesar dos progressos já alcançados, em termos gerais, o Estado brasileiro não opera em moldes modernos, estando ainda preso ao padrão paternalista e cartorial que caracterizou a implantação de nossas instituições econômicas, sociais e políticas. Nos padrões tradicionais (não moderno), predomina a lógica de clientelas que enfraque-

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ce as instituições políticas, pois se distribuem privilégios em vez de se consolidarem direitos.9 Esse legado de origem ibérica da cultura política brasileira dá origem a um Estado antitético ao Estado de Direito: o Estado cartorial. Por Estado cartorial, se entende aquele que, embora sob a aparência de uma organização racional do serviço público, alegadamente comandada por critérios funcionais,10 na verdade distribui cargos e privilégios para a clientela política ou para amigos e parentes dos dirigentes políticos.11 A distribuição aleatória, subjetiva e abusiva de privilégios corrói um dos sustentáculos básicos do Estado de Direito, consubstanciado na aplicação imparcial da lei a todos os cidadãos e, inclusive, ao Estado. Getúlio Vargas, ao afirmar “aos meus amigos, tudo; aos meus inimigos a lei”, sintetizou a iniquidade das instituições públicas nacionais – aí muita vez incluído o Poder Judiciário – na aplicação da lei e afirmação dos direitos legais dos cidadãos. A lei, na experiência da América Latina, não foi feita para ser observada por todos. Sua aplicação não é geral, mas seletiva. Disso decorre que a sua provável efetividade social, a razoável estimativa de seu acatamento por todos não é levada em consideração no momento da edição da norma. Daí a circunstância geralmente – e com acerto – não compreendida por observadores estranhos à cultura brasileira de tradição ibérica, de a aplicação da lei ser mais leniente do que nos países de tradição anglo-saxã. É o contraste entre a norma moderada de aplicação rígida, e a norma rígida de aplicação moderada.12 Essa aplicação seletiva, discricionária e amiúde excessivamente rigorosa da lei para com os menos privilegiados, pode ser um eficiente meio de opressão. O desrespeito ao primado da lei (rule of law) pode se dar de dois modos: 1) pela simples e mera desconsideração da norma legal ou, 2) quando ela é acatada, por interpretações distorcidas em favor das elites políticas ou econômicas dominantes e como meio de repressão ou contenção dos menos favorecidos.13

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É o segundo modo de aplicação discricionária da lei que possui íntima ligação com o nexo condicionante do princípio da legalidade e o efeito vinculante das decisões das Cortes Superiores. O objetivo do presente capítulo é demonstrar que a adoção do efeito vinculante atuará contra as forças centrípetas cartoriais que, derruindo o primado da legalidade, deixam de submeter parte dos jurisdicionados ao domínio da lei, através de sutis distorções no sentido da norma, causadas pelo preconceito e parcialidade, que introduzem discriminações efetivas contra certos grupos no sistema judicial. A adoção do efeito vinculante, se pretende demonstrar, é exigência incontornável do princípio da legalidade, pois permite que a administração da justiça se faça por modo regular, imparcial e, neste sentido, eqüitativo, dando origem aquilo que Rawls14 chama de justiça como regularidade.

2. O princípio da legalidade Qualquer resenha que se faça para captar a história da idéia de Estado de Direito15 incluirá, necessariamente, o dado que o mesmo surgiu informado por duas idéias ordenadoras: a) uma, de ordenação subjetiva, ancorada em um catálogo de direitos fundamentais; e, b) uma, de ordenação objetiva, assente no princípio do constitucionalismo moderno da separação de poderes, gênese do princípio da legalidade. Não é por outra razão que o artigo 16 da Declaração de 1789 dispõe que qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Os pressupostos materiais inerentes ao princípio do Estado de Direito podem sintetizar-se em três elementos: juridicidade, constitucionalidade e direitos fundamentais.16 Classicamente, o princípio da legalidade vem sendo tratado como um aspecto limitador da atividade administrativa, sendo a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue

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favoritismos, perseguições ou desmandos.17 A legalidade restringe a atividade jurídica da Administração condicionando os poderes a exercer e a forma de seu exercício, o objeto e o fim dos atos administrativos.18 Por tais condicionantes é que Hely Lopes Meirelles afirma que a validade do atuar administrativo está condicionada ao atendimento da lei, pois na Administração Pública não há nem liberdade nem vontade pessoal. Enquanto ao particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.19 O princípio da legalidade enuncia a opção pela rule of law (o governo da lei) em detrimento da rule of men (o governo dos homens). Como leciona Norberto Bobbio, “da Inglaterra o princípio da rule of law transfere-se para as doutrinas jurídicas dos estados continentais, dando origem à doutrina, hoje verdadeiramente universal (no sentido de que não é mais contestada por ninguém em termos de princípio, tanto que, quando não se reconhece, se invoca o estado de necessidade ou de exceção) do ‘estado de direito’, isto é, do estado que tem como princípio inspirador a subordinação de todo poder ao direito, do nível mais baixo ao nível mais alto, através daquele processo de legalização de toda ação de governo que tem sido chamado, desde a primeira constituição escrita da idade moderna, de ‘constitucionalismo”.20

2.1. A vinculação necessária entre o princípio da legalidade e controle judicial “É da essência do Poder Judiciário ocupar-se dos interesses particulares e dirigir sua atenção sobre as pequenas questões que se apresentam para sua apreciação; é também da essência desse Poder, se não acorrer diretamente em auxílio daqueles que são oprimidos, estar sem temor à disposição do mais humilde deles. Por mais fraco que seja, pode sempre forçar o juiz a ouvir sua reclamação e respondê-la.

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Tal poder é por isso aplicável às necessidades da liberdade em um tempo no qual os olhos e as mãos do Soberano se introduzem sem cessar nos menores detalhes das ações humanas, e onde os particulares, muito frágeis para se protegerem por si mesmos, estão também demasiadamente isolados para poder contar com a ajuda de seus semelhantes. A força dos Tribunais tem sido, em todos os tempos, a maior garantia que se pode oferecer à independência individual, porém isto é, sobretudo, verdadeiro nos países democráticos; os direitos e interesses particulares estariam sempre em perigo se o Poder Judiciário não crescesse e se expandisse à medida que as condições se igualam.”21 Com essas eloqüentes palavras, Tocqueville dignificou o controle judicial como um elemento concretizador do princípio da legalidade. Este princípio, tão caro ao Estado de Direito, ou ao que o seguiu com vantagens, o Estado Democrático de Direito,22 não estaria assegurado se não houvesse um controle efetuado por um órgão imparcial, a garantir que o atuar da administração se mantivesse no marco de seus respectivos limites. É certo que esse controle da legalidade por parte do Judiciário não encontra sua fundamentação apenas no princípio de separação de Poderes acolhido pelo Estado de Direito, mesmo porque existem sistemas onde esse controle é feito por órgãos da própria administração, como ocorre na jurisdição de contencioso administrativo da França. A essência do controle judicial da legalidade reside na expressa outorga constitucional dessa função, cujos fundamentos axiológicos residem no binômio; independência do Poder Judiciário e imparcialidade com relação às partes em litígio. A práxis jurídica tem demonstrado que, apesar das críticas alertando para os riscos de um exagerado ativismo judicial,23 esse controle judicial tem evoluído e se expandido sobremaneira, após ser absolvido de suas acusações pelo tribunal da história e ter se afirmado definitivamente como uma técnica quintassenciada de governo humano.24

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Sinala Pertile25 que o Estado de Direito reconhece o princípio da legalidade como sua viga mestra e o controle judicial como a garantia do sistema. Para Sarria26 o regime constitucional é perfeito se a Administração ademais da submissão à lei, se submete à justiça. Se como Sarria afirma, a perfeição do regime constitucional exige como condições a submissão à lei e à justiça, o princípio da legalidade assume uma feição mais ampla, evoluindo para aquilo que parte da doutrina chama de princípio da juridicidade.27 Preferimos o termo legalidade pelos valores que historicamente o apelo a esse princípio invoca. Legalidade, portanto, significa a submissão da Administração não somente à lei em sentido estrito, mas ao direito. O princípio da juridicidade ou, como preferimos, legalidade em sentido amplo, aponta de um lado, para a submissão do Estado não somente à norma jurídica objetiva, mas também aos princípios jurídicos, ou seja, à ordem jurídica globalizante. Por outro lado, Estado submetido à justiça, indica Estado cujos atos legislativos, administrativos e também judiciais ficam sujeito ao controle jurisdicional no que tange a legitimidade constitucional e legal.28 Assim, o princípio da legalidade em sentido amplo, significa submissão de toda função estatal (legislativa, administrativa e judicial) ao direito. Mas o que significa direito nesse contexto? A clarificação do sentido do direito é questão que se impõe de forma apriorística para que se possa apreender o sentido de princípio da legalidade em seu sentido amplo.

3. O princípio da legalidade ampliado – seu sentido Nos itens anteriores duas observações importantes foram feitas. A primeira, que o princípio da legalidade em sentido amplo vincula e submete toda forma de emanação do Poder Estatal. Também o judiciário – e talvez principalmente ele – deve estar submetido ao referido princípio. Essa conclusão será tida como auto-evidente razão porque não se fará qualquer desenvolvimento sobre o tema.

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A segunda observação equiparou o princípio da legalidade ao direito. Essa conclusão, até mesmo pela divergência que grassa quanto ao que o direito significa, será objeto de desenvolvimento nos dois itens que se seguem. O primeiro deles analisará o que é o direito diante de uma teoria geral do direito descritiva utilizada pelo positivismo jurídico. O segundo analisará o mesmo tema sob a perspectiva de uma teoria geral do direito interpretativo, pós-positivista: “direito como integridade” de Dworkin.

3.1. O positivismo jurídico de Herbert Hart – o direito como sistema de regras O direito é o direito. Esse o lema básico do positivismo clássico. Para a doutrina positivista, o direito é um fato e não um valor. O direito revela-se naquelas regras de convivência que vigem numa determinada sociedade impostas por um Poder soberano dotadas de coerção.29 Nessa concepção mais extremada, o direito não é o que os juízes pensam que ele é, mas é aquilo que realmente é. A função judicial se restringe a descobri-lo e aplicá-lo, jamais modificá-lo ou alterá-lo para adequá-lo aos seus próprios padrões morais ou políticos. Menos ainda criá-lo. Por essa razão, em termos de interpretação, o positivismo jurídico sustenta que na atividade do jurista deve prevalecer a declaração de um direito posto e existente, sobre a produção ou criação de regras condicionadoras do agir humano. A axiologia que subjaz tal doutrina que concebe o direito como aquele conjunto dotado de completude, de ordens coercivas impostas por um soberano, encontra seu ápice na defesa intransigente da segurança jurídica e previsibilidade de ação, seja por parte dos destinatários das normas jurídicas – os cidadãos – seja por parte de seu aplicador – O Estado. Ao considerar o direito como um fato, o positivista busca justificar o uso da coerção apenas naquelas hipóteses em que o desvio da conduta padrão é aferido com base em critérios fáticos simples e acessíveis a todos e não em apreciações de moralidade política que pessoas distintas poderiam fazer de modo diverso. O direito não pode ser contingente, mas certo e facilmente identificável, sob pena de inexistir justo títu-

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lo para o uso da coação pública. O direito, portanto, é concebido como aquele conjunto de ordens coercivas emanadas da autoridade. A idéia do direito concebido simplesmente como ordens coercivas emanadas de um soberano foi arrostada por Hart em sua clássica obra o “conceito do direito”. Seus argumentos são uma tentativa de superar as mais graves dificuldades enfrentadas pelo positivismo clássico para justificar sua doutrina. Trata-se de um refinamento da postura anterior. Visa o autor, com sua tese, responder as críticas que vinham sendo feitas à doutrina positivista. O ponto de partida de Hart para conceituar o que seja direito, centra-se na análise e resposta a três questões fundamentais: a) o direito regula condutas humanas obrigatórias sob pena de sanção? b) Por que modos uma conduta humana passa a ser não mais facultativa, porém obrigatória? c) O direito se compõe de regras? Mas o que são regras?30 Para definir o direito, o autor se propõe, respectivamente, a distinguir o direito de um mero sistema de ordens baseado em ameaças; distinguir a obrigação jurídica da obrigação moral e, conceituando o que sejam regras, concluir em que medida o direito é um sistema de regras.

3.1.1. O direito como um sistema de ordens baseado em ameaças Hart não discorda que o direito contém normas que se aproximam desse padrão bipolar ordem-ameaça, mas não as considera suficientes nem em quantidade nem em qualidade para justificar uma conceituação do que direito é. Se assim fosse, nenhuma distinção haveria entre uma lei penal que ordena um comando sob pena de aplicação de sanção, de uma ordem de um assaltante que comanda a sua vítima a que entregue sua bolsa sob pena de matá-la, pois em ambas situações se apresentam uma ordem e uma ameaça em caso de descumprimento.31 Por outro lado, no sistema jurídico encontram-se inúmeras normas que não possuem essa estrutura bipolar ordem-ameaça. São leis que não impõem uma conduta ou exigem uma abstenção, mas, ao contrário, outorgam poderes públicos ou privados para a prática de atos. Assim, as leis que definem modos pelos quais se podem celebrar testamentos ou casamentos ou que atribuem competência a um funcio-

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nário para praticar um ato ou julgar uma lide ou ainda, complementar a lei via poder regulamentar, “não impõem deveres nem obrigações”,32 mas simplesmente outorgam aos indivíduos “dispositivos para a realização de seus desejos, conferindo-lhes poderes jurídicos legais para criar sob certos condicionamentos, estruturas de direitos e deveres dentro do quadro coercitivo do direito”.33 Tais leis não podem ser facilmente enquadradas na estrutura comando-sanção. Nem mesmo a nulidade pode ser considerada como forma de sanção, porque ela é integrante deste tipo de norma, o que não ocorre com a sanção pelo descumprimento de um preceito que nunca o integra.

3.1.2. O sentido das regras Para explicar o significado do que uma regra é, Hart volta sua atenção à parte final do conceito de direito oferecido pelo positivismo clássico, o de que essa estrutura normativo-apenadora é emanada de um soberano. Mas, por que se obedece ao soberano? Qual a sua legitimidade? A doutrina aponta que é soberano aquele(s) a quem “habitualmente se obedece...uma pessoa ou um corpo de pessoas, a cujas ordens a grande maioria dos membros da sociedade habitualmente obedece e que habitualmente não obedece a qualquer outra pessoa ou a quaisquer pessoas”.34 Hart professa fé de que a práxis social de obediência às ordens emanadas pelo soberano não é a fonte do seu poder normativo. Exemplifica com a hipótese de sucessão de um monarca M, habitualmente obedecido. Após sua morte, M1, seu filho, passa a deter o poder jurídico e expedir normas coercivas para aquela sociedade. Como não existe ainda o hábito de obediência a M1 e como este não pode ser derivado do hábito de obediência a M, se consideramos que existe direito no momento da sucessão, conclui Hart que “deve ter havido algures na sociedade durante o reinado do anterior legislador, uma prática social geral mais complexa do que a que pode ser descrita em termos de hábito de obediência; deve ter havido uma aceitação da regra segundo a qual o novo legislador tem direito à sucessão”.35

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A partir daí, Hart caracteriza o que uma regra é, através de seus traços distintivos da prática social convergente denominada de hábito. A regra é também uma prática social padrão convergente, porém: a) diferentemente do hábito, os desvios do padrão de convergência são vistos como “faltas suscetíveis de crítica”36 e “as ameaças de desvio são objeto de pressão no sentido de conformidade”;37 b) O simples desvio do padrão de conduta é considerado suficiente a legitimar a crítica, sendo esta considerada legítima, geralmente, tanto pelos que fazem-na quanto pelos que sofrem-na;38 c) o mais importante: na regra existe um “aspecto interno”, ou seja, a maioria dos membros daquela sociedade deve ver no comportamento um padrão geral a ser observado pelo grupo como um todo.39 Com efeito, se em uma cidade praiana como o Rio de Janeiro a maioria da população tem o hábito de ir às praias no domingo, o fato de um ou alguns membros do grupo preferirem ficar em casa para ver o Domingão do Faustão não é necessariamente objeto de qualquer crítica ou pressão social para que este desvio de padrão seja corrigido e os infratores passem a ir à praia e, se essa pressão ainda assim for feita, não será considerada legítima. Por fim, o fato da convergência social de ir à praia ao domingo é aferido apenas externamente, mas para que esse hábito seja constatado, não se exige nem mesmo que os membros do grupo saibam que tal comportamento é geral. A ida dominical à praia é um hábito, mas nunca uma regra. Regra, portanto, é um comportamento social convergente, considerado racional e conscientemente, pela maioria dos membros daquela comunidade como um padrão de conduta a ser observado por todos os seus membros, cujos desvios são a razão e a justificação de críticas e pressões sociais para adequação da conduta dos componentes da coletividade ao padrão definido. Por isso Hart afirma que diferentemente de um mero hábito, uma regra social tem um aspecto interno para além do aspecto externo que partilha com o hábito social e que consiste no comportamento regular e uniforme que qualquer observador pode registrar.40 Esse aspecto

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interno de qualquer regra – e, portanto, também a jurídica – é fundamental para a concepção de direito que Hart irá formular.

3.1.3. Direito como um sistema de regras primárias e secundárias Característico das regras que Hart nomina de primárias, seja essa regra social, seja de etiqueta, seja jurídica, é que ela prescreve de forma obrigatória uma determinada atuação ou impõe um dever de abstenção. Assim, a estrutura binária comando-sanção não é exclusiva da regra jurídica. Essa, entretanto, é de ser caracterizada se se quer conceituar o que direito é. A distinção entre a regra jurídica e a regra moral não é, portanto, em sua estrutura, mas sim na modalidade e forma da pressão social exercida para a adequação das condutas individuais ao seu comando. As regras primárias são concebidas como impondo o dever a todos de observá-las, porque tais regras são consideradas importantes e, por vezes, necessárias à manutenção da vida social ou de algum aspecto essencial dela. Assim, a regra tenderá a ser considerada moral quando a pressão social tomar apenas a forma de uma reação hostil ou demonstração de desagrado quanto à sua violação ou, ainda, sentimento de vergonha, remorso ou culpa por parte de quem a violou. A seu turno, as regras serão consideradas jurídicas quando, além disso, forem acrescidas sanções de ordem física, definidas estritamente e aplicadas por funcionários oficiais.41 O direito, porém, não é composto apenas de regras que impõem deveres e obrigações (primárias), mas também de regras que outorgam poderes e competências públicas e privadas. Dentre estas, são três as que Hart considera como relevantes para a conceituação do que seja direito: a) regra de reconhecimento; b) regras de alteração; c) regra de julgamento. Para os efeitos deste trabalho só nos interessa analisar duas delas. As regras de reconhecimento e de julgamento. A “regra de reconhecimento” tem por finalidade identificar as regras primárias daquela comunidade. As regras primárias são padrões de comportamento consensualmente convergentes por razões de convenção ou de convicção.42 Considerando que toda regra jurídica

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possui um aspecto interno, que tem por pressuposto o reconhecimento individual de que aquele comportamento deve ser seguido porque útil à sociedade independentemente da efetividade ou não de uma sanção, haverá momentos em que esse consenso poderá ser arrostado com o argumento de que determinado comportamento não é considerado pela coletividade, como padrão para todos e, portanto, como uma regra primária de obrigação. Nesses casos, a “regra de reconhecimento” servirá para colmatar essa incerteza, pois irá fornecer “algum aspecto ou aspectos cuja existência em uma norma é tomada como indicação afirmativa e concludente de que é uma regra do grupo que deve ser apoiada pela pressão social que ele exerce”.43 A outra regra secundária, intimamente ligada com a regra de reconhecimento, é a regra de julgamento. Com efeito, de nada valeria a existência de regras de reconhecimento para identificar se uma determinada conduta constitui uma regra primária daquela sociedade, se não existisse alguém com poder para dizer com autoridade e definitividade se, numa determinada situação concreta, foi violada uma norma primária. As regras de julgamento são, portanto, aquelas que outorgam poderes ao indivíduo para afirmar da violação ou não de uma norma primária, juntamente com aqueloutras que definirão o processo a ser seguido para essa decisão. Essas regras de julgamento estão, como observou Hart, necessariamente ligadas a uma regra de reconhecimento do que é o direito, ainda que elementar e imperfeita. Isso porque, é um passo antecedente necessário a ser seguido pelo juiz antes de proferir o julgamento se uma regra primária foi ou não violada, afirmar o que as regras primárias são. Só após afirmar o que significam é que pode dizer se foram ou não violadas. Ouçamos as palavras de Hart:

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“Isto é assim porque, se os tribunais tiverem poderes para proferir determinações dotadas de autoridade quanto ao facto de uma regra ter sido violada, estas não podem deixar de ser tomadas como determinações dotadas de autoridade daquilo que as regras são. Por isso, a regra que atribui jurisdição será também uma regra de reconhecimento que identifica as regras primárias através das sentenças dos tribunais e estas sentenças tornar-seão uma fonte de direito”.44 (g.n.) Estamos agora, em condições de definir o que é direito para Hart, dentro da visão específica deste trabalho que se relaciona com o efeito vinculante das decisões dos Tribunais e, portanto, da interpretação que eles fazem do direito. Assim, mesmo em termos de teoria geral descritiva, pode-se inferir que o direito é aquele conjunto das normas de conduta humana e os padrões de crítica dessas condutas, acolhidos em convenções jurídicas em vigor na comunidade, conforme regras de reconhecimento também convencionadas e aceitas pelos tribunais. A aceitação pelos tribunais dessas regras de reconhecimento (poder para dizer o que o direito é) é indiscutível na medida em que essa aceitação é, ela em si mesma, uma regra de reconhecimento em nosso ordenamento jurídico. O direito, portanto, é o conjunto dos direitos e deveres dos membros da coletividade decorrentes de uma estrutura de regras expressas e socialmente compartilhadas, reconhecidas e declaradas pelos tribunais. Nos casos difíceis onde não houve ainda qualquer pronunciamento do poder judiciário, o positivismo entende existir uma discricionariedade judicial para criar um novo direito em virtude da sua incompletude. Mas após esse momento de criação com a decisão judicial, em razão da regra de reconhecimento da doutrina do precedente, esta decisão passa a ser uma regra aceita convencionalmente e, portanto, nos casos subseqüentes definirá seu resultado, não mais remanescendo qualquer discricionariedade.

3.2. A doutrina pós-positivista de Ronald Dworkin – o “direito como sistema de regras e princípios” Em seu livro “O Império do Direito”, Dworkin elabora uma teoria para identificação do que seja o direito partindo da análise das decisões

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judiciais, tendo em vista a reconhecida importância dessas decisões na vida de qualquer coletividade com razoável padrão de desenvolvimento. A análise das decisões judiciais demonstra, em sua visão, que os processos judiciais sempre levantam questões de ordem fática, de moralidade e questões de direito propriamente. Quanto às divergências fáticas, essas são objeto de prova e perfeitamente identificáveis. Assim, em acidente de trânsito, as partes podem divergir sobre o fato de o sinal estar aberto ou fechado no momento da colisão, sem que haja qualquer dificuldade para se identificar sobre o que divergem. As questões de moralidade apresentam dissensos sobre o que as pessoas acreditam ser certo ou errado em termos morais, o que, entretanto, em sede de processo judicial não apresenta nenhum problema especial. Ocorre que as partes também divergem sobre questões de direito, ou seja, sobre o que uma determinada norma aplicada sobre um determinado fato produz como conseqüência. Em outras palavras, embora concordem com a existência e validade de uma determinada norma, discordam do que ela é, do que ela significa. Os dissensos sobre a existência de uma norma ou sobre a ocorrência dos fatos narrados no processo são empíricos, ou seja, podem ser comprovados no mundo fenomênico. Uma fotografia mostrando o carro avançando o sinal pode provar o fato de que não parou quando deveria parar. As leis são publicadas e também as sentenças judiciais. De qualquer forma não há dúvida sobre o que se está divergindo. A discussão sobre o que a norma é, entretanto, é mais complexa, traduz uma “divergência teórica”.45 Se o dissenso é teórico e não empírico qualquer teoria que busque conceituar o direito como um fato falharia redondamente, a exemplo do que ocorreria com o positivismo em suas diversas concepções. A doutrina de Dworkin trata então da divergência teórica no direito e tem por objetivo criar e defender uma teoria particular sobre os fundamentos do direito. De acordo com o autor, essa divergência teórica não é quanto à aplicação ou rejeição de um direito já existente. Em outro dizer, não divergem os Tribunais, nem as partes, se os juízes devem se limitar naquele específico caso a aplicar o direito que conhecem, por considerá-lo justo à hipótese, ou, ao contrário, devem abandoná-lo por reputálo iníquo e “criar” um novo direito, aplicando não o direito que é, mas aquele que deveria ser. A divergência encontrada nas decisões judiciais e nos argumentos das partes não pode ser corretamente equiparada ao debate público sobre a questão se os juízes descobrem ou

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criam o direito. A divergência diz respeito à própria natureza do direito. Divergem os juízes e as partes sobre “aquilo que determina a legislação quando devidamente interpretada”.46 A lei é o veículo instrumentalizador da norma, entendida esta como o direito que se cria quando se promulga o texto legislativo. A divergência teórica entre os operadores do direito se dá então no nível do que a norma é. Assim, os juízes quando se defrontam com um caso precisam interpretar a norma que se insere no documento legal e, quando divergem, o fazem não sobre o documento legal enquanto aspecto fático, mas sobre qual é a “verdadeira lei – uma afirmação de que diferenças a lei estabelece para os direitos de diferentes pessoas – a partir do texto da compilação de leis”.47 A concepção do direito para Dworkin é essencialmente interpretativa.48

3.2.1. Um conceito de direito Em uma conceituação inicial, o direito é a lei corretamente interpretada pelos Tribunais. Assim, o destino de quem quer que tenha uma causa submetida à apreciação dos tribunais vai depender das convicções interpretativas daquele indivíduo ou grupo de indivíduos que irá proferir a decisão judicial. Isso levanta sérias considerações. Embora se postule a existência de métodos de interpretação e até mesmo uma certa hierarquia entre os diversos métodos, o certo é que os fundamentos teóricos utilizados pelos juízes para fundamentar sua convicção sobre o melhor sentido do direito estão intimamente ligados as suas próprias convicções sobre qual a função legitimadora do direito e essas convicções em maior ou menor grau serão diferentes das de outros juízes ou tribunais. É certo que existem fatores que apontam para uma certa convergência desse labor interpretativo, mas também existem fatores não menos importantes que apontam para uma força centrípeta. A presença de ambos fatores é reputada como coerente e até mesmo desejável para uma teoria interpretativa, na medida em que o extremo da divergência levaria ao caos da insegurança e incerteza não tolerado pelo direito e o extremo da convergência também faria falhar o sistema jurí-

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dico em decorrência de sua estagnação e conseqüente incapacidade de justificar o seu uso coercitivo. Aliás, a justificação da coerção é questão recorrente na filosofia do direito. Todas as teorias gerais de direito produzidas por esse campo do saber buscam, de uma forma ou de outra, apresentar o sistema jurídico em sua melhor luz, na tentativa de alcançar um equilíbrio entre as proposições jurídicas vigentes e a sua melhor justificação. Essa linha conceitual é também compartida por Dworkin, que busca, ainda dentro de uma teoria geral do direito que possa ser considerada unânime e adotada por qualquer concepção específica, apresentar um conceito geral e preliminar de direito, como sendo o “sistema de direitos e responsabilidades que decorrem de decisões políticas anteriores consideradas adequadas e que, por isso mesmo, autorizam o uso da coerção”.49 O refinamento desse conceito geral é levado a cabo por Dworkin ao formular sua específica concepção do “direito como integridade”. Essa concepção busca explicar de que modo o direito oferece uma justificativa geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado,50 respondendo com pretensão de superioridade a outras concepções, a três perguntas colocadas pelo conceito, a saber: É correta a conexão entre direito e coerção? É correto exigir que a coerção estatal seja usada somente em conformidade com os direitos e responsabilidades que decorrem de decisões políticas anteriores? O que significa “decorrer” – que noção de coerência com decisões precedentes – é a mais correta?51 Quanto à primeira pergunta, o direito como integridade responde sim, pois reconhece e aceita sem reservas o direito e as pretensões juridicamente asseguradas.52 Quanto à segunda, afirma que a vinculação ao direito beneficia a sociedade por oferecer previsibilidade e assegurar entre os cidadãos um tipo de igualdade que torna a comunidade mais genuína.53 A resposta à terceira pergunta define o que é o direito, na medida em que especifica e delimita quais são os direitos e responsabilidades com status jurídico. A essa pergunta responde que os direitos e responsabilidades decorrem de decisões anteriores e possuem valor legal quando estão explícitas nessas decisões ou quando proce-

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dem de princípios justificadores das decisões explícitas.54 A integridade é um princípio como a seguir se verá.

3.2.2. O princípio da integridade Para definirmos integridade, partiremos da análise do que ela não significa. Como virtude política, a integridade não se confunde nem com equidade nem com justiça. Equidade é aqui entendida como uma distribuição eqüitativa do poder político, estando, portanto, ligada com o aspecto da imparcialidade. Justiça, a seu turno, é uma questão de resultados. Assim, uma decisão política será injusta quando nega às pessoas algum recurso, liberdade ou oportunidade que teriam sob o abrigo de uma teoria de justiça melhor. Para entendermos o que integridade significa, precisamos aceitar o fato de que ideais políticos podem estar em choque. A equidade e a justiça podem em algum momento entrar em choque. Não parece ser necessário muito esforço para se demonstrar que uma instituição imparcial e, portanto, eqüitativa, pode produzir decisões injustas e que uma instituição parcial e, portanto, ineqüitativa pode produzir decisões justas. Isso está presente na própria idéia de controle de constitucionalidade, onde o valor equidade é por vezes sacrificado em favor da justiça. Ninguém discorda que a regra da maioria é o melhor e mais eqüitativo método para decisões colegiadas, nas quais se encartam muitas decisões políticas. Por outro lado, também é cediço que a maioria poderia impor decisões injustas à minoria. Na defesa da justiça contra a equidade, certas matérias estão submetidas a restrições constitucionais ao poder democrático, cuja operacionalização toma corpo via controle de constitucionalidade. Conforme Dworkin, a integridade é uma virtude política distinta da equidade e da justiça e assume papel preponderante quando existem divergências sobre o que é eqüitativo ou justo. A argumentação de Dworkin é confessadamente complexa e aqui será simplificada em razão do objetivo restrito do estudo. Colimando demonstrar a existência desse ideal político, Dworkin parte do fato notório de que, quanto a alguns princípios fundamentais, não se admite sejam os mesmos objeto de uma espécie de solução de conciliação na hipótese de divergência moral. Fiquemos com o exemplo

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dos princípios morais relacionados à discriminação racial55 existentes em uma determinada coletividade. Parte dessa coletividade a entende ser legítima e parte a considera imoral. Admitindo-se que a proporção dos que defendem e contestam tal base discriminatória é idêntica, pergunta-se: por que não se promove uma conciliação do seguinte tipo? A legislatura proíbe discriminação racial nas escolas, mas permite nos clubes. Esse tipo de decisão é imediatamente objeto de rejeição por parte de todos, mas por quê? Não porque seja parcial ao atender apenas um dos interesses em disputa. De fato, a decisão é imparcial. Atende, ainda que parcialmente, todos os interesses, razão porque não parece violar a equidade. Na verdade a equidade fornece fortes razões para endossá-la. A metade que era contra a discriminação foi atendida no caso da escola e a outra metade que era a favor, foi atendida no caso dos clubes. Por outro lado, a justiça, embora não endosse uma solução conciliatória, ao menos não a repele de plano em termos coletivos. De fato, se há uma divergência sobre o que é justo no caso, não se pode desde logo afirmar que uma outra solução traria resultados mais vantajosos. É importante realçar que as razões de justiça que afastariam a solução conciliatória devem ser comuns a todos os membros da comunidade. Assim, não se apresenta válida a assertiva de que os defensores da discriminação teriam razões de justiça para obter uma decisão que permitisse a discriminação em todos os lugares, pois esse resultado seria mais favorável do que apenas nos clubes. Da mesma forma, os defensores da não discriminação teriam razões de justiça para condenar a solução conciliatória, pois poderiam obter uma decisão que vedasse a discriminação em qualquer lugar, o que lhe seria mais vantajoso. Essas razões, entretanto, são particulares dos grupos e não comuns à toda coletividade. E precisamos de uma razão de justiça comum para rejeitarmos a conciliação. Um argumento comum poderia ser o da igualdade. A conciliação é injusta porque trata pessoas arbitrariamente de forma desigual e a justiça exige que situações iguais sejam destinatárias do mesmo tratamento na ausência de boas razões para o tratamento diverso. Embora essa assertiva seja verdadeira, ela tomada em consideração no âmbito da justiça, também não permite rejeitar antecipadamente a conciliação, pois esta pode, ao menos, impedir alguns casos de injustiça embora não todos, e a justiça não exige que não reduzamos a injustiça apenas porque não podemos eliminá-la totalmente. Como exemplifica

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Dworkin, “suponhamos que só nos seja possível salvar alguns prisioneiros da tirania: a justiça dificilmente vai exigir que não salvemos nenhum, mesmo quando apenas a sorte, e não um princípio, venha a decidir quem será salvo e quem continuará sendo torturado”.56 Assim, rejeitar desde logo uma solução conciliatória, ainda quando a outra solução será o triunfo total do princípio de justiça oposto ao nosso, é igualmente perverso. A solução de conciliação teria salvo algumas pessoas arbitrariamente escolhidas de uma injustiça que outras na mesma situação continuarão a sofrer, mas a alternativa teria sido não salvar ninguém e isso a justiça não exige. Em conclusão, a justiça não fornece elementos para aprioristicamente rejeitar-se a solução conciliatória e ainda temos boas razões de equidade para adotá-la. Entretanto, esse tipo de solução é condenado e não pela justiça, menos ainda pela equidade, mas pelo ideal da integridade. Agora, finalmente estamos aptos a, primeiro, definir o que integridade não é, para depois, afirmarmos o que ela é. Integridade não é simplesmente coerência. Para além disso, a integridade significa coerência com princípios. Assim, quando estão em jogo questões de princípio e o Estado adota soluções conciliatórias, viola a integridade porque ao mesmo tempo em que “endossa princípios que justificam uma parte de seus atos, rejeita-os para justificar o restante”.57 A integridade quer na legislação quer nas decisões judiciais, exige coerência na aplicação dos princípios e condena a incoerência de princípios entre os atos do Estado personificado. A integridade concretiza o princípio constitucional da igualdade perante a lei58 e protege contra a parcialidade, a fraude ou outras formas de corrupção oficial59 e assim, promove a autoridade moral da sociedade política para assumir e mobilizar o monopólio da força coercitiva. Isso porque a integridade permite a elaboração de um modelo de comunidade mais evoluído em termos morais e políticos, que Dworkin denomina de “modelo de princípio”.60 Esse modelo de sociedade tem por características a aceitação de que os direitos e deveres dos membros da coletividade decorrem não só de uma estrutura de regras expressas e socialmente compartilha-

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das, como também de princípios comuns que governam aquela comunidade política, mesmo quando tais direitos e deveres não tenham sido ainda formalmente identificados ou declarados por decisões particulares tomadas por suas instituições políticas com base nesses princípios cardeais de justiça, equidade e devido processo legal. A integridade aponta, ainda que isso não seja totalmente possível, para um compromisso com a formulação de um único e coerente sistema de princípios, abrangendo todas as normas especiais e outros padrões estabelecidos pelo Poder Político. Assim, em sede legislativa, ela “restringe aquilo que os legisladores e outros partícipes de criação do direito podem fazer corretamente ao expandir ou alterar as normas públicas”.61 Em termos de jurisdição, a integridade requer também até onde seja possível, que os “juízes tratem o sistema de normas públicas como se este expressasse e respeitasse um conjunto coerente de princípios e, com esse fim, que interpretem essas normas de modo a descobrir normas implícitas entre e sob as normas explícitas”.62

3.2.3. A concepção do direito como integridade O direito é um conceito interpretativo. A função de qualquer teoria sobre o que é o direito deve não apenas descrever as proposições jurídicas vigentes em uma coletividade, como também justificá-la. Para Dworkin, a concepção do direito como integridade significa que os juízes “interpretam a prática jurídica como uma política em processo de desenvolvimento”.63 Ao dizer o que o direito é, os juízes nem fazem meros relatos factuais decorrentes de decisões políticas passadas, nem criam um novo direito para reger relações sociais futuras. Dizer que o direito nada mais é do que a interpretação dos textos legais não ajuda muito a filosofia do direito, pois que há várias formas e concepções interpretativas. Para Dworkin, o direito não é qualquer interpretação, senão o direito seria qualquer coisa e, conseqüentemente, nenhuma coisa. Antes, o direito é a interpretação correta e esta é aquela que mostra o direito na sua melhor iluminação. Na visão do jurista é exatamente o direito como integridade. Direito como integridade significa que os juízes, ao exercerem a jurisdição, devem efetuar uma interpretação construtiva e complexa,

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baseada em princípios acolhidos pela comunidade à qual pertencem. Esses princípios devem ser coerentes entre si, posto que criados por um único autor, expressando uma concepção coerente de justiça e eqüidade. Nesse sentido, os juízes, ao interpretarem o direito, devem identificar como direitos e deveres legais apenas aqueles que constam ou derivam dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade.64 A interpretação jurídica é construtiva. Nem se limita a identificar simplesmente a existência de uma decisão política anterior que atribui direitos e impõe obrigações, nem buscar um futuro melhor criando, através de uma motivação política direitos e deveres. Em uma palavra, o juiz nem declara mecanicamente um direito já existente, nem cria livremente um direito futuro. Faz as duas coisas e nenhuma delas. O direito como integridade se fixa no presente, mas se conecta ao passado para encontrar naquelas decisões políticas que legitimam o uso da coerção os princípios jurídicos que as justificam, de forma a “organizar a prática e justificar a prática atual por princípios suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado”.65 O direito como integridade é uma interpretação construtiva das práticas jurídicas atuais porque visa encontrar, para o texto que está interpretando, um propósito que decorre de um conjunto coerente de princípios sobre direitos e deveres das pessoas. Esse propósito não está definido de antemão por alguma decisão política anterior e nem cabe ao juiz autônoma e livremente defini-lo. Cabe a ele sim, ao julgar os casos difíceis, auxiliar nesse propósito cujos passos iniciais já foram tomados. O juiz faz parte de um processo em cadeia. Ele é um dos elos da cadeia e, portanto, tem um papel ativo na construção do que é o direito – daí a sua função criativa –, mas é apenas um elo e, portanto, deve manter coerência e união com os demais elos anteriores dessa corrente, da mesma forma que os juízes que lhe seguirão deverão, em decisões posteriores, ser coerentes com o que decidiu. Essa coerência é principiológica e não política. Aqui, portanto, a função declarativa da interpretação judicial. Por isso Dworkin afirma que os juízes são autores e críticos do direito. Um juiz que decide um caso difícil66 introduz

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acréscimos na tradição que interpreta; os futuros juízes deparam com uma nova tradição que inclui o que foi feito por aquele.67 Mas como exercer essa complexa estrutura da interpretação jurídica? Para que possamos entender essa tarefa interpretativa, não podemos perder de vista que os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem os casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios sobre os diretos e deveres dos membros daquela coletividade, a melhor interpretação da estrutura política e doutrina jurídica da sua comunidade. Assim, um primeiro juízo que um intérprete deve fazer em seu labor interpretativo é um juízo de adequação. Juízo de adequação significa dizer que o intérprete não pode adotar nenhuma interpretação que nenhum outro juiz ou legislador adotaria para escrever o texto jurídico que é entregue para interpretação. Se adotasse tal interpretação, por mais complexa que fosse, o intérprete não estaria dando continuidade a um projeto do qual faz parte no elo de uma corrente, mas iniciando um projeto novo. Essa dimensão excluirá interpretações radicais, que assimilariam o poder criativo do juiz ao poder criativo do legislador e aquele não tem a mesma liberdade deste. Os legisladores podem criar novos direitos para o futuro de forma ampla, bastando demonstrar de que modo estes vão contribuir como boa política para o bem estar da sociedade. Os juízes se, diante de casos difíceis, elaboram regras de responsabilidade não reconhecidas de forma expressa antes, devem fazê-lo com base em princípios comuns da coletividade, não em política. Mas o juízo de adequação é um filtro muito largo e pode ocorrer, como de fato sempre ocorre nos casos difíceis, que várias interpretações se adeqüem, em princípio, ao propósito que se pretende impor ao texto. E, entretanto, para o direito como integridade, uma, e apenas uma, deve afinal prevalecer. A tarefa do intérprete é, portanto, apresentar o texto sob sua melhor luz. O juiz, então, terá que escolher a interpretação que, em sua opinião, tornará o texto mais adequado ao sistema principiológico de que decorre. Nesse momento, é provável, embora não de todo absolutamente inevitável, que essa decisão dependa daquilo que o juiz considera como justiça ou equidade. É o “resíduo”68 criativo de qualquer interpretação judicial.

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Mesmo aqui essa liberdade criativa é restrita. Como já averbamos em outro lugar, o conteúdo da norma deve ser buscado à luz da consciência jurídica geral formatada com base em critérios objetivos, v.g., os valores éticos reconhecidos pela comunidade, a natureza das coisas, os princípios desenvolvidos pela doutrina e jurisprudência, ou seja, uma consciência que não é apenas do juiz, individualista e subjetivista, porém derivada do sentimento comum do que é justo e eqüitativo, perfilado por todos que, de alguma forma, relacionam-se com o direito.69 O direito como integridade exige do juiz que quando ele se encontra diante de um caso difícil, reconheça que outros juízes decidiram casos que, apesar de não exatamente iguais ao seu, tratam de problemas afins; deve considerar as decisões dele como parte de um longo projeto que ele tem de interpretar e continuar, de modo que a sua decisão sobre o que o direito é deve ser extraída de uma interpretação que ao mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique até onde isso seja possível.70 O direito como integridade reconhece validade às proposições jurídicas, quando decorrem de uma interpretação de qualquer parte da imensa rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade que consiga fazer parte de uma teoria coerente que justificasse essa rede como um todo. Isso exigiria do juiz uma interpretação plena e abrangente de todo o direito que rege a sua comunidade, o que é humanamente impossível. Dworkin reconhece isso, tanto que utiliza o modelo contra-fático que chama de juiz Hércules, um juiz imaginário, com capacidade e paciência sobre-humanas.71 Mas também considera que um juiz verdadeiro pode imitar Hércules até certo ponto72 e que o projeto Hércules de reconhecer o direito como integridade, busca mostrar o direito em sua melhor luz. Em outro dizer, o direito como integridade tem como meta final permitir ao exegeta no exercício de seu labor interpretativo encontrar a resposta correta para o específico problema que lhe é posto para adjudicação.

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4. Princípio da legalidade e efeito vinculante Vimos anteriormente que o princípio da legalidade é imanente à idéia de Estado de Direito e que possui seu significado encarnado no conceito de direito. Assim, respeitar o princípio da legalidade é respeitar o direito. Vimos, também, que o direito, adote-se uma concepção positivista ou a concepção pós positivista que entende o direito como integridade é, em última instância, em maior ou menor grau uma concepção interpretativa. O direito como integridade assume expressamente essa qualificação, porém, mesmo na concepção descritiva do direito adotada pelo positivismo jurídico de ver-se que, como incumbe ao juiz “descobrir” e “aplicar” o direito encontrado, em razão da regra de reconhecimento o direito é necessariamente aquilo que as cortes judiciárias reconhecem (rectius: interpretam) como sendo o direito. É que, como já assentou Siqueira Castro, “o que se aplica não é o direito em si, mas a interpretação que lhe dê concretamente seu intérprete e aplicador”.73 O direito é o que as Cortes judiciárias, mediante as concepções que adotem, interpretam como sendo as proposições jurídicas vigentes naquela comunidade. Nessa esteira, a concepção de direito do positivismo moderado reconhece o efeito vinculante como corolário do princípio da legalidade, na medida em que esta concepção justifica a finalidade do direito no seu mister de “fornecer orientações à conduta humana e padrões de crítica de tal conduta”.74 A concepção de Hart, nitidamente acolhe como elemento constitutivo da própria idéia de direito os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, classicamente referenciados como fatores legitimadores da adoção do efeito vinculante, na medida em que este permite estabilizar as expectativas das clientelas dos tribunais a respeito do que é e do que não é possível, ser objeto de proteção judicial. Os valores que subjazem à adoção do efeito vinculante em razão do princípio da legalidade podem assim ser resumidos: 1) maximiza a liberdade ao tornar previsíveis as conseqüências legais na sua aplicação ao comportamento dos cidadãos, permitindo-lhes, então, planejar melhor seu futuro; 2) maximiza a justiça substancial por não frustrar a confiança dos cidadãos na história institucional pretérita; 3) a eficiência que se

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obtém, em termos de tempo da corte e dos demais operadores do direito, ao se ter conseqüências legais previsíveis para possíveis lides; 4) o ganho de igualdade obtido toda vez que a questões envolvendo um grande número de pessoas é conferido o mesmo resultado. Com efeito, não se discute, seja filosófica seja juridicamente, que o homem, animal gregário que é, para que possa viver em coletividade necessita de certa segurança para conduzir, planejar e conformar de forma autônoma e responsável sua vida. Por tal razão, desde cedo se considerou como elemento constitutivo do Estado de Direito o princípio da segurança jurídica. A este princípio necessariamente se relaciona o princípio da proteção da confiança, entendido como exigência constitucional de leis tendencialmente estáveis, dotadas do atributo de previsibilidade a fim de permitir um cálculo de seus efeitos por parte daqueles a quem elas se destinam. Como leciona Canotilho, “os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticadas ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”.75 Estabilidade, previsibilidade, uniformidade são os elementos caracterizadores do princípio da segurança jurídica. A estabilidade e certeza do direito são um forte argumento em favor da adoção do efeito vinculante. A ausência de uma diretriz relativamente segura para a solução de determinada controvérsia conduz inevitavelmente a um permanente estado de insegurança e, conseqüentemente, injustiça. Como Lorde Elton sintetizou: “é melhor que o direito seja certo do que cada juiz possa especular sobre melhoramentos nele”.76 A importância da fixação do sentido da norma enfatizada por Lorde Elton é compartida pelo ilustre processualista e Ministro do Superior Tribunal de justiça Sálvio de Figueiredo quando, ao discorrer sobre o enunciado 14 da súmula de jurisprudência dominante do STJ, a dizer que “arbitrados os honorários advocatícios em percentual sobre o valor da causa, a correção monetária incide a partir do respectivo ajui-

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zamento”, após afiançar que sua edição teve por escopo dirimir forte divergência então existente no País, averbou: “Se o entendimento adotado por maioria não foi o mais técnico, dadas as sutilezas dos casos concretos, pelo menos teve o mérito de pacificar o entendimento e fixar uma orientação para os processos futuros ou ainda em curso à época.”77 A uniformidade, estreitamente relacionada com a questão da estabilidade, é outro argumento em favor da adoção desse instituto. A uniformidade serve a vários interesses: Em primeiro lugar dá previsibilidade as decisões judiciais, com o que se capacita qualquer sistema jurídico alcançar seus objetivos. Isso porque essa mesma previsibilidade proporciona a redução do custo de manutenção de todo o sistema legal, na medida em que quanto mais previsíveis são os sentidos das normas legais é menos provável que os indivíduos as transgridam, o que implica numa geral redução das demandas civis e penais. Em segundo lugar, a uniformidade permite sejam razoavelmente calculados os efeitos decorrentes dos diplomas legais. Se as leis se destinam a estimular as pessoas e órgãos governamentais a adotarem condutas socialmente desejáveis, mister que o seu sentido seja conhecido pelas partes potencialmente afetadas, para adequação de seus comportamentos aos padrões sociais colimados pelo legislador. Vê-se, portanto, que a concepção de Hart pressupõe o efeito vinculante como forma de atingir aquilo que Dworkin chama de “ideal das expectativas asseguradas”,78 pois que uma vez tomada uma decisão clara por um organismo autorizado por uma convenção e aceito que o conteúdo dessa decisão foi estabelecido em conformidade com as regras de reconhecimento sobre a melhor maneira de compreender essa decisão, os juízes devem respeitar essa decisão, mesmo achando que uma outra diferente seria mais justa ou mais sábia, sob pena de impor a insegurança, o caos, e não possuir o direito assim interpretado uma razão justificadora. Hart é claro nesse ponto quando, discorrendo sobre a regra secundária de reconhecimento (exatamente a que confere poderes aos Tribunais para dizer o que o direito é), faz uma distinção entre o inte-

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resse pessoal do membro da comunidade em obedecer as regras jurídicas convencionadas e o interesse público comum dos tribunais em lhes prestar obediência e averba: “...Mas esse interesse meramente pessoal em relação às regras, que é tudo que qualquer cidadão comum pode ter ao obedecer-lhes, não pode caracterizar a atitude dos tribunais para com as regras, com as quais funcionam enquanto tribunais. Isto sucede ainda mais patentemente quanto à regra última de reconhecimento, nos termos da qual é apreciada a validade de outras regras. Para que possa sequer existir, tem de ser considerada do ponto de vista interno como um padrão público comum de decisão judicial correta e não como algo a que cada juiz meramente obedece apenas por sua conta. Os tribunais do sistema individualmente considerados, embora possam ocasionalmente desviar-se dessas regras, devem, em geral, preocupar-se criticamente com tais desvios, como sendo lapsos, por referência a padrões que são essencialmente comuns ou públicos. Não se trata meramente de uma questão de eficiência ou de sanidade do sistema jurídico, mas é logicamente uma condição necessária da nossa capacidade para falar da existência de um único sistema jurídico. Se porventura alguns juízes atuassem ‘apenas por sua conta’, com o fundamento de que o que é aprovado pela Rainha no Parlamento é direito e não criticassem os que não respeitam esta regra de reconhecimento, a unidade e a continuidade, características de um sistema jurídico teriam desaparecido. Porque tal depende da aceitação, neste aspecto crucial, dos padrões comuns de validade jurídica. Entre estes caprichos do comportamento judicial e o caos que em última análise resultaria quando o homem comum fosse confrontado com decisões judiciais contraditórias, não saberíamos como descrever a situação.” (g.n.)79 A concepção do direito como integridade também acolhe em seu seio o instituto do efeito vinculante como algo inerente à própria idéia de sistema jurídico. Suas razões para tal situam-se, principalmente, na firme convicção de que os direitos e deveres dos membros de uma comunidade decorrem dos princípios comuns de justiça, eqüidade e

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devido processo legal, compartilhados por toda a coletividade, quando interpretados na sua melhor luz. Assim, para o direito como integridade não existem nos casos difíceis várias decisões possíveis, mas apenas uma decisão correta.80 O direito como integridade é conceito interpretativo e, para ele, o direito em sua melhor luz é aquele obtido através daquela interpretação que assume para si o fato de que nenhuma outra interpretação poderia ser melhor.81 Se a interpretação da corte superior é a última e reviu a interpretação da corte inferior, evidentemente que, por ser a melhor interpretação possível, necessariamente deve ser seguida pelos juízes inferiores. Acresça-se que, como visto, o direito como integridade, ao tempo em que realça a função criadora da interpretação judicial, sobreleva o fato de que o intérprete é apenas um elo da cadeia, de sorte que sua liberdade na criação e crítica do direito está restringida por princípios públicos compartilhados na sociedade. Assim, ao interpretar a norma não pode se olvidar que outros juízes decidiram casos tratando de problemas afins, devendo considerar as suas decisões dele como parte de um longo projeto que ele tem de interpretar e continuar. Assim, sua interpretação deve seguir, nos aspectos essenciais a interpretação de outros elos da corrente, considerados pelo sistema jurídico-político no qual se insere, como dotados de maior nível hierárquico, em respeito aos princípios da justiça, equidade e devido processo legal. Destarte, aplicar a lei tal como entendida pelas Cortes Superiores nada mais é do que aplicar a lei. Já ficou célebre, apesar de inúmeras vezes criticada, a afirmação de Charles Hughes, antigo presidente da Suprema Corte Americana de que, a Constituição é o que os juízes dizem que ela é. Utilizando outros termos, porém transmitindo a mesma mensagem, o STF já afirmou que “o ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota de definitividade”.82 Nessa perspectiva, o efeito vinculante é corolário do princípio da legalidade, pois sua adoção é uma das formas de sua concretização. O efeito vinculante robora o princípio de que ninguém está acima da lei, nem mesmo o juiz. Assim, se temos em conta a possibilidade de que as

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decisões dos juízes, porque expressamente contrárias ao entendimento já esposado pelos Tribunais Superiores, embora necessariamente não o sejam, possam vir a ser interpretadas pelo público leigo, como sendo frutos não de uma reflexão racional, mas de uma manifestação arbitrária da vontade de um único juiz, isso tiraria, dessa decisão, muito do seu poder moral que impele os jurisdicionados a obedecê-la. Como é cediço, as Cortes têm pouco poder de coerção direta sobre os destinatários de suas decisões. A prática, entretanto, demonstra que, em geral, os litigantes obedecem às decisões judiciais. Importante realçar, porém, como sinala Birmingham, que em grande parte eles assim o fazem porque tais decisões são vistas como um produto de uma aplicação racional de regras legais e não produto de meras apreciações políticas ou pessoais. Assim, o efeito vinculante é importante não somente porque os indivíduos estruturam sua atividade comercial baseada nos precedentes, “mas porque fidelidade ao precedente é parte e parcela de uma concepção do judiciário como uma fonte de julgamentos racionais e imparciais”.83 O efeito vinculante, então, ao invés de tirar autoridade da decisão do juiz inferior, em verdade reforça-a, na medida em que não tendo poder de coerção direta, a obediência ao que ficou decidido deve repousar sobre a idéia de que essas decisões são resultado de um procedimento racional levado a cabo por pessoas imparciais, racionais. O efeito vinculante possui, portanto, íntima relação com o princípio da legalidade (rule of law), na medida em que implica a interpretação regular e imparcial das regras públicas, dando origem ao que ficou conhecido como igualdade ou justiça formal. Não se desconhece que a garantia oferecida pela adoção do efeito vinculante quanto à aplicação imparcial e regular da lei é compatível com a injustiça se porventura as leis a serem aplicadas em si forem injustas. A injustiça pode estar na formulação das leis e/ou na sua aplicação. O efeito vinculante não protege contra a injustiça na formulação das leis, mas tão somente na sua aplicação. De fato, o efeito vinculante ao reforçar o domínio da lei garante apenas a igualdade perante a lei e não a igualdade na lei. Em outros termos: garante e protege a justiça formal. Sobre essa justiça, disse Kelsen:84

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“É óbvio que esse conceito de justiça, como uma lei do pensamento, é totalmente diferente do ideal original de ação que compreendemos como justiça. Esse ideal não tem em vista um sistema normativo logicamente satisfatório, mas moralmente satisfatório. Uma ordem totalmente não contraditória como sistema de regras gerais, pode ser totalmente injusta no sentido original do ideal. A substituição do valor moral de justiça pelo valor lógico de não contradição, inerente à definição de justiça como igualdade perante o Direito, é o resultado da tentativa de racionalizar a idéia de justiça como idéia de um valor objetivo. Esse tipo de filosofia racionalista, pretendendo responder à questão quanto ao que é justo, e, portanto reivindicando autoridade para prescrever ao poder estabelecido como legislar, acaba por legitimar o poder estabelecido ao definir justiça como igualdade perante o Direito e, assim, declarar que o Direito positivo é justo.” Por esse motivo, tornou-se moda dizer que essa aplicação imparcial das leis não tem importância, pois oferece pouca proteção contra a tirania. Deve-se, ao contrário, aplicar-se seletiva e discricionariamente a lei como forma de superar a injustiça na sua formulação, substituindo-se o julgador na função do legislador na promoção da igualdade substancial. Essa assertiva, entretanto, é uma meia verdade. É certo que injustiças podem – muitas vezes, de fato o são – ser provocadas pela adoção pura e simples da igualdade formal. Entretanto, também é verdade que se não suficiente, a igualdade formal é necessária para a superação desse estado de coisas. Uma comunidade que adote apenas o princípio da isonomia formal será muito provavelmente uma comunidade mais injusta que uma outra que adote, em acréscimo, a isonomia material, porém será menos injusta se comparada com uma terceira que agregue à injustiça na formulação da lei, aqueloutra referente à injustiça na sua aplicação. O que não se pode deixar de ter em mente, é que os direitos decorrentes da adoção de um princípio de igualdade material são na verdade um produto de uma legislação mais particularizada, “baseada historicamente na ampliação prévia da legislação universalista formal e a teve como premissa”.85 Em outro dizer: só se pode falar de igualdade substancial – a igualdade na lei –, se tivermos em mente um passo

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anterior e necessário da adoção do princípio da igualdade formal – igualdade perante a lei. A igualdade formal é, portanto, um elemento necessário, embora não suficiente para conceituação e identificação de uma democracia. Por isso, é atualíssima a advertência de Rawls, no sentido de ser “evidente que em igualdade de circunstâncias, os perigos para a liberdade são menores quando a lei é regular e imparcialmente administrada de acordo com o princípio da legalidade”.86 Em outro dizer, não existe Estado Democrático de Direito sem a aplicação regular e imparcial das regras jurídicas. Esta, embora não suficiente é, porém, pressuposto necessário daquele. É por isso que a América Latina em geral, e o Brasil em particular, possuem débeis democracias sociais. O déficit do princípio da igualdade formal na aplicação da lei é fator impediente de seu fortalecimento. O primado do princípio da legalidade no Brasil é ineficaz exatamente porque na aplicação da lei a práxis administrativa e judiciária tem, em larga escala, passado ao largo do princípio da igualdade perante a lei. Discorrendo especificamente sobre esse tópico, averbou O’Donnell: “...a aplicação discricionária, e amiúde excessivamente severa, da lei aos fracos pode ser um eficiente meio de opressão. O lado oposto disso são as múltiplas maneiras pelais quais os privilegiados, seja diretamente, seja por meio de ligações pessoais apropriadas, se isentam de cumprir a lei. Na América Latina, há uma longa tradição de ignorar a lei ou, quando ela é acatada, de distorcê-las em favor dos poderosos e da repressão ou contenção dos fracos. Quando um empresário de reputação duvidosa disse na Argentina ‘ser poderoso é ter impunidade legal’, expressou um sentimento presumivelmente disseminado de que, primeiro, cumprir voluntariamente a lei é algo que só os idiotas fazem e, segundo estar sujeito à lei não é ser portador de direitos vigentes, mas sim um sinal seguro de fraqueza social. Isso é em particular verdadeiro e perigoso, em embates que podem desencadear a violência do Estado ou de agentes privados poderosos, mas um olhar atento pode detectá-lo também na recusa obstinada dos privilegiados a submeter-se a procedimentos administrativos regulares, sem falar da escandalosa impunidade criminal que eles costumam obter.”87

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Nesse sentido e, considerando-se que o direito é a interpretação que dele fazem os tribunais, aplicar o que ficou decidido pelas cortes superiores é aplicar a lei e, portanto, respeitar o princípio da legalidade, adote-se uma concepção hermenêutica positivista ou pós-positivista. Nesses termos, o princípio da legalidade explica e ao mesmo tempo justifica e demanda a adoção do efeito vinculante que se apresenta como um escudo de proteção contra a parcialidade, a fraude ou outras formas de corrupção oficial na aplicação da lei88 que, tradicionalmente, tem impedido aos mais desfavorecidos a fruição de direitos humanos básicos que formalmente lhes foram conferidos pelo Estatuto Básico.

4.1. Crítica à legitimação do efeito vinculante pelo princípio da legalidade O dever de obediência do judiciário ao princípio da legalidade conduz, para parte da doutrina, à impossibilidade de adoção do efeito vinculante por importar em evidente ofensa a princípios constitucionais. A crítica deduzida pode, no particular, ser sintetizada nos seguintes pontos: a) violação à independência funcional interna do juiz que se sujeitaria apenas à constituição e as leis e, b) violação ao princípio de separação de poderes, pois o judiciário, ao interpretar de forma vinculativa, esbulharia a função do legislador. Com efeito, doutrinando sobre o tema, deixou averbado Luis Flavio Gomes: “A súmula vinculante, em derradeira instância, na medida em que impõe coercitivamente ao juiz inferior o seguimento estrito de uma determinada interpretação do texto legal elaborada por juiz superior (poder que nem sequer o Legislador possui),...viola flagrantemente o disposto no artigo 2o da CF, que contempla um dos ‘princípios fundamentais’ do Estado Brasileiro, que é a independência dos Poderes (leia-se: dos juízes). No que tange à indepen-

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dência funcional interna, assegura-se, assim, ao juiz, o poder de dirimir a contenda sem ‘coerção’ ou temor de seus companheiros ou superiores. Não é concebível que o juiz de maior hierarquia conte com o poder de ditar normas ou de ‘impartir instrucciones de caráter obligatório’ no que se refere à função soberana de julgar.”89 Prosseguindo, acrescenta: “Em segundo lugar, impõe-se refutar a súmula vinculante porque, dentro do Estado de Direito Brasileiro, configura irrefutável usurpação de poder...Em decisões reiteradas um dos Tribunais Superiores interpretará determinada norma num certo sentido e essa ‘sua’ interpretação passaria a ter efeito vinculante, isto é, todos os juízes deveriam adstringir-se a essa interpretação compulsoriamente...Interpretar a lei com caráter geral, vinculativo, significa usurpar atribuição exclusiva do Poder Legislativo.”90 Nessa linha de encadeamento, reputa-se inconstitucional a adoção do efeito vinculante, pois o intérprete passaria a ser, sem legitimação democrática para tanto, o verdadeiro legislador, criando-se uma nova fonte normativa não derivada diretamente do povo, como ocorre com as leis e a constituição às quais e somente às quais, devem os juízes obediência e respeito. Em adição, parte da doutrina afirma que a adoção do efeito no Brasil aproxima assistematicamente o sistema jurídico brasileiro de índole romano-germânica, ao da common law.91 Trata-se de reiterada, embora escassamente fundamentada, afirmação de que a adoção do efeito vinculante é incompatível com os sistemas jurídicos da civil law.92

4.2. A nova hermenêutica – resposta à crítica A primeira linha de argumentação dos críticos é de que, por estar o juiz vinculado apenas à lei, seguir obrigatoriamente as decisões das

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cortes superiores implicaria na violação de sua independência judicial. A questão, portanto, diz com o que se entende por obediência à lei, entendida esta, como o direito posto. Como se procurou demonstrar linhas atrás, o ordenamento jurídico é composto de regras jurídicas, ou seja, é constituído por normas, buscando as inferiores (leis) fundamento de validade nas superiores (constitucionais). Consoante leciona Paulo de Barros Carvalho93 toda norma jurídica é uma proposição prescritiva, na medida em que, embora possua uma base empírica na literalidade do seu enunciado, se situa no plano imaterial das significações. Os enunciados do texto legal prescrevem condutas, porém as normas jurídicas são as significações construídas a partir dos textos do direito positivo e estruturadas consoante a lógica dos juízos condicionais. O texto legal é posto pelo Poder Legislativo, mas a norma que provém dele é construída pelo intérprete. Sinala Zélia Luiza Pierdoná94 que norma jurídica é a significação colhida a partir dos textos do direito positivo. É um processo intelectivo que parte da literalidade textual dos enunciados prescritivos, os quais, uma vez articulados, formam as estruturas mínimas. O texto legal não é uma norma jurídica, mas uma composição de enunciados prescritivos e a interpretação que se faz dele, com uma estrutura mínima de significação (um antecedente implicando um conseqüente), é a norma jurídica. Para Castanheira Neves, o direito não o é antes de sua realização, pois só na sua realização adquire sua autêntica existência e vem à sua própria realidade. Citando Ihering leciona: “O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito. Não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito”.95 Fica claro, portanto, que a norma jurídica é sempre resultado da interpretação de um texto. Os juízes, assim, não estão subordinados ao texto legal, mas à norma que a partir dele é construída. Isso deve ficar claro: o processo hermenêutico é sempre produtivo. Em qualquer labor

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interpretativo não há como recusar a conclusão de que sempre se adiciona ou se reduz o sentido do texto legal interpretado e, ao fazer isso, o intérprete estará indo aquém ou além da literal expressão do texto.96 Por outro lado, não se pode admitir – e de fato ninguém admite – que nesse processo produtivo, seja o intérprete absolutamente livre para dizer o sentido da norma que subjetivamente melhor lhe aprouver, o que o lançaria no autoritário mundo da relativização sofística. Como visto, o poder criativo da interpretação judicial difere do poder criativo do Poder Legislativo, muito mais amplo e livre. Os legisladores podem criar novos direitos para o futuro de forma ampla, bastando demonstrar de que modo estes vão contribuir, como boa política, para o bem estar da sociedade. Os juízes, ao exercerem sua função criativa, devem fazêlo com base em princípios comuns da coletividade, não em política. Acresça-se que a interpretação de uma norma não pode ser despregada de seu contexto. O juiz faz parte de uma intrincada estrutura que postula a si a qualidade de sistema. Como todo sistema, também o jurídico, reivindica para si as características de unidade e continuidade. O juiz é um elo da estrutura hierarquizada de interpretação legal na qual foi outorgada aos tribunais superiores a competência para, de forma última e absoluta, interpretar as leis e a constituição. Sendo partícipe ativo dessa estrutura, vincular-se à interpretação dos tribunais superiores não se trata meramente de uma questão de eficiência, conveniência ou de sanidade do sistema jurídico, mas é logicamente uma condição necessária para a existência de um único sistema jurídico. Kelsen,97 tratando do controle da constitucionalidade das leis, já alertava que a Constituição não poderia jamais conferir a toda e qualquer pessoa competência para decidir essa questão, porque se assim o fizesse, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do direito e os órgãos jurídicos. Para obviar uma tal situação, afirma o jurista, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico.98

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Não é demasiado salientar que em nosso sistema jurídico a Constituição atribui competência ao poder judiciário para se manifestar sobre a constitucionalidade das leis. Em sede de controle difuso essa função pode ser exercida por qualquer juiz ou tribunal, cabendo em tal hipótese, revisão pelo Supremo Tribunal Federal via recurso extraordinário e, à já referida suprema corte, foi outorgado o monopólio do controle concentrado da constitucionalidade das leis via ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade. A seu turno, o constituinte outorgou ao Superior Tribunal de Justiça, via recurso especial, o controle e a revisão das normas jurídicas construídas a partir da interpretação dos textos legais, quando não estiver em causa questão constitucional. Verifica-se, assim, que a constituição, a exemplo do que já mencionava Kelsen, outorgou primazia aos Tribunais Superiores para conceber o que é o direito vigente na coletividade. Nesse diapasão, seguir a interpretação dada pelas cortes superiores nada mais é do que prestar obediência ao princípio da legalidade, na medida em que se reconhece ser o direito alográfico (a norma é sempre resultado da interpretação de um texto). O dever de obediência do juiz não é ao texto frio da lei, mas à norma que dele é construída. e, em assim sendo, não há falar-se em violação à independência do juiz, cuja finalidade é meramente instrumental do dever de imparcialidade a que está submetida a função judicante. Ora, seguir a interpretação dos tribunais superiores é aplicar o direito de modo imparcial e regular, pois tal resultado se apresenta como fruto de decisões racionais e não derivadas de meras opções políticas e/ou pessoais do julgador. Como visto, o intérprete não é livre para dar o sentido que quiser à norma, mas está jungido e imbricado a, em seu labor interpretativo, prestar respeito aos princípios consagrados no texto constitucional, dentre os quais, avulta na hipótese, o princípio da legalidade, em sua vertente de justiça formal. Por tal razão o Supremo Tribunal Federal deixou assentado quando do julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento no 272.328-7, relator Ministro Moreira Alves, DJ 170-E, de 01 de setembro de 2000, que “observar-se a jurisprudência firme da Corte, no tocante à inexistência, no caso, de direito adquirido, não implica ofensa ao princípio do livre convencimento do juiz, mas apenas que se entende que essa jurisprudência deve continuar a ser seguida”. Força concluir, portanto, que a adoção do efeito vinculante não rompe com a independência funcional do juiz, cuja formulação encontra 90

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como fronteira, o respeito e a observância do princípio da legalidade, que vem de ser reafirmado e reforçado pela adoção do efeito vinculante. Entender-se que o efeito vinculante anda às testilhas com a independência funcional dos juízes parte da premissa equivocada de que a vinculação dos juízes é ao texto frio da lei e não à norma concretizada através do processo hermenêutico, o que não se coaduna com a moderna doutrina hermenêutica, especialmente embora não exclusivamente, no âmbito constitucional, como se verá no tópico a seguir.

4.2.1. A função normativa da interpretação judicial na nova hermenêutica A segunda crítica à adoção do efeito vinculante segue na linha de que, por não possuir o juiz função de criar o direito, tornar obrigatória a interpretação das cortes superiores para os demais membros do poder judiciário implicaria em violação do princípio de separação de poderes inserto no artigo 2o de nossa carta da república e tornada cláusula pétrea. Uma outra forma de se fazer a mesma assertiva, recorrendo-se ao direito comparado, é reputar-se absolutamente distintos – no particular – os sistemas da common law (onde o juiz seria fonte de produção normativa) e da civil law (onde o juiz não seria fonte de produção normativa). Parece estar suficientemente demonstrado que a norma aplicada é sempre resultado da interpretação de um texto jurídico. Nisso coincidem todas as correntes doutrinárias acerca da função interpretativa dos juízes. A divergência ocorre quanto ao que se entende ou deve se entender como o “resultado” dessa interpretação. Para a concepção clássica positivista, esse resultado nada mais é do que o descobrimento de um sentido escondido, essencializado e, por isso, preexistente no texto. As concepções modernas, porém, consideram o resultado do trabalho hermenêutico como uma concretização do texto legal,99 o que implica um certo nível de agregação de sentido a ser feito pelo intérprete do texto. A crítica que aponta a adoção do efeito vinculante como um instituto violador do princípio da separação de poderes acolhe, ainda que

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inconscientemente,100 o Poder Judiciário como um mero limite contra o Poder Absoluto, reduzindo a atuação judicial à clássica concepção de um legislador negativo típica do estado liberal absenteísta. Nessa visão mais conservadora do princípio da separação de poderes, o legislador possuiria o monopólio na criação do direito. Sabe-se, porém, que a moderna doutrina constitucional superou de há muito essa visão conservadora estruturada no paradigma liberalindividualista onde o direito é visto como mero ordenador de condutas, para reconhecer à justiça a posição de um verdadeiro poder político. Ao juiz moderno, atuando na nova concepção de um direito promovedortransformador típico do Estado Democrático de Direito, é reconhecida importância capital para a efetiva concretização e realização dos valores e princípios acolhidos na Constituição. Verifica-se, assim, a superação da função judicial negativista clássica, que cede passo a uma função ativa e intervencionista do Poder Judiciário. Por isso, já lecionava André Franco Montoro,101 que “o juiz não é o aplicador mecânico das regras legais, mas um verdadeiro criador do direito vivo. Já os antigos observavam que o juiz é a justiça viva, em comparação com a lei que é a justiça inanimada”. Essa função normativa da atividade judicial é facilmente encontrada em decisões de nossos tribunais superiores. A decisão proferida em embargos infringentes na ADI 1.289/DF, bem retrata essa viragem hermenêutica no seio do Supremo Tribunal Federal. Tratava a ADI sobre a constitucionalidade de ato normativo do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho que autorizara a complementação da lista sêxtupla de membros do ministério público para

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investidura em cargo do juiz de Tribunal Regional do Trabalho de candidatos com menos de dez anos, quando não houvesse membros candidatos no número previsto constitucionalmente que tivessem a exigida antiguidade. Em decisão majoritária o STF a julgou procedente, declarando inconstitucional o objurgado ato normativo. Contra esse acórdão foram apresentados os embargos infringentes. O Min. Gilmar Mendes, relator, inicialmente e em linha com a posição do Ministro Carlos Veloso, reconheceu que o pensamento a ser adotado em sede constitucional, deve ser o pensamento do possível. Isto implica na conclusão de que o imperativo teórico da não contradição não deve obstaculizar a atividade própria da jurisprudência de realizar positivamente, mediante prudentes soluções acumulativas, combinatóras e/ou compensatórias, a concordância prática das diversidades e até mesmo de situações que, embora teoricamente contraditórias, são desejáveis na prática. A seguir, enriquecendo essa argumentação, agregou a perspectiva de “lacuna constitucional”, para afastar a literalidade do texto constitucional e dar provimento ao recurso. Citando Perelman, aduziu o relator: “Uma lei sempre é feita apenas para um período ou um regime determinado. Adapta-se às circunstâncias que a motivaram e não pode ir além. Ela só se concebe em função de sua necessidade ou de sua utilidade; assim, uma boa lei não deve ser intangível, pois vale apenas para o tempo que quis reger. A teoria pode ocupar-se com abstrações. A lei, obra essencialmente prática, aplicase apenas a situações essencialmente concretas. Explica-se assim, que embora a jurisprudência possa estender a aplicação de um texto, há limites a esta extensão, que são atingidos toda vez que a situação prevista pelo autor da lei venha a ser substituída por outras fora de suas previsões. Uma lei – constituição ou lei ordinária – nunca estatui senão para períodos normais, para aqueles que ela pode prever. Obra do homem, ela está sujeita, como todas as coisas humanas, à força dos acontecimentos, à força maior, à necessidade. Ora, há fatos que a sabedoria humana não pode prever, situações que não pôde levar em consideração e nas quais, tornandose inaplicável a norma, é necessário, de um modo ou de outro, afastando-se o menos possível das prescrições legais, fazer frente às brutais necessidades do momento e opor meios provisórios à força invencível dos acontecimentos”(Vanwelkenhuysen, le problè93

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me des lacunes en droit cit, pp. 348-349). (Perelman, Lógica Jurídica, p. 106). Nessa linha conclui Perelman: “Se devêssemos interpretar ao pé da letra o artigo 130 da Constituição, o acórdão da Corte de Cassação teria sido, sem dúvida alguma, contra legem. Mas, limitando o alcance deste artigo às situações normais e previsíveis, a Corte de Cassação introduz uma lacuna na Constituição, que não teria estatuído para situações extraordinárias, causadas pela força dos acontecimentos, por força maior, pela necessidade”. (Perelman, Lógica Jurídica, cit., p. 107)102 Analisando a questão posta sob adjudicação e confrontado, de um lado com a possibilidade de inexistência de número mínimo de 6 membros do Ministério Público com mais de 10 anos candidatos ao quinto constitucional e, de outro com a exigência constitucional de lista sêxtupla composta de membros com mais de dez anos de exercício, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela existência, na hipótese, de uma lacuna constitucional e, em seu labor exegético, ainda que, em termos literais contrariasse o artigo 94 da Constituição, construiu a norma possível. Consta do voto: “Assim, também no caso em apreço, parece legítimo admitir que a regra constitucional em questão contém uma lacuna: a não regulação das situações excepcionais existentes na fase inicial de implementação do novo modelo constitucional. Não tendo a matéria sido regulada em disposição transitória, parece adequado que o próprio intérprete possa fazê-lo em consonância com o sistema constitucional. E, tal como demonstrado, a aplicação que menos se distancia do sistema formulado pelo constituinte, parece ser aquela que admite a composição da lista com procuradores do trabalho que ainda não preenchiam o requisito concernente ao tempo de serviço. Assegurou-se aos órgãos participantes do processo a margem de escolha necessária dentre procuradores com tempo de serviço inferior a 10 anos, na hipótese de inexistência de candidatos que preenchessem o requisito temporal fixado.”103 (g.n.)

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Nitidamente, portanto, trata-se de uma decisão interpretativa aditiva, que acrescenta significações não previstas no texto interpretado, demonstrando a função criadora do intérprete, aliás expressamente declarada e reclamada no teor do voto, ao considerar ser função do intérprete regular a matéria que se encarte nos limites da lacuna constitucional identificada. Nesse sentido pode afirmar-se que a norma que deflui do artigo 94 da Constituição é, em verdade, aquela que reconhece não ser exigível o lapso temporal de 10 anos de exercício da função ministerial, quando inexistirem em número mínimo de seis, candidatos que preencham tal requisito temporal. Esse o sentido da norma (da lei constitucional) e interpretar de forma diferente, após o pronunciamento do supremo intérprete, implica em violar o princípio da legalidade. Dúvida ainda houvesse sobre a produção normativa no processo de interpretação e bastaria para espancá-la, a remissão à recente decisão do STF na ADI 2332.104 Na mencionada ação direta de inconstitucionalidade o STF entendeu que sua interpretação do significado da locução justa e prévia indenização na desapropriação, consolidada na súmula 618, que fixa o pagamento de juros compensatórios na indenização em 12% a.a., era fundamento relevante e suficiente para conceder liminar suspendendo a vigência em parte do artigo 15-A do Decreto-Lei no 3.365/41, que limitava em até 6% o pagamento de juros compensatórios em tais hipóteses. O STF adicionou, portanto, ao sentido de justa indenização, o específico percentual de 12% a.a. a título de juros compensatórios, evidentemente não previsto expressamente no texto constitucional. No seio do Superior Tribunal de Justiça, a mesma força criativa de sua interpretação pode ser visualizada já no verbete no 83 de sua súmula de jurisprudência dominante a dizer: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” Como é cediço, compete ao Superior Tribunal de Justiça, como supremo e último intérprete da legislação federal, conhecer, via recurso especial, decisões que contrariem ou neguem vigência a lei federal (CF

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art. 105, III, a). Como repercussão dessa competência, a previsão da alínea “c” do mesmo artigo autoriza o manejo do recurso especial no caso de divergência de interpretações entre tribunais diversos. É simples: se existem duas interpretações sobre o mesmo texto de lei, uma delas o contraria ou lhe nega vigência. Cabe, então, ao Superior Tribunal de Justiça definir qual delas concretiza o texto legal e qual delas o contraria. Ao fazê-lo, o STJ fixa de modo absoluto o conteúdo normativo do texto legal. Por essa razão, o STJ não conhece de recurso especial pela divergência quando a decisão recorrida guarda compatibilidade com a interpretação firmada no seio do Superior Tribunal de Justiça, porque em tal hipótese a decisão não contraria nem nega vigência à lei federal. Embora se entenda e até mesmo se louve esse entendimento jurisprudencial, o certo é que o texto constitucional, de per si, não autorizaria tal entendimento, pois, no final das contas, a divergência de interpretação persiste. Curial, portanto, a conclusão, que ao interpretar o artigo 105, III, c, da CF/88 para chegar ao entendimento consolidado no verbete no 83, houve agregação de sentido por parte do Superior Tribunal de Justiça. Em todas essas hipóteses, porém, não se pode afirmar que as cortes judiciais estejam atuando como, nem usurpando as funções do Poder Legislativo, pois, diversamente do atuar destes, os sentidos agregados ao texto não têm por fundamento opções políticas ou de moralidade consideradas mais adequadas, mas princípios jurídicos compartidos pela coletividade, como, v.g., o princípio da concordância prática, da razoabilidade e da ponderação de interesses.105 4.2.2. A vinculação das decisões proferidas em sede de interpretação conforme a constituição e de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. O reconhecimento e autorização do legislador à função normativa da interpretação judicial na nova hermenêutica

Esse novo paradigma da hermenêutica jurídica já cristalizado no seio dos operadores do direito veio de ser reconhecido e positivado

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pelo legislador pátrio com a edição da Lei no 9.868/99 que, regulando o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispôs no parágrafo único do artigo 28106 que a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade, ainda que proferida em sede de interpretação conforme à constituição ou em nulidade parcial sem redução de texto, tem eficácia contra todos e efeito vinculante. Como leciona Gilmar Ferreira Mendes,107 oportunidade para interpretação conforme a constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a Constituição. Por isso, já escrevemos anteriormente que nestas situações em que a norma não permite a extração de um sentido unívoco, cabe ao tribunal extrair das possíveis e cambiantes interpretações o sentido da norma que a coloque em consonância com o texto maior, ao tempo em que exclui todas as outras interpretações que conduziriam a um resultado dissonante da vontade constitucional.108 Verifica-se que na interpretação conforme, a exemplo do que ocorre com a declaração de nulidade sem redução de texto, o tribunal exerce uma função corretiva/manipulativa do conteúdo original da lei, para torná-lo compatível com a Constituição.109 Ambas são espécies de decisões interpretativas, entendidas estas, como decisões “que surgem no interior de um processo hermenêutico-corretivo do texto normativo, agregando-se acepções muitas vezes aquém ou além do explicitado ou querido pelo legislador”.110

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Assim, considerando-se a previsão legal de efeito vinculante dessas decisões, inafastável a conclusão de que o próprio legislador, rendendo-se aos valores constitucionais que plasmam nosso Estado Democrático de Direito, reconheceu ser ínsito ao exercício da função jurisdicional moderna, o poder de exercer uma função “corretiva” da própria substância e não meramente da forma da atividade legislativa, reduzindo o âmbito de liberdade de conformação do legislador e ampliando a função intervencionista do Poder judiciário para bem exercer seu papel de concretizar e tornar efetivos os valores e princípios plasmados no texto constitucional. Essa função interventiva do Poder Judiciário visando não apenas defender, mas promover os direitos assegurados no texto básico, implica na superação da função judicial na sua concepção clássica de “legislador negativo” e reconhecimento de uma atuação positiva, embora não tão ampla como a do poder legislativo, na criação do direito. Nesse diapasão fica também superada a vetusta concepção de separação de poderes que não reconhecia nenhuma atividade produtora e/ou agregadora de sentido na interpretação judicial. No particular, concordamos integralmente com Lenio Streck,111 quando afirma que com a promulgação da lei 9.868, o Poder Legislativo rompeu com a clássica concepção de separação de poderes e daquilo que até então se entendia compreendido no âmbito da liberdade de conformação do legislador. Em suas palavras: “Isto significa dizer que, com a institucionalização da interpretação conforme a Constituição e da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto através da Lei no 9.868, o Poder Legislativo brasileiro admite (explicitamente) que o Poder Judiciário possa exercer uma atividade de adaptação e adição/adjudicação de sentido aos textos legislativos, reconhecendo, ademais, que a função do Poder Judiciário, no plano do controle de constitucionalidade, não mais se reduz – repita-se – à clássica concepção de ‘legislador negativo’. À evidência, isso não significa dizer que o Judiciário se transformará em legislador positivo.” Mais adiante, o constitucionalista conclui:

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“Quando se adiciona sentido ou se reduz sentido (ou a própria incidência de uma norma), estar-se-á fazendo algo que vai além ou aquém do texto da lei, o que não significa afirmar que o Tribunal estará legislando. Pelo contrário. Ao adaptar o texto legal à Constituição, a partir dos diversos mecanismos interpretativos existentes, o juiz ou o tribunal estará tão somente cumprindo sua tarefa de guardião da constitucionalidade das leis.”112 Essa nova abordagem hermenêutica torna bastante tênue e até mesmo artificial a distinção apontada por alguns doutrinadores entre os sistemas jurídicos originários da família do common law e do civil law no concernente à função judicial. Quanto à contínua e consistente aproximação entre os dois sistemas jurídicos assim leciona Perelman: “Faz algumas décadas que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser um retorno ao direito natural, ao modo próprio dos séculos XVII e XVIII, ainda assim confia ao juiz a missão de buscar, para cada litígio particular, uma solução eqüitativa e razoável, pedindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça, para consegui-lo, dentro dos limites autorizados por seu sistema de direito. Mas élhe permitido para realizar a síntese buscada entre a equidade e a lei tornar esta mais flexível graças à intervenção crescente das regras de direito não escritas, representadas pelos princípios gerais de direito e pelo fato de se levar em consideração os tópicos jurídicos. Esta nova concepção acresce a importância do direito pretoriano, fazendo o juiz o auxiliar e o complemento indispensável do legislador: inevitavelmente ela aproxima a concepção continental do direito da concepção anglo-saxã, regida pela tradição da common law.”113 (g.n) No mesmo diapasão, Sálvio de Figueiredo Teixeira114 doutrina que em virtude da relevância que a produção jurisprudencial vai assumindo no processo de emanação do direito, atenua-se a distância entre o sistema romano-germânico e a common law, apresentando-se cada vez

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mais significativa a atuação dos tribunais nos países cujo sistema obedece ao primado da lei. Na concepção atual do direito já não se trata de limitar o papel do juiz ao de uma boca pela qual fala a lei ( la bouche de la loi). A lei já não constitui todo o direito; mas é apenas o principal instrumento que guia o juiz no cumprimento de sua tarefa na solução dos litígios, não se podendo mais excluir a jurisprudência como fonte criadora, como hoje se reconhece quase à unanimidade. Tendo-se em conta que toda lide envolve necessariamente um desacordo, uma controvérsia, o papel do juiz é encontrar uma decisão que esteja conforme ao direito, ou seja, como assevera Perelmam115 “é necessário que a motivação da decisão demonstre suficientemente que esta é conforme ao direito em vigor, tal como entendido pelas cortes superiores”. A adoção do efeito vinculante, portanto, é a nosso sentir uma conseqüência inexorável desse processo de revitalização hermenêutico, pois permite, no limite do razoável, conciliar a tensão existente entre a força aglutinadora do respeito à lei promulgada pelo parlamento e a força desagregadora, embora necessária e até mesmo desejável, de interpretações cada vez mais elásticas dos textos legais, algumas inclusive contrárias à literalidade do texto, que poderia desaguar em situações marcadas pelo subjetivismo, abuso e capricho do decisor. O efeito vinculante, então, impõe limites necessários ao labor criativo do juiz, subsumindo-o, naquilo que Perelman denominou de limites autorizados pelo seu sistema de direito. Para conciliar essa contradição entre o elemento objetivo da interpretação – o texto da lei – e seu elemento subjetivo – a liberdade do intérprete – que se apresentam como antitéticos em quase negação mútua, Sálvio de Figueiredo116 realçando o caráter deontológico e normativo do processo hermenêutico e acolhendo lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, conclui: “Não apenas estamos obrigados a interpretar (não há normas sem sentido, nem sentido sem interpretação), como também deve haver uma interpretação e um sentido que preponde-

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rem, e ponham um fim (prático) à cadeia das múltiplas possibilidades interpretativas.” Considerando-se a função exercida pelo Supremo Tribunal Federal de guardião da Constituição e a função exercida pelo Superior Tribunal de Justiça de guardião da legislação infraconstitucional, segue-se como consectário natural o dever de obediência, pelos tribunais inferiores, das normas construídas pelos tribunais superiores no exercício de seu labor exegético, decorrência inexorável que promana do princípio da legalidade. Sinale-se, à guisa de conclusão, que a função exercida pelos tribunais superiores não é a de fazer justiça no caso concreto. No regime federativo, os tribunais superiores não se destinam a corrigir todas as eventuais falhas dos demais tribunais, mas salvaguardar a constituição, harmonizar e uniformizar a jurisprudência e, a título excepcional, intervir no caso de decisões aberrantes ou manifestamente e em larga escala iníquas. Não é por outro motivo que foram editadas as súmulas 5 e 7 do STJ e 279 e 454 do STF. Nesse sentido, ressai como consectário natural, a adoção do efeito vinculante para as decisões dessas cortes que, ao se tornarem pacíficas no seio dos respectivos tribunais, definem o exato sentido dos textos constitucional e legal, ali interpretados construtivamente, que devem, obrigatoriamente constranger os demais tribunais e juízos inferiores.

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Capítulo 3 Democracia e Efeito Vinculante

1. Introdução A palavra democracia não possui um sentido único, um conceito unívoco, podendo assumir tantas significações quantos forem os conteúdos que a esse vocábulo se agreguem. Por tal razão, como nos relembra José Nun, sua noção tenha se desfigurado no tempo, sendo essa a explicação para o fato da literatura sobre o tema não ter outro remédio que não o de buscar socorro nos epítetos diversos de democracias a exemplo de transicionais, delegativas, de baixa intensidade, relativas, incertas ou, inclusive, com uma significativa perversão vocabular, democracias autoritárias.1 Em verdade, a noção de democracia é problemática desde o princípio em função da própria dubiedade do significado da palavra demos: Em um sentido o vocábulo se referia ao conjunto dos cidadãos; em outro, designava a massa do povo, ou seja, os pobres, os incapazes, analfabetos e até mesmo os malfeitores. O vocábulo democracia, união de dois conceitos: demos, o povo e kratos, governar, foi cunhado na Grécia, muito provavelmente em Atenas. Apesar disso, ou talvez exatamente por isso, é importante salientar que naquela cidade-estado grega, “embora a palavra demos em geral se referisse a todo o povo ateniense, às vezes significava apenas a gente comum ou apenas o pobre. Às vezes demokratia era utilizada por seus críticos aristocráticos como uma espécie de epíteto para mostrar seu desprezo pelas pessoas comuns que haviam usurpado o controle que os aristocratas tinham sobre o governo”.2 Isso explica porque os filósofos gregos que mais trataram sobre o tema da democracia fossem verdadeiramente antidemocráticos, na medida em que consideravam que a democracia, por representar o

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governo dirigido pelo povo, ao qual se atribuíam não qualidades, mas os vícios da licenciosidade, do desregramento, da incompetência, da intolerância e da ignorância, não podia ser considerada como uma forma ideal de governo. Platão, no oitavo livro da República, ao descrever a democracia a expõe como uma forma de governo popular que conduz a um estado de desagregação social. Aristóteles seguindo na mesma senda ao discorrer sobre as diversas formas de governo, distinguindo os bons dos maus, reserva para a democracia a qualificação de mau governo popular, pois que coloca a sociedade como refém de uma massa despreparada, incompetente, demagoga, corrupta e ignorante. A mesma posição era defendida por Sócrates. Interessante saber que a sua famosa frase “só sei que nada sei”, longe de significar uma expressão de modéstia, em verdade tencionava, à sorrelfa, refrear as ambições dessa heterogênea massa de pessoas que intentavam governar diretamente Atenas e, de tão incultas que eram, não possuíam sequer consciência de sua ignorância. No tradicional debate sobre a melhor forma de governo, a democracia foi quase sempre colocada em último lugar. De qualquer sorte, apesar das críticas, a democracia era aplicada pelos gregos, atenienses ou não, ao governo de Atenas e de inúmeras outras cidades-estado gregas já por volta de 507 a.C. Cerca de 2.500 anos depois do surgimento do primeiro governo democrático conhecido e diversamente do que ocorria na Antigüidade, quando à idéia de democracia se agregava um valor negativo, se observa que hodiernamente se ajunta um valor altamente positivo a esse termo. Nos tempos atuais não há regime algum, por mais autoritário, por mais autocrático que seja, que não queira ser reconhecido como “democrático”. Essa necessidade de reconhecimento do qualificativo de democrático aos governos, encontrou expressão curiosa na justificativa apresentada por Talal Salman, editor do jornal libanês As-Safir, para se desculpar pelo anúncio precipitado do resultado das eleições americanas, quando afirmou: “Estamos acostumados à profunda tradição árabe de democracia em que os resultados são primeiros declarados, então as eleições são realizadas e os eleitores comparecem para confirmá-los”.3

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Diante dessa “tradição árabe de democracia”, pleno de razão Bobbio4 ao afirmar que, a julgar pelo modo como hoje qualquer regime se autodefine como democrático, poderíamos dizer que no mundo já não existem regimes não democráticos. Todos os regimes atuais, embora a seu próprio e específico modo de configuração, seriam democráticos. Atualmente é politicamente correto ser democrático e agregar ao governo uma conotação positiva que a democracia antigamente não ostentava.

2. Democracia dos Antigos e Democracia dos Modernos Quando se coteja as experiências democráticas antigas com as atuais, visualiza-se desde logo duas diferenças básicas. A primeira distinção entre os dois tipos de democracia refere-se a uma circunstância impensável para os gregos. A ampla, a maior possível, participação de todos os cidadãos no processo de tomada de decisão. Em outro dizer, a inclusão política. Todos os cidadãos, excetuados apenas aqueles incapazes de gerir sua própria vida (crianças, adultos com deficiência mental etc.), participam na formação das decisões políticas de sua coletividade. Essa circunstância era inaceitável para os gregos, devendo ser registrado que uma grande parcela da população estava alijada do processo político, bastando para confirmar tal assertiva a menção às mulheres e aos escravos. Outra distinção fundamental entre a democracia dos antigos e a democracia dos modernos é que aquela era uma democracia direta, enquanto esta é uma democracia representativa. Em outro dizer: na democracia dos antigos todos os considerados cidadãos se reuniam para juntos deliberarem sobre os assuntos da vida política, enquanto que a democracia dos modernos se contenta em que os verdadeiros detentores do poder político – os cidadãos – escolham aqueles que serão seus representantes no processo de tomada de decisões políticas. Curioso notar que o sistema representativo não possui raízes em práticas democráticas, sendo mais um artifício utilizado por governos não democráticos para facilitar a obtenção de rendas e outros recursos, especial embora não exclusivamente, para fazer frente a despesas com guerras. Catalina Vizcaíno,5 analisando as origens do princípio da legalidade tributária, cuja feição moderna exige autorização do parlamento

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para instituição ou majoração de tributos, nos dá um exemplo da utilização de um sistema representativo por um governo não democrático. Diz a jurista acolhendo lição de Sainz de Bujanda: “El origen del princípio se remonta al 31 de marzo de 1091, cuando Alfonso VI de España dirigió um documento al bispo y a los habitantes de León sobre la imposición de um tributo extraordinário a los infaziones y villanos, em cual especificaba que se lo imponía com el consentimiento de quienes habían de satisfacerlo. Se puede conjeturar que el consientimiento fue expresado em uma reunión de la Curia Regia, em la cual se habría redactado el documento y posiblemente contó com la asistencia de villanos com caráter muy excepcional, por la gravedade de las circunstancias.” Analisando o surgimento do modelo representativo, Dahl escreveu: “de origens obscuras, aos poucos surgiu um parlamento representativo, que nos séculos futuros viria a exercer, de longe, a maior e mais importante influência sobre a idéia e a prática do governo representativo: o Parlamento da Inglaterra medieval. Menos um produto intencional e planejado do que uma evolução às cegas, o Parlamento emergiu das assembléias convocadas esporadicamente, sob a pressão de necessidades, durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307”.6 O sistema representativo, portanto, era inicialmente uma instituição não democrática, posteriormente enxertada na teoria e prática democrática, pois possibilitaria ao Parlamento, com a ampliação da base eleitoral representada, se transformar em um corpo mais representativo que atenderia aos objetivos democráticos. De outro lado, a representação obviava um problema insuperável da democracia direta quando transplantada para Estados dotados de grande extensão territorial; a impossibilidade física e temporal de reunir toda a população para a deliberação dos assuntos de interesse do governo. Sobre a representação democrática, Destutt de Tracy averbou: “a democracia representativa é a democracia viável por muito tempo e sobre um território de grande extensão”.7

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A substituição da democracia direta pela representativa deu-se, portanto, fundamentalmente por questão histórica e eminentemente fática: a impossibilidade de se reunirem rotineiramente todos os cidadãos dos complexos e territorialmente imensos Estados Modernos. Mesmo na Grécia antiga onde os cidadãos eram em pequeno número, não é crível que a participação do povo fosse absoluta. Idealmente, uma participação total no processo decisório significava o direito, titularizado por todos, de influir nas decisões não só pelo pronunciamento no corpo soberano, mas principalmente pelo voto nas decisões. Esse o ideal democrático. Entretanto, mesmo naquela época, esse procedimento era inexeqüível. Como sinala Finley: “(...) na prática, as coisas eram diferentes. A assembléia ateniense normalmente se reunia num anfiteatro natural, na colina denominada Pnyx, e é surpreendente que, em semelhante ajuntamento ao ar livre, de milhares de homens, que não dispunham de modernos dispositivos amplificadores, freqüentemente com uma pauta que devia ser cumprida em um único dia, o cidadão comum desejasse ou ousasse pedir a palavra e fosse ouvido, se fizesse isso...a evidência literária e epigráfica não deixa dúvida de que os pronunciamentos e a real formulação de políticas e de proposições constituíam um monopólio do que poder-se-ia chamar ‘pequena classe política’.”8 Por essa razão Rousseau, embora tenha elogiado a democracia direta, reconheceu que essa verdadeira democracia jamais existiu e jamais existirá, apontando como algumas das causas para essa impossibilidade a necessidade de existir um Estado muito pequeno, no qual fosse fácil reunir o povo e onde cada cidadão conhecesse sem esforço todos os demais e uma simplicidade de costumes que evitasse a acumulação de questões e as discussões espinhosas.9 Nas sociedades atuais modernas compostas de vinte, duzentos milhões e até um bilhão de pessoas, evidencia-se a total impossibilidade de instauração de uma democracia direta, sendo exigido necessariamente algum sistema representativo. Mesmo os recentes avanços tec-

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nológicos na área da computação e telecomunicação não oferecem os meios necessários à implantação de uma democracia direta. Como já alertava Rousseau, tal tipo de democracia não admite questões complexas ou espinhosas. Em nossas sociedades complexas atuais, a maioria das questões teria que ser complexa e, por isso mesmo, os problemas dificilmente poderiam ser formulados tão especificadamente que propiciassem respostas dos cidadãos que fornecessem uma clara diretriz ao governo. As questões teriam que ser tão intrincadas, por exemplo, como “quantos por cento de desemprego você admitiria a fim de reduzir a taxa de inflação para x por cento? Ou, que aumento no imposto de renda você admitiria para aumentar o salário dos aposentados ou os serviços de saúde e em que percentagem se daria esse aumento”, que não permitiriam respostas objetivas, tipo sim e não, tornando impraticável sua racional catalogação e computação. Assim, mesmo que existissem normas para iniciativa popular de questões e possibilidade de apresentação eletrônica dessas questões a todos os demais cidadãos, ainda assim, necessariamente, os governos teriam que decidir muitas questões e, conseqüentemente, tomar várias decisões, inviabilizando um total processo decisório feito pelos cidadãos diretamente. As condições históricas que se alteraram enormemente desde a transição da cidade-estado para os grandes Estados territoriais legitimaram a substituição da democracia direta pela representativa, mas não são suficientes para explicar a segunda distinção – da massiva inclusão dos cidadãos no processo político – o que só foi possível com a instauração de uma nova concepção moral do indivíduo que passou a ser reconhecido pela sua própria individualidade dotada de direitos inalienáveis, consoante os postulados do iluminismo, dentre os quais ressai com proeminência o direito a ser tratado com igual consideração e respeito enquanto um ser dotado de razão e autonomia para decidir seu próprio destino. Para essa nova concepção moral do homem foi de importância fundamental a filosofia jusnaturalista, que promovendo uma verdadeira revolução copernicana, transmudou súditos em cidadãos. Rompendo com a tradição clássica, o modelo jusnaturalista promove uma radical inversão de perspectiva na representação da relação política entre o Estado e o cidadão que é característica da formação do Estado Moderno. Neste Estado, essa relação é encarada do ponto de vista dos direitos dos cidadãos frente ao Estado e não mais do ponto de vista dos direitos do soberano em relação aos seus súditos, em franca correlação com uma visão individualista da sociedade. 108

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Partindo-se de Locke, entende-se por concepção individualista da sociedade, aquela na qual tem primado o indivíduo portador de valor em si mesmo. Só depois vem o Estado, na medida em que este é formado pelo conjunto de indivíduos que o compõe.O reconhecimento da individualidade da pessoa humana afastou o último obstáculo a uma concepção positiva da democracia, ou seja, a referência quase sempre pejorativa ao corpo coletivo do demos, freqüentemente associado e confundido com a massa, o vulgo, a plebe, os pobres etc... A democracia não é mais entendida como o governo do povo, ou seja, aquela massa considerada globalmente, mas sim como o governo dos cidadãos agindo individualmente. Na democracia moderna a soberania não é do povo, mas de cada um dos indivíduos enquanto cidadãos. O individualismo é a base filosófica da democracia: uma cabeça, um voto. É certo que, como com sua peculiar clareza esclareceu Bobbio, há individualismo e individualismo. Tratando sobre o tema assim preleciona o jusfilósofo italiano: “...Há o individualismo de tradição liberal-libertária e o individualismo de tradição democrática. O primeiro arranca o indivíduo do corpo orgânico da sociedade e o faz viver fora do regaço materno, lançando-o ao mundo desconhecido e cheio de perigos da luta pela sobrevivência, onde cada um deve cuidar de si mesmo em luta perpétua, exemplificada pelo hobbesiano bellum omnium contra omnes. O segundo agrupa-o a outros indivíduos semelhantes a ele, que considera seus semelhantes, para que da sua união a sociedade venha a recompor-se não mais como um todo orgânico do qual saiu, mas como uma associação de indivíduos livres. O primeiro reivindica a liberdade do indivíduo em relação à sociedade. O segundo reconcilia-o com a sociedade fazendo da sociedade o resultado de um livre acordo entre indivíduos inteligentes. O primeiro faz do indivíduo um protagonista absoluto, fora de qualquer vínculo social. O segundo faz dele o protagonista de uma nova sociedade que surge das cinzas da sociedade antiga, na qual as decisões coletivas são tomadas pelos próprios indivíduos ou por seus representantes.”10 Circunstâncias fáticas, históricas e uma nova filosofia sobre o homem possibilitaram, então, passar-se do paradigma democrático grego de democracia de assembléia para o paradigma moderno de

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democracia de representação, mas uma questão ainda resta em aberto. O que é a moderna democracia? É o que se buscará responder a seguir, em termos de conceito abstrato, não de concepção concreta.

3. O que é democracia? Ao se iniciar esse tópico uma advertência é de suma importância. Não se pretende aqui responder de forma definitiva e ampla a pergunta sobre o que seja democracia. Um rápido bosquejo na literatura sobre o tema é suficiente para demonstrar que a essa pergunta têm sido dadas resposta assustadoramente diferentes. O que se pretende, então, é algo bem mais simples. Apresentar um quadro de modelo teórico acerca das características ideais que devem estar presentes para que se reconheça um governo como sendo democrático. Uma outra forma de dizer isso é afirmar-se que se está em busca de um conceito abstrato de democracia e não de uma concepção concreta e última dessa forma de governo. Com efeito, em termos de concepções, as respostas à pergunta são as mais variegadas possíveis. Para uns, democracia é entendida como uma forma de governo que permite ao maior número de pessoas alcançar a “boa vida”. É o caso da teoria utilitarista de Bentham ou da teoria protetora da felicidade do maior número de James Mill. Para outros, a democracia é a forma de governo que permite o desenvolvimento da natureza humana. Em sua concepção democrática, John Stuart Mill parte da teoria utilitarista, mas a ela agregou um valor moral de desenvolvimento da pessoa humana, para criar o seu modelo moral de democracia. A seu turno, Joseph Schumpeter defende um modelo que concebe a democracia como um simples método político para escolha e autorização de governos a serem disputados pelas elites, sem qualquer conteúdo moral. Pode-se mencionar, também, o modelo da chamada democracia participativa. Este substancializa o conceito de democracia na medida que implica um envolvimento maior do cidadão nos assuntos políticos de sua sociedade, através de instrumentos que conduzem a uma mescla de democracia representativa e direta. As diferenças entre esses modelos são de extrema importância, mas, afortunadamente, para a conclusão do raciocínio em curso não é necessário explicitá-las aqui.11

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O que aqui se quer enfatizar é o papel central que certos valores básicos possuem na configuração e reconhecimento de um modelo teórico ideal de um governo democrático, independentemente da verificação concomitante de atual ou anterior existência desse governo em termos reais. Isso evitará as confrontações inevitáveis entre específicas e concretas concepções de democracia, ao tempo em que permitirá analisar da compatibilidade ou não dessa forma de governo com a adoção do efeito vinculante que é o objeto específico do trabalho. Em termos de modelo teórico, Dahl12 informa que Democracia é a forma de governo que proporciona oportunidades para: a) igualdade de voto, b) participação efetiva dos cidadãos na política, c) aquisição de entendimento esclarecido, d) exercício do controle efetivo do planejamento, e) inclusão dos adultos. O critério da letra “a” decorre direta e imediatamente do direito ao igual tratamento, consideração e respeito conferido a todo indivíduo enquanto pessoa humana. Os critérios das letras “b” e “c”, embora também decorram mediatamente do princípio da igualdade, defluem do valor liberdade. De nada adiantaria possuir direito de igual voto se a pessoa não fosse livre para manifestar sua opinião em igualdade de condições, o que só pode ser alcançado efetiva e eficazmente se tiver oportunidades razoáveis para aprender sobre o assunto em discussão e sobre políticas alternativas. O critério da letra “d” é em verdade uma garantia de eficácia dos critérios das letras “a”, “b” e “c”, pois se o que fosse objeto de discussão e aprovação não estivesse em mãos de todos, mas apenas de uma pequena parcela da coletividade, essa “igrejinha” jamais poria em votação políticas que contrariassem seus interesses. O último critério, referente à inclusão de todas as pessoas capazes, está relacionado com a necessidade de, em uma sociedade pluralista, garantir-se voz para promover e proteger todos os interesses presentes na coletividade. Nesse sentido mais abstrato, pode-se afirmar que democracia traz à mente a idéia de um autogoverno coletivo. Coletivo porque emana da totalidade (ou melhor, a quase totalidade, excetuados os incapazes e os que estejam de passagem) dos indivíduos que compõem o corpo social que, embora cidadãos dotados de individualidade, são também seres sociais não podendo ser considerados como mônadas isoladas. Embora único enquanto pessoa, o indivíduo só realiza plenamente seus fins na vida social.

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Com efeito, a característica de um Estado Democrático reside na particularidade de estar estruturado em uma cidadania ativa o mais extensa possível, conduzindo a que o poder se exerça em nome de contextos de sentido e valores políticos que os governados sentem como seus; como aportados ou, ao menos, ativamente aprovados por eles. Democracia é autodeterminação e isso só é possível em função do reconhecimento de que os cidadãos são iguais e livres. O sufrágio universal presente nas modernas democracias é uma aplicação do princípio da igualdade na medida em que considera titularizados os direitos políticos, tanto pelos homens quanto pelas mulheres, tanto pelos pobres, quanto pelos ricos, tanto pelos letrados quanto pelos analfabetos. Também é uma expressão do princípio da liberdade, na medida em que se reconhece o direito de cada um de participar do poder político, exercendo ativamente sua cidadania com o que transparece a sua autonomia, ou seja, a possibilidade conferida a um e a todos de orientar seu próprio querer num processo de tomada de decisão sem ser determinado pelo querer de outros. Analisando os fundamentos da Constituição Portuguesa, Canotilho e Vital Moreira,13 resumiram em três os fundamentos estruturantes do princípio democrático, a saber: a liberdade, a igualdade e a solidariedade social. Para José Afonso da Silva,14 a democracia constitui instrumento de realização no plano prático dos valores da igualdade e liberdade. Sinala Habermas,15 que a função do Estado Democrático de Direito é “servir em última instância, à auto-organização política autônoma de uma comunidade, a qual se constituiu com o auxílio do sistema de direitos, como uma associação de membros livres e iguais do direito”. A idéia de democracia é uma síntese das idéias de liberdade e igualdade.16 Igualdade e Liberdade são, portanto, valores que servem de fundamento à democracia. A igualdade já foi tratada no Capítulo 1 para o qual remetemos o leitor. Resta, portanto, analisar o valor liberdade.

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4. Liberdade Liberdade é um conceito genérico, vazio, que precisa ser preenchido se se quer alcançar um significado relevante em termos de linguagem política. Por isso, como nos relembra Nun,17 há um século e meio atrás Lincon já advertia que seu país necessitava com urgência de uma definição da palavra liberdade porque se havia desfigurado em excesso: “o mundo nunca tem uma boa definição para essa palavra” – se lamentava. “Todos estamos decididamente a favor da liberdade, apenas nem sempre pensamos o mesmo quando a palavra sai de nossos lábios”. A dificuldade para definirmos o que seja liberdade decorre em um primeiro momento do fato de liberdade designar um estado de uma pessoa, ou seja, uma qualidade ou característica que se agrega a alguém, tendo por consectário lógico que, em termos valorativos, seus significados necessariamente se agreguem aos valores defendidos por quem a invoca. Decerto que o significado de liberdade para os opressores não se confunde com o significado de liberdade para os oprimidos. Nada obstante as dificuldades inerentes à tarefa de definir o sentido do vocábulo liberdade, esta não pode ser negligenciada ou evitada. Quando nos encontramos diante de uma dificuldade para se descobrir o que algo é, muitas vezes nos ajuda quando identificamos o que ela não é. Assim, começaremos com o que Liberdade não significa. Parece claro que liberdade não significa licenciosidade, ou seja, não pode significar que as pessoas são livres para fazer tudo o que elas queiram fazer independentemente das conseqüências para os outros. Se liberdade tivesse esse sentido, uma sociedade que não proibisse o furto, o assassinato, danos à propriedade alheia, seria radicalmente libertária. Entretanto, não poderia, também, ser segura, próspera, poderosa ou mesmo agradável.18 Não me parece que essa concepção de liberdade possa ser razoavelmente defendida. Liberdade não pode significar a impossibilidade de qualquer restrição por parte do Estado no agir dos seus cidadãos, como se toda intrusão representasse uma invasão abusiva de sua liberdade. O que se reconhece constitucionalmente é que existem certas esferas da vida dos cidadãos que, de regra, ao Estado é vedado intervir ou limitar. Para proteger essas

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específicas áreas do agir humano foram criados certos direitos chamados direitos de liberdade, v.g., liberdade de manifestação, liberdade religiosa, liberdade sexual etc., que não podem ser limitados pelo Poder Público sem que exista uma especial justificação mais poderosa e transcendente do que a ordinária justificação exigida para outras decisões políticas, incluindo as limitações em outras áreas do agir humano que não se encontram protegidas por esses específicos direitos de liberdade. Nessa linha de pensamento, liberdade significa ausência de restrição por parte do Estado a determinadas áreas do agir humano que são protegidas por um conjunto de direitos que exigem do Estado uma especial justificação para interferência e limitação daqueles específicos componentes do agir de seus cidadãos. Esses direitos à liberdade normalmente incluem um mínimo de liberdade de consciência, manifestação e religião, além de liberdade de escolha no que concerne a aspectos centrais da pessoa como ser humano, relativos à intimidade da vida pessoal do cidadão, ou referenciadas as suas preferências sexuais, educação dos filhos, matrimônio, procriação, saúde etc. Essa concepção de Liberdade como direito e não como licenciosidade permite-nos afirmar que ela pode sofrer – e de fato sofre – restrições diante de algum outro objetivo político considerado merecedor de uma proteção ainda mais especial. Com efeito, embora reconheçamos a importância da defesa das liberdades básicas, o certo é que permitimos inúmeras restrições ao seu exercício sem que admitamos existir qualquer violação aos nossos direitos de liberdade. De fato, nós limitamos por inúmeras maneiras a liberdade de expressão com o simples objetivo de evitarmos barulho em horas inconvenientes e proteger nosso direito a um tranqüilo repouso; limitamos a liberdade de escolha em termos de educação para garantir que todas as crianças sejam alfabetizadas, quando obrigamos seus pais, sob pena de prática de crime, a matriculá-las na escola; limitamos, inclusive, a liberdade de opção sexual, para garantir à maioria uma moralidade que ela deseja e o direito resguarda, quando não permitimos o casamento de homossexuais. Da mesma maneira, aceitamos restringir a liberdade contratual da parte mais forte para obtermos ganhos de igualdade econômica, ao protegermos a parte mais fraca da relação contratual, a exemplo das normas de ordem pública do código de defesa do consumidor. A razão porque admitimos tais restrições sem consideramos que nossa liberdade esteja sendo violada, é porque não consideramos a liberdade valiosa em si mesma, independentemente das conseqüências que sua defesa possa ter na vida dos outros e na nossa mesma. 114

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Pelo contrário, a liberdade só é considerada valiosa exatamente por causa das conseqüências boas que nós consideramos que ela produz na vida das pessoas. Liberdade não tem um valor intrínseco, separado do papel que possui na vida dos que dela desfrutam (se tivesse essa importância metafísica fundamental, não poderíamos jamais restringir a liberdade de expressão apenas para dormirmos mais tranqüilos). A defesa dos direitos da liberdade necessariamente passa pela premissa de que o exercício dessas liberdades conduz a uma vida melhor que a vivida sob quaisquer outras circunstâncias. Liberdade, portanto, se refere à independência, à autonomia que possui o indivíduo de, como pessoa moral que é, raciocinar, refletir e se conduzir por si próprio dentro de uma moldura jurídico-política. Isso envolve a capacidade de deliberar, julgar, escolher e agir diante de diferentes possibilidades de condutas seja no âmbito privado, seja no âmbito público. Para David Held,19 por autonomia se deve entender que “as pessoas devem desfrutar direitos iguais e, correspectivamente, iguais obrigações na especificação do quadro político que gera e limita as oportunidades a elas disponíveis; isto é, elas devem ser livres e iguais na determinação das condições de suas próprias vidas, enquanto elas não violarem esse quadro político, negando os direitos dos outros”. De ver-se, portanto, que o conceito de liberdade não é abstrato e absoluto, mas antes está vinculado a um específico quadro jurídico-institucional que tem como premissa limitadora-valorativa os direitos dos demais membros da coletividade.

4.1. Dois conceitos de liberdade Em termos descritivos, esse termo na linguagem política possui no mínimo dois sentidos diferentes, quando são relacionados ao querer ou ao agir dos indivíduos, respectivamente. Nessa ótica, a doutrina costuma dividir o conceito unitário de liberdade nos de liberdade negativa (agir) e positiva (querer).

4.1.1. Conceito de liberdade negativa O conceito de liberdade negativa na linguagem política conectase com a idéia de ausência de impedimentos exteriores à ação do agen-

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te. A liberdade do homem existe na medida em que nenhum outro homem ou grupo de homens interfere com as suas atividades. Nesse sentido, liberdade pode ser conceituada como a área que alguém pode agir sem sofrer a obstrução de outrem. Se estou impossibilitado de fazer, por cerceamento levado a cabo por terceiros, aquilo que, se não existisse tal restrição poderia fazer, deixo de ser livre nessa medida. Assim, quanto mais ampla a área de não interferência, mais ampla será a minha liberdade. O conceito de liberdade negativa contrapõe-se ao de coerção, se por coerção se considera qualquer deliberada interferência de terceiros na área em que o indivíduo poderia atuar; seja impedindo-o de fazer algo que tencione, tornando certas opções impossíveis para essa pessoa, seja praticando atos que coajam ou manipulem o agente na escolha das opções, constrangendo-o a fazer algo diverso do que colimava. Daí porque é comum na linguagem política a referência à liberdade negativa como sendo a ausência de impedimento e de constrangimento. A defesa dessa liberdade consistindo na meta negativa de contrapor-se à interferência, caracteriza o reconhecimento do desejo do homem de ser deixado sozinho, garantindo-lhe um núcleo de privacidade (right to be alone) reputado como algo sagrado pertencente à esfera de sua própria personalidade e dignidade enquanto pessoa. Esse é o significado da liberdade que tem sido concebido pelos liberais do mundo moderno. Liberdade como não interferência. A liberdade absoluta, entretanto como já visto anteriormente, é um ideal-limite impossível de ser atingido. De fato, apesar de seu forte apelo emocional positivo, a liberdade como qualquer princípio admite exceções e restrições em sua aplicação. A idéia de direitos ou princípios absolutos possui conotação anti-social. Daí porque continua a ser verdadeiro o fato de que a liberdade de alguns, em determinadas ocasiões, precisa ser restringida para que se possa assegurar a de outros. A idéia chave na concretização do princípio da liberdade é que deve ser conferida ao indivíduo a maior margem de liberdade possível compatível com as liberdades dos demais indivíduos. Por tal razão a moderna idéia republicana sobre liberdade a entende não como não interferência, mas como não dominação. A diferença, embora sutil, possui inegáveis contrastes. A liberdade como não dominação significa que o indivíduo é livre na medida em 116

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que ninguém tem a capacidade de interferir arbitrariamente em sua vida ou seus assuntos.20 A distinção entre as duas concepções de liberdade, é que liberdade como não interferência, invoca a noção de interferência, enquanto que liberdade enquanto não dominação, indo além, invoca a noção de interferência arbitrária. Uma interferência é considerada arbitrária quando o ato praticado está submetido somente ao arbítrio, decisão ou julgamento do agente, que se coloca numa posição de praticá-lo ou não a seu bel prazer.21 Nesse modo de pensar, liberdade é o estado de que desfruta o indivíduo que incapacita terceiros a interferir em seus assuntos (ou ter a possibilidade de fazê-lo) de forma arbitrária, ou seja, tomando por base para a prática do ato apenas a visão pessoal de bem ou do mundo externada por aquele que promove a intrusão. Assim, a interferência estatal baseada em pressupostos de defesa do bem comum e de princípios normativos partilhados pela comunidade não é considerada como ofensiva à liberdade individual, na medida em que, como já afirmava Rousseau, a liberdade está associada à participação na formação da vontade geral, que estabelece igualdade entre os cidadãos na qual eles podem desfrutar dos mesmos direitos.

4.1.2. Conceito de liberdade positiva Liberdade positiva na linguagem política equivale à autodeterminação. Traduz uma situação em que o indivíduo orienta suas decisões com base em sua vontade, sem depender ou estar vinculado aos desejos ou querer de outra pessoa. Essa liberdade reflete um estado em que o indivíduo se reconhece como um ser dotado de caracteres emocionais e também racionais que o capacitam a direcionar suas decisões por critérios e valores intrínsecos, mediante referência a suas próprias idéias, desejos e objetivos. Liberdade positiva remete ao tema da autonomia, ou seja, determinar-se a si próprio e não ser determinado pelos outros, como exemplarmente explicitado no pensamento de Isaiah Berlin: “O sentido ‘positivo’ da palavra ‘liberdade’ tem origem no desejo do indivíduo de ser

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seu próprio amo e senhor. Quero que minha vida e minhas decisões dependam de mim mesmo e não de forças externas de qualquer tipo. Quero ser instrumento de mim mesmo e não dos atos da vontade de outros homens. Quero ser sujeito e não objeto, ser movido por razões, por propósitos conscientes que sejam meus, não por causas que me afetem, por assim dizer, a partir de fora”.22 O autor que celebrou a liberdade positiva foi Rousseau ao definir a liberdade civil como o fato de obedecer só a si mesmo, na medida em que ao agregar sua vontade com as dos demais para a formação da vontade geral corporificada pela lei, “a obediência a lei que se estatuiu a si mesmo é liberdade”.23

4.1.3. A liberdade na Democracia A democracia assegura o direito à liberdade em seu todo unitário. A proteção à chamada liberdade negativa vem da própria tradição e formulação do Estado de Direito Liberal Burguês que tem como sustentáculo jusfilosófico a instituição e o reconhecimento de um estatuto jurídico-protetor negativo do cidadão frente ao Estado. Como é cediço, são três as características básicas do Estado Liberal de Direito, a saber: a) submissão ao império da lei, b) separação de poderes, c) enunciado e garantia dos direitos individuais. Essa última garantia é exatamente a que protege os direitos civis, também conhecidos como direitos de liberdade, na sua concepção negativa. O Estado democrático de direito é um passo além, embora indissociavelmente ligado à idéia de Estado de Direito. No particular concordamos com Canotilho e Vital Moreira,24 quando afirmam que o Estado de Direito só o é verdadeiramente enquanto democraticamente legitimado tanto pela sua formação quanto pelo seu conteúdo. Por outro lado, o Estado Democrático só o é genuinamente enquanto a sua organização e funcionamento assentam no direito e não na prepotência. No que concerne à defesa das liberdades positivas na democracia, esta pode ser visualizada na enunciação e reconhecimento da sobera-

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nia popular como fonte primeira e última do domínio do homem sobre o homem. A autoridade política só pode derivar do próprio povo (diretamente ou mediante representação eleitoral), pois é o povo que detém a titularidade da soberania ou do poder político. Essa liberdade consistente na manifestação da vontade do cidadão quanto ao conteúdo das decisões políticas de sua comunidade pode se dar de forma direta através dos institutos do plebiscito ou referendo, ou, indireta, através do direito de sufrágio, direito público subjetivo de natureza política que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal. Discorrendo, no particular, sobre a função de uma constituição democrática, Klaus Stern25 averbou: “a) La Constitución tiene como tarea garantizar y assegurar la libertad y la autodeterminación del individuo. Este elemento

essencial de la Constitución estaba ya tambiém incluído en el Art. 16 de la Declaración de Derechos del Hombre...La idea de la Constitución y la declaración de derechos son ‘dos irradiaciones de la misma atmósfera espiritual’...La Constitución ‘verdadera’ y completa sólo nasce cuando en ella se contiene la posición básica del individuo en el Estado, en especial los derechos subjetivos fundamentales del hombre frente al poder del Estado. Los derechos fundamentales de la libertad personal y política. El orden de la libertad y del poder no son en una constitución elementos contrapuestos, sino una estructura inseparable. Se trata de contenidos inescindibles. La unión de ambos en el documento constitucional es la gran conquista de finales del siglo XVIII... Esta síntesis dió su cuño al Estado Constitucional moderno. Los derechos fundamentales hicieron que la Constitución se convirtiera ao mismo tiempo en ‘basis and foundation of government’. Si se sigue la história del desarrollo de la idea moderna de la Constitución y de los derechos fundamentales, resulta acertada la afirmación de C. Schmitt según la cual ‘la Constitución no es en primeira línea poder y brillo des Estado, sino liberté, protección del ciudadano frente ao abuso del poder estatal’.”

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b) Pero la Constitución no pretende simplesmente garantizar la libertad frente ao Estado, sino también la libertad en el Estado, es decir, la participación del ciudadano en el poder del Estado y su legitimación mediante el ciudadano. En este sentido se trata da transformación del ciudadano de objeto de la política (súbdito) en sujeto de la política (ciudadano). La constitución assegura en consecuencia los derechos de participación essenciales, como el derecho de elección y ao acesso a los cargos públicos. Esta idea de la democracia fue la que, juntamente com la idea de libertad, dió su cuño al Estado Constitucional moderno.” (grifos no original) Liberdade e democracia são conceitos indissociáveis. A democracia é a forma de organização política que permite o florescimento e desenvolvimento da liberdade individual, ao possibilitar, de forma mais ampla e abrangente, a busca da felicidade pessoal de cada indivíduo. Quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se liberta dos obstáculos que o constrangem e mais liberdade conquista.26

5. Democracia e efeito vinculante No presente tópico se pretende demonstrar que a adoção do efeito vinculante das decisões dos tribunais superiores é consectário do princípio democrático, ou pelo menos, o que é uma tese mais débil, não é incompatível com a idéia de democracia. A argumentação, a exemplo do que vem sendo feito, se fará em ternos de modelo ideal e não de regimes democráticos reais, se bem que a abordagem empírica seria mais fácil e cômoda. Nessa hipótese, bastaria a remissão a experiências alienígenas da adoção desse instituto, v.g., nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Espanha, Alemanha etc., todos países democráticos, para demonstrar e comprovar a compatibilidade da democracia com o efeito vinculante. Seguiremos, porém, com a linha metodológica até aqui utilizada. Por efeito vinculante deve ser entendida a obrigatoriedade das cortes inferiores seguirem o entendimento esposado pelas Cortes Superiores quanto ao sentido da lei em um determinado suposto concreto, toda vez que esse suposto for trazido novamente à apreciação do judiciário. Essa obrigatoriedade tem sido, então, acoimada de autoritá-

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ria e, conseqüentemente, antidemocrática por violar a liberdade de julgar de todo e qualquer órgão jurisdicional. Democracia, a seu turno, pode ser conceituada como a auto-organização política autônoma de uma comunidade, a qual se constituiu com o auxílio do sistema de direitos, como uma associação de membros livres e iguais do direito. Igualdade e liberdade são, portanto, valores imanentes e intrínsecos da democracia. A questão que se põe nesse modelo teórico ideal é como se deve solucionar a tensão que pode existir entre a liberdade de pensar e agir autonomamente que, como igual, todo indivíduo tem, quando confrontado com uma decisão política não unânime e da qual eventualmente discorde. É o que se abordará no tópico a seguir.

5.1. O princípio majoritário O ideal da auto-organização social é que ela conte com o apoio de todos e que seja fruto de uma decisão unânime. O ideal limite da liberdade seria, então, plenamente alcançado. Ocorre que, como já assinalado anteriormente, essa liberdade absoluta é uma utopia. Mesmo em termos de modelo teórico não se pode afastar hipóteses em que a perseguição de um objetivo por um ou alguns membros da coletividade implicará necessariamente na restrição ou limitação da liberdade de outros. Daí porque se afastou a idéia de liberdade como ausência de qualquer restrição ou interferência, para compreendê-la como ausência de restrição ou interferência arbitrária. É que uma ordem social genuína é incompatível com a ausência de alguma interferência. Assim, se como ocorre na democracia, se reputa a liberdade como um valor base de organização social, há que se encontrar técnicas que possibilitem limitar esse valor, apenas no mínimo essencial, para permitir a existência de uma sociedade juridicamente organizada. Em sede de decisões democráticas essa técnica se consubstancia na adoção do princípio da maioria. No que diz respeito às modalidades de decisão, a regra fundamental da democracia é a regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e, portanto, vinculatórias para todo o grupo – as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar a decisão.27 Tratando da questão da legitimida-

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de das decisões na democracia em sua tensão dialética com a liberdade individual é exemplar a argumentação de Kelsen, quando expõe: “O grau máximo possível da liberdade individual, e isso quer dizer a aproximação máxima possível do ideal de autodeterminação compatível com a existência de uma ordem social, é garantido pelo princípio de que uma modificação da ordem social requer o consentimento da maioria simples dos sujeitos desta...Como liberdade política significa acordo entre a vontade individual e a vontade coletiva expressada na ordem social, é o princípio da maioria que assegura o grau mais alto de liberdade política possível dentro da sociedade.”28 A democracia, portanto, tem como suporte ineliminável o princípio majoritário. Apesar disso, ou talvez exatamente por isso, não existe um preceito constitucional a reconhecer o princípio majoritário como princípio constitucional geral. Várias normas apontam, porém, nesse sentido. No artigo 60, § 2o, exige-se uma maioria altamente qualificada de três quintos dos votos dos membros do Congresso Nacional para ser aprovada emenda constitucional; no artigo 66, § 4o, exige-se maioria absoluta para derrubada de veto presidencial; o artigo 69 exige o mesmo quorum para aprovação das leis complementares; o princípio da maioria é, ainda, mencionado a propósito da declaração de inconstitucionalidade das leis ou ato normativos do Poder Público, pelo Poder Judiciário. O efeito vinculante decorre do princípio democrático quando se tem em conta sua função de reforçar o princípio da regra da maioria. Como se sabe, o ideal democrático é que a legislatura inove na ordem jurídica fazendo leis, que o Executivo as execute de ofício e que o Judiciário as aplique na resolução de uma determinada lide. A realidade, porém, didaticamente, cuidou de demonstrar que o Poder Legislativo não pode prever e, portanto legislar, sobre todas as situações do mundo da vida. Por outro lado em inúmeras hipóteses, o Legislativo premeditadamente evita a regulação de certas questões, ou as regula de forma ambígua, vez que os atos legislativos decorrem seguidamente de compromissos entre várias forças e valores, o que torna esse Poder muitas

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vezes incapaz de fazer escolhas políticas difíceis. A conseqüência dessa característica intrínseca da Legislatura é “que a legislação é redigida continuamente em termos vagos; muitas vezes deixando delicadas escolhas políticas à fase da sua interpretação e aplicação”.29 Tais ambigüidades são, via de regra, resolvidas por decisões judiciais. “As Cortes Judiciárias, único dos Poderes do Estado que não é eleito, rotineiramente escolhem entre uma variedade de possíveis interpretações daquele ato legislativo, qualquer das quais o Poder Legislativo poderia ter legitimamente escolhido.”30 Ao se seguir estritamente uma regra de efeito vinculante quanto àquela interpretação adotada pela Suprema Corte, as Cortes Judiciárias podem enviar um claro sinal ao Congresso de que ele não pode abdicar completamente de sua função legislativa. Dessa forma, seguindo estritamente uma determinada interpretação da lei dada pela Corte Superior, o Poder Judiciário pode dar importante contribuição na afirmação de importante valor democrático. Assim, recusando-se a usurpar a regra da maioria que pertence ao Legislativo, as Cortes podem impor aos cidadãos eleitores o ônus (rectius: direito) de instar a legislatura a corrigir qualquer interpretação politicamente errônea ou inconveniente porventura levada a efeito pelo Judiciário. O presidente da Suprema Corte Americana na década de 40, Justice Stone foi o maior expoente dessa orientação. Ele argumentou que, se o congresso não modifica uma lei para invalidar a interpretação dada pelo precedente judicial e, especialmente, se ele reedita a lei sem mudar a sua linguagem operativa, presume-se que o congresso aprovou a interpretação judicial.31 Na orientação jurisprudencial norte-americana é recorrente o argumento da capacidade do Poder Legislativo de reverter uma “errônea” interpretação da intenção legislativa, como a principal justificação das cortes para a sua extraordinária relutância em invalidar um precedente baseado na interpretação de uma lei (statute-based precedents). “A maioria em Johnson v. Transportation Agency of Santa Clara City recentemente capturou a essência desse argumento: quando uma

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corte diz para a legislatura: ‘você (ou seu predecessor) disse X’ nós quase convidamos a legislatura a responder: ‘nós não dissemos não’.”32 Poder-se-ia argumentar, como se faz na experiência norte-americana, que esse argumento não se aplica quando se trata de interpretação constitucional dada a maior dificuldade de se aprovar uma emenda à constituição. Essa linha de argumentação é mais prática do que teórica. Se houver vontade, o congresso, porque detém esse poder, inevitavelmente corrigirá a interpretação judicial ainda que via emenda constitucional. As exceções das cláusulas pétreas, exatamente por serem exceções não são fatais para a argumentação. Por outro lado, a realidade brasileira – que é o que em última instância importa – demonstra a relativa facilidade para se emendar a constituição, inclusive, quando o Legislativo desaprova a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal. Um claro exemplo dessa hipótese, pode ser visualizado na recente decisão do STF que, ao interpretar o artigo 29, IV, da Constituição, reconheceu que referido dispositivo constitucional estabeleceu um critério de proporcionalidade aritmética para o cálculo do número de vereadores, não remanescendo aos Municípios autonomia para fixar esse número discricionariamente.33 Essa interpretação reduziu o número de vereadores nos municípios brasileiros. Discordando da interpretação conferida a sua intenção, o Legislativo imediatamente ressuscitou propostas de emenda à constituição existentes sobre o tema, que modificam o teor da decisão judicial, imprimindo célere processamento.34 Como se sabe, em uma democracia é o Poder Legislativo o órgão democraticamente legitimado a tomar as decisões políticas fundamentais no mister de outorgar a boa vida aos cidadãos. O caráter da repre-

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sentatividade das modernas democracias não reduz esse papel fundamental. A uma, porque em razão do princípio da inclusão, todos (tirante os incapazes e que estão de passagem) podem eleger seus representantes e postular o direito de serem eleitos como representantes. A duas, porque a representação significa atuação no interesse do povo e disposição para responder em congruência com os desejos e necessidades dos representados.35 Se não agirem de conformidade com esse sentido valorativo, os representantes podem ser periodicamente removidos o que não ocorre com os membros do Poder Judiciário. Nesse sentido, o efeito vinculante contribui para a “preservação do princípio da separação de poderes ao reforçar o judicial restraint”,36 e reconhecer que o poder criativo do judiciário não possui a mesma amplitude e largueza do Poder Legislativo. Em síntese, o efeito vinculante não é em si mesmo um princípio democrático, na medida em que não altera em nada a natureza autocrática de qualquer decisão judicial. Entretanto, sua adoção promove, ainda que indiretamente, a regra-valor da maioria ao capacitar o judiciário para resistir à tentação de repetidamente “legislar” – ainda que para o caso concreto – sobre o mesmo assunto, interpretando e reinterpretando uma particular norma legal.

5.2. Democracia e independência judicial Como já averbado anteriormente, a adoção do efeito vinculante tem sido acoimada de autoritária e de andar às testilhas com os princípios que informam o Estado Democrático de Direito, notadamente o da independência judicial funcional (independência com relação aos Tribunais) que visa preservar o juiz de ingerências que possam ocorrer dentro da própria instituição.37 O cerne dessa argumentação reside na idéia de que o princípio da independência judicial teria por finalidade garantir que no processo de mediação entre a lei e cada um dos tribunais não se interpusesse qualquer poder, mesmo que emergente de sua unidade de corpo, suscetível de frustrar o êxito incondicional da lei ou que pudesse filtrá-la e desviá-

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la mediante quaisquer outras intenções normativas, que não pura e exclusivamente as legalmente prescritas.38 Esta tese postula a defesa intransigente de uma “liberdade individual” do juiz de aplicar a lei vinculado apenas aos ditames de seu “livre” convencimento. Luiz Flávio Gomes39 expressamente assume essa defesa ao averbar: “O que está em jogo, em última análise é a ‘liberdade individual’ do juiz, bem como uma das bases do próprio modelo de Estado instituído pela nossa Constituição de 1988. Quando Montesquieu, no seu famoso livro XI, Capítulo VI, do O Espírito das Leis delineou a separação de poderes, tinha em mente exatamente a organização estatal e a liberdade individual”. O que se pretende demonstrar é que tais críticas partem de uma premissa falsa, estando equivocados aqueles que reconhecem no efeito vinculante um instrumento que ameaça a ordem democrática por partirem de uma visão distorcida do que seja e qual a função da independência judicial. Mais do que isso se pretende demonstrar que tal instituto guarda, ao revés, plena compatibilidade com a democracia, através da íntima relação que mantém com os princípios estruturantes daquela: a igualdade e Liberdade.

5.2.1. Independência judicial e imparcialidade Inicio este tópico na tentativa de desfazer alguns equívocos, desde logo postulando o entendimento de que liberdade e independência judicial são institutos distintos. A falta de um nítido critério de distinção entre esses termos tem provocado deploráveis confusões e conduzido a discussões estéreis. O critério que proponho para evidenciar a diferença é o da finalidade. Esclareço. Liberdade é um valor em si mesma. Ou seja, é um estado de uma pessoa, ao qual se agrega significado emotivo extremamente positivo e, portanto é, em última instância, uma meta desejável que tem por finalidade afastar um poder opressivo. A independência judicial é somente um meio para se alcançar determinado fim. A separação e independência dos poderes compõem um sistema que “aparece como resultado de um processo lógico-racional para assegurar a vigência da liberdade”.40 O objetivo expresso desse sistema é evitar que aquele que crie a lei,

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também a execute e/ou a aplique na solução de um litígio. A divisão de poderes tem como repercussão na esfera judicial, em termos publicistas, a outorga da independência judicial como forma de garantir o distanciamento e, portanto, a imparcialidade do Estado Jurisdição frente ao Estado Administração/Legislação. A independência judicial é garantia instrumental destinada a assegurar imediatamente a imparcialidade das decisões que os jurisdicionados recebem e mediatamente a liberdade individual dos cidadãos, não do próprio Estado juiz. O princípio da imparcialidade, a seu turno, visa refrear um abuso característico de qualquer sociedade na qual há governantes e governados: o abuso derivado do juízo parcial, que é aquele dado por uma das partes em conflito. Da limitação desse abuso deriva uma garantia de liberdade do indivíduo contra o Estado, na medida em que o Poder Executivo não pode prevaricar com o Judiciário em função da independência pessoal deste em relação àquele. Liberdade é fim, enquanto independência judicial é meio para se alcançar um fim. Esta, em última instância, visa outorgar uma (não a única) garantia da liberdade do indivíduo frente ao Estado. Um fim não pode, sob pena de confusão conceitual, confundir-se com o meio. Repise-se, a independência judicial é um instrumento de concretização do princípio da imparcialidade. A questão atinente à imparcialidade do Estado remonta, ainda que de modo indireto e mediato, à antigüidade clássica, cujas formulações sobre a melhor forma de governo já demonstram uma particular sensibilidade para o problema. Platão, ao desenvolver seus estudos sobre as formas de Governo, procurou demonstrar que a degeneração da mais perfeita para a menos perfeita, tem como causa essencial uma idéia de progressiva falta de resistência às ligações corruptíveis, daí porque relaciona o decaimento da democracia em tirania, com base no excesso de liberdade e na conseqüente negligência da ação governativa. Esta negligência é considerada causa de uma censurável imoralidade pública. Pela mesma senda segue Aristóteles, em quem se observa notável preocupação sobre o tema. A análise de sua sistematização das formas de governo permite a localização de um núcleo de moralidade pública, na medida em que, para além da determinação de quem governa, o filósofo incorpora um elemento valorativo que diz respeito exatamente aos

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interesses perseguidos.41 Assim, a degeneração da democracia decorre em grande parte da permeabilidade do poder à ação dos demagogos, que irão fazer prevalecer interesses de determinados setores sociais. É, entretanto, com o surgimento do Estado Liberal e sua ideologia de neutralidade, conjugado com a teoria política de separação de poderes desenvolvida por Montesquieu, que as questões de moralidade e isenção políticas migram do campo das grandes opções de organização dos modos globais de formas de governo, para o nível particularizado das relações geradas através da atividade estatal, primeiramente a jurisdicional e posteriormente a administrativa, que mais proximamente estabelecem o diálogo entre o Poder e a Sociedade. A partir daí, começam a surgir de modo mais amiúde as diversas concepções do sentido do princípio da imparcialidade. Uma dessas concepções, até hoje adotada por nossos constitucionalistas, é a que resulta de uma determinada compreensão do contraponto negativo – parcialidade - e que se limita a retirar daquele princípio os comandos que o princípio da igualdade - visto numa perspectiva meramente formal e circunscrito à função legislativa - contém. Ou seja, pelo princípio da Imparcialidade, estaria toda e qualquer atividade estatal limitada no sentido de que, entendido aquele como corolário lógico do princípio da igualdade, imporia ao Estado o dever de tratar de modo igual, situações idênticas e que cobre, valorativamente, a proibição de discriminações positivas e negativas.42 É exatamente nesse prisma, em redor da premissa que encontra no valor imparcialidade uma proibição de decisões que impliquem o privilégio ou o prejuízo daqueles que se colocam sob o seu espaço de operatividade, premissa essa cuja base fundante se assenta no repúdio a uma indevida convergência de interesses privados exorbitante do núcleo central do interesse público em causa, que se encontra o entendimento tradicional do princípio da imparcialidade. A análise da evolução das idéias relacionadas com o sentido clássico da imparcialidade demonstra que é da composição legislativa em torno da proibição de confusão (nemo iudex in causa propria), privilégio e prejuízo de interesses, que se isolou a imparcialidade como princípio jurídico com incidência na atividade jurisdicional do Estado.

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Assim, pode-se inferir que, das várias leituras possíveis do princípio da imparcialidade como princípio jurídico globalmente reconhecido, um conceito mínimo, cujo núcleo é unanimemente reconhecido pelas diversas concepções que dele decorram, reside na premissa de que a sua descodificação tem colocado no seu centro ativo a proibição de favores e odia. Esse conceito revela uma vertente subjetiva do princípio da imparcialidade, na medida em que, limitando a inclusão na decisão de interesses não relevantes, proíbe expressamente a introdução no processo decisório de interesses valorizados na sua componente subjetiva. Onde se verifica, portanto, uma intenção de favorecer ou prejudicar alguém, existe expressa violação ao princípio da imparcialidade.43 O princípio da imparcialidade, não há discordância doutrinária quanto a esse ponto, materializa, assim, uma exigência de isenção e neutralidade decisória. A decisão não isenta é a decisão cuja ponderação engloba interesses de parte que não são relevantes no contexto decisório. As técnicas para se garantir, então, a isenção e neutralidade necessárias ao correto exercício da função jurisdicional, abrangem desde a elaboração de normas relativas, à distribuição procedimental de competências, vocacionadas para que não se verifique uma personalização do processo de construção da decisão44 (princípio do juiz natural – CF, art. 5o, XXXVII, LIII), até aquelas vocacionadas a impedir o ingresso no processo decisório de quem possa ter interesse direto ou indireto no objeto do processo. Tais regras vêm como garantias da imparcialidade, estabelecer a concretização de uma idéia de imparcialidade que se vai formando em torno da proibição de favorecimento ou prejuízo de interesses que se colocam frente a frente com o interesse público e os interesses do titular do órgão jurisdicional. Conforme vinha-se de ver, a linha tradicional da compreensão do princípio da imparcialidade tem sido orientada à luz de regras de garantia que regulam o dever de abstenção do titular do órgão que tenha interesse pessoal na decisão ou relações particulares com os

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interessados, com o claro propósito de obviar que sejam introduzidos na decisão, interesses personalizados. Modernamente, porém, a doutrina tem avançado na conceituação do princípio da imparcialidade, para considerá-lo violado não apenas quando a decisão incorpora elementos irrelevantes para o interesse em litígio, mas também quando deixa de incorporar elementos relevantes para a correta adjudicação da lide. Nesse sentido moderno, pode-se ver uma profunda ligação entre o princípio da imparcialidade e o efeito vinculante. Como se demonstrou alhures, independência judicial e liberdade guardam íntima conexão (relação de meio e fim), mas não se confundem. A liberdade individual pode sofrer danos e riscos se houver interferência na independência judicial, apenas se essa interferência implicar em perda da imparcialidade do juiz. E, sinceramente, não vejo razões para afirmar que a imparcialidade do juiz fica prejudicada ao seguir, necessariamente, o precedente judicial das Cortes Superiores. Um juízo é parcial, quando leva em consideração o interesse de apenas uma das partes, ou quando dado por uma das partes em litígio. Ao seguir a interpretação do direito feita pelas Cortes Superiores, o juiz não está decidindo consoante um juízo dado por uma das partes, mas por terceiro – outro órgão judicial – que também é imparcial. Assim, como a decisão proferida no precedente foi imparcial, a corte inferior ao segui-la, necessária e não apenas contingentemente, também estará decidindo de forma imparcial. Na verdade, ele estará apenas, aplicando, de forma racional, o direito ao caso concreto na medida em que o direito só existe e se realiza com a sua aplicação. A lei não é lei em seu real sentido enquanto não for aplicada o que demanda uma etapa anterior referente a sua interpretação. Aplicar a lei tal como entendida pelas Cortes Superiores nada mais é do que aplicar a lei, pois o ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota de definitividade.45 Trabalhando nessa linha, Habermas já esclarecia que a clássica separação de poderes, diríamos nós, independência entre os poderes, é explicada através de uma diferenciação das funções do Estado. O

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Legislativo fundamenta e vota programas gerais, a justiça soluciona, nessa base legal, conflitos de ação e a administração implementa as leis que necessitam de execução. “Ao decidir autoritariamente no caso particular o que é o direito e o que não é, a justiça elabora o direito vigente sob o ponto de vista normativo da estabilização de expectativas de comportamento.”46 A estabilidade e uniformidade do direito são tão importantes a ponto de Tzu afirmar que, “um direito ruim é melhor que nenhum direito, porque estabelece uniformidade. Se alguém reparte dinheiro tirando a sorte na cara ou coroa, não significa que tal método conduza uma justa divisão, mas um litígio, entretanto, terá sido evitado.”47 A afirmação de Tzu deve ser encarada cum granus salis, mas pode ser bem compreendida no âmbito da discussão entre democracia, independência judicial e efeito vinculante. É que se a independência judicial fosse incompatível com a adoção do efeito vinculante por violar a liberdade individual do juiz de julgar conforme sua própria consciência independentemente do que já está pacificado e uniformizado no seio dos tribunais superiores, isso significaria que cada juiz seria absolutamente livre, diante de um mesmo suposto fático, para julgar o que o direito é. Consectário natural é que, em tal hipótese, o direito poderia ser qualquer coisa e, por conseguinte, coisa nenhuma. Nessa situação de extremos, com razão Tzu. Melhor é um direito ruim do que nenhum direito. Daí porque permanece atual a advertência feita por Roscoe Pound no início do século passado, de que o generalizado ataque ao dever das cortes de seguirem os precedentes judiciais, antes de democrático, em verdade é parte da revivescência do absolutismo, verbis: “Como as coisas estão atualmente, não posso deixar de pensar que muito do ataque ao stare decisis é uma parte do renascimento do absolutismo que é tão proeminente no pensamento político e jurídico ao redor do mundo. Isso vai ao encontro da agitação para a revogação do bill of rights, tornando o legislativo o único juiz de seus próprios poderes, e libertando as agências administrativas do controle judicial, da qual temos ouvido bastante nos

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últimos anos. Enquanto estamos nos livrando do sistema de freios e contrapesos e colocando outras formas de ações oficiais livres de controle, porque não deixar o judiciário livre também? Porque não instituir um regime de decisão livre que é para permitir às cortes decidirem os casos como únicos sem obrigação para um curso de decisão uniforme e previsível? Tudo isso é parte de uma reação geral contra o ensinamento sedimentado na América do século XIX que se opunha ao depósito de poderes ilimitados em qualquer lugar. O pensamento de hoje é tão intolerante quanto a poderes governamentais limitados quanto os do século passado eram sobre poderes absolutos. É instrutivo comparar a demanda de hoje que as cortes sejam livres para decidir cada caso sem referência ou à decisões passadas ou casos semelhantes com não menos demanda insistente no último quartel do século XIX, e até na primeira década do presente século, que não se deve permitir às cortes desenvolver o elemento tradicional de nossa lei, que não deve ser permitido a elas desenvolver experiência pela razão, mas que tudo no processo do fornecimento de elementos para decisão e meios práticos para ajustar relações ou ordenar condutas deve ser feito e somente feito via legislação. As cortes deveriam ser confinadas à uma aplicação lógica e mecânica de regras legais fixadas. Se elas fizessem qualquer coisa a mais, era considerado usurpação. Talvez o principal divisor de águas tenha sido atingido por uma geração anterior quando, de um lado os apóstolos do progresso estavam alertando as cortes para não emendar a constituição por interpretação espúria, e, de outro lado, os mesmos escritores estavam as atacando por estarem aplicando os cânones ordinários de interpretação genuína para dar um sentido razoável a uma lei. Como é usual quando tão extremas posições são tomadas, a verdade repousa entre elas.”48 Por tudo isso se pode afirmar que o efeito vinculante não é incompatível com a democracia. Bem da verdade, pode-se ir além e afirmar que o efeito vinculante reforça princípios democráticos. De fato, como já visto, modernamente o princípio da imparcialidade incorpora uma vertente positiva que exige do julgador a consideração de todos os elementos relevantes para a solução do litígio quando de sua decisão.

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Nesse sentido, ao excluir da decisão o entendimento consolidado nos tribunais superiores sobre o que o direito é, o juiz passa a decidir com base em pressupostos anímicos subjetivos, violando o princípio da imparcialidade. Por isso o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado que “observar-se a jurisprudência firme da Corte não implica ofensa ao livre convencimento do juiz”49 e o Superior Tribunal de Justiça, seguindo a mesma trilha, afirmou que “o direito deve emitir solução uniforme para relações jurídicas iguais. Entendimento pessoal não deve ser óbice à harmonia da jurisprudência”50 Evidentemente que essa conseqüência inexorável do efeito vinculante não retira do juiz o poder-dever de decidir a questão que lhe foi posta para julgamento, senão que apenas “reduz a abstratividade genérica da lei ou a torna menos abstrata”.51 De fato, o instituto do efeito vinculante não retira a jurisdição das cortes inferiores, apenas lhe reduz a discricionariedade ao impor limites substantivos para sua decisão, como aliás a legislatura pode e rotineiramente o faz. Um exemplo esclarecerá: o legislador pode estabelecer uma regra outorgando jurisdição ao juiz para: a) em caso de condenação pela prática de um crime, considerando todas as circunstâncias envolvidas, decidir qual seria o regime ideal de cumprimento da pena, se aberto, semi-aberto ou fechado; b) em caso de condenação, ao considerar todas as circunstâncias envolvidas – subjetivas e objetivas – dar prioridade às objetivas, v.g., a pena aplicada, para decidir qual o regime ideal de cumprimento da pena; c) em caso de condenação por algumas espécies de crime, desde logo definir que ela deve ser cumprida em regime fechado, v.g., no caso dos crimes hediondos. Todas essas três regras são equivalentes em termos de jurisdição, na medida em que as mesmas disputas entre as mesmas partes estão sujeitas à mesma jurisdição, mas elas diferem bastante na medida em que os conteúdos das decisões no exercício da jurisdição são guiados por diferentes regras substancialmente regulativas.52 A primeira é mais abstrata e confere uma discricionariedade bem mais ampla que as outras duas; discricionariedade essa que vai paulatinamente sendo

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reduzida na segunda até ser praticamente eliminada na terceira regra. Se ninguém nega que ao assim agir o legislador se move dentro dos limites que são conferidos a sua função, não se pode deixar de reconhecer como legítima a redução dessa discricionariedade judicial pela imposição de limites substantivos representados pelo instituto do efeito vinculante, quando tais limites forem impostos pelo legislador democrático. O limite substantivo imposto pelo legislador, via efeito vinculante, é exatamente o conteúdo extraído da interpretação conferida pelas cortes superiores a um determinado suposto normativo. A imposição desse limite substantivo não significa que o juiz ou tribunal inferior deva concordar com a decisão da Corte Superior. A tanto, o efeito vinculante não vai, nem exige do decisor. O juiz pode discordar da decisão superior, como também pode discordar da opção política substantiva acolhida pelo legislador. O que não pode fazer é desconsiderá-la – como não pode simplesmente deixar de aplicar a lei de que discorde – devendo, em razão, dentre outros, do princípio da imparcialidade, aplicá-la enquanto não for modificada ainda que faça ressalva de seu entendimento. Exemplar a argumentação do Ministro Oscar Correa, no julgamento do RE 104.898/RS53 sobre o tema em questão: “Que mantenha o juiz sua convicção contrária à decisão de sua Corte, ou mesmo da Corte Suprema, admite-se, nem importa rebeldia; mas, aplicando-a, enquanto não muda. Que se recuse a aplicar a diretriz firmada pela maioria, ou como no caso que insista em aplicá-la – consubstanciada em súmula e aplicada sem discrepância, pelo Supremo Tribunal Federal – não se justifica: força a parte condenada a mais um ônus, retarda a decisão final; sobrecarrega, injustificavelmente, o aparelho jurisdicional (local e do Supremo Tribunal Federal), sem qualquer proveito.” Assim, desconsiderando todos esses elementos relevantes em sua decisão sem qualquer proveito para ambas as partes, vencida e vencedora, mas apenas para satisfazer seu entendimento pessoal, o juiz viola o princípio da imparcialidade e retira muito da força moral de sua decisão. A credibilidade é a maior arma (se não a única) que o Poder Judiciário tem para impor suas decisões e ela decorre do fato, acolhido por toda a coletividade, que as decisões judiciais são fruto de um pro-

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cesso racional e impessoal e não decorrência de um ato marcado pelo subjetivismo de quem o pratica. Vê-se, portanto, que ao invés de andar às testilhas com o princípio da independência judicial o efeito vinculante reafirma os elementos axiológicos que a estruturam.

5.2.2. Liberdade democrática e Efeito vinculante No tópico anterior demonstrou-se a compatibilidade entre a garantia democrática da independência funcional do juiz e o instituto do efeito vinculante, afastando-se a confusão conceitual entre a independência do juiz e a liberdade. Nada obstante, tencionando colmatar qualquer lacuna argumentativa, no presente tópico enfrenta-se a questão partindo-se do pressuposto de que, mesmo que se persista na confusão conceitual entre o instrumento-garantia (independência funcional do juiz) e o valor objeto de proteção (liberdade individual), não existe qualquer incompatibilidade entre o valor democrático da liberdade e o efeito vinculante. Escandindo-se, como o faz a doutrina clássica, o conceito de liberdade em liberdade de querer (liberdade positiva) e liberdade de agir (liberdade negativa), pode-se desde logo afirmar que o tema nem mesmo comporta discussão, por fugir do seu âmbito de proteção, quanto a esta última forma de liberdade. Com efeito, não há que se falar em violação à liberdade negativa do juiz pela adoção do efeito vinculante, na medida em que esse instituto não impede o agir do juiz. O instituto do efeito vinculante não se confunde com uma avocatória que tira a possibilidade do juiz exercer jurisdição e sentenciar o feito pondo fim ao litígio. O juiz ou tribunal inferior pode e deve agir; apenas, ao fazê-lo, deve obedecer, seguir e respeitar o entendimento das cortes superiores sobre o que é o direito naquela específica circunstância. Liberdade negativa e efeito vinculante são, portanto, plenamente compatíveis. Apesar de rejeitada de plano a questão quando se fala em liberdade negativa, em termos de liberdade positiva a alegação comporta um certo nível de discussão. Liberdade positiva é uma qualidade da vontade, do querer pessoal do indivíduo. Embora o juiz quando julga não é livre nesse sentido, pois ele não decide porque ele quer decidir (essa é a sua função) nem o que ele quer decidir (ele aplica a lei na solução de uma lide) não se pode e nem se quer negar que toda decisão contém um resíduo de voluntarismo. No mínimo, o juiz manifesta o seu querer de julgar a lide com base em seu próprio convencimento sobre os fatos e sobre o sentido da lei, com base na interpretação que ele, juiz, confe135

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re ao texto normativo para dizer o que o direito é. Nesse sentido, não há como negar a presença da liberdade em sua função positiva e, na medida que o juiz ou tribunal inferior não pode decidir dessa forma, jungido e imbricado que está à interpretação conferida pelas cortes superiores em virtude da adoção do efeito vinculante, força é reconhecer que o instituto do efeito vinculante interfere em certa medida com a independência (liberdade) do juiz. Dessa afirmação, porém, não decorre necessariamente a conclusão de que o efeito vinculante viola a independência do juiz. É que, como já visto anteriormente, o conceito republicano (vocábulo latino para expressar a forma de governo grega democracia)54 de liberdade não rejeita a idéia de interferência, repelindo-a apenas quando se mostrar abusiva. Assim, pode-se concluir pela compatibilidade do efeito vinculante com a liberdade democrática, pois a adoção desse instituto, embora em termos amplos possa ser considerada como uma espécie de interferência no atuar do juízo vinculado, por sua natureza e fundamentos permite afirmar que essa interferência não é arbitrária e, portanto, é compatível com a idéia de liberdade que repele apenas a interferência como dominação. E não é arbitrária, porque se baseia na noção conceitual do bem comum na medida em que visa fortalecer princípios cardeais à democracia como igualdade55 e legalidade56 e seus consectários naturais de justiça, ordem, segurança, paz, harmonia etc. Por outro lado, partindo-se da ótica da liberdade individual dos jurisdicionados, o efeito vinculante privilegia, ainda que indiretamente, o valor liberdade. De fato, nunca é demais repisar, que as decisões judiciais são vistas como um produto de uma aplicação racional de regras legais e não produto de meras apreciações políticas ou pessoais. Existindo uma firme e consolidada jurisprudência no seio dos tribunais superiores, não pode se considerar razoável que, apenas por divergência de opinião, o juiz inferior decida contrariamente aos tribunais superiores, cuja única conseqüência será ver sua decisão contrastante reformada subseqüentemente, sem quaisquer benefícios para qualquer das partes ou para o bem comum. Esse proceder, como já decidiu o

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Superior Tribunal de Justiça, além de desarrazoado porque tal decisão resultará ineficaz, “seria quase uma deslealdade para com a parte, o juiz incutir-lhe esperanças infundadas”.57 Assim, se se tem em conta a possibilidade de que as decisões dos juízes, porque expressamente contrárias ao entendimento já esposado pelas Cortes Superiores, podem refletir a idéia de que são frutos não de uma reflexão racional, mas decorrem de uma manifestação de vontade de um único juiz, vontade essa dissonante do que já sedimentado nos Tribunais, está-se diante de uma interferência arbitrária por parte do Estado-Juiz na liberdade dos seus cidadãos-jurisdicionados, interferência essa que a adoção do efeito vinculante tende a eliminar.

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PARTE II DA APLICAÇÃO DO EFEITO VINCULANTE

Capítulo 4 O Precedente Judicial nos Sistemas da Common e Civil Law

1. Introdução A importância dos precedentes judiciais na elaboração e desenvolvimento do direito tem crescido sobremaneira nas últimas décadas no sistema jurídico pátrio. Paulatinamente, parte da doutrina nacional já tem caminhado para o reconhecimento da jurisprudência como uma verdadeira fonte formal do nosso sistema legal.1 A legislatura também tem caminhado na direção do fortalecimento da jurisprudência através de várias alterações legislativas no campo processual, que passaram a reconhecer a adequação ao entendimento sumulado ou à jurisprudência dominante dos tribunais superiores, como um verdadeiro pressuposto processual para os recursos dirigidos aos tribunais. Com a emenda constitucional no 03/93 foi instituído o efeito vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade, cujo âmbito de aplicação foi ampliado pelas Leis nos 9.868 e 9.882, ambas de 1999, para abranger as decisões proferidas em qualquer processo de controle concentrado de constitucionalidade, situação consolidada constitucionalmente com a emenda constitucional no 45/2004, que ademais estendeu esse efeito também para o controle de constitucionalidade exercido difusamente pelo Supremo Tribunal Federal através da adoção da súmula vinculante. Atualmente, existe grande controvérsia sobre a conveniência de conferir efeitos vinculan-

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tes, também as decisões judiciais já sedimentadas no seio dos demais tribunais superiores, através do instituto da súmula vinculante, tudo indicando a importância e contemporaneidade do tema. O presente capítulo busca analisar que papel o precedente judicial tem desempenhado nos dois principais sistemas jurídicos do mundo ocidental: common law e civil law. No segundo tópico a análise recai sobre as funções desempenhadas pelo judiciário nas modernas sociedades, notadamente quanto ao aspecto de criação do direito via decisão judicial, pois é do papel desempenhado pelo judiciário enquanto fonte de produção normativa, que se originará uma maior ou menor obediência, respeito e vinculação aos precedentes judiciais e, portanto, abordagens distintas quanto ao status que o ordenamento jurídico lhes confere. O terceiro tópico analisará rapidamente o status conferido ao precedente judicial no sistema da common law, em virtude da adoção nesse sistema da doutrina do stare decisis que impõe, como regra, a vinculação dos tribunais aos precedentes judiciais. O quarto tópico tratará da posição ostentada pela jurisprudência, enquanto fonte formal do direito no sistema da civil law. Dada a disparidade de abordagens quanto a este aspecto nos diversos sistemas filiados a essa tradição jurídica, privilegiou-se, nesta parte, a análise de alguns ordenamentos legais de tradição romano-germânica, por representarem três paradigmas básicos possíveis: a) Alemanha, que possui um ordenamento jurídico vinculado à família da civil law, mas que acolheu legislativamente a doutrina anglo-saxã da vinculação dos precedentes judiciais (stare decisis) através do instituto do efeito vinculante; b) a província de Quebec no Canadá, que possui um ordenamento jurídico de origem francesa e, portanto, de tradição civil law, cuja peculiaridade reside na circunstância de se desenvolver em um ambiente circundante de common law que (talvez exatamente por isso), nem acolhe nem rejeita expressamente a vinculação aos precedentes judiciais; e, c) a experiência da França, cujo ordenamento, filiado à família romano-germânica, possui expressa vedação legal ao exercício de uma função normativa por parte dos Tribunais. Por óbvio, descreveu-se, ainda, o status conferido ao precedente judicial no hodierno sistema legal brasileiro.2

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A última parte analisa a compatibilidade de uma adoção ampla da vinculação ao precedente em nosso sistema jurídico, concluindo não apenas pela sua possibilidade como, ainda, pela sua conveniência, dentre outras razões, em virtude da adoção de um sistema de controle de constitucionalidade misto, que acolhe lado a lado um controle difuso, exercido via incidental por todos os juízes e um controle concentrado exercido via ação, cujo monopólio pertence ao Supremo Tribunal Federal.

2. O papel do judiciário nas modernas sociedades É clássica no pensamento constitucional a divisão do poder estatal em três funções básicas: legislativa, executiva e judiciária. À primeira, caberia inovar na ordem jurídica através de edição de normas dotadas de generalidade e abstração, enquanto às duas subseqüentes, a aplicação concreta das normas gerais estabelecidas pelo legislativo. A função executiva se consubstanciaria na aplicação de ofício de tais normas,3 enquanto que a função judiciária consistiria “em dirimir, em cada caso concreto, as divergências surgidas por ocasião da aplicação da lei”.4 Essa distinção, embora útil para uma rápida apreensão dos traços distintivos básicos entre as três funções, implica em um inevitável reducionismo da função judicial. Como qualquer outra instituição complexa, as cortes judiciárias exercem várias funções, duas das quais, porém, são fundamentais. A primeira função capital das cortes judiciárias é exatamente aquela mencionada como característica distintiva das demais funções estatais: resolução de litígios. Todas as sociedades um pouco mais complexas em suas estruturas sociais demandam uma instituição que possa, de forma conclusiva e definitiva, resolver disputas legais baseadas na interpretação, sentido e implicações de normas e princípios que regem a vida em comunidade e balizam o atuar de seus membros. Em nossas modernas sociedades essa instituição é exatamente o Poder Judiciário. Como consectário lógico a resolução de litígios é uma função suprema das cortes judiciais.

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A proeminência dessa função pode ser explicada por diversos motivos que caracterizam o atuar das cortes judiciais. O primeiro deles reside exatamente no fato de ser ela que tem sido apontada pela doutrina como o traço distintivo entre a função judicial e as demais funções estatais. Além disso, essa função judicial é regida, salvo raras exceções,5 pelo princípio da inércia judicial, de sorte que, diferentemente do poder executivo e legislativo, o judiciário não poderá agir sem a iniciativa da parte interessada.6 Como decorrência natural do princípio da inércia, o papel da corte, em razão do princípio dispositivo, está restrito a dar solução apenas à questão posta nos autos e nos limites em que posta.7 Os tipos de questões que podem ser levados ao judiciário são também limitados. Por primeiro e óbvio, a questão deduzida em juízo deve estar baseada em alegada violação ou ameaça de violação a um direito reconhecido pelo ordenamento jurídico8 e se referir a uma pretensão resistida pela parte ré, sob pena de faltar interesse processual do autor em obter um provimento judicial. Assim, por exemplo, refoge do âmbito da função judicial a adjudicação dos atos políticos, ou seja, aqueles que contêm medidas de fins unicamente políticos e se circunscrevem ao âmbito interno do mecanismo estatal.9 Ocorre que, ao lado da função de resolver litígios, se eleva uma outra função social das corte judiciárias com igual dignidade e importância: a função de complementar e desenvolver o direito legislado.10 Nas atuais e complexas sociedades tecnologicamente adiantadas, a velocidade das mudanças em situações anteriormente estruturadas sobre padrões éticos, sociais, culturais, tecnológicos e econômicos já superados e o surgimento de novas fontes de litígios até então impensáveis, geram uma demanda por normas legais para regulá-las tão intensa, que o Poder Legislativo simplesmente não pode adequadamente satisfazer essa demanda. A capacidade da legislatura de produ-

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zir leis que regulem os diversos campos e tipos de relações travadas no seio da coletividade é limitada e muito dessa capacidade deve e já está alocada para a produção de regras relativas a questões estatais que, por ingerência do princípio da legalidade, exigem lei em sentido formal e material para serem regularmente tratadas, tais quais as relativas a políticas públicas e ações econômicas, como orçamentos e tributação, despesa pública, controle do câmbio e da moeda, combate à inflação, definição de índices de reajustes dos vencimentos, proventos e pensões de seus servidores e dos trabalhadores em geral, ou ainda, no campo da regulação de assuntos que, em virtude de garantias fundamentais, são consideradas além da competência das cortes judiciais como a definição de crimes e suas penas. Nesse ambiente, é socialmente desejável que as cortes possuam essa função de enriquecimento do direito legislado. Em verdade, mais do que desejável essa função é indispensável. O artigo 4o da lei de introdução ao código civil, dispondo que na omissão da lei o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conjugado com o artigo 126 do código de processo civil que veda ao juiz se eximir de apreciar uma questão ao fundamento de lacuna ou obscuridade da lei é o reconhecimento legal dessa função normativa exercida pelas cortes judiciárias. É certo que ao exercer essa função criativa, o juiz não tem a mesma liberdade do legislador e por isso, de um lado, “não deve o juiz ser arbitrário na criação de regras jurídicas e sua decisão deve estar baseada em argumentos racionais”11 e de outro, deve dar ênfase ao estabelecimento de regras jurídicas que seriam as necessárias como se a única função das cortes fosse a de resolver disputas.12 É indisputável que o poder criativo dos tribunais existiria ainda que a única função dos tribunais fosse a de resolver disputas intersubjetivas. Se aos tribunais é conferido o poder para aplicar a lei dando-lhe seu sentido e apontando suas conseqüências diante de novos fatos e circunstâncias, não se poderia proibi-los de formular regras que não tivessem sido previamente anunciadas, pois tal poder criativo é um meio necessário para o atingimento das finalidades perseguidas pela jurisdição na solução das disputas. Quem confere os fins, outorga

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necessariamente os meios. Ademais, o direito é alógrafo. É o resultado da interpretação.13 No início do século passado, Cardozo já alertava que a natureza do processo judicial é muito mais de criação do que descoberta do direito.14 Hoje é lugar comum entre os estudiosos do processo judicial que qualquer decisão, seja interpretação de uma lei, seja de um precedente judicial, possui elementos criativos, e que uma maior ou menor medida de mudança é inerente a todo ato de interpretação.15 Considerando que a função de enriquecimento e desenvolvimento do direito é um meio necessário e, portanto, instrumental, para o exercício da função de resolver disputas, a asserção anterior de que a função criativa do judiciário possui a mesma dignidade e importância desta última precisa de um maior aclaramento.

2.1. Modelos teóricos do papel desempenhado pelas cortes no desenvolvimento do direito de criação judicial Para explicar porque a função normativa dos tribunais é desejável de forma autônoma, ou seja, independentemente da função de colmatar as lacunas da lei, é útil o recurso aos modelos do papel das cortes na formulação de regras jurídicas sugeridos por Melvin Eisenberg:16 o modelo de “resultado intersubjetivo” (by-product model) e o modelo de “enriquecimento do direito” (enrichment model). No modelo de resultado intersubjetivo, a produção normativa das cortes seria apenas um resultado acidental no exercício de sua função de resolver litígios. Assim, as cortes devem formular e aplicar proposições gerais se tal é necessário para a solução da lide. Em tais circunstâncias justifica-se que os tribunais enriqueçam o direito legislado, porém, apenas e tão-somente na exata medida necessária para solucionar a questão que lhe é posta sob adjudicação e nem um milímetro a mais. Diversamente, no modelo de enriquecimento, o estabelecimento, por parte dos tribunais, de normas gerais que regulam a conduta social

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dos membros da coletividade é tratado como desejável por si só, embora essa atividade criativa esteja subordinada a limites concernentes à resolução da disputa judicial. Nesse modelo, as cortes, partindo do problema concreto que lhe é posto para solução, podem e devem desenvolver o conteúdo do ordenamento jurídico de forma mais ampla. No modelo de enriquecimento, a decisão judicial, a exemplo de normas legisladas, possuiria ambas as funções de facilitar a resolução de disputas e de formatar a conduta humana de maneira a beneficiar a sociedade.17 Cotejando as conseqüências de um e outro modelo, o professor da Universidade de Michigan, traçou o seguinte paralelo: a) sob o modelo de resultado intersubjetivo se esperaria que as regras adotadas em decisões judiciais fossem consideradas de forma respeitosa e com grande consideração pelos demais oficiais públicos, mas não que fossem consideradas obrigatórias. Sob o modelo de enriquecimento, referidas normas teriam o caráter de compulsoriedade; b) sob o modelo de resultado intersubjetivo, as decisões judiciais somente enunciariam as regras estritamente necessárias para a solução da disputa concreta. Sob o modelo de enriquecimento, as decisões judiciais conteriam mais normas gerais do que as necessárias para esse propósito.18 Analisando a prática judicial na common law, que reputa obrigatório seguir-se o precedente judicial pela adoção do instituto do stare decisis, bem como a amplitude das regras enunciadas na decisões de casos exemplificativos19 que menciona, em muito desbordantes do necessário para a solução da questão concreta, o autor conclui que os tribunais consideram sua função normativa de enriquecimento e desenvolvimento do direito

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como desejável em si mesma e a observação de sua prática sugere que eles agem em conformidade com essa inclinação.20 Em favor da opção pelo modelo de enriquecimento em detrimento do de resultado intersubjetivo, podemos, além dos mencionados por Eisenberg, agregar ainda mais três argumentos: a) a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais; b) a obrigatoriedade de publicidade dos atos jurisdicionais; e, c) a natureza objetiva do controle concentrado de constitucionalidade nos países em que ele é adotado. Se o modelo seguido pelas cortes judiciárias fosse o de resultado intersubjetivo, limitando-se a função criativa dos tribunais a ser um instrumento para a consecução de sua finalidade de dirimir a controvérsia entre as partes litigantes, a rigor suas decisões não necessitariam ser motivadas.21 De fato, dirimir uma disputa não é o mesmo que dirimir um conflito, podendo e não sendo incomum, que apesar de decidida a lide o conflito que lhe é subjacente ainda permaneça entre as partes. Assim, a fundamentação não é exigida para resolver a disputa, mas para demonstrar que a decisão foi tomada, não porque louvou-se em características pessoais e subjetivas das partes, mas em normas, regras e princípios objetivos que se aplicam a todos de forma imparcial e não apenas aos litigantes. A generalidade que se extrai da decisão judicial auxilia na própria resolução do conflito de idéias e interpretações existente na sociedade sobre aquele determinado assunto. É certo que a parte perdedora ainda pode se mostrar insatisfeita com as razões oferecidas, mas ajuda muito à administração da justiça se o perdedor acredita e confia que sua derrota deriva de uma honesta, objetiva e imparcial diferença de opinião, quanto à existência ou não do direito pleiteado. Em segundo lugar, ainda que se considerasse que a fundamentação fosse condição sine qua non para o exercício da função de dirimir

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disputas, nada no exercício dessa função exigiria a publicidade do que no processo ficou decidido. Seria suficiente o conhecimento pelas partes, já que somente elas seriam os destinatários do direito de criação judicial. Nada obstante, nosso ordenamento prevê a publicidade das decisões judiciais. A única justificativa para tal exigência reside no fato de que, ao decidir as questões concretas que lhe são postas para adjudicação, a função dos tribunais não é de unicamente por fim a uma determinada disputa, mas também para preveni-las, instruindo a comunidade sobre as regras que governam sua conduta. Portanto, ao resolver tais disputas, as cortes estão estabelecendo regras e a decisão e suas razões, constituem ou formulam uma norma geral.22 Essa função normativa torna-se mais evidente, quando a Corte se utiliza da técnica judicial conhecida como prospective overruling, ou seja, quando elabora uma norma que revoga a anterior, mas determina a sua aplicação apenas nos casos futuros, aplicando a regra antiga no caso atual de onde extraiu a nova regra.23 Por derradeiro, a natureza objetiva do controle concentrado de constitucionalidade nos países que o adotam – como é o caso do Brasil – assume nitidamente o modelo de enriquecimento, que põe relevo na função de produção normativa dos tribunais, na medida em que inexistem partes e não há defesa de direitos subjetivos em tais processos, limitando-se essas ações diretas a outorgar ao tribunal um instrumento político de controle de normas.24A função do tribunal neste tipo de controle, não é a de dirimir litígios concretos, assegurando a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido, lesado ou na iminência de sê-lo, mas defender a constituição,25 ao garantir a compatibilidade das regras legais com a Carta Básica, no caso da ação direta de inconstitucionalidade, e a certeza jurídica, no caso da ação declaratória de constitucionalidade.26 A função da decisão judicial em tais processos equipara-se em tudo à função legislativa27 de estabelecer diretrizes seguras às pessoas sobre as normas que

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governam sua vida e seus negócios, máxime quando o Supremo Tribunal Federal, ao invés de apenas declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, se utiliza da interpretação conforme a constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, selecionando normas compatíveis e normas incompatíveis com a constituição, derivadas do mesmo texto legal.

3. A vinculação ao precedente nos sistemas jurídicos da common law O instituto de stare decisis28 – ou seja, a vinculação das decisões judiciais aos precedentes jurisdicionais que trataram do mesmo tema – é, sem dúvida alguma, pedra angular dos ordenamentos jurídicos pertencentes ao sistema da common law. A justificativa teórica clássica dessa doutrina remete às conseqüências benéficas de sua adoção, incluindo a noção de que ela permite ao sistema legal usufruir as vantagens da previsibilidade na ordenação da conduta das pessoas, promove a necessária percepção de que a lei é estável, evita as frustrações de legítimas expectativas quanto aos direitos e deveres dos membros da coletividade, reduz o custo econômico e aumenta a eficiência do sistema judicial e, inclusive, preserva o princípio da separação de poderes por impedir uma desordenada e abusiva discricionariedade judicial na criação de normas, reforçando o judicial restraint. Uma outra abordagem mais moderna de justificação segue uma linha menos conseqüencialista e mais deontológica, ao afirmar que a regra do stare decisis é um corolário lógico de princípios cardeais de nosso sistema jurídico, como igualdade e integridade.29 Para bem compreender-se o instituto do stare decisis é fundamental a percepção da função desempenhada pela decisão judicial no sistema jurídico da common law. Nesse sistema de origem anglo-saxã a decisão judicial, a exemplo do que ocorre nos sistemas originários das fontes romano-germânicas, resolve uma determinada controvérsia, uma específica pretensão resistida, e, nesse ponto, pacifica o tecido social através do instituto da coisa julgada que impede a eternização das demandas. Ou

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seja, as partes do processo já não podem mais discutir aquelas questões que foram debatidas e objeto de apreciação jurisdicional. Ocorre que nesse sistema essa decisão judicial possui uma segunda importante função: a de ser considerada como um precedente. Um precedente é definido no dicionário Oxford, como sendo “um caso anterior que é ou pode ser considerado como um exemplo ou uma regra para casos subseqüentes, ou através do qual algum ato ou circunstância pode se apoiar ou se justificar”.30 Evidentemente que nesse significado tão amplo, todo e qualquer sistema jurídico seguiria precedentes judiciais. Assim, explicitando melhor o seu sentido, ter o qualificativo de precedente significa que essa concreta decisão judicial dá origem e enuncia um determinado princípio de direito, princípio esse que é de ser considerado e observado na solução de um caso semelhante futuro. Em outro dizer, a regra ou princípio que se deduz da primitiva decisão judicial desborda seu campo de atuação do litígio entre as partes para se projetar com pretensões de solucionar casos futuros, desde que guardem semelhança com este que foi decidido. Por isso, no sistema anglo-saxão, o princípio cardeal é o stare decisis, fundamentado na teoria de que “quando uma corte fixou uma regra de direito em um ou mais casos, a regra não estará mais aberta para exame ou para nova decisão pelo mesmo tribunal ou por aqueles que estão obrigados a seguir suas decisões”.31 Essa é a regra unanimemente aceita na moderna doutrina inglesa desde o final do século XIX32 – e em todos os países filiados à tradição anglo-saxã – de sorte que os precedentes das cortes superiores são de observância obrigatória. Assim, no sistema jurídico anglo-saxão a decisão judicial enuncia regras de direito e, sob a doutrina do stare decisis, “uma corte está vinculada por seus próprios precedentes e aqueles das cortes superiores de sua jurisdição”.33 Curial a conclusão que no sistema da common law, a decisão judicial é fonte formal do direito.

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4. A vinculação ao precedente no sistema romano-germânico “A noção prevalente de que stare decisis é peculiar ao sistema legal anglicano é muito provinciana e longe de ser correta. Pelo contrário, o princípio é inerente a qualquer sistema jurídico.”34 Essa afirmação feita por Lobingier tem por pressuposto inafastável o reconhecimento da decisão judicial como verdadeira fonte do direito e, portanto, o papel fundamental que o Poder Judiciário desempenha em qualquer coletividade juridicamente organizada.35 À medida que se fortalece a função jurisdicional no ambiente de um Estado Democrático, mais adequadas se tornam aquelas palavras enunciadas ainda na década de 40 do século passado. A superação da idéia do Poder Judiciário como um mero departamento do Estado, responsável apenas por “executar”, sem espaço para qualquer elemento criativo, as determinações emanadas pelo Poder Legislativo, conferindo-se-lhe o status de uma fonte de produção normativa, com o conseqüente reconhecimento de uma atuação condizente com um verdadeiro poder político,36 explica a crescente importância nos sistemas legais componentes da família romano-germânica da análise dos precedentes judiciais na solução das controvérsias postas perante o poder judiciário. Na Roma antiga, precedentes judiciais eram parte essencial da vida pública e os juristas romanos encontraram, em seu sistema legal, uma larga aplicação para o que nós poderíamos chamar de precedente em seu sentido mais amplo.37 Com efeito, alguns dos jurisconsultos que apareceram durante a República foram agraciados durante o império pelo imperador Augusto, com o jus repondendi e

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suas opiniões (responsa prudentium) receberam a força de verdadeiros precedentes judiciais.38 Entretanto, pode-se afirmar que a semente da força vinculativa do precedente foi plantada apenas mais tarde no direito romano, quando Valentiniano conferiu pesos a serem dados a cada um dos cinco maiores jurisconsultos e exigiu que as cortes adotassem suas opiniões de acordo com o grau de respeitabilidade conferido a cada um deles.39 O moderno sistema legal romano-germânico perpetuou o principio da responsa prudentium dos antigos jurisconsultos romanos na forma de doutrina sem a força vinculativa anteriormente outorgada. Com relação aos precedentes judiciais, verifica-se que, pelo menos na prática, eles são freqüentemente seguidos, sendo certo que alguns países de tradição romano-germânica, com o passar do tempo, passaram a seguilos de forma obrigatória e vinculativa.

4.1. A vinculação no direito alemão No que se refere ao efeito vinculante dos precedentes judiciais, não se pode olvidar, como nos relata Mauro Capelletti,40 que nos ordenamentos jurídicos da common law, por força do princípio do stare decisis uma decisão a princípio vinculada a um caso concreto agigantava seus efeitos para abranger casos futuros. Como a função judicial possui inegáveis similitudes em ambos os sistemas, tornou-se necessário que nos países de ordenação civil law fosse encontrado um adequado substituto da Suprema Corte Americana, cujas decisões eram dotadas de vinculatividade em virtude exatamente da doutrina do stare decisis. A solução consubstanciou-se na criação dos Tribunais Constitucionais que passaram a decidir as questões da constitucionalidade das leis com eficácia erga omnes. Dessarte, o efeito vinculante, ao menos das decisões referentes à constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis ou atos normativos dentro do modelo concentrado (sistema austríaco) é, em termos hierárquicos, consectário lógico do monopólio conferido às Cortes

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constitucionais para o exercício do controle de constitucionalidade.41 Substancialmente, porém, o argumento em favor da vinculação dos precedentes judiciais reside no reconhecimento do poder judiciário como uma fonte de produção normativa. É dizer, a decisão judicial enuncia determinada regra de direito que, exatamente por ser uma regra, deve ser obrigatoriamente seguida e obedecida. Apesar do direito germânico ser caracterizado por um elevado grau de codificação legal, não é incomum naquele país tedesco, o reconhecimento do poder normativo das decisões judiciais. De fato, de acordo com a Corte Constitucional Alemã, é fora de questão que o juiz tem uma tarefa, e a necessária competência, para criar direito. Além do mais, o judiciário está obrigado “a descobrir os valores que são imanentes a uma ordem legal fundada constitucionalmente, mas que não encontra expressão em leis escritas – e a efetivar aqueles valores em seus julgamentos através de uma conscienciosa valoração”.42 Em outra oportunidade, o Tribunal Constitucional Alemão reiterou seu entendimento quanto à natural função normativa exercida pelas cortes judiciárias, acrescendo ser esse exercício normativo indispensável nos modernos Estados, ao averbar: “A Corte Constitucional Federal sempre reconheceu a competência e o dever das cortes de criar o direito...Criação do direito não foi simplesmente uma função do judiciário reconhecida na história legal germânica, mas no estado moderno se tornou indispensável. Ela forma a base de regras diretivas do atual direito privado e público...A força normativa das cortes encontra seus limites nas provisões do artigo 20 (3) da Carta Básica.”43 A lei orgânica do Tribunal Constitucional Alemão, em seu parágrafo 31,44 torna vinculante a decisão do Tribunal perante as demais cor-

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tes judiciárias e os órgãos do poder executivo. Não existe previsão legal de vinculação das decisões das demais cortes superiores. Nada obstante, como afirma Kissel, à norma criada pelos tribunais é freqüentemente conferido o mesmo status de normas postas pela legislatura.45 Por essa razão, como bem ressalta Schlüter, os precedentes das cortes superiores não são utilizados pelas cortes inferiores apenas como um apoio para sua decisão em casos similares, mas freqüentemente são obedecidos e seguidos de forma vinculante.46 As decisões judiciais das corte superiores no direito alemão são, portanto, fonte formal do direito no sistema legal germânico e, assim, dotadas do poder de vincular as decisões das cortes inferiores.

4.2. A vinculação no direito canadense (província de Quebec) Se um aprofundamento no estudo comparado e uma mútua compreensão entre as diversas maneiras de pensar e os métodos utilizados pelos dois grandes sistemas jurídicos do ocidente é um assunto de grande importância em um mundo moderno e globalizado como o atual nos qual os países estão em constante e íntimo contato cultural e comercial, realizando diariamente milhares de transações, para o Canadá essa compreensão representa uma verdadeira condição de sobrevivência e desenvolvimento de seu próprio sistema jurídico. Isso é explicado pela característica de ser, o Canadá, talvez o único país em que os sistemas da common law e civil law operam lado a lado no mesmo país, com filosofia, métodos e tradições distintos, mas reunidos por muitos contatos de uma nacionalidade comum, de instituições federais legais e políticas comuns, e a supervisão de uma corte federal que abrange as tradições da common law e da civil law e interpreta ambos os sistemas.47 No Canadá, o pensamento jurídico majoritário é de tradição anglosaxã. Porém, a província de Quebec de colonização francesa, notadamente no que concerne a seu direito civil, deriva sua estrutura legal e

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seu modo de pensar do código civil francês. Nada obstante, esse ambiente jurídico de inspiração romano-germânica aceita sem maiores dificuldades para si próprio a doutrina do stare decisis. Explicitando as razões da convivência pacífica entre o instituto do stare decisis e o sistema legal codificado da província de Quebec, ainda na ausência de expressa autorização legislativa para tal, pontificou Friedmann:48 “Embora o código civil de Quebec seja essencialmente uma versão revisada do código napoleônico, a posição das cortes de Quebec, e sua abordagem com relação ao stare decisis, tem sido desde o início muito diferente daquele das cortes francesas. Isso é devido a inúmeros fatores. Em primeiro lugar, o direito civil de Quebec opera em uma moldura dominada pela técnica e mentalidade da common law. Em segundo lugar, a mais alta corte de apelação das decisões das cortes de Quebec é a Suprema Corte do Canadá, cuja maioria dos membros são treinados na common law. Terceiro, a técnica de julgamento das cortes de Quebec é mais próxima da técnica da common law do que da técnica do direito francês. Isso induziu uma abordagem com relação a doutrina do stare decisis que tem muito mais em comum com o método da common law do que com o da civil law.” Assim, embora inexista qualquer autorização legal para que a Suprema Corte Canadense repute suas decisões vinculantes no ambiente jurídico da civil law da província de Quebec, a doutrina do stare decisis, é aceita “em todo seu rigor nas decisões da Suprema Corte Canadense, relativas a questões concernentes à aplicação do código civil de Quebec”.49 No Canadá, os precedentes judiciais passam a adquirir um efeito compulsório,50 sendo considerados, portanto, fontes formais do direito.

4.3. A vinculação no direito francês Para que se possa entender a atitude do atual sistema jurídico francês frente ao precedente judicial, é fundamental ter-se em conside-

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ração os fatores históricos dos quais decorreu. Antes da revolução francesa, o antigo regime era caracterizado fundamentalmente pelo poder absoluto e, conseqüentemente, arbitrário do rei. Colimando conter o abuso, os revolucionários defenderam três ideais básicos. Primeiro, a instalação de um governo representativo; segundo, a adoção de um sistema baseado na doutrina de separação de poderes e, terceiro, substituir a vontade do soberano (rule of men), pela vontade da lei (rule of law), conferindo uma posição privilegiada à lei dimanada da vontade geral como norma obrigatória de conduta. Os dois últimos objetivos constituem, em termos teóricos, a mais clara indicação do desejo do povo francês de impedir fosse conferida aos juízes a tarefa e os meios para o desenvolvimento de normas gerais, restringindo sua atuação à situação concreta que lhe era posta para adjudicação. Nesse contexto, temendo por circunstâncias históricas o poder dos juízes, inspirando-se em Montesquieu e levando a doutrina da separação de poderes a sua versão mais radical, o legislador da revolução proibiu as cortes de exceder sua função de resolver litígios concretos e usurpar as funções dos poderes executivo e legislativo.51 Acresça-se a isso, o fato de que o direito pré-revolucionário francês estava dividido em dois grandes ramos: Um na parte norte baseado nos costumes com mais de 10 variantes regionais e outro, no sul, baseado em princípios escritos de derivação romana, gerando uma tal incerteza e ausência de uniformidade no direito, a ponto de Voltaire comentar que, “quando em viagem, as leis mudam com a mesma freqüência que você muda de cavalo”.52 Nesse ambiente, a incerteza jurí-

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dica era mais a regra do que a exceção, gerando insatisfação e facilitando a arbitrariedade nas decisões judiciais. A revolução francesa e a declaração de 1789 marcam o fim dessa confusão com um movimento popular buscando uma unificação construída com base nos princípios revolucionários da liberdade e igualdade. O meio legal escolhido para atingir esse fim, foi o terceiro objetivo acima mencionado: a primazia do direito legislado. Com uma codificação legal válida para toda a França, afastava-se a incerteza e falta de uniformidade do direito e negando-se ao juiz qualquer poder criador do direito, expurgava-se a arbitrariedade judicial plasmada no ancién regime. Na constituição de 3 de setembro de 1791, há uma resolução prescrevendo a criação de um código. O jurista Cambacérès conduziu três tentativas de produzir esse código entre 1793 e 1799. A primeira foi rejeitada por sua complexidade, a segunda, rejeitada por ser lacônica e a terceira sequer chegou a ser completada. 53 Posteriormente, Bonaparte instituiu uma comissão composta pelos juristas Tronchet, Maleville, Bigot- Préameneau e Portalis, para a elaboração de um código, com a obrigatoriedade de produzir um texto definitivo. A comissão concluiu seus trabalhos em 21 de março de 1804.54 Como conseqüência desse contexto histórico, o artigo 5o do código civil francês expressamente proíbe os juízes de decidirem os casos que lhes são submetidos através de disposições gerais ou regulatórias. A função judicial jamais poderia ser considerada como uma fonte normativa, função essa exclusivamente reservada ao poder legislativo. Qualquer tentativa judicial de criar norma implicaria em abuso da função judicial. O juiz, na clássica visão de Montesquieu, nada mais era do que a boca pela qual a lei falava. Nesse ambiente não se pode falar em vinculação de precedentes judiciais. Isso, evidentemente, não significa, como algumas vezes tem sido dito, que os precedentes no direito continental não tenham qualquer papel ou apenas um pequeno papel no desenvolvimento do direito, ou que a influência da jurisprudência na França não possa ser de alguma maneira comparada com o sistema de case law na Inglaterra.55 O professor Sales, bem pontificou a importância da jurisprudência na prática legal francesa. Tratando da questão em termos teóri-

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cos, reconhece o jurista francês que, olhando para o artigo 5o e 1.351 do código civil francês, um precedente judicial jamais poderia ser considerado vinculante para uma causa similar subseqüente. Entretanto, em termos práticos, assevera que uma pessoa desejando saber como um determinado problema seria resolvido, iria necessariamente procurar por decisões judiciais anteriores que se aplicam ao caso. Sua primeira preocupação seria estudar as decisões judiciais já existentes sobre a matéria. Logo a seguir, conclui que a prática legal “permite perceber o verdadeiro peso do precedente judicial na França. Está longe da obrigatoriedade e vinculação da regra de stare decisis do direito anglo-saxão, mas em muitas hipóteses, é uma ‘quase obrigatória’ regra de stare decisis”.56 Nada obstante a abordagem do professor Salès, o certo é que na França, qualquer que seja a autoridade conferida ao precedente judicial, mesmo quando constante sobre uma dada questão, ele nunca forma uma norma juridicamente obrigatória a ser necessariamente observada pelas cortes. O sistema judicial francês rejeita tanto a criação do direito pelo juiz, quanto o instituto do stare decisis.57 Se aderência das cortes inferiores está relacionada apenas à convicção do acerto do precedente judicial, ou ao receio de que uma decisão sua contrária poderá ser (e provavelmente será) reformada pela instância superior, podendo o juiz livremente desconsiderar a decisão de uma corte superior se superar essas duas condições, a jurisprudência na França, embora importante, possui apenas “uma simples autoridade de razão e não deve ser considerada uma fonte formal do direito”.58

4.4. A vinculação no Brasil Como visto alhures, o papel da Suprema Corte Americana na solução de casos concretos em virtude da doutrina do stare decisis expandia seus efeitos para adquirir uma forma de norma geral a ser seguida pelas demais cortes americanas. Nos países de tradição romano-germânica, a solução encontrada foi a criação dos Tribunais Constitucio-

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nais,59 que passaram a deter o monopólio do controle da constitucionalidade das leis, dotando suas decisões de efeitos erga omnes e eficácia vinculante. O Brasil, embora herdeiro da tradição jurídica romana, após a proclamação da república e por inspiração maior de Campos Sales e Rui Barbosa, adotou como modelo o sistema instituído nos Estados Unidos da América, sendo o Supremo Tribunal Federal a instituição nacional congênere da Suprema Corte Americana. A cópia se mostrou inferior ao paradigma tido como inspiração. Não pela falta de genialidade de seus componentes, mas pelo caráter mítico outorgado ao modelo original, cujo gênio de Rui Barbosa tinha elevado a um nível supra-terreno e supra-humano.60 Ao injusto paralelo estabelecido sob essa base mítica, acrescente-se o sistema jurídico em que se inseriu o Supremo Tribunal Federal que, ao tempo em que lhe reconhecia apenas o poder de declarar incidentalmente em um caso concreto e de forma difusa a inconstitucionalidade de uma lei, lhe negava a adoção do instituto do stare decisis, preferindo, com a constituição de 1934,61 compartilhar essa função com o Senado Federal, que seria o responsável por determinar a suspensão da lei declarada incidentalmente inconstitucional. Tratando sobre a distinção entre os sistemas difusos e concentrados de controle de constitucionalidade, no que concerne ao aspecto em comento assim averbou Poletti: “O sistema difuso indica uma maior compatibilidade com o common law, onde o costume, e não a lei, representa a mais importante fonte do Direito, e, ainda, onde os precedentes judiciais são mais relevantes para a formação da jurisprudência a balizar as outras e futuras decisões judiciais. Isso explica o sistema americano, proveniente do inglês, porém, transplantado para um regime de constituição escrita. Elucida, ainda, o stare decisis, o precedente que vincula as futuras decisões judiciais. Já o sistema romanístico, coloca sua ênfase na dogmática jurídica, quer ela se manifeste na norma positivada (a lei), que ela aflore da doutrina e se consagre na evolução histórica do direito.

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Por isso, a certeza do direito se revela um fator relevante, presente no sistema de jurisdição constitucional concentrada, que dirime todas as dúvidas e não admite o descumprimento da norma enquanto ela não for declarada inconstitucional.”62 O sistema de controle difuso da constitucionalidade tem o sério inconveniente de abalar a exigência da certeza do direito e a segurança nas relações que ele disciplina. Esse defeito se atenua sensivelmente no sistema da common law, exatamente em razão da adoção do stare decisis. No Brasil, adotado o controle difuso, substituiu-se a doutrina do stare decisis pelo sistema de compartilhamento de funções no controle difuso da constitucionalidade das leis com o Senado Federal, que não se mostrou eficaz. O resultado foi uma crescente insegurança jurídica e incerteza no direito. A solução inicialmente encontrada, então, foi a adoção paulatina de um controle de constitucionalidade concentrado63 ao lado do controle difuso, instaurando-se um controle misto de constitucionalidade. As decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como dotadas de eficácia erga omnes. Ainda não foi neste momento, porém, reconhecida a sua eficácia vinculante. Nada obstante a convivência desses dois sistemas de controle de constitucionalidade, o certo é que, em virtude da restrita legitimação para a instauração do controle concentrado e do ambiente político autoritário vivenciado até então, prevalecia no sistema jurídico brasileiro o controle difuso de constitucionalidade com todos os seus efeitos deletérios antes apontados. Essa fase se encerra com a promulgação da constituição de 1988 que, nitidamente, ao ampliar sobremaneira a legitimação64 para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, deu prevalência ao

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controle concentrado (e conseqüentemente, a certeza do direito), em detrimento do controle difuso, privilegiando a função uniformizadora a ser exercida pelas decisões do Supremo Tribunal Federal.65 Seguindo nessa linha evolutiva de conferir maior força ao precedente judicial, o legislador infraconstitucional ao instituir normas procedimentais para processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, dispôs no artigo 38 da Lei no 8.038, de 28 de maio de 1990, que o relator dos recursos interpostos perante esses tribunais superiores, negará seguimento àqueles que contrariarem nas questões predominantemente de direito, súmula do respectivo tribunal. Essa abordagem legislativa busca valorizar o precedente judicial, quando já pacificado no seio dos tribunais superiores, chegando, ao menos quanto ao aspecto de pressuposto recursal, “a equiparar-se à norma da lei”.66 Trata-se, a nosso sentir, de uma fase intermédia67 en-

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tre a absoluta liberdade das cortes inferiores para desconsiderarem os precedentes das cortes superiores e a necessária compulsoriedade em seguí-los, decorrente da adoção do efeito vinculante. Foi somente em 1993, com a promulgação da Emenda Constitucional no 03, que o ordenamento jurídico pátrio contemporâneo68 deu um salto de qualidade na matéria ao instituir a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, da CF/88) e atribuir, às decisões definitivas de mérito nessa ação, eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do poder judiciário e ao poder executivo (art. 102, § 2o, da CF/88). Posteriormente, a Lei no 9.868, de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, dispôs que são dotadas de efeitos vinculantes, com relação aos demais órgãos do poder judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, não apenas as declarações de constitucionalidade, como também as de inconstitucionalidade, a interpretação conforme a constituição, e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto (artigo 28, parágrafo único). Seguindo nessa mesma esteira, a Lei no 9.882, de 03/12/1999, que regula o julgamento e processo da argüição de descumprimento de preceito fundamental, dispõe que as decisões proferidas nessas argüições terão efeito vinculante com relação aos demais órgãos do poder público (art. 10, § 3o).69

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Como coroamento desse processo, foram apresentadas várias propostas de adoção de efeito vinculante para decisões proferidas em processos que versem sobre litígios intersubjetivos, desde que tais decisões venham a ser sumuladas. Existem algumas variantes sobre as propostas, mas em síntese, a proposta de emenda constitucional no 54/95, relatada pelo Senador Jefferson Peres, previa a possibilidade de edição de súmulas com efeito vinculante por parte de todos os Tribunais Superiores. A mais adiantada era a PEC 96/92, apresentada ao plenário da Câmara em 26 de março daquele ano pelo Deputado Hélio Bicudo, que veio inicialmente a ser relatada pelo Deputado Jairo Carneiro e posteriormente pela Deputada Zulaiê Cobra e que trata da reforma do Judiciário. Referida proposta de Emenda à Constituição aprovada pela Câmara, chegou ao Senado no ano 2000 e foi protocolada como PEC no 29/2000. Após tramitação regimental, foi sua redação consolidada sob a responsabilidade do então Relator, o Senador Bernardo Cabral, com os pareceres CCJ no 538 e no 1.035, ambos de 2002, aprovados na Comissão de Constituição e Justiça. A matéria foi então encaminhada ao Plenário do Senado Federal, mas posteriormente foi determinado o seu retorno à Comissão de Constituição e Justiça para reexame, tendo sido designado como relator o Senador José Jorge. O Relatório do Senador José Jorge, aprovado na comissão de constituição e justiça manteve a súmula vinculante para o Supremo Tribunal Federal, mas acolheu destaque da Senadora Serys Slhessarenko, substituindo a súmula vinculante para o Superior Tribunal de Justiça e para o Superior Tribunal do Trabalho, pela súmula impeditiva de recurso. Essa proposta foi, então, aprovada pelo Senado com alterações, tendo sido promulgada, pela emenda constitucional no 45/2004, a parte que instituía a súmula vinculante para o Supremo Tribunal Federal70 e

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retornado à Câmara a parte que instituía a súmula impeditiva de recurso.71 Em síntese, portanto, pode-se concluir que de lege lata, são dotadas de efeito vinculante apenas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal seja no controle concentrado de constitucionalidade exercido vias ações direta de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade e nas argüições de descumprimento de preceito fundamental, mesmo que se refiram a uma interpretação conforme à constituição ou a uma declaração de inconstitucionalidade parcial sem

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redução de texto, seja em controle difuso, desde que a questão constitucional seja sumulada mediante decisão de dois terços dos membros do STF. Em outro dizer, no Brasil, as decisões proferidas pelo STF em controle concentrado ou difuso (desde que objeto de súmula vinculante) de constitucionalidade são fontes formais do direito.

5. Possibilidade de uma aplicação ampla do instituto do efeito vinculante em nosso sistema jurídico Essa problemática se propõe a analisar se é possível conferir-se a uma decisão judicial proferida em um ambiente jurídico de tradição romano-germânica, o mesmo status de fonte formal do direito que é reconhecido nos sistemas jurídicos da common law. Se é inegável que o mundo jurídico ocidental tem habitualmente sido escandido em dois grandes sistemas ou tradições jurídicas – a common law anglo-saxã e a civil law dos países da Europa continental, hoje também já não se pode negar que muito dessa divisão é, em verdade, mais aparente do que real, e pode, até certo ponto, ser considerada desatualizada. Essa apontada diferenciação classicamente se estrutura no reconhecimento de que a tradição da common law tem como principal característica distintiva da tradição romano-germânica, o fato de ser baseada no direito não escrito, ou seja, no direito não legislado, regido pelo que os tribunais estabeleciam como direito nos casos postos para sua adjudicação, reconhecendo a jurisprudência como a principal fonte do direito. No particular, essa segunda característica da decisão judicial marcaria uma das mais significativas diferenças entre as duas grandes famílias do direito da common law e romano-germânica.72 Enquanto a família da common law centra-se no caso concreto, a família civil law centra-se no direito posto pelo legislador. Quando se relaciona essa característica com a questão da autoridade do precedente judicial, o problema tem sido enfrentado por ambos sistemas legais através de diferentes abordagens. No sistema da common law, o precedente judicial torna-se lei e deve ser obrigatoriamente seguido pelos juízes das cortes inferiores73 e, de fato, até

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mesmo a legislatura segue precedentes.74 Essa obrigatoriedade, entretanto, não existiria nos países onde vigora o sistema de origem romano-germânica. De fato, costuma-se afirmar que, a mais clarividente distinção entre a common e civil law, é que no sistema da civil law o juiz é livre para desconsiderar a decisão de uma corte superior. Na common law, isso nunca é feito, salvo em algumas situações específicas.75 O contraste entre as atitudes desses dois grupos de sistema jurídico tem sido freqüente e vivamente explicado como um decorrente da opção entre um método lógico e um empírico, entre um pensar dedutivo e um indutivo, entre uma regra da razão e uma da experiência. Partindo dessa premissa, chega-se à conclusão de que na família da common law, adota-se na solução dos litígios uma postura tópicoproblemática, caso a caso, repudiando-se o raciocínio a priori, de sorte que a solução para os conflitos é revista a cada novo conflito, embora leve em consideração, para a solução de novos litígios, prévias decisões relativas a casos substancialmente idênticos. Esse sistema está voltado para o passado, com base no processo. Diversamente, o sistema romano-germânico estrutura-se sobre uma normatização geral, abstrata e não casuística voltada para o futuro na medida em que vedada a retroação das suas normas.76 Essa diferença tornaria, então, incompatível a adoção da adjudicação judicial baseada em casos precedentes no sistema jurídico romano-germânico, sendo contraditório e assistemático conferir-se à jurisprudência o status de fonte formal do direito. Essa distinção é muitas vezes artificialmente inflada e a tentação de se exagerar esse contraste no pensamento jurídico é freqüentemente estimulada pelo nacionalismo, desconhecimento ou até mesmo preconceito contra idéias e sistemas estrangeiros. Se essa era a principal linha divisória entre ambos os sistemas, não resta dúvidas que, hodiernamente, ela está superada. De fato, quem ainda se atreveria a afirmar, com razoável grau de seriedade e realismo que o direito norte-americano e mesmo o inglês, tão ciosos de suas tradições, estão estruturados sobre um direito não

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legislado? As leis norte-americanas são de uma precisão e detalhamento tão intensos, que muitas vezes as nossas próprias leis parecem até outorgar mais discricionariedade ao juiz.77 No direito inglês, a realidade não é diferente, sendo objeto de legislação detalhada inúmeras e importantes áreas que tratam tanto da relação entre Estado e cidadão, como das relações jurídicas travadas entre particulares. Assim, por exemplo, as leis que regulam os serviços de utilidade pública como água,78 gás,79 luz80 e telecomunicações;81 a lei de proteção ambiental82 e da desregulação e contratação,83 que são tão, ou até mais detalhadas que nossas leis. Daí a atual advertência de MacCormick, de que, embora os precedentes sejam a fonte da qual certo tipo de direito é derivado – qual seja o case law – modernamente o puro case law é muito raro, e muito do direito derivado de precedentes é resultado de decisões judiciais relativas a interpretações de regras e princípios extraídos de textos legislativos.84 Da mesma forma, a função criativa do juiz nos sistemas jurídicos de tradição civil law tem aumentado sobremaneira, notadamente, através da adoção de cláusulas abertas como boa-fé, abusividade, interesse público, dentre outras, que aproximam sua atuação daquela desenvolvida pelo juiz anglo-saxão.85 Não se quer aqui defender a tese de absoluta insubsistência da divisão entre common law e civil law, mas tão somente reafirmar que ela se tornou artificial no que concerne com a vinculação legal aos precedentes judiciais. A rápida e perfunctória descrição de alguns sistema jurídicos da família civil law feita no tópico predecessor, que comprova bem sucedida adoção do efeito vinculante em países de tradição romano-germânica, claramente demonstra a inexistência qualquer incom-

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patibilidade ontológica entre esse instituto e as estruturas legais dos países vinculados à tradição européia continental. Para começar, o processo silogístico de subsunção do fato à norma é o mesmo provenha a norma do direito legislado ou de um precedente. O raciocínio utilizado para se chegar ao resultado é o mesmo, e isso é verdade seja a fonte da norma uma lei ou um precedente.86 O que faz diferença, para reconhecer às decisões judiciais o status de fonte formal do direito, é o modelo de função social da jurisdição porventura adotado no país. Assim, países de mesma tradição jurídica, mas com visão distinta da função social desempenhada pelo judiciário, possuem visões diferentes acerca da obrigatoriedade de se seguir o precedente judicial. A Alemanha, após a trágica experiência nacional socialista, optou por fortalecer sobremaneira a função do poder judiciário. Como herança – positiva remarque-se – de sua origem romana, optou por autorizar legislativamente no § 31, alínea 2, da lei orgânica do tribunal constitucional federal alemão, fossem dotadas suas decisões de força vinculatória perante os demais tribunais e o poder executivo. Consoante este parágrafo, as decisões do tribunal constitucional federal têm força legislatória no controle normativo abstrato, controle normativo concreto, verificação de normas e qualificação de normas; nos recursos constitucionais, vale o mesmo quando o tribunal declara uma lei compatível ou incompatível com a lei fundamental ou nula.87 A seu turno, o tribunal constitucional federal alemão não se furtou de exercer esse fundamental papel político de co-responsável pela formatação e desenvolvimento da ordem legal germânica. A atividade desse tribunal demonstrou que a jurisdição constitucional não se limita em garantir a supremacia da constituição que sinala o coroamento do Estado de Direito, mas contribui para o desenvolvimento de princípios constitucionais cardeais, como o princípio do Estado de Direito, o princípio do Estado Social, o princípio Democrático e o princípio Federativo.88

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O Canadá, por ser um país de tradição anglo-saxã, que naturalmente reconhece uma função social de enriquecimento do direito legislado, não teve nenhuma dificuldade em adotar o stare decisis para a província de Quebec, cujo direito se filia à tradição romano-germânica, ainda na ausência de qualquer previsão legal autorizativa, pois entende que esse status conferido à decisão judicial decorre do próprio sistema jurídico e das funções que os tribunais nele exercem. A seu turno, os países que limitam a função social do judiciário, reduzindo seu papel ao de um mero departamento do Estado, prescrevendo-lhe basicamente a função de resolver conflitos intersubjetivos, a exemplo da França, rejeitam o instituto do efeito vinculante. Por isso o código civil francês expressamente proíbe os juízes de enunciarem regras jurídicas gerais em suas decisões. Qualquer outra posição seria inconsistente com a reduzida função social conferida naquele sistema às cortes judiciárias, vez que inexistem razões para justificar a elaboração de regras legais na decisão judicial, se inexiste a obrigatoriedade de aderir a tais regras em casos posteriores. Essa redução do papel do judiciário na sociedade francesa, como bem observado por Hardisty, ao compará-lo com o papel exercido nos Estados Unidos, “é ao mesmo tempo causa e conseqüência do fato dos juízes franceses possuírem menos poder e prestígio que os juízes americanos”.89 Feita a comparação com o judiciário brasileiro o resultado se mantém inalterado. A judicatura brasileira goza de muito mais poder e prestígio que a francesa. De tudo, então, se pode concluir pela plena compatibilidade da obrigatoriedade das cortes posteriores seguirem o que ficou decidido em casos antecedentes com o sistema de fontes normativas dos países filiados à tradição romano-germânica, como é o caso do ordenamento jurídico brasileiro.

5.1. Súmula vinculante Como visto anteriormente, no âmbito do que está sendo tratado como reforma do judiciário, existem várias propostas de emendas constitucionais que buscam um maior fortalecimento e uma maior eficiência do poder judiciário. Dentre as sugestões apresentadas, foi aprovada a adoção da súmula vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal, mas rejeitada para as decisões de todos os tribunais superiores. A súmu-

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la vinculante, como o próprio nome já indica, confere força de lei e efeito vinculante às decisões sumuladas pelos tribunais superiores proferidas em contencioso concreto. A nosso sentir, a adoção da súmula vinculante é o resultado final e esperado de um processo de maior valorização do poder judiciário que se iniciou com a Constituição de 1988. Diferentemente do que ocorre no sistema francês, o sistema jurídico brasileiro confere grande poder e prestígio ao judiciário, chegando mesmo a ser comparável ao do juiz americano. Basta ver que o ordenamento jurídico pátrio confere a todo e qualquer juiz o imenso poder de deixar de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional, exercendo o controle difuso da constitucionalidade das leis, o que soa impensável no direito francês. Aliás, mesmo nos países europeus que privilegiam e prestigiam o poder judiciário, essa função de declarar a inconstitucionalidade ficou reservada a um órgão específico, o tribunal constitucional. Esse sistema de controle difuso foi importado dos Estados Unidos da América e, como já averbado antes, possui sérios inconvenientes quanto à certeza e uniformidade do direito.90 Esses inconvenientes foram atenuados no país exportador do modelo, pela adoção da doutrina do stare decisis. Assim, para se analisar a conveniência da adoção da súmula vinculante (similar nacional ao stare decisis americano), é

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fundamental uma leitura do processo de formação da doutrina vinculante nos Estados Unidos da América.

5.1.1. O processo de formação da doutrina vinculante nos Estados Unidos da América Na experiência jurídica norte-americana, é firme a orientação de que a função criativa do direito exercida pelas cortes judiciárias se origina através da confrontação de diversos pontos de vista e soluções jurídicas que possam ser hauridas de uma determinada aporia. Axiologicamente esse processo de discussão repousa na premissa de que o direito de criação judicial, para ser legítimo e obter aprovação social que ele requer já que elaborado por um poder não eleito, deve ser resultado de um amplo debate, no qual os juízes testam distintas soluções possíveis e buscam persuadir da sua idoneidade, em termos jurídicos e pragmáticos, as demais cortes, bem como a todo o auditório jurídico, através de um discurso argumentativo. Assim, as distintas opiniões e a dialética das posturas judiciais contrapostas, articuladas e ordenadas a partir das regras que regem a dinâmica do sistema de precedentes, constituem o mecanismo pelo qual os tribunais podem prover o sistema de regras gerais que sejam percebidas pelo auditório jurídico como justas e razoáveis, na medida em que decorrentes de um racional e objetivo processo argumentativo.91 Todo o processo se inicia quando os tribunais se defrontam com situações novas ainda não apreciadas pelas cortes (first impression cases) ou se defrontam com os chamados casos difíceis, onde o ordenamento jurídico positivado não fornece diretrizes seguras para a adjudicação judicial, momento em que com maior clareza se abre o espaço para a criação do direito judicial. Quando tais controvérsias chegam aos tribunais de apelação, começa o processo conhecido como “processo de percolação”. Esse processo é um meio de filtragem das inúmeras propostas, tendências e soluções apresentadas com relação a uma mesma questão e assim se desenvolve em termos gerais: cada Tribunal, seja estadual ou federal, à luz das discussões sobre as diversas controvérsias jurídicas que colocam os operadores do direito (advogados, doutrinadores, juristas, professores e oficiais públicos), atento às

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inúmeras nuances, problemas e pontos de vista que existem ao redor de um mesmo assunto, estabelecerá distintas regras de decisão e as confrontará com outras regras formuladas por outros tribunais de mesma hierarquia, para ao final prolatar sua decisão, criando o direito que entende mais adequado para a solução da aporia.92 Nesse processo é comum que os tribunais observem, avaliem, critiquem ou valorizem a atuação dos demais tribunais de mesma hierarquia, a fim de formar sua opinião de que regra de direito deve de fato ser o direito que se aplicará em sua jurisdição. Isso permite que, na arena judicial, comecem a existir distintas aproximações e pontos de vista a respeito de qual direito deve regular determinada questão jurídica. Essa discrepância nos pontos de vista dos tribunais, que ocorre nessa primeira fase de desenvolvimento da doutrina vinculante, é fator que enriquece e legitima socialmente o processo de formação do direito de criação judicial. Ocorre que esse dinamismo e dispersão que caracterizam e fortalecem a elaboração da doutrina vinculante em sua primeira fase é, a longo termo, insustentável e prejudicial, na medida em que torna o direito e, por conseguinte, a própria vida em sociedade, extrema e intoleravelmente incertos e inseguros. Daí porque o sistema judicial americano – como sói ocorrer com os demais – prevê a existência de um órgão supremo93 para ordenar e corrigir os possíveis erros e fraturas que potencialmente possam ocorrer na fase inicial do processo, garantir a uniformidade do direito no país e prestar respeito ao mandamento de tratamento isonômico a ser conferido a todos os membros da coletividade. No sistema norte-americano, esse papel foi outorgado à Suprema Corte Americana que, então, possui a competência última para elaborar e definir qual a lei federal que rege o país. Mais importante, porém, do que descobrir a quem se outorgou essa competência última, é sinalar que nesse processo de adjudicação concreta dos problemas jurídicos, a Suprema Corte exerce seu poder normativo definitivo quando o assunto está “maduro” juridicamente, já exaustivamente debatido nas instâncias inferiores e conhecidas as conseqüências sociais das diversas abordagens adotadas, de sorte que, ao elaborar o direito de criação judicial, o Tribunal pode avaliar o

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grau de controvérsia da questão, a partir dos efeitos jurídicos, políticos, sociais e econômicos das diversas regras de direito estabelecidas pelas instâncias ordinárias, o que lhe capacita a eleger o momento político adequado para resolver o assunto, bem como determinar o nível de generalidade de sua decisão, a fim de torná-la o mais aceitável socialmente possível.

5.1.2. O contexto brasileiro A situação brasileira é, no particular, muito similar à realidade americana. O Brasil também é uma federação. Seu sistema judiciário é repartido entre a justiça dos Estados e a Justiça Federal. Os tribunais regionais federais são em número de cinco. Dois se situam na região sudeste – segunda e terceira regiões –; um abrange a região norte e centro-oeste – primeira região –; um está situado na região sul – quarta região – e um se situa no nordeste – quinta região. Todos eles, mais os tribunais estaduais, decidem questões baseadas em leis federais e na constituição, já que acolhido em nosso sistema o controle difuso de constitucionalidade. Quando se defrontam com questões novas, não é incomum que tais tribunais, no momento de formular suas regras de decisões, levem em consideração decisões proferidas por outros tribunais de mesma hierarquia seja para acolhê-las ou rejeitá-las, juntamente com a análise dos fatores sociais, culturais e econômicos em que inseridos, já que o Brasil é um país continental com grande disparidade nesses aspectos. A conseqüência natural é a existência de uma plêiade de interpretações sobre o que é a lei que deve reger um mesmo assunto. Tal como no sistema americano, a constituição previu um órgão supremo (na verdade dois) para ordenar o sistema e uniformizar a aplicação do direito. O Superior Tribunal de Justiça nas causas concernentes a controvérsias sobre o sentido e implicações da lei federal e o Supremo Tribunal Federal nas questões de cunho constitucional. As causas quando chegam a esses tribunais superiores, via recurso especial (STJ) ou recurso extraordinário (STF), já estão suficientemente “maduras” em virtude da prévia discussão ocorrida nos tribunais de segunda instância. Nesse contexto, a adoção da súmula vinculante, mais do que conveniente, é um verdadeiro consectário lógico do sistema e da função social que os Tribunais exercem em nosso país. Assim, embora aprovada a súmula vinculante apenas para as decisões do Supremo Tribunal Federal, não se compreende como se 174

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possa negar ao Superior Tribunal de Justiça o efeito vinculante das decisões já pacificadas em seu seio, quando uma das hipóteses de cabimento do recurso especial é exatamente a insegurança gerada por interpretações judiciais divergentes quanto ao sentido da lei federal dadas pelos tribunais inferiores. Com efeito, reconhecido que compete ao STJ, em existindo interpretações divergentes acerca do significado das leis federais, definir qual a interpretação que deve prevalecer, o consectário natural é que essa decisão deve ser dotada de autoridade para vincular todas as cortes, inclusive e principalmente, aquelas cortes que estavam conferindo à lei federal interpretação divergente daquela reconhecida pelo Tribunal Superior. Essa circunstância é exigência de racionalidade, coerência, consistência e sanidade que se supõe inerentes a qualquer sistema jurídico. Sinale-se que o legislador infraconstitucional tem caminhado na direção de outorgar aos tribunais superiores o poder de vincular os tribunais inferiores no que se refere ao conteúdo de suas decisões proferidas em processo subjetivos. A Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, é um exemplo dessa tendência, pois outorgou ao STF e STJ, o poder de no processo de uniformização de interpretação de lei federal, determinar liminarmente a suspensão de todos os processos em que a controvérsia esteja estabelecida (art. 14 e parágrafos e artigo 15). Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário e o recurso especial, que deixam de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função defesa da ordem legal e/ou constitucional objetiva, orientação dominante tanto nos modernos sistemas de Corte Constitucional, como também no direito americano.94 Essas iniciativas legislativas nada mais são do que o coroamento desse processo de solidificação do Poder Judiciário e uma resposta às exigências de coerência, consistência e racionalidade sistêmicas. No que concerne especificamente ao Superior Tribunal de Justiça, conquanto não aprovada reforma constitucional que expressamente outorgue efeito vinculante de suas decisões, nada impede, a nosso sentir, a concessão desse efeito pela lei ordinária que se apresenta como ins-

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trumento hábil para alcançar o desiderato, em virtude e decorrência dos princípios da isonomia e legalidade, e bem assim da posição hierárquica e das funções que lhes foram outorgadas pelo Poder Constituinte. Esse efeito, a nosso entender, já se encontra autorizado na Lei no 10.259/2001, nas hipóteses ali mencionadas e que podem ser elastecidas via interpretação judicial construtiva lastreada nos princípios constitucionais acima mencionados.

5.2. Súmula vinculante ou súmula impeditiva de recurso? Como descrito supra, originalmente a PEC 92/92 só previa a edição de súmulas vinculantes para as decisões do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, tramitando no Senado sob no 29/2000, o relatório do Senador Bernardo Cabral estendeu esse efeito para os demais Tribunais Superiores, afinal, suprimido no substitutivo de relatoria do Senador José Jorge, prevendo, em seu lugar, a súmula impeditiva de recurso. A súmula vinculante foi mantida apenas para as decisões do Supremo Tribunal Federal e, aprovado o substitutivo que instituía a súmula impeditiva de recurso para os demais Tribunais Superiores. Embora ontologicamente a súmula vinculante e a impeditiva de recursos não sejam antitéticas, podendo esta última funcionar como um filtro do que deve chegar aos Tribunais Superiores, sem afastar os benefícios que advêm do efeito vinculante, a discussão travada centrou-se nas vantagens comparativas entre os dois instrumentos. Nesse estreito campo de análise, entendemos ser a súmula vinculante superior a súmula impeditiva de recursos. Os argumentos utilizados pelos defensores da superioridade da súmula impeditiva de recursos sobre a súmula vinculante, podem assim ser sintetizados: a) ambos instrumentos processuais visam reduzir a desumana carga de processos repetitivos com que diariamente se defrontam os Tribunais Superiores; b) a súmula impeditiva de recursos alcança esse desiderato sem retirar a independência dos juízos inferiores;95 c) a súmula vinculante não reduzirá o número de feitos, pois as partes vencidas sempre insistirão em recorrer da decisão que aplicou a súmula vinculante, seja pelo desejo de reverter o resultado, seja por reprovável chicana. Mais adequado seria adotar um mecanismo impe-

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ditivo da interposição de recursos, nas hipóteses em que já existe súmula. Aí sim, haveria redução de recursos protelatórios, principalmente dos entes públicos que entulham os Tribunais.96 Analisemos esses argumentos. O primeiro desses argumentos peca por um reducionismo inaceitável. O efeito vinculante, do qual a súmula vinculante é apenas a forma de operacionalização no contencioso concreto, tem finalidades muito mais amplas e nobres do que simplesmente reduzir a carga de trabalho dos Tribunais Superiores. Essa também é uma vantagem decorrente de sua adoção, mas não é a única, menos ainda, a primeira ou mais importante. Como visto na parte I deste trabalho, o efeito vinculante visa assegurar um tratamento igualitário entre os jurisdicionados, notadamente os menos favorecidos que têm sido excluídos dos benefícios da cidadania, naquelas causas de repetição. Visa ainda garantir a imparcial aplicação da lei, assegurando previsibilidade dos efeitos decorrentes dos preceitos normativos, maximizando por conseqüência, o âmbito de liberdade dos cidadãos. Dessa previsibilidade e estabilidade do direito é que, mediatamente, decorre a maior eficiência da máquina judiciária, inclusive, com a redução de sua carga de trabalho em virtude da diminuição das demandas civis e penais face à estabilização do sentido do direito vigente naquela coletividade. É também um grande instrumento para coarctar o arbítrio judicial, pois reforça o judicial restraint e o princípio da maioria que pertence ao Legislativo, promovendo de forma indireta o princípio democrático. Assim, revelase incorreta e falsa a primeira premissa dos defensores da súmula impeditiva de recurso, de que esta compartilha com a súmula vinculante os mesmos objetivos. Como a súmula impeditiva não protege os valores que a súmula vinculante protege, aquela é qualitativamente inferior a esta. O segundo argumento de que a súmula vinculante, para alcançar seu objetivo, cobra uma preço excessivamente alto por implicar na retirada da independência judicial, também não colhe. Como já demonstrado anteriormente,97 o efeito vinculante não retira a independência judicial, apenas reduz a abstratividade da lei e impõe, via legislador democrático, limites substanciais ao exercício da discricionariedade do julgador.

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O terceiro e último argumento, é quase uma contradição em termos. Afirma que a súmula vinculante não irá reduzir o número de processos nos tribunais, pois as partes insistirão em recorrer da decisão que lhe tenha sido desfavorável com a aplicação da súmula vinculante. A única saída seria, então, a adoção da súmula impeditiva de recurso. Esta, em breve síntese, impediria o acesso à via recursal quando a decisão fosse compatível com a súmula do Tribunal Superior, ao tempo em que permitiria a interposição de recurso quando a decisão contrariasse a súmula impeditiva.98 Mas de que recurso estamos falando? O recurso de apelação, o recurso especial ou de revista, talvez, mas não o de agravo. Com efeito, a súmula impeditiva de recurso apenas troca um recurso por outro. A parte vencida terá negado seguimento ao recurso de apelação, se a decisão aplicou o entendimento da súmula, por exemplo, mas dessa decisão inevitavelmente agravará e, provavelmente, com o fundamento de aplicação indevida da súmula. O recurso de agravo necessariamente subirá, pois não se trata de recurso contra a decisão que se amoldou à súmula, mas contra a decisão que negou seguimento ao recurso de apelação que, evidentemente, não é alcançada pelo impedimento da súmula. A súmula impede a discussão sobre o seu mérito, mas não e nem poderia fazê-lo sob pena de violação ao devido processo legal – se ela foi ou não corretamente aplicada. Admita-se que no Tribunal o relator monocraticamente não conheça do agravo, pois a decisão objeto do recurso de apelação está conforme a súmula impeditiva. Novo recurso: agravo interno para a Turma. A Turma nega provimento ao agravo. Novo recurso: recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a súmula impeditiva não reduz em absolutamente nada a carga de trabalho dos Tribunais e talvez até a aumente, se o agravo vier a ser provido, o que certamente ocorrerá em várias oportunidades. Por outro lado, a súmula vinculante permite o manejo da reclamação que leva imediatamente a discussão da questão para o Tribunal que, alegadamente, teve a autoridade de sua decisão desrespeitada, tornando mais eficiente a administração da justiça. Se a questão vai chegar de uma forma ou outra ao Tribunal Superior, melhor que isso seja feito da mais célere e econômica forma. Isso levanta uma outra questão muito importante.

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A súmula vinculante abrange não só o Poder Judiciário, mas também o Poder Executivo. Por outro lado, a redução dos processos nos Tribunais Superiores decorre não da tentativa de se vedar a via recursal à parte inconformada com a decisão, pois ela sempre encontrará um meio de levar sua questão ao reexame do Tribunal. A redução decorre de um efeito indireto da súmula vinculante. Ao vincular o Poder Executivo, ele ficará impossibilitado de insistir em teses já refutadas pelos Tribunais Superiores, reduzindo a demanda judicial imediatamente na própria primeira instância e a fortiori nos Tribunais. Ademais, estabilizando o sentido da norma e tornando previsíveis os efeitos dela decorrentes, todos os seus destinatários procurarão conformar sua conduta a esse sentido, o que acarreta uma natural diminuição nas lides penais e civis. Um instrumento processual que busque meramente vedar o acesso à Segunda Instância, não estabiliza e uniformiza o sentido das normas; não implica em redução da demanda judicial na primeira instância e, conseqüentemente, na segunda instância, pouco ou quase nada contribuindo para a eficiência na gestão dos recursos materiais e humanos à disposição do Poder Judiciário. A chamada “súmula impeditiva de recurso” é, portanto, além de qualitativa, também quantitativamente inferior à súmula vinculante, por deixar de fora a vinculação do Poder Executivo. Nesse diapasão, força reconhecer, como corretamente concluiu em seu parecer o relator da PEC 29/2000, Senador José Jorge, ao rejeitar a sugestão de outorgar também ao Supremo Tribunal Federal a súmula impeditiva de recursos, que a “súmula vinculante parece superior para enfrentar com eficácia a multiplicação de processos e a necessidade de celeridade processual”.

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Capítulo 5 Fundamentos Teóricos do Efeito Vinculante

1. Noções conceituais O presente capítulo busca analisar os princípios teóricos que orientam a adjudicação judicial baseada em precedentes judiciais – o case system do sistema anglo-saxão – questão que assume contornos que desbordam da simples conveniência para abarcar a seara da necessidade, tendo em vista a adoção do efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal em nosso ordenamento jurídico. O declarado objetivo é eriçado de dificuldades, haja vista a inexistência de uma unanimidade quanto aos aspectos centrais da doutrina vinculante mesmo nos países de larga tradição e experiência no tema. Por esse motivo, a metodologia adotada intenta visualizar as diversas tendências doutrinárias a respeito do tema e, após analisá-las, sugerir aquela que melhor responda aos anseios e necessidades de nosso sistema jurídico. Nada obstante, desde logo se adverte que a empreitada, ainda que completamente exitosa quanto aos objetivos a que se propõe, servirá apenas para estimular o debate sobre esse vital tema.

1.1. Precedentes vinculativos e precedentes persuasivos Visando aclarar um pouco mais o tema objeto de análise, mister esclarecer que os tribunais classificam os precedentes em duas categorias. Na primeira, eles se referem a precedentes obrigatórios, vinculantes, que determinam o resultado de um caso futuro semelhante. Na segunda categoria, enquadram os chamados precedentes persuasivos1 que possuem apenas força moral sobre as demais cortes, mas que não impõem obrigatória obediência. Nada obstante a importância dessa categoria de precedentes, este capítulo se dedicará exclusivamente à análise da função e aplicação dos precedentes vinculantes. Assim,

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quando aqui se utilizar da terminologia “precedentes”, estar-se-á tratando apenas de precedentes obrigatórios. A adjudicação judicial baseada em precedentes tem como núcleo duro, a análise de três elementos básicos que estruturam a decisão dos Tribunais: holding ou ratio decidendi, dictum e rationale. Esses conceitos admitem distintos níveis de discussão e, conseqüentemente, diversos significados. A perspectiva do presente capítulo tem por finalidade analisar o precedente judicial e, a fortiori, os elementos que o compõem por apenas dois ângulos: a) do litígio decidido entre as partes e b) da força normativa que essa decisão inter partes terá em litígios futuros.

1.2. Holding/ratio decidendi Preliminarmente, impende esclarecer que as expressões holding e ratio decidendi se referem ao mesmo elemento da decisão judicial. Em outro dizer, são expressões sinônimas. A primeira delas é própria do direito norte-americano, enquanto que a segunda, do direito inglês. Para efeito deste trabalho, ambas expressões serão utilizadas indistintamente. Quando se tem em vista a específica decisão proferida no caso concreto, o holding nada mais é do que a opinião da corte sobre a questão de direito que lhe é posta para análise. Em termos descritivos, a ratio decidend implica simplesmente na explanação da justificação da corte para sua decisão baseada em uma análise sociológica, histórica ou até mesmo psicológica. O resultado dessa análise é considerado verdadeiro ou falso como uma questão de fato. Em termos prescritivos, a ratio decidendi se refere ao julgamento normativo, ou seja, uma questão de direito.2 Nesse último sentido, portanto, o holding é o princípio jurídico que o Tribunal estabeleceu para decidir aquele específico caso. Assim, a ratio decidendi, “é uma regra expressa ou implicitamente prolatada por um juiz que é suficiente para resolver uma questão de direito colocada em discussão pelos argumentos das partes em um caso, sendo uma questão sobre a qual uma regra era necessária para justificar a decisão no caso”.3 No que concerne à força normativa que essa decisão terá em futuros litígios, Salmond em seu clássico Jurisprudence averbou: “Um pre-

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cedente é uma decisão judicial que contém dentro de si um princípio. O princípio subjacente que contém o elemento de autoridade é freqüentemente chamado ratio decidendi. A concreta decisão é vinculante para as partes, mas é a abstrata ratio decidendi que sozinha possui força de lei com relação ao resto do mundo”.4 Essa conceituação apresentada apesar de útil é insuficiente, pois não enfrenta o real dilema com que se defronta a aplicação do precedente ao caso subseqüente, momento em que o princípio contido na decisão concreta se tornará abstrato e passará a desbordar de seu campo de atuação na lide para vincular futuros litígios semelhantes. Em outro dizer, qual a autoridade da regra legal encontrada no precedente? É, em princípio, uma forte evidência do direito; ou é obrigatória como um ato posto pelo legislativo, ou então, ocupa alguma posição entre esses dois extremos. Outra questão ainda por responder e substancialmente relacionada com a primeira é como extrair da regra que decide o caso concreto aqueloutra aplicável a hipóteses semelhantes, o que implica em dotar de maior generalidade e abstração os fatos que instruíram originariamente a lide. Como será visto mais adiante, não existe uma resposta única à essas perguntas. É que, embora classicamente o holding de um particular caso seja considerado vinculante para o resultado de casos futuros que sejam similares ao caso precedente em todos os aspectos relevantes, “uma resposta incontroversa sobre a questão de quais são as similitudes e diferenças relevantes entre o caso atual e o caso precedente, não pode ser obtida até o precedente ser realmente interpretado pela corte vinculada”.5 Essa realidade insofismável de participação conjunta da corte vinculante e da corte vinculada na elaboração da ratio decidendi tem propiciado o surgimento de inúmeras teorias sobre a força do precedente judicial. É que, como uma questão prática, a força da doutrina vinculante é inversamente proporcional à discrição que a corte vinculada possui para determinar qual é o holding do precedente. Quanto maior for essa discrição, menor é a força da vinculação e vice-versa. Dentro desse espectro, podem ser consideradas teorias, variando desde a mais ou menos formalista que apontam para uma absoluta ou relativa vinculação ao precedente, até a mais ou menos cética quanto a possi-

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bilidade de se proceder a essa vinculação. “As teorias formalistas são aquelas que apresentam a ratio como relativamente fixa e determinada, ou pelo menos determinável; as teorias céticas são aquelas que tratam o termo como tendo somente uma referência ilusória e, conseqüentemente, como significando o que quer que a corte vinculada queira que seja”.6 Essas variantes teóricas serão analisadas com maior profundidade no item 2.

1.3. Obiter dictum O conceito de obiter dictum ou simplesmente dictum, está firmemente ligado ao conceito de holding. De fato, o dictum corresponde exatamente à contraface do holding. Antes de se mover adiante para conceituar e, ipso facto, distinguir o dictum do holding, mister se faz alertar que essa problemática só se põe para as teorias formalistas, nas quais é importante definir o que a corte disse. Teorias céticas sobre precedentes se estruturam muito mais no que a corte fez, do que naquilo que a corte disse, daí porque em tais hipóteses, perde relevo a distinção entre o que dito a título de holding e o que foi dito a título de dictum. É que, se para as teorias céticas o holding pode ser qualquer coisa que a corte vinculada queira que seja, o que seria dictum, pode ser considerado holding e vice-versa. Como visto, holding é a regra ou princípio enunciado pelo juiz em um determinado caso que era necessário para a resolução da questão. Assim, toda e qualquer regra elaborada pela corte que não era necessária para a solução da questão é considerada dictum. Considerando que as cortes podem criar regras de direito, mas com a limitação de que elas devem estar relacionadas com os fatos postos sob adjudicação, esse poder está confinado pelas necessidades das controvérsias que lhe são submetidas para decisão. Qualquer pronunciamento que vá além dessa necessidade, não pode exercer autoridade obrigatória sobre casos futuros.7 Os dictum, portanto, são aquelas considerações jurídicas elaboradas pelo Tribunal não relacionadas com o caso, embora as considere

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desnecessárias para justificar a decisão proferida. São pronunciamentos que se afastam do princípio justificador daquela decisão. A partir do momento que dele se afastam, o tribunal passa a falar “extrajudicialmente e nenhuma opinião que possa expressar é considerada vinculante”.8 Essa passagem do voto do Chief Justice Marshall em Cohens v. Virgínia, bem equaciona a questão. “É uma máxima para não ser desconsiderada que expressões gerais em cada opinião devem ser analisadas em conexão com o caso nos quais essas expressões são utilizadas. Se elas vão além do caso, elas podem ser respeitadas, mas não devem controlar o julgamento em um caso subseqüente, quando a questão é posta para decisão. A razão dessa máxima é óbvia: A questão que está realmente perante a corte é investigada e considerada em toda sua extensão. Outros princípios que podem servir para ilustrá-la são considerados em sua relação com o caso decidido, mas seu possível significado em todos outros casos raramente é completamente investigado.”9 O exemplo mais visível de utilização de um dictum é quando o tribunal de forma gratuita sugere como resolveria uma questão conexa ou relacionada com a questão dos autos, mas que no momento não está resolvendo. Por exemplo, ao analisar um pedido da habeas corpus colimando obter a nulidade do decreto de prisão cautelar do paciente ao fundamento de excesso de prazo na instrução, o Tribunal indefere a ordem por verificar que o atraso na instrução ocorreu por requerimentos da defesa. Essa fundamentação10 é suficiente para decidir a lide. Entretanto, gratuitamente e sem maiores investigações, a corte anota que, não tivessem existido tais requerimentos, a solução seria diversa e a ordem seria concedida com a declaração da nulidade da prisão cautelar. Essa proposição, de que havendo excesso de prazo sem que a defesa tivesse concorrido para tal implicaria em nulidade do decreto de prisão cautelar, é meramente dictum não possuindo força vinculante

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com relação às demais cortes, pois não se investigou todas as possibilidades a ela concernentes. É que poderia existir uma outra situação de excesso de prazo, sem que a defesa tivesse concorrido para ele, mas que tivesse decorrido de outros fatores que não estavam postos na causa decidida, por exemplo, a complexidade do crime e quantidade dos réus.11 Em tal situação, uma razoável extensão do prazo legal para encerramento da instrução seria válida e não acarretaria nulidade do decreto prisional, não estando uma outra corte obrigada a conceder ordem de habeas corpus em uma causa subseqüente, contendo essas circunstâncias fáticas, em razão do dictum exarado no precedente. Certo que, tal como ocorre com identificação do holding, essa qualificação do dictum baseada no critério da desnecessidade da consideração jurídica efetivada é bastante ampla e manejável e, talvez por isso mesmo, seja tão preferida.

1.4. Rationale A rationale de um caso é a razão dada pela Corte para adotar o específico princípio ou a específica regra que irá decidir a lide, pondo fim ao litígio. A importância das razões que subjazem à ratio decidendi no que concerne à vinculação do precedente judicial varia, dependendo da função social conferida às cortes. No modelo de “resultado subjetivo” (by product model) a sua importância é mínima, pois a regra acolhida na lide só se aplica àquela específica decisão. Situação diversa ocorre no modelo de “enriquecimento do direito” (enrichment model), que reconhece uma função prospectiva ao poder normativo dos tribunais, na medida em que as razões do caso “assumem sua maior importância em situações nas quais a parte procura expandir a doutrina de um caso particular para além dos limites definidos por aquele caso”.12 Uma análise da doutrina americana das classificações suspeitas (suspect classifications) ilustra muito bem a importância do rationale na vinculação do precedente. Na nota de rodapé no 4 lançada pelo Justice Stone no caso United States x Carolene Products S.A., estabeleceu-se o princípio de que as leis dirigidas contra minorias reduzidas e insulares que lhes trouxessem prejuízo, ou fossem potencialmente perigosas aos processos pelos quais

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seus direitos são defendidos, se submeteriam ao controle judicial mais rigoroso, invertendo-se o princípio da presunção da constitucionalidade da lei para o da inconstitucionalidade.13 Em Loving v. Virgínia, a Suprema Corte Americana decidiu que, em razão do princípio da isonomia, classificações raciais estavam submetidas ao controle judicial mais rigoroso.14 O princípio que governou o caso foi de que classificações com base na raça são suspeitas e, portanto, se submetem ao critério judicial mais rigoroso. A rationale para a adoção dessa doutrina foi que os membros da raça negra são “uma minoria insular e reduzida”. Em Yick Wo v. Hopkins, a Suprema Corte invalidou uma discriminação contra os descendentes de chineses, afirmando que o princípio da igual proteção previsto na 14a emenda deveria ser aplicado sem consideração de raça ou nacionalidade.15 O princípio que dirimiu a lide foi de que discriminação com base em nacionalidade é suspeita e, portanto, se submete ao controle judicial mais rigoroso. A rationale foi que estrangeiros são “uma minoria insular e reduzida”. Em Reed v. Reed, a Suprema Corte Americana julgou inconstitucional uma lei dispondo que existindo várias pessoas com direito a serem nomeadas administradores de bens de falecido, os homens deveriam preferir às mulheres.16 O princípio adotado para o caso foi que classificação baseada exclusivamente no sexo é suspeita e deve se submeter ao controle judicial mais rigoroso. A rationale foi que os membros do sexo feminino são “uma minoria insular e reduzida”. Como se vê, através da rationale das decisões, pode-se verificar que o fato de ser de uma raça ou de ser estrangeiro, ou de ser de determinado sexo, eram manifestações individualizadas e concretas de um mesmo conjunto de fatos mais geral e abstrato e que, portanto, deveriam se submeter ao mesmo princípio jurídico que governou o caso precedente. Essa circunstância demonstra a importância da rationale no desenvolvimento do direito de criação judicial.

2. Modelos teóricos de vinculação ao precedente judicial As cortes judiciárias exercem duas funções sociais fundamentais: a função de resolver litígios que se volta para as partes do processo e

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para o passado e a função de desenvolvimento do ordenamento jurídico que se volta para a sociedade como um todo e para o futuro.17 Quando referenciadas ao respeito que se deve dar às decisões passadas na solução de casos futuros, inevitavelmente surgirão tensões na diferença de orientações que ordenam essas duas funções. Essas tensões possuem dois níveis ou ângulos de análise. O primeiro se refere ao peso que deve ser dado ao precedente judicial. Em outro dizer, o que ficou decidido no caso precedente dever ser considerado uma forte presunção do que direito é, mas que pode ser afastada se razões ponderáveis assim determinarem; ou deve ser considerado de forma absoluta, pois efetivamente define e concretiza a regra de direito, ou ainda, ocupa alguma posição entre esses dois extremos. O segundo nível está referenciado com a seguinte questão: após definido qual o nível de vinculação deve ser conferido ao precedente, como extrair a regra vinculante. A doutrina busca reconciliar essas tensões ora privilegiando uma, ora outra função, o que implica na elaboração de inúmeras teorias sobre a influência de decisões pretéritas na solução de casos futuros semelhantes. Todas essas teorias, porém, podem ser agrupadas sob o manto de três abordagens básicas, que, na esteira da classificação de Eisenberg, serão chamadas de “minimalistas”, “centradas no resultado” e “normativas”.18 No presente item, a questão será abordada no primeiro dos níveis mencionados, através da descrição e crítica das três abordagens teóricas básicas sobre qual a força vinculativa do precedente. No próximo item, será analisada a questão de como se extrair do precedente a regra que irá governar os casos futuros semelhantes.

2.1. Modelo minimalista O modelo minimalista parte do pressuposto que a força conferida a decisões judiciais pretéritas para governar um caso futuro semelhante deve ser proporcional, tal como ocorre na ciência e na ética, à congruência entre o princípio moral que sustenta a decisão e os princípios morais que regem a vida da coletividade como um todo. A influência

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que um caso anterior terá na decisão de um caso semelhante futuro independe de uma exigência formal de que os precedentes devem ser seguidos. A força do precedente não reside em aspectos formais, mas substanciais. A correção moral da decisão judicial, ponderada com diversas outras diretrizes morais que se interligam para a decisão do caso subseqüente, é que irá determinar a real força e peso do precedente na decisão da corte vinculada. Isso é assim, porque nesse modelo advoga-se uma clara distinção entre uma interpretação dedutiva típica de interpretação de textos legislativos e uma interpretação indutiva típica de interpretação baseada em precedentes, distintas entre si não pelos seus aspectos formais (geral para o particular na dedutiva e particular para o geral na indutiva), mas pelo aspecto substancial quanto ao modo de justificação da regra. A questão crucial para esse modelo reside na resposta à seguinte questão: O que legitima um juiz posterior generalizar uma regra jurídica extraída de fatos particulares de um caso anterior qualquer? Para os minimalistas, o real problema enfrentado por essa questão é inerente a qualquer generalização que decorre de um processo indutivo, seja no direito, seja na ciência, seja na ética. O real problema, então, seria o de encontrar um critério adequado para extrair, de um caso particular, uma regra geral apropriada. Com exemplos extraídos da natureza assim é posto o problema: como é possível passar-se da afirmação singular “este corvo é preto” e “aquele corvo também é”, para “todos os corvos são pretos”? Se nós não vimos todos os corvos, o que justifica conferir o status de verdadeira essa afirmação universal sobre os corvos?19 A teoria minimalista rejeita a postura convencionalista que imbrica em uma única base teórica a justificação da universalização e a verdade dessa universalização. Não pode vir em socorro da resposta o imperativo categórico de Kant, de que uma norma moral individual é aquela passível de aplicação universal. Como conseqüência, para os minimalistas, a forma universal da regra judicial só pode ser justificada, se a forma individual da regra legal é ela própria correta e justificável.20 Por outro lado, a teoria minimalista reconhece como justificáveis os valores substantivos perseguidos pela doutrina vinculante, espe-

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cialmente a segurança jurídica e a igualdade, embora não lhes conceda um peso absoluto ou superior aos demais valores que se entrelaçam para a solução da lide.21 A solução, portanto, se encontra na ponderação entre esses distintos valores morais quando entre eles houver choque ou contraposição. Para uma melhor compreensão do modo de operacionalização do modelo minimalista no sistema jurídico, é útil uma análise do processo de tomada de decisão no âmbito extrajudicial.22 Adote-se a seguinte hipótese: Quando meu filho atinge a idade de 18 anos, ele pede uma motocicleta. Após avaliar todos os riscos e todas as vantagens de lhe dar uma motocicleta, decido atender seu pedido. Quando minha filha chega a mesma idade de 18 anos, faz o mesmo pedido. Para facilitar o convencimento, além de apontar que os benefícios de possuir uma motocicleta superam os riscos, naturalmente irá acrescentar, como motivo autônomo, o fato de que anteriormente foi dada uma motocicleta para seu irmão. Assim, ela tem a legítima expectativa (previsibilidade) que eu também irei autorizá-la a dirigir motocicleta, pois ela é merecedora de um idêntico tratamento. O modelo minimalista possui, basicamente, a mesma forma de operar no sistema legal. No caso precedente que traz uma questão nova (first impression case), a corte vinculante analisa todos os aspectos concernentes à elaboração da regra que, ao por termo à lide, irá decidir o caso em favor de uma ou da outra parte. As razões apresentadas para justificar a decisão podem levar em consideração aspectos relativos a apenas as partes ou também considerar os efeitos da decisão relativamente a todos os membros da coletividade. Menos que apontar essas diferenças, mais importante é alertar que, sejam quais forem as razões em que a corte vinculante se baseou para decidir a questão, elas são razões que o tribunal acredita sejam aprovadas por uma teoria moral e politicamente correta. Nesse sentido, uma vez que a corte vinculante decida uma questão nova, o só fato dessa decisão existir se transforma em uma razão autônoma que se somará àquelas que justificaram a prévia decisão, apontando, em princípio, para o dever dos tribunais vinculados decidirem litígios semelhantes da mesma maneira, tal como ocorreu com o exemplo de minha filha, onde minha prévia decisão de autorizar meu filho a

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dirigir motocicleta passou a ser uma razão autônoma por ela utilizada para obter a mesma decisão, razão essa que, como é óbvio, não existia no caso precedente. Assim, a decisão precedente acrescenta àquele conjunto inicial de razões mais algumas, como igualdade e segurança jurídica, que apontam para a exigência de uma decisão similar. Diante do caso futuro semelhante, a corte vinculada não irá ponderar apenas as mesmas razões morais que foram ponderadas no caso precedente. Além delas, a corte vinculada deverá acrescentar à ponderação daqueles aspectos, mais uma razão moral para se dar uma decisão semelhante: a própria decisão precedente. Assim, é possível que, ao exercer essa ponderação, a corte vinculada embora considere que a decisão precedente foi incorreta com base naquele conjunto inicial de razões e que, portanto, não deveria ser repetida, ao decidir o presente caso cujo conjunto de razões foi acrescido pelos princípios da isonomia e da segurança jurídica decorrentes da anterior decisão incorreta, pode entender que o atual resultado da ponderação favoreça aquele que deveria ter perdido a causa se a corte vinculada tivesse decidido a causa precedente. Nessa situação, a corte vinculada estaria obrigada a seguir o precedente mesmo o considerando incorreto. Entretanto, é possível que, mesmo com a adição dessas novas razões (igualdade e segurança jurídica), a ponderação ainda leve a um resultado que penda em favor da parte que perdeu no caso precedente. Nessa circunstância, a corte vinculada é livre para abandonar o precedente e decidir a causa que lhe foi posta para adjudicação da forma que achar correta. Verifica-se, portanto, que a latitude do poder discricionário da corte vinculada para seguir ou não o precedente é muito ampla e, como alertado anteriormente, quanto maior essa latitude, menor é a força obrigatória do precedente judicial.

2.2. Modelo centrado no resultado Como o próprio nome já está a indicar, no modelo de vinculação centrado no resultado o tribunal adere a um outro precedente considerado vinculante sem levar em consideração se está ou não aderindo ao princípio ou regra que justificou o resultado, mas sim ao próprio resultado em si, na medida em que a exigência do mesmo resultado no caso subseqüente decorre da similaridade dos fatos ou a diferença no resultado reflete uma diferença dos fatos dos casos.23

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Nesse sentido, diante de um caso subseqüente similar, a corte vinculada pode adotar basicamente duas condutas: a) seguir o precedente se os fatos que se apresentam no caso subseqüente apontam na mesma ou com maior intensidade para um resultado semelhante ao do caso precedente, hipótese em que deve decidir de forma análoga a parte vencedora no caso vinculante. A corte vinculada deve decidir dessa forma, mesmo que no modelo minimalista que simplesmente desconsidera qualquer regra estipulada no caso, pudesse decidir diferentemente; b) por outro lado e como consectário lógico, a corte vinculada pode abandonar o resultado do caso vinculante se os fatos do caso subseqüente apontarem com menor intensidade para o mesmo resultado do caso vinculante, ainda que a regra ou princípio formulado no caso vinculante expressamente determine o mesmo resultado. Nesse modelo, a vinculação da corte inferior seria um pouco maior do que no modelo minimalista. Se os fatos do caso subseqüente apontarem com idêntica ou maior intensidade para o resultado do caso precedente considerado incorreto, a corte vinculada deve seguir o precedente, ainda que, em uma abordagem minimalista, após ponderar todos os fatores envolvidos, inclusive o valor autônomo da igualdade e da segurança jurídica que decorrem da prévia decisão, entendesse que deveria decidir contrariamente ao resultado do caso vinculante. Em outro dizer, o modelo centrado no resultado exige que a corte vinculada se afaste das premissas que orientam o modelo minimalista, mas não de modo absoluto como faz o modelo normativo, senão que apenas nas hipóteses em que os fatos do caso subseqüente apontam para o mesmo incorreto resultado do caso precedente. O modelo centrado no resultado busca ser, portanto, um meio termo entre o modelo minimalista e o modelo normativo. A axiologia que subjaz o modelo centrado no resultado é o princípio formal de justiça de que casos iguais devem receber tratamento semelhante. O critério para se apurar se um caso posterior é idêntico ou distinto do caso antecedente é a verificação se os fatos desse caso posterior apontam ou não, com idêntica ou superior intensidade, para a mesma decisão do caso antecedente. O modelo centrado no resultado pode ser descrito também como um modelo nos quais as cortes inferiores são vinculadas pelas razões adotadas pela corte vinculante para decidir o caso e não pelo princípio jurídico formulado quando da solução do litígio. Essa descrição exige um prévio esclarecimento do significado do termo “razões da decisão”. Se por razões da decisão se entender o processo adotado expressamen192

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te pela corte para a resolução de um grupo de problemas semelhantes em que se estipula com generalidade regras formais para obtenção do resultado ou para a solução do problema, as razões se integram ao próprio princípio legal enunciado pela corte e, portanto, dele não pode ser separado. Neste sentido, estando vinculadas pelas razões, as cortes inferiores estão necessariamente vinculadas pela regra legal enunciada no caso precedente e dela não podem se afastar. Nesta hipótese, a vinculação pelas razões não descreve acuradamente o modelo centrado no resultado, mas sim, o modelo normativo. Por outro lado, as razões da corte vinculante podem ser entendidas como sendo um conjunto de princípios morais e políticos que ela acredita fundamentar o resultado e a regra legal no caso precedente, mas que não pode ser expresso como um processo seguido pela corte para prolatar sua decisão. A corte vinculante acredita que seus princípios são consistentes com uma teoria moral e politicamente correta. A corte vinculada também pensa assim, entretanto, acredita que a corte vinculante aplicou equivocadamente aqueles princípios moral e politicamente corretos e, conseqüentemente, a decisão prolatada foi incorreta. Considerando, porém, que ambas as cortes compartilham dos mesmos princípios, a corte vinculada pode abandonar o precedente e a regra legal nele afirmada, na medida em que está aplicando o mesmo conjunto de princípios que foram aplicados pela corte vinculante, só que de forma correta. Esse significado de razões de decisão não descreve o modelo de resultado, mas sim, o modelo minimalista, vez que ambas as cortes estão tentando decidir do modo mais correto que as razões determinam, ou seja, nessa interpretação das razões, permitese à corte vinculada fazer o que é o certo do seu ponto de vista. Finalmente, as “razões” podem se referir a um conjunto de princípios jurídicos e os pesos que a eles são conferidos na adjudicação judicial que melhor justifica a (incorreta) decisão precedente. Nesse sentido, as “razões” existem e, portanto, constrangem em certa medida a corte vinculada que não é livre para desconsiderar a decisão da corte vinculante como ocorre no modelo minimalista. De outro lado, porém, essas “razões”, por condensarem diversos princípios muitas vezes concorrentes entre si, não são suscetíveis de serem expressas em uma forma canônica com uma regra legislada e, a fortiori, não podem ser objeto de uma aplicação como uma regra normativa. Essas “razões”, diferentemente do modelo minimalista, vinculam, mas não no mesmo grau adotado pelo modelo normativo. Elas vinculam, mas não como regras, daí porque podem reduzir e/ou modificar o âmbito de incidên193

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cia da regra extraída da decisão.24 Se a corte vinculada adota esse significado de razões, então atua sob o modelo centrado no resultado.

2.3. Modelo normativo O modelo normativo é um modelo formalista, ou seja, é um modelo que parte da premissa da existência de uma determinada ou pelo menos determinável ratio decidendi no caso precedente. Esse modelo também admite e reconhece uma função prospectiva à decisão judicial prolatada para solucionar um caso específico. Assim, sob este modelo, a corte vinculante não somente possui autoridade para decidir o caso que lhe foi posto sob adjudicação, como também a possui para promulgar regras gerais vinculantes para as demais cortes de nível inferior. Nesse modelo, a regra legal de criação judicial opera da mesma forma que uma norma legislada e, como tal, deverá possuir uma formulação canônica.25 O modelo normativo apresenta versões extremadas e moderadas. Na primeira versão, a vinculação ao precedente é absoluta, de sorte que a corte vinculada não pode, em qualquer hipótese, distinguir ou abandonar um precedente. Na versão moderada, a vinculação é mais fraca, podendo a corte vinculada, presente certas circunstâncias, dis-

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tinguir ou abandonar o precedente. Embora para algumas versões do modelo a observância obrigatória possa ser relevada, em nenhuma delas a corte vinculada é livre para desconsiderar um precedente baseada no fato de que, ao ponderar entre as vantagens oferecidas pelos princípios morais da igualdade e da segurança jurídica e as vantagens oferecidas por uma decisão diferente, chegou a um resultado que favorece a uma nova regra em detrimento da afirmada no precedente, como pode fazer de modo mais ou menos amplo nos modelos minimalistas e centrado no resultado, respectivamente. Um outro aspecto em que se verificam variações, concerne à metodologia utilizada para extrair a regra legal do precedente. Algumas teorias mais restritivas procuram extrair a regra legal da opinião corte vinculante.26 Outras versões extremamente amplas descrevem a ratio decidendi do caso precedente como sendo qualquer regra legal utilizada pela corte precedente como um passo necessário para prolatar sua decisão.27 Uma terceira linha de abordagem refere a ratio decidendi, como localizada na decisão do juiz e nas razões por ele oferecidas que, em sua opinião, é afirmada como justificando-a.28 O característico dessas versões é que todas consideram deva a regra, ainda que posta de forma implícita na decisão, possuir uma formulação canônica que, sintética e esquematicamente pode ser assim referida: Presentes os fatos F1, F2, F3...Fn então a decisão deve ser Fd, bem como ter sido fixada quando da decisão da corte vinculante, cabendo à corte vinculada apenas interpretá-la. Por último, a regra deve ser aplicada prospectivamente. Presentes essas condições, o modelo de vinculação adotado é o modelo normativo.

2.4. Análise crítica dos modelos de vinculação 2.4.1. O modelo centrado no resultado O modelo de vinculação centrado no resultado é um modelo híbrido, cuja função principal seria extrair as principais vantagens dos dois

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modelos contrapostos, minimalista e normativo. Entretanto, o que seria sua maior vitória é, em verdade, sua maior derrota. O que seria a sua maior virtude, se revela como seu maior defeito. Como se verá a seguir, a principal vantagem do modelo minimalista seria a sua correção moral. As cortes judiciárias devem decidir “justa e corretamente” as causas que lhe são postas para adjudicação, ainda que ao custo de fragilizar os princípios da segurança jurídica e da igualdade, dos quais, no mais das vezes, depende. A seu turno, a grande vantagem do modelo normativo seria assegurar o primado da rule of law, através da coerência e consistência das decisões judiciais, operacionalizando o princípio da segurança jurídica e tornando eficaz o princípio de justiça de que a casos iguais deva ser dado tratamento idêntico. O principal problema com o modelo centrado no resultado é de natureza operacional: como determinar que o caso subseqüente é um caso que deva ser considerado semelhante para o mesmo resultado do caso vinculante. O critério, como explicitado supra, é a verificação se os fatos desse caso posterior apontam ou não, com idêntica ou superior intensidade, para a mesma decisão do caso antecedente. Aí reside a principal dificuldade operacional desse modelo. Como identificar, no caso anterior, todos os fatos e seus pesos utilizados para a obtenção do resultado? A corte vinculante pode ter sido econômica na explicitação dos fatos e razões que conduziram aquele resultado, caso em que pode ser impossível à corte vinculada divisá-los na sua integralidade. Diante dessa possibilidade a corte vinculada pode assumir duas atitudes. Em sendo impossível acessar todos os fatos do caso precedente, a corte vinculada pode decidir simplesmente seguir a regra fixada no precedente, mesmo que, se adotasse o modelo minimalista, discordasse do resultado do precedente. Ocorre que esse procedimento simplesmente caracteriza o modelo normativo. Por outro lado, a corte poderia assumir que qualquer dado que não fosse mencionado pela corte vinculante simplesmente não estava presente no caso precedente e, assim, discordando da regra fixada no caso precedente, escolher qualquer fato presente no caso vinculado que não foi mencionado no caso vinculante como fator distintivo e decidir contrariamente ao caso vinculante. Ocorre que se a corte vinculada pode escolher qualquer fato do caso subseqüente para considerar que este aponta com menos intensidade para o resultado do caso precedente ela, de fato, atua sob o modelo minimalista. E assim o é pelo hibridismo do modelo. Ora segue o modelo minimalista onde a vinculação é mínima, ora segue o modelo normativo 196

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onde a vinculação é forte. Ocorre que inexiste qualquer critério para que se possa saber quando a corte vinculada agirá no modelo minimalista ou no modelo normativo. O modelo centrado no resultado, portanto, nem possui a alegada correção moral do modelo minimalista, nem possui as virtudes da rule of law do modelo normativo, não sendo, portanto, justificável.

2.4.2. O modelo minimalista A teoria minimalista pode ser descrita como uma teoria declaratória do direito. O juiz, ao exercer sua função, deve analisar todos os aspectos envolvidos na disputa relativos a fatos, textos de lei, precedentes judiciais, princípios e valores que se referem ao caso, para declarar e aplicar o direito ao caso concreto e não constituí-lo.29 Assim, no modelo minimalista é interdito aos tribunais legislar, cabendo-lhes tão somente descobrir e seguir as regras que eles reputam como corretas. A principal característica do modelo minimalista é que ele procura ser um modelo moral. Nesse sentido, ele possui um forte componente jusnaturalista. Ao exercer sua função, os tribunais devem agir buscando distribuir justiça através de regras que eles consideram moralmente corretas. Esses princípios não se referem a valores morais individuais dos juízes, mas decorrem objetivamente de um corpo de doutrina fornecida pelo ordenamento jurídico, que incumbe às cortes descobrir. É unanimemente aceito, para esse modelo, que a decisão da corte será correta ou incorreta, certa ou errada, na medida em que esteja ou não em conformidade com princípios jurídicos determináveis e seja aplicada de acordo com padrões de justificação que não são pessoais do juiz.30 Atuando sob o modelo minimalista de vinculação, diante de uma decisão errada e em virtude dos valores de segurança jurídica e da igualdade que dela decorrem, as cortes podem agir de duas maneiras: a) se a corte entender que o desvalor moral de seguir a regra que a governa é menor do que abandonar a regra fixada, ela estará vinculada ao precedente e deve segui-lo; b) se entender que o desvalor moral de seguir a regra é maior do que abandoná-la, é livre para decidir contrariamente ao que fixado no precedente. Nesse sentido, o modelo

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minimalista, ao tempo em que leva em consideração as vantagens morais que provêm da adoção da rule of law para chegar ao resultado que os tribunais consideram conforme a uma razão reta, também confere, após a ponderação de todos os aspectos envolvidos, absoluta liberdade para os Tribunais desconsiderarem a regra do precedente, se considerarem que isso é a atitude moralmente correta a ser adotada. O problema que surge é que, como já ressaltou Hobbes, equiparar o direito à razão reta, é dar permissão para cada um julgar o que o direito é conforme aquilo que declara como sendo a reta razão e, portanto, abre as portas para o subjetivismo e o arbítrio. A solução de Hobbes, como se sabe, foi nem equiparar o direito como sendo a razão individual do juiz, nem como sendo uma razão objetiva, fictícia e artificial do próprio direito, mas sim, a razão natural da soberania.31 Na visão de Hobbes, portanto, a regra do caso precedente deveria ser seguida pelo simples fato de ter sido estabelecida por quem de direito, que no caso seria a corte superior, mas o modelo minimalista, embora reconheça a estrutura hierárquica do poder judiciário, recusa a vinculação à regra do precedente pelo simples fato dela ser fixada por uma corte superior. Esse posicionamento é uma natural conseqüência de sua premissa de que as cortes não podem legislar, mas tão somente descobrir e aplicar o direito. Embora a questão quanto ao poder das cortes de legislar já tenha sido enfrentada anteriormente, se mostram oportunos alguns esclarecimentos adicionais.32 O modelo não admite o poder de legislar às cortes porque adota a hipótese de que uma regra individual só pode ser universalizada se ela própria for correta, ou seja, verdadeira. Essa linha de argumentação, entretanto, parte da equivocada premissa que a mesma lógica formal que serve às ciências naturais (físicas) se aplica à ciência do comportamento como é o direito. Em assim fazendo, o modelo minimalista, a exemplo do jusnaturalismo moderno, tenta transformar o direito em uma ciência lógico-demonstrativa e, portanto, racional, atada a um conceito de verdade.

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Ocorre que a lógica do direito não é a lógica abstrata e formal, mas a lógica do razoável. O razoável não se confunde nem com o racional, nem com o irracional. O racional está ligado aos critérios da verdade, coerência e eficiência. A ele se opõe dicotomicamente o irracional que, por não estar conforme a razão, é tido como não verdadeiro, incoerente e ineficaz para o bom método. O razoável, ainda que não se oponha ao racional, está mais próximo do bom senso da razão prática e daquilo que é aceitável em um determinado meio social e em um dado momento.33 A lógica do direito é a lógica da argumentação e esta não visa à adesão de uma tese exclusivamente pelo fato de ser verdadeira.34 Como não é possível demonstrar empiricamente a verdade ou falsidade de conceitos normativos, ao inserir no processo de tomada de decisão judicial a lógica formal das ciências naturais, o modelo minimalista se tornou internamente contraditório e não oferece uma base sólida para assegurar o efeito vinculante dos precedentes judiciais. De fato, os valores principais que legitimam a vinculação ao precedente judicial são o da segurança jurídica e da isonomia.35 Embora nesse modelo as cortes ao decidir levem em consideração as expectativas de igual tratamento e segurança jurídica que decorrem de decisões passadas em conjunto com tudo mais que seja moralmente relevante, isso não gerará a previsibilidade nas decisões e o respeito ao princípio de justiça igualitária, na medida em que esses valores poderão ser superados pelos demais valores em choque. Essa só possibilidade gera incerteza e insegurança, que o modelo visa evitar. Se o modelo minimalista não pode logicamente negar ao juiz seu supremo direito de discordar da identificação e elaboração do direito, nenhuma doutrina de vinculação ao precedente pode ser admitida, exceto ao custo de desconsiderar completamente a teoria.36 Essa incapacidade do modelo em alcançar os resultados a que se propõe, pode gerar um estado de coisas moralmente inferior aquele que seria alcançado com o modelo normativo, cuja vinculação ao precedente é mais forte. Se essa conclusão for aceitável, por mais paradoxal que possa parecer, o próprio modelo minimalista aponta para a adoção do modelo normativo. Essa assunção será vista mais adiante.

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2.4.3. O modelo normativo O modelo normativo é um modelo formal. Parte da premissa que o tribunal, ao decidir uma causa, não se limita a proteger os interesses subjetivos das partes, mas estabelecer pautas gerais e abstratas de condutas para que os membros da coletividade possam organizar sua vida em sociedade e postular os direitos que o ordenamento jurídico lhes confere. A vinculação ao precedente judicial, é assim, o consectário natural do poder de criar direito do qual se investiu o poder judiciário. Peter Wesley Smith bem equacionou o ponto: “Quando se reconhece ao juiz a capacidade de criar direito, a noção de stare decisis vertical – de uma corte sendo vinculada pelas cortes de nível hierárquico superior – é perfeitamente racional. Nenhuma corte superior é infalível quando ‘declara’ o direito, mas uma corte superior pode ter uma maior autoridade do que uma corte inferior para criar direito. Por outro lado, nenhum preceito legal está imune a uma emenda por parte de qualquer juiz. Na Inglaterra, um juiz só tem capacidade para criar direito, quando não existe uma decisão de uma corte superior controlando a questão que lhe foi posta adjudicação.”37 No particular, o modelo normativo permite uma maior efetividade aos valores da segurança jurídica e da isonomia (uniformidade) na medida em que os considera dogmaticamente como pressupostos necessários para o asseguramento dos outros valores morais partilhados na sociedade, porventura conflitantes. Nesse sentido, contém um forte componente positivista. As decisões devem ser uniformes não porque a regra formulada na decisão precedente deveria ter sido estabelecida, mas porque foi estabelecida.38 A deferência que é devida à regra legal formulada no caso precedente é devida não à sua correção, mas a sua autoridade. E ela possui autoridade no sentido que: “i) a razão imediata para seguir a regra repousa no fato de que o litígio foi decidido e a regra estabelecida e, ii) a regra fixa um certo curso de ação e impede (ou ao menos alegar impedir) posterior discussão sobre a correção da ação em questão”.39

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O modelo normativo não é isento de críticas. Em termos operacionais tem se aduzido que as cortes não possuem capacidade para formular regras de forma canônica como um regra legislada.40 Tem-se afirmado que, por vezes, os precedentes são tão ambíguos, que é difícil ou mesmo impossível se extrair dele uma regra canonicamente formulada, pressuposto necessário do modelo para conferir certeza ao direito. Paradoxalmente, o nosso sistema filiado à família germânica funciona como um antídoto para esse problema, na medida em que, de regra, os juízes formulam explicitamente sua decisão. Tanto mais é verdade, que a proposta ora em votação no congresso para estender o efeito vinculante às decisões do STF no controle difuso, remetem à idéia de “súmula vinculante”, que é exatamente a formulação canônica da regra que governa o caso precedente, nos moldes em que se estrutura uma regra legislada. A possibilidade de inexistência de uma regra de direito judicial expressamente formulada parece muito remota, no nosso sistema, de sorte que não ameaça a viabilidade de modelo. Demais disso, ainda que não haja uma regra de direito expressa canonicamente sobre a categoria geral da qual o caso precedente é um exemplo, é muito provável que a corte indique suas razões para decidir de uma maneira, ao invés de outra. “Considerando que uma razão só é uma razão porque é logicamente anterior e mais geral do que a decisão para qual ela é uma razão, a própria razão pode ser vista como uma generalização. Conseqüentemente, a corte subseqüente poderá usar os fundamentos justificantes no caso precedente para construir a generalização que, ao ser adotada, compreenderá os predicados fáticos de uma regra potencialmente vinculante”.41 Quanto ao aspecto relativo à ambigüidade, deve-se relembrar que ela é uma característica do direito, provenha ele de fonte legislativa ou judicial. Goodhart enfrentou bem a questão quando afirmou que, se ambigüidade fosse fator impeditivo da certeza do direito, “também seria correto afirmar que os comandos de um general não seriam vinculantes para os seus oficiais subordinados, porque nós sabemos que ocasionalmente tais ordens são expressas de forma ambígua, ou que os oficiais da marinha britânica não obedecem aos comandos de seus almirantes, porque Nelson colocou sua luneta em seu olho cego na

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batalha de Copenhagen”.42 A certeza absoluta é um mito. A incerteza faz parte da vida; não é correto tentar eliminá-la. Devemos conviver com ela, reduzindo-a a um nível tolerável. O processo judicial convive pacificamente com certo grau de incerteza, quando menos pela sua inevitabilidade.43 Superados os apontados defeitos inerentes ao modelo normativo, ele se mostra como o mais adequado às necessidades decorrentes das exigências do postulado de justiça. Ele confere maior previsibilidade às decisões judiciais e assim possibilita as cortes inferiores e os membros da coletividade em geral, preverem, com razoável nível de certeza, o que o direito significa e, de conformidade com ele, pautarem sua conduta. Por outro lado e como conseqüência, o princípio da isonomia se vê fortalecido, na medida em que o critério de distinção entre casos similares ou distintos é objetivamente aferido, pois tudo o que se precisa saber do caso precedente é sua regra que estabelece o critério relevante de igual tratamento. Essa postura assume, como já visto acima, que os valores decorrentes da adoção da rule of law importam em um ganho líquido maior em termos de qualquer moralidade política que nós defendamos, mesmo que a custa de eventuais injustiças produzidas ocasionalmente na resolução de disputas individuais. Mas, por que é assim? Qual a justificativa moral para essa assunção? A nosso sentir, Theodore Benditt respondeu acuradamente a indagação: “Uma resposta, eu acredito, é que dado o intenso debate na sociedade sobre vários princípios políticos e sociais, incluindo os princípios que as cortes aplicam para chegar as suas decisões, algumas decisões da corte são em certos aspectos como uma espécie de compromisso em casos difíceis. Quanto maior o acordo nos princípios, menos a decisão judicial parecerá um compromisso arbitrário, mas quanto menor o acordo sobre princípios, mais a decisão judicial parecerá como sendo um compromisso arbitrário. Isso não significa dizer que, nos casos difíceis, esses compromissos baseados em princípios, são arbitrários, porque usualmente aqueles que fazem o compromisso pensarão que ele é correto. A

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despeito disso, quanto maior o desacordo, mais como um arbitrário compromisso eles parecerão. O compromisso, claro, é para continuar a viver com um princípio contestado ou com sua aplicação, mesmo quando surgem suspeitas de que ele pode ser errado. Seguir precedente, pode então ser visto como um seguro contra nossa (coletiva, não individual), ausência de certeza sobre a correção de certos princípios políticos e sociais que nós adotamos.”44 Assim, ainda que atue de forma indireta, o modelo normativo parece produzir uma correção moral maior do que seu “rival”; o modelo minimalista que tem por objetivo exatamente garantir a correção moral das decisões judiciais. Essa é a questão que se passa a analisar.

2.5. Modelo minimalista x modelo normativo – fratura ou complementaridade? Se os modelos minimalistas e normativos forem considerados modelos morais, sendo o primeiro um modelo jusnaturalista e o segundo um modelo positivista, a fratura entre os dois modelos é inexorável. Em linhas gerais, no modelo naturalista a regra para ser válida e aplicável deve estar em conformidade com uma moral ideal, universal e atemporal. Havendo contrariedade entre a lei positiva e a lei moral, esta última é que deve prevalecer. Em sentido diametralmente oposto se situa o positivismo ético, para quem a lei positiva é moralmente boa pelo simples fato de ser promulgada por quem de direito e permitir a gestão da sociedade. Nessa perspectiva, o direito não tem como função qualificar eticamente como boas ou más as condutas, mas sim, servir como instrumento de administração social. Não é este o lugar próprio para aprofundar a secular discussão acerca das vantagens e defeitos do jusnaturalismo e do juspositivismo como modelos morais, mas felizmente é também desnecessário. A intenção do trabalho é tratar esses dois modelos de vinculação como modelos sobre uma teoria da moral, entendida esta como sendo “um conjunto de argumentos elaborados sistematicamente com o objetivo de dar a uma moral, uma justificação racional que deve convencer os outros a aceitá-la”.45

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Eu também assumirei aqui que esses modelos, ao invés de serem teorias que buscam justificar modelos morais distintos v.g., jusnaturalista x juspositivista, têm por finalidade justificar, através de métodos distintos, um mesmo modelo de moral que, na esteira do pensamento de Stammler, vou denominar de modelo de “direito justo”.46 Por direito justo se entende um direito cujo conteúdo de suas regras possui a característica da justiça que aponta para uma justeza normativa e significa a justificação de uma pretensão de vigência ou a justiça de um ato.47 Como a justiça absoluta é ou divina ou um ideal, o modelo do direito justo é um modelo “relativamente justo”, significando que é “composto por regras que em certas condições dadas e em relação com o momento histórico satisfazem o critério do justo”.48 Como essas condições históricas estão sujeitas a mudanças e o direito não possui uma capacidade imediata de adaptação, o modelo de direito justo não exige para sua validade normativa que seja totalmente justo, bastando, para justificar sua validade, que o ordenamento como um todo esteja a caminho para o justo. Assim, esse modelo admite a possibilidade da validade de uma norma particular que em um determinado momento seja considerada injusta, desde que a pretensão de validade de um ordenamento como um todo esteja justificada.49 Semelhantemente, esse modelo aceita que em determinados âmbitos, v.g., quando houver visões morais distintas, não exista uma única possibilidade que seja justa (relativamente), mas várias, e entre elas pode-se pensar em diversas combinações. Nesse caso, a decisão “pode considerar-se como direito justo, sempre que seja razoavelmente conseqüente”.50 Definido e descrita a forma de operação de um ordenamento (relativamente) justo, resta apontar os critérios que o caracterizam. Esses são para Larenz, “princípios de um direito justo, elementos rudimentares, concebidos muito amplamente e necessitados de concreção, embora não desprovidos de conteúdo de regulação”.51 Esses princípios de direito justo estão referidos a objetivos ou fins últimos do direito52 que

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no pensamento jusfilosófico ocidental podem ser reduzidos a dois: a paz jurídica e a justiça.53 O princípio da paz jurídica nada mais é do que a enunciação da rule of law, pois representa o “senhorio do direito nas relações entre os homens. Para isso é necessário, em primeiro lugar, que existam regras segundo as quais os homens rejam sua vida em comum”.54 O princípio da justiça nada mais é do que o princípio da isonomia, tanto na sua formulação de justiça formal – tratar igualmente os iguais – quanto na sua formulação substancial, que leva em consideração situações individuais, dentro do postulado do equilíbrio e da moderação, o que pode ser resumido na vedação a um tratamento arbitrário.55 Analisando a relação entre esses dois princípios assim se manifesta Larenz: “A paz jurídica e a justiça, os dois componentes principais da idéia do direito, estão entre si em uma relação dialética, o que significa por um lado, que se condicionam reciprocamente. No longo prazo, a paz jurídica não está assegurada se o ordenamento que lhe subjaz é injusto e se sente como tal cada vez mais. Onde a paz jurídica falta...desaparece a justiça.”56 Logo a seguir, tratando da tensão que pode surgir na aplicação desses dois princípios nos casos concretos, averbou: “Por outro lado, os dois componentes podem parcialmente entrar em contradição. Ocorre assim, em especial, quando o direito positivo considera tão insegura a probabilidade de alcançar um juízo “justo”, que no altar da segurança jurídica permite a possibilidade de um juízo que não seja justo, como ocorre com a prescrição e com a coisa julgada... Deste modo se põe de manifesto que, quando não se pode responder com segurança à pergunta sobre o que é justo no caso concreto, deve-se, pelo menos, criar-se uma certeza sobre o que em tal caso é conforme o direito (ainda que talvez não seja justo), pondo-se um fim à controvérsia em obediência à paz jurídica. Poderíamos dizer que fazer justiça é um objetivo mais difícil de alcançar, porém, mais completo e que, quando a

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obtenção da justiça é apesar de todos os esforços duvidosa, o direito se contenta com algo que é mais facilmente alcançável, como é a manutenção da paz jurídica”.57 No modelo moral de “direito justo”, abre-se a porta para, de modo argumentativo, demonstrar-se que o modelo minimalista para alcançar de forma ótima seus objetivos aponta para a adoção do modelo normativo. A lógica argumentativa não se estrutura em uma prova irrefutável, senão que persuasiva, por isso diz respeito mais à adesão do que à verdade.58 A argumentação tem por pressuposto que deva partir de teses que têm a adesão daqueles a quem se quer persuadir ou convencer.59 A tese aqui proposta é que seguir regras é uma vantagem moral, ou seja, é bom em razão da previsibilidade que essa conduta gera, o que afasta, ou o que mais fraco, reduz sensivelmente o âmbito da arbitrariedade, possibilitando um tratamento justo e isonômico aos membros da coletividade, objetivo último de ambos os modelos de vinculação. O modelo minimalista adere à idéia de que é moralmente valioso seguir regras justas e que é função da corte, na ausência dessas regras justas, decidir os casos como se essas regras justas tivessem sido criadas judicialmente. O modelo minimalista também admite a possibilidade de resultados injustos alcançados através de regras justas.60 O que o modelo minimalista não admite, é que uma corte superior possa vincular uma corte inferior ao promulgar uma regra que a corte inferior considera injusta. Em outras palavras, se o resultado injusto decorrer da aplicação de uma regra justa, o modelo minimalista aceita a vinculação. Por outro lado, se o resultado injusto decorrer de uma regra em si injusta, o modelo, diferentemente do modelo normativo, não admite a vinculação. Nessa circunstância, a corte vinculada pode abandonar o precedente para decidir de forma que considera justa e moralmente correta. O problema nessa abordagem é que, ao procurar alcançar o direito justo quando existe uma controvérsia sobre quais são os valores política e moralmente corretos que vigoram naquela coletividade através

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de um recurso direto a tais valores, o modelo minimalista abre flanco para o ingresso de fatores subjetivos, incontrolados e incontroláveis que a longo termo conduzem ao arbítrio. Essa obrigação de fazer justiça, ao custo de desconsiderar as regras promulgadas, por reputá-las, individual e circunstancialmente injustas, pode pela imprevisibilidade e incerteza que acarreta, gerar sob um sistema jurídico moral e politicamente correto, uma situação de maior desvalor moral daquela que seria alcançada se as cortes seguissem as regras mesmo que, circunstancialmente, as considerassem injustas. Isso tanto é mais correto na medida em que o modelo normativo atue dentro de um sistema de “direito justo”, como ocorre quando se adota o modelo normativo moderado e não o modelo normativo estrito. Como já visto supra, o modelo de “direito justo”, por ser um modelo real, não exige que o ordenamento seja integral e absolutamente justo. Admite e, até mesmo reconhece como inevitável, a existência de regras particulares injustas. Essa circunstância, entretanto, não afasta a validez dessa regra desde que o ordenamento jurídico na qual se insere seja justificado na sua totalidade. O modelo de “direito justo” também reconhece a possibilidade de conflitos sobre questões morais/políticas que não impliquem em um único resultado correto, mas vários, alguns inclusive decorrentes de compromissos entre os valores a serem ponderados. Nessa hipótese, a regra é justa (relativamente) se razoável. Considerando que o modelo minimalista admite que uma regra ideal pode conduzir a um resultado contrário ao resultado que seria alcançado pelo recurso direto (sem a intermediação da regra) aos valores políticos e morais que vigoram em determinada sociedade, ele aceita a formulação de um modelo de “direito relativamente justo”. Nesse modelo de “direito relativamente justo”, quando não se pode responder com segurança à pergunta sobre o que é justo no caso concreto (v.g., a corte inferior discorda quanto à justeza da regra fixada pela corte superior), deve-se, pelo menos, criar-se uma certeza sobre o que em tal caso é conforme o direito (ainda que talvez não seja justo), pondo-se um fim à controvérsia em obediência à segurança jurídica.61 Assim, desse modelo pode-se extrair, em razão do princípio da segurança jurídica do

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qual a justiça depende, a seguinte super regra ideal: “siga as regras formuladas pelas Cortes Superiores”. Essa super regra ideal é plenamente compatível com o modelo minimalista. Como visto, este modelo aceita “resultados injustos” desde que produzidos por “regras justas”. Pois bem, a “regra justa” no caso é a regra superior acima mencionada “siga as regras formuladas pelas cortes superiores”. O resultado injusto, mas que é aceito pelo modelo minimalista, seria então, “a regra formulada pela corte vinculante no precedente” naquelas hipóteses em que a corte vinculada discorda da regra criada judicialmente. Em outro dizer: desde que o modelo minimalista admite que os tribunais podem decidir casos com base em regras justas que possam conduzir a resultados injustos em algumas hipóteses, ele não possui qualquer objeção ontológica à possibilidade dos tribunais legislarem para outros tribunais, desde que tal super regra seja justa. Ocorre que, no modelo de “direito justo”, esta super regra demanda a adoção do modelo normativo. Por outro lado, se é certo que o modelo de “direito justo” admite esporádica e circunstancialmente a validez de particulares regras injustas quando o ordenamento como um todo está justificado, pois caminha para um direito justo, também o é, que a persistência desse estado de coisas não é admitido. Há que se possibilitar a modificação de tais regras, para que elas se adaptem às novas realidades sociais, culturais e políticas da comunidade. Nesse sentido, aquela super regra mencionada pode se tornar um fator impediente dessa necessária modificação da regra a fim de torná-la compatível com as exigências da justiça material, o que poderia por em risco a justeza da própria super norma e assim, desqualificar o modelo normativo. Para evitar esse risco, pode-se modificar a super regra, para incrementar seu potencial de justeza para seguinte formulação: “siga as regras formuladas pela cortes superiores quando elas atuam em um modelo de direito justo”. Isso abre espaço para a necessária flexibilidade que qualquer modelo de direito justo que pretenda ser real exige, pois a corte superior pode, ela própria, rever sua regra anteriormente formulada.. Pode-se afirmar que essa reformulação abre margem à imprevisibilidade e incerteza, em virtude da possibilidade de mudanças muitas vezes radicais nas regras fixadas pela cortes superiores, o que enfraqueceria o modelo normativo como um todo. A crítica não procede. Tal como a justiça absoluta é um mito, a segurança jurídica absoluta é um ideal inalcançável. A incerteza é inerente ao direito, mas essa incerteza é “controlada” no sentido de que ela é trabalhada em um nível de 208

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suportabilidade social de modo a tornar decidíveis os eventuais conflitos. Como esclarece Tércio Sampaio Ferraz Júnior, “com o termo ‘controlado’, queremos significar que a dogmática aumenta as incertezas (a questão incerta do justo e do eqüitativo se torna mais complexa, pois tem de se haver com a norma proibitiva), mas de modo que elas sejam compatíveis com duas exigências centrais da disciplina jurídica: a vinculação a normas que não podem ser ignoradas e a pressão para decidir os conflitos, pois para eles tem que achar uma saída”.62 Nesse sentido, pode-se entender os modelos minimalista e normativo não contrapostos, mas complementares e componentes de um modelo normativo amplo, com dois graus de vinculação normativa – fraco/minimalista e forte/normativo-estrito – aplicáveis em âmbitos distintos. O modelo minimalista se aplica no âmbito dos tribunais superiores e o modelo normativo estrito no âmbito dos tribunais de nível inferior, o que otimizaria os resultados decorrentes das inevitáveis tensões decorrentes de conflitos localizados entre os dois princípios mestres de um “direito justo”: o princípio da paz jurídica e o princípio da justiça (igualdade em suas diversas formulações). Essa realidade intransponível foi reconhecida pela Suprema Corte Australiana, adepta do modelo descritivo (minimalistas), como bem anotou Peter Wesley Smith, verbis: “Onde o direito foi declarado por uma corte superior, esta corte se concorda que aquela declaração estava correta quando feita, não pode alterar a common law. Pode, é claro, decidir que aquela declaração foi errônea quando feita e ela própria declarar o que a common law deveria ter propriamente prescrito. Uma decisão anterior não constitui o direito, mas é somente uma declaração do que o direito é. Essa declaração, a menos que feita por um tribunal superior, pode estar errada na opinião daqueles cuja presente função é interpretar e aplicar o direito. Os juízes estão vinculados ao seu juramento de serem leais ao direito. Se então, nós entendemos que o direito está em claro conflito com o que nós ou qualquer de nossos predecessores erroneamente pensamos que era, nós não temos, como eu concebo, o direito de optar entre aplicar o direito que julgamos correto ou manter uma interpretação incorreta. Isso não é, em minha opinião, melhor do que a corte ser

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persistentemente errada, a ponto de ser, em última instância, considerada correta.”63 (g.n.) Como se pode ver, o modelo minimalista é, em si, incoerente se interpretado como antitético ao modelo normativo. Para compatibilizálo com a doutrina vinculante, a “solução foi um curioso amálgama de idéias declaratórias e positivistas. Juízes criaram direito no passado, mas uma vez criado, a capacidade criativa dos juízes subseqüentes foi reduzida. A conseqüência da teoria declaratória que os juízes não poderiam ser vinculados por decisões de outros ou de si próprios foi descartada, embora algo de sua retórica foi mantido e a noção do juiz como fonte do direito tornou-se a nova ortodoxia”.64 Em síntese, porque nós temos razões para seguir regras, nós devemos adotar um modelo normativo de vinculação aos precedentes judiciais, modelo esse que possui duas facetas; uma mais tênue no âmbito dos tribunais superiores e outra mais forte no âmbito dos tribunais inferiores.

3. Métodos de identificação do holding Semelhantemente ao que ocorre na formulação de modelos de vinculação ao precedente, as tensões que surgem no exercício das funções sociais exercidas pelas cortes judiciais também servem como pano de fundo para a elaboração de métodos de identificação do princípio da decisão precedente que irá governar a decisão de um caso futuro semelhante. As diversas formulações metodológicas podem ser resumidas em duas grandes abordagens: uma restritiva e outra ampliativa.65 Os defensores da doutrina de que a função judicial deve se limitar a resolver as disputas intersubjetivas postulam um método restritivo de identificação do holding. Para essa corrente, o holding de um precedente deve ser estabelecido de forma concreta, limitando-se a função normativa dos tribunais apenas à mínima necessária para a solução do litígio. Nesse sentido, o âmbito normativo da regra de direito judicial está estritamente limitado pelas circunstâncias fáticas da lide.

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Por outro lado, os defensores da idéia de que a função normativa dos tribunais é boa em si mesma e que é atribuição dos tribunais não apenas resolver disputas concretas, mas também fixar normas gerais de condutas para toda a coletividade, propõem um método amplo de identificação do holding. Para os fautores dessa corrente, o holding deve ser abstrato e geral de modo a compreender um grupo de assuntos, sendo a lide concreta apenas uma das múltiplas possibilidades de concretização daquela regra abstrata. A seguir, ambos os métodos, que denominarei de fático-concreto (restritivo) e abstrato-normativo (ampliativo) serão perfunctoriamente descritos.

3.1. Método fático-concreto Para o método restritivo fático-concreto, o holding do precedente é o princípio jurídico que o juiz encontra com base na sua ponderação e escolha de quais são os fatos considerados materiais e quais são considerados imateriais para a decisão da lide.66 A regra que irá governar o caso e os subseqüentes é extraída exclusivamente do conjunto de fatos presentes na lide originária. Mais especificamente da forma como selecionados e distinguidos pelo juiz, como sendo materiais ou imateriais, ou seja, relevantes ou irrelevantes para explicar o resultado da decisão judicial. Assim, as razões que o juiz dá para justificar sua decisão nunca compõem a parte vinculante do precedente. Goodhart é bem claro no ponto quando de modo peremptório afirma que, “a primeira regra para se descobrir a ratio decidendi de um caso, é que ela não deve ser procurada nas razões nas quais o juiz baseou sua decisão.67 A justificação da sentença só é importante para a pesquisa e descoberta de quais fatos foram considerados materiais ou imateriais.68 Coerentemente, atuando sob esse modelo, o juiz não irá encontrar o princípio do caso na “regra enunciada” pela corte precedente. Esta poderá ser mais ampla ou mais estreita que o princípio do caso, mas com ele não se confunde.69 Fixadas essas premissas, a corte vinculada deve partir, então, para a descoberta do holding. Esse é um procedimento

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realizado em duas etapas: Primeiramente, a corte vinculada deve determinar todos os fatos do caso precedente como visto pela corte vinculante, pois é pela seleção feita por esta corte no precedente entre que fatos ela considera materiais e que fatos ela reputa imateriais, que o juiz cria o direito.70 Por isso afirma Goodhart: “o primeiro e mais essencial passo na determinação do princípio de um caso é, portanto, encontrar os fatos materiais com base nos quais o juiz baseou sua conclusão”.71 Nesse diapasão, a corte vinculada após definir a totalidade dos fatos do caso, deve descobrir quais desse conjunto foram considerados como materiais (relevantes) para o resultado alcançado. Esse é o momento mais difícil da primeira fase já que muitas vezes a corte vinculante não é suficientemente clara quanto a essa seleção. Essa dificuldade não é, porém, fatal para o método. Goodhart oferece algumas regras que podem servir de parâmetro formal para guiar o labor da corte vinculada nessa tarefa e que podem assim ser resumidas; 1) em princípio, fatos relativos a pessoa, tempo, lugar, tipo e quantidade são presumidos como imateriais; 2) todos os fatos que a corte expressamente reputa imateriais, assim devem ser considerados; 3) todos os fatos que a corte implicitamente considerou como imateriais, assim devem ser considerados. Evidência dessa circunstância é encontrada quando a corte relata vários fatos, mas omite alguns em sua conclusão. Os fatos inicialmente descritos e posteriormente omitidos devem ser considerados imateriais; 4) todos os fatos que foram expressamente considerados materiais assim devem ser considerados; 5) Se a opinião não distingue entre fatos materiais e imateriais, então todos os fatos devem ser considerados materiais, exceto os previstos na primeira regra que são presumidos imateriais. Essa presumida ampliação do número de fatos materiais decorre da premissa que existe uma presunção contra princípios amplos e quanto menor for o número de fatos, mais amplo o princípio será.72 Concluída a primeira fase com a identificação dos fatos materiais do caso precedente, a corte vinculada deve passar para a segunda etapa do processo que consiste em descobrir a regra que governa o caso. Isso é feito através da análise da conclusão ou resultado da deci-

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são na base dos fatos materiais e exclusão dos imateriais: Nas palavras de Goodhart: “Em um determinado caso, a corte reputa presentes os fatos A, B e C. Ela, então, exclui o fato A por ser imaterial, e com base nos fatos B e C, chega a conclusão X. Qual é a ratio decidendi desse caso? Há dois princípios: (1) Em qualquer caso futuro em que estejam presentes os fatos A, B e C, a corte deve chegar a conclusão X e (2) em qualquer caso futuro em que estejam presentes os fatos B e C, a corte deve chegar ao resultado X. No segundo caso, a ausência do fato A não afeta o resultado, porque o fato A foi considerado imaterial.”73 A análise do processo de extração do holding do caso elaborado pelo método fático-concreto, permite afirmar-se que, para esse método, a ratio decidendi deve ser buscada necessariamente no que o tribunal fez (resultado) em resposta a determinados fatos por ele considerados relevantes e nunca no que a corte disse, na medida em que a regra expressamente fixada no caso precedente não é considerada o princípio do caso.

3.2. Método abstrato-normativo Para o método abstrato-normativo, a adjudicação judicial baseada em precedentes, possui algumas similitudes com a adjudicação judicial baseada em textos legais, especial, embora não exclusivamente, quando a corte vinculante expressamente estatui de forma canônica o princípio ou regra que governa o caso, hipótese em que essa linguagem explanatória será tratada posteriormente como uma regra especificamente formulada.74 Nesse sentido, a atividade judicial deve se desenvolver a partir de regras externas e preexistentes à disputa. Isso importa dizer que, ao decidir a causa que lhe é posta para adjudicação, o juiz deve se valer de enunciados normativos que compreendam a res in iudicio deducta. Nada obstante essas similitudes, por outro lado, os defensores desse método reconhecem que decidir com base em casos preceden-

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tes vinculantes, freqüentemente envolve um proceder algo diferente com relação àquele referenciado à decisão baseada em uma linguagem legal especificamente formulada, porque o juiz vinculado dispõe apenas de uma sentença que decidiu uma controvérsia específica, o que pode tornar especialmente problemático definir os limites substantivos que a vinculação ao precedente judicial impõe à corte vinculada.75 Assim, o primeiro passo a ser seguido pela corte vinculada é extrair do caso vinculante um suposto normativo e geral. Isso só pode ser alcançado se o precedente deixar de ser analisado retrospectivamente, como uma decisão de ontem para ser aplicada hoje, e passar a ser analisado prospectivamente, como uma decisão de hoje para ser aplicada amanhã. Nesse sentido, como a corte da decisão de hoje que será a corte vinculante de amanhã sabe que os fatos que são hoje objeto de adjudicação raramente surgirão com plena identidade no futuro, ao decidir, colimando vincular decisões futuras, pensará (e conseqüentemente assim agirá) que a decisão atual estabelecerá um precedente para uma diferente série de fatos que contêm algum ponto de identidade com a série de fatos ora analisada. Nesse sentido, os tribunais quando decidem um caso concreto buscam estabelecer uma regra geral e abstrata que congregue uma classe completa de assuntos, o que lhes obriga a transcender os limites do caso concreto e solucionar a lide de um modo mais abstrato. Como bem expressou Schauer: “Se o futuro deve tratar o que nós fazemos agora como presumivelmente vinculante, então nossa decisão atual afetará a decisão de outros casos futuros similares. Assim, o atual tribunal deve também levar em consideração o que seria melhor para alguns eventos futuros, algo diferente, mas semelhantes, ainda por ocorrer. O tribunal deve então decidir com base no que seria melhor para todos os casos que se encontram dentro de uma apropriada categoria de assimilação.”76

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Reconhecido que o holding da decisão não rege apenas os fatos que concretamente deram origem à demanda, resta, em um segundo momento, extrair a regra de relevância, ou seja, o princípio jurídico que delimita qual categoria de assimilação dos diversos conjuntos de fatos foi considerada apropriada pela decisão vinculante. Como o método fático-concreto nunca permite a elaboração de um suposto normativo geral e abstrato, o método abstrato normativo rejeita que o holding da decisão seja extraído dos fatos materiais da lide concreta. Ao contrário, para este método, a regra de relevância de um precedente depende de como o tribunal caracterizou os fatos do caso precedente.77 Assim, a forma como o tribunal descreve e analisa os fatos em sua justificação para a decisão é que vai determinar a generalidade do holding do precedente. Essa articulada justificação dos fatos do caso vinculante não difere em essência de uma regra formulada, por isso impede o uso de uma subseqüente e inconsistente justificação.78 Nesse sentido, o tribunal vinculante decide, através da rationale de sua sentença, o nível de generalidade conforme o qual devem ser interpretados os fatos que deram origem à lide. Esses fundamentos justificantes são em si mesmos considerados uma generalização, ou seja, uma forma de elaborar um suposto normativo abstrato e geral. Para Schauer, os fundamentos justificantes, as razões oferecidas pela corte vinculante, “agem como uma regra especificamente formulada”,79 vinculando a corte subseqüente. Em conclusão, para o método abstrato-normativo, a corte vinculada, para identificar o holding do caso vinculante, deve analisar as razões do tribunal vinculante e a partir de sua justificação, extrair o âmbito normativo da regra vinculante.80

3.3. Análise dos métodos O método fático-concreto parte da premissa de que os tribunais devem restringir ao máximo o exercício de sua função normativa. O juiz só deve criar o direito na medida em que isso é necessário para resolver

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a disputa concreta que tem a sua frente e nem um milímetro a mais. Existe, para os defensores deste método, uma presunção contra a elaboração de normas gerais e amplas, devendo o juiz, ao decidir o caso, apontar o maior número de fatos materiais possíveis para a solução da lide. Assim fazendo, o juiz reduz o âmbito de aplicação do princípio a casos subseqüentes na medida em que, quanto maior for o número de fatos materiais, menor será a generalidade da norma fixada no precedente. No caso subseqüente, a corte vinculada ao precedente deve comparar se os fatos materiais do caso em julgamento estavam também presentes no caso precedente. Por exemplo: no caso precedente, a corte vinculante identificou os fatos A, B, C e D como presentes e considerou como materiais apenas os fatos A e B. Se a corte vinculada tem diante de si um caso com os fatos A, B e Z, pode decidir de duas maneiras. Se restringir como materiais apenas os fatos A e B, então ela estará vinculada ao princípio formulado no precedente e deverá decidir como no caso vinculante. Se ao contrário, ampliar o conjunto de fatos materiais para abranger o fato Z, a corte vinculada não está obrigada a seguir o precedente, podendo, ou analogicamente estender sua aplicação se julgar correto que o caso em julgamento deve possuir o mesmo resultado do caso precedente, ou distingui-lo na base do fato material Z e decidir contrariamente ao caso precedente. Da mesma forma se no caso precedente a corte vinculante tivesse considerado todos os fatos de A a D como materiais, a ausência dos fatos C e D no caso subseqüente poderia ser fator de distinção entre os casos, dando liberdade à corte vinculada para decidir contrariamente ao precedente. Assim, quanto maior o número de fatos materiais existentes no caso precedente ou no caso subseqüente, menor será o âmbito normativo da regra estabelecida no precedente e, quanto menor esse âmbito for, maior seriam a certeza e a segurança jurídicas. O método, então, assume que a generalidade da norma depende exclusivamente do número dos fatos considerados materiais. O problema com essa assunção, é que, como bem apontou Stone ao criticar o método de Goodhart, cada fato material “é ele próprio capaz de ser entendido em vários níveis de generalidade, todos eles abrangendo o fato em questão na decisão precedente, mas cada um deles podendo produzir um resultado diferente na situação fática diferente no caso subseqüente”.81

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Para exemplificar, Stone analisa os fatos materiais do caso Donoghue v Stevenson, no qual o autor sofreu danos em decorrência da presença de uma lesma morta na garrafa de ginger beer que ele tinha adquirido. Limitando-nos apenas a estes dois fatos materiais: 1) o agente do dano e 2) o veículo do dano, eles podem ser considerados em si mesmos em vários níveis. Quanto ao agente do dano, o fato pode ser entendido como: lesmas mortas, ou quaisquer lesmas, ou qualquer corpo físico estranho nocivo, ou qualquer elemento estranho físico ou não, ou qualquer elemento nocivo. Quanto ao fato veículo do dano, ele pode ser entendido como: garrafa de ginger beer opaca ou uma garrafa de bebida opaca ou qualquer garrafa de bebida ou qualquer recipiente de mercadorias para consumo humano ou qualquer recipiente de qualquer bem móvel para o uso humano, ou qualquer bem móvel ou qualquer coisa, incluindo terrenos ou construções.82 Como se pode ver desses simples exemplos, a restrição da regra criada judicialmente à conclusão decorrente da escolha dos fatos materiais no caso precedente não é hábil a assegurar a certeza jurídica perseguida pelo método. Não bastasse, o método confere à corte vinculada uma grande liberdade na escolha dos fatos materiais do caso para o fito de averiguar se está ou não obrigada a seguir o princípio firmado no caso precedente. Como todo caso sempre é em algum aspecto diferente do caso precedente, isso permite que a corte vinculada escolha a seu arbítrio qualquer fato que não esteve presente no caso precedente para fins de distinção, decidindo contrariamente ao precedente. Essa absoluta liberdade conferida pelo método, abre porta ao subjetivismo e arbitrariedade, derruindo o conceito de rule of law, que tem por objetivo principal a redução, se não a própria exclusão, da arbitrariedade humana no processamento do direito.83 Demais disso, o método fático-concreto falha terrivelmente ao desconsiderar a rationale para encontrar a regra de relevância que define o juízo de igualdade entre os diversos fatos distintos. Esse menosprezo é fatal para o método, pois é somente pela análise das razões que motivam e justificam a decisão vinculante que o juiz pos-

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terior pode construir um critério objetivo e material para valorar as igualdades e diferenças entre dois casos e decidir se aplica, estende ou distingue a regra do precedente. Sinale-se que nem mesmo é possível definir, como propõe o método fático concreto, quais são os fatos materiais e quais são os imateriais, sem que se analise as razões que explicam e justificam porque a corte vinculante na escolha dos fatos relevantes do caso precedente considerou uns e desconsiderou outros. O método fático-concreto é, portanto, internamente contraditório. Por outro lado, o método abstrato normativo é o único que se compatibiliza com a função social dos tribunais de proverem pautas gerais de condutas, guiando o agir futuro das cortes e demais membros da sociedade. A função dos tribunais superiores não é apenas a de resolver disputas subjetivas, mas, principalmente, de defender a ordem legal e/ou constitucional objetiva, resguardando simultaneamente, os princípios da segurança jurídica e da isonomia, esteios fundamentais de qualquer ordenamento jurídico. Se a adjudicação judicial, baseada em casos precedentes, postula a qualidade de um sistema orgânico e lógico, isso demanda uma articulação coerente de uma “doutrina judicial vinculante”, o que só pode ser alcançado pelo agrupamento de uma série de decisões judiciais sob a capa de um princípio jurídico comum que as unifica, objetivo esse que só pode ser alcançado se, de um lado, se reconhece a possibilidade e a competência que possuem os tribunais de, partindo de um caso concreto, estabelecerem normas mais gerais e abstratas que transcendam os fatos que deram origem à lide e de outro, se atente para a circunstância de que essas normas, por serem prévias e mais gerais que os fatos da lide em julgamento, só podem ser hauridas pela vinculação das cortes subseqüentes às razões articuladas pela corte vinculante para justificar a regra específica que governou o caso precedente, que exatamente por serem razões são anteriores e mais gerais que a decisão para a qual elas foram razões justificantes. Reconhecido o método abstrato-normativo como o mais adequado para a identificação do holding da decisão precedente, força concluir que as cortes subseqüentes estão vinculadas não apenas pelo dispositivo da decisão precedente, como também pelos seus fundamentos justificantes. 218

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4. Um caso ilustrativo Mévio, membro do ministério público federal, instaurou inquérito civil público em desfavor de Tício, ex-presidente de uma agência reguladora, para apurar denúncia de suposta prática de atos de improbidade administrativa consistente em beneficiar algumas empresas da atividade econômica que deveria regulamentar, desviar recursos públicos e praticar atos que visavam dificultar o esclarecimento das irregularidades. Na instrução do procedimento administrativo, Mévio ouviu diversas testemunhas sobre o fato apontado como violador da probidade administrativa, todas indicando circunstâncias e fatos que apontavam para a culpabilidade de Tício. Caio, o atual presidente da agência e principal testemunha, afirmou que o representado teria sumido com documentos importantes e deletado vários arquivos de computador, o que estava impossibilitando a perfeita apuração do prejuízo público. As contas da agência no período mencionado não tinham sido aprovadas pelo Tribunal de Contas da União em virtude de possíveis irregularidades, tendo sido determinada a realização de tomada de contas especial para apurar os fatos. A seu turno, Tício alegou que as acusações eram falsas e feitas por motivos políticos, tendo já apresentado todos os esclarecimentos necessários ao TCU. Diante do quadro fático produzido no inquérito civil e ciente dos prazos prescricionais, Mévio propôs ação de improbidade administrativa na qual, com base nos depoimentos colhidos, relatou inúmeras condutas antiéticas e imorais praticadas contra os interesses maiores da administração pública. Em sua defesa, Tício reproduz os argumentos apresentados no inquérito civil público de que as acusações são verdadeiras aleivosias decorrentes de motivação política, e que já prestou todos os esclarecimentos necessários para a aprovação de suas contas perante o TCU. O juiz, apreciando as provas dos autos, repele a defesa de Tício, julga procedente a ação de improbidade e o condena à perda dos direitos políticos por 4 anos. Com elementos obtidos somente após a sentença, Tício, em seu recurso de apelação, comprova que a principal testemunha do ministério público era seu inimigo capital e havia mentido em seus depoimentos, colocando certa dúvida quanto ao acerto da decisão de primeira instância. No decorrer do processamento da apelação, Tício junta decisão definitiva do Tribunal de Contas da União que julgou improcedente a tomada de contas especial e aprovou suas contas. Com esses 219

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dados, o Tribunal reforma a decisão singular e julga improcedente o pedido da ação de improbidade. Absolvido na ação de improbidade, Tício propõe ação de indenização contra Mévio sob o código civil e a constituição federal, alegando: que Mévio, como procurador da república, conscientemente apresentou em juízo um testemunho falso contra si; conscientemente deixou de considerar e investigar em toda profundidade sua defesa de que as acusações eram fruto de vingança política, que açodada e maliciosamente propôs a ação antes do término da tomada de contas especial que estava sendo feita pelo TCU; que, ao acusá-lo de ser um agente público ímprobo, acusação da qual restou absolvido, ofendeu sua honra, causou-lhe dor e sofrimento injustificados e, portanto, deve reparar o dano. Mévio, em sua defesa, alega preliminarmente que é parte ilegítima para responder à ação de indenização, devendo figurar no pólo passivo apenas o Estado. Traz como substrato de sua alegação, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 228.977-2/SP, que vincularia a decisão no presente caso. Supondo-se que essa decisão efetivamente está dotada de efeito vinculante, resta analisar se ela se aplica ao caso presente. O primeiro passo é identificar quais princípios jurídicos controlam o caso apontado como vinculante, ou seja, a primeira coisa que o juiz posterior deve fazer, é descobrir na decisão judicial precedente um suposto normativo geral e abstrato. O precedente mencionado tratava de imputação de responsabilidade pessoal ao juiz em decorrência de atos praticados no exercício da função jurisdicional. No precedente ficou reconhecido que, em se tratando de ação reparatória por ato ilícito, a autoridade judiciária não tem responsabilidade civil que é exclusiva do Estado. Como visto, sob o método abstrato-normativo esta situação – responsabilidade do juiz por ato judicial – é apenas o fato que concretamente deu origem à demanda, mas ele pertence a uma totalidade de fatos abarcados pelo princípio mais geral e abstrato. Esse princípio mais geral só pode ser alcançado pela análise das razões utilizadas pela corte para justificar a decisão e resolver o caso concreto, bem como dos objetivos que elas visam alcançar. É por esse motivo que as razões das cortes, ou seja, os fundamentos justificantes nos quais se estrutura a decisão são eles próprios vinculantes. Retornando ao caso precedente, identifica-se no corpo da fundamentação as seguintes razões para decisão: a) embora sejam agentes 220

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públicos, os magistrados se enquadram na espécie de agentes políticos; b) os agentes políticos são investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica; c) essas prerrogativas e esse tratamento legal específico são indispensáveis ao exercício de suas funções decisórias.84 A indispensabilidade desse tratamento legal específico é facilmente justificada. Os juízes freqüentemente prolatam, embora muitas vezes questionáveis, importantes decisões potencialmente geradoras de profunda revolta na parte vencida, que poderá retaliar processando o magistrado. Conferindo imunidade de responsabilização civil pessoal, o sistema capacita o juiz para exercer sua essencial função livre do medo de sofrer retaliações. Além disso, possibilita à sociedade usufruir toda a energia e tempo do magistrado no exercício de seu múnus, que estariam séria e deleteriamente afetados, desviando o juiz de suas importantes funções, se a todo tempo tivesse que se defender de ações civis de indenização por atos praticados nessas funções. De posse das razões e objetivos que justificam a imunidade civil pessoal para o exercício das atividades judiciais, estamos preparados para extrair o princípio geral e abstrato (ratio decidendi) que governa o caso: “os agentes políticos que exercem funções constitucionais decisórias não possuem, perante à vítima, responsabilidade civil por seus atos no exercício dessas funções, respondendo exclusivamente o Estado pelos danos causados”. Identificadas a regra da decisão e a sua rationale do precedente, passa-se à fase final do processo: verificar se o caso atual possui a mesma rationale e, portanto, se submete à mesma regra de decisão do caso precedente. Os membros do ministério público exercem funções governamentais vitais, tanto na persecução penal dos acusados de cometimento de delitos criminais, quanto na persecução daqueles que violam os princípios reitores da Administração Pública, quando agem na defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Por essa razão, a exemplo do que ocorre com os magistrados, também são considerados agentes políticos e, como conseqüência, possuem tratamento legal e constitucional similar à magistratura no concerne a eu estatuto de deveres e direitos. Eles, a exemplo dos juízes, são em pequeno número e a socie-

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dade necessita que seu tempo e energia sejam mais dedicados ao combate dos ilícitos penais e civis do que na defesa de inúmeras ações de indenização, a maioria sem qualquer fundamento. Por outro lado, os julgamentos que os membros do ministério público fazem quando decidem se devem ou não propor uma ação penal ou civil são muito similares aos julgamentos feitos pelos juízes: É essa testemunha digna de crédito? Ela está dizendo a verdade? Quão forte é seu depoimento? Existem elementos indiciários suficientes para propor a ação? As respostas a essas questões, embora sejam questionáveis, também são importantes e, provavelmente capazes de gerar uma reação irada de um acusado que, posteriormente, venha a ser absolvido por um juiz ou tribunal. Verifica-se, portanto, que as razões que justificam a inclusão dos magistrados no princípio geral extraído do caso precedente, também se aplicam aos membros do ministério público que pertencem a uma outra classe abrangida pelo princípio fixado no precedente. Inserindo-se a hipótese que se discute no caso posterior no âmbito normativo da regra fixada no precedente, curial a conclusão de que o juiz subseqüente está vinculado pelo precedente e, portanto, necessariamente deve decidir no mesmo sentido do caso vinculante e reconhecer a ilegitimidade passiva dos membros do ministério público para responder pessoalmente demandas civis de indenização por atos ilícitos, pelos quais responde exclusivamente o Estado.

5. Conseqüências processuais decorrentes da adoção do efeito vinculante 5.1. Medida cabível da decisão posterior que afronte o precedente vinculante Como já anotado, o efeito vinculante obriga as cortes subseqüentes a seguirem a mesma decisão prolatada no caso precedente considerado vinculante. O princípio normativo que deriva do pronunciamento efetuado no caso precedente deve ser observado pelas cortes posteriores. No julgamento da ação declaratória de constitucionalidade no 01, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que decisão posterior em sentido contrário ao entendimento fixado no caso vinculante constitui afronta à autoridade do julgado do Supremo Tribunal Federal e “possibilita aos concretamente prejudicados com o desrespeito de sua decisão pelos demais órgãos do poder judiciário ao pres222

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tarem a jurisdição que se valham da reclamação, meio mais rápido de desconstituir esse desrespeito”.85 Assim, a medida cabível da decisão que afronte o princípio firmado em um caso vinculante é a reclamação. Essa construção jurisprudencial veio de ser acolhida pelo legislador no trato legal sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, ao prever no artigo 13 da Lei no 9.882, de 03/12/1999, o cabimento de reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, neste processo que é um dos meios postos à disposição do STF para controle abstrato da constitucionalidade de lei ou ato normativo. Mais recentemente, o próprio legislador constitucional inseriu no parágrafo 3o do artigo 103-A, previsão do manejo de reclamação contra ato ou administrativo que contrariar súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.

5.2. Limites objetivos da decisão vinculante Os aspectos relativos aos limites objetivos do efeito vinculante estão ligados ao papel conferido às cortes judiciais em um moderno Estado Democrático de Direito. Como vínhamos de demonstrar, esse papel não se restringe apenas ao de solucionar disputas intersubjetivas, mas prover, dentro dos limites que o ordenamento jurídico lhe confere, pautas gerais de condutas para os membros da sociedade, a fim de distribuir justiça em termos coletivos e permitir uma maior previsibilidade das conseqüências jurídicas do atuar humano. Para que o direito cumpra sua função final que é a de propiciar o justo, é imprescindível que os tribunais reduzam a níveis toleráveis a natural incerteza do direito. Os homens, ao menos quando partilham de um modo de vida comum, têm necessidade de saber como serão qualificadas objetivamente a norma jurídica e, ipso facto, sua conduta, porque um direito incerto conduz, imediatamente a uma situação contrária ao próprio direito e, mediatamente, a um estado de coisas injusto, pois não é capaz de assegurar as situações futuras semelhantes a um tratamento igualitário. O efeito vinculante tem por finalidade exatamente de modo imediato incrementar a certeza jurídica e, assim, mediatamente, assegurar

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a justiça. Para alcançar esse desiderato, o efeito vinculante precisa superar a visão clássica dos efeitos da coisa julgada que se limita à parte dispositiva da sentença86 para abranger também os seus fundamentos justificantes. Essa peculiaridade não é apenas um aspecto desejável, mas imprescindível para a fecunda operacionalização do sistema. Isso tanto mais é verdade, que o princípio que governa o caso e, a fortiori, vincula o resultado nos casos subseqüentes, só pode ser aferido quando cotejado com as razões justificadoras do resultado, como descrito no item 3 e exemplificado no item 4 supra. Nesse sentido, o holding do caso vinculante é, na verdade, um princípio mais abstrato, geral e amplo, extraído da fundamentação da sentença que, a exemplo de uma norma legislada, se dirige de um lado a todos os membros da coletividade como uma pauta geral de conduta a ser observada, e de outro, se refere a um grupo ou coletividade de fatos e circunstâncias dos quais, os fatos do caso vinculante representam apenas uma individualização. Consectário lógico dessa atuação bifronte do efeito vinculante é: a) o dever geral imposto a todos os órgãos sujeitos ao poder vinculante do tribunal, ainda que não tenham integrado o processo no qual foi proferida a decisão, de observar e executar o que foi decidido pela corte vinculante; e, b) referidos órgãos estão vinculados à orientação estabelecida pelo Tribunal nas razões oferecidas pela corte como justificação para a decisão também em suas condutas futuras vez que, não é demais repetir, os fatos que deram origem à lide representam apenas uma das várias possibilidades abran-

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gidas pelo princípio elaborado. Assim, toda vez que os órgãos submetidos ao precedente da corte vinculante se defrontarem com situações e/ou hipóteses que, embora não idênticas ao caso precedente, se insiram no âmbito mais geral de aplicação do princípio extraído da decisão vinculante, devem se abster de praticar a conduta que viola aquela norma geral vinculante. No mesmo diapasão, ao analisar o tema, assim se pronunciou Gilmar Ferreira Mendes: “A Corte Internacional Alemã sempre interpretou o efeito vinculante (Bindungswirkung) previsto no parágrafo 31, I, da Lei Orgânica do Tribunal, como instituto mais amplo do que a coisa julgada (e do que a força de lei, por conseguinte) exatamente por tornar obrigatória não apenas a observância da parte dispositiva da decisão, mas também dos chamados fundamentos determinantes (Tragende Grunde). Os órgãos e autoridades federais e estaduais estariam, assim, vinculados as assertivas abstratas (abstrakte rechtsaussagen) da Corte Constitucional. A decisão não resolveria apenas caso singular, mas conteria uma determinada concretização jurídica da Constituição para o futuro. Segundo este entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva (Tenor) e dos fundamentos determinantes (tragende grunde) sobre a interpretação da Constituição hão de ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros.”87 Com efeito, em se admitindo que o efeito vinculante, dada a generalidade do holding, abrange não apenas a parte dispositiva do julgado, mas igualmente os fundamentos determinantes da decisão, força é reconhecer que, para além da solução para o caso concreto, a decisão vinculante contém assertivas gerais e abstratas, apontando para o dever de observância por parte de outros atores jurídicos distintos daqueles envolvidos na questão decidida, de considerar que, nas mesmas circunstâncias, conduta semelhante é permitida ou proibida.

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De vê-se, portanto, que o efeito vinculante postula uma eficácia adicional à decisão proferida, transcendendo os limites inerentes à eficácia erga omnes da decisão, para o fito de determinar aos órgãos estatais por ele abrangidos que não se limitem a obedecer ao conteúdo do dispositivo sentencial, senão que, desbordando desse limite, observem a norma abstrata que é extraída do decisum. Em outro dizer: “que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquele objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado”.88 Essa linha de orientação veio a prevalecer na ação direta de inconstitucionalidade no 1.662-7/SP,89 requerente Governador do Estado de São Paulo e requerido o Tribunal Superior do Trabalho, em que se impugnava a instrução normativa 11/97 aprovada pela resolução 67, de 10/04/97, do órgão especial do Tribunal Superior do Trabalho. Na referida ação, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais os itens III e XII do ato normativo impugnado. O item III equiparava a “não inclusão no orçamento de verba necessária à satisfação de precatórios judiciais” à “preterição do direito de precedência”. O item XII procedia à mesma equiparação na hipótese de “pagamento a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo legal”. Diante dessa equiparação, autorizava, presentes essas duas hipóteses, a decretação de seqüestro de quantia necessária ao pagamento. O Tribunal, então, por maioria de oito a dois, julgou inconstitucional a equiparação dessas duas hipóteses, à preterição do direito de precedência para fins de seqüestro. A rationale da decisão foi que “nos termos do art. 100, § 2o, da Constituição, somente se pode decretar o seqüestro de verba para pagamento de precatório na exclusiva hipótese de inobservância da ordem cronológica de apresentação do ofício requisitório”. Na visão tradicional da vinculação à coisa julgada, o efeito vinculante estaria limitado ao dispositivo, ou seja, “é inconstitucional a equiparação à violação da ordem de precedência, a não inclusão no orçamento de verba necessária ao pagamento e o pagamento a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo legal”. E só. Essa aplicação restrita do efeito vinculante, entretanto, pelas razões já aduzidas é inaceitável. Assim, em sendo vinculantes os fundamentos da

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decisão, o holding da sentença traduz a seguinte determinação geral e abstrata: “a única hipótese em que se pode decretar o seqüestro, é a inobservância da ordem cronológica de apresentação do ofício requisitório, sendo inconstitucionais todas as demais equiparações feitas a essa exclusiva hipótese”. Assim, qualquer outra hipótese que não a inobservância da ordem cronológica não poderia ser considerada pelos órgãos constitucionais vinculados como justificadora do decreto de seqüestro e, se fosse, caberia reclamação por afronta ao que decidido de forma vinculante na mencionada ADI. Foi o que ocorreu na reclamação 1.987/DF.90 Referida reclamação foi manejada pelo Governador do Distrito Federal (que não participou do processo vinculante) contra ato da juíza presidente do TRT 10a Região (que também não participou do processo vinculante), determinando seqüestro de verba pública pela hipótese “de não pagamento de quantias incluídas no orçamento” (hipótese diversa das duas analisadas na ADI 1662-SP). O relator da reclamação Min. Maurício Correa, embora reconhecendo que essa hipótese não estava contemplada na instrução normativa 11/97, proferiu voto, afinal acolhido pelo Supremo Tribunal, no sentido de “julgar procedente o pedido formulado na reclamação por entender que o STF, no julgamento de mérito da mencionada ADI 1.662, decidira que não houvera substancial alteração do art. 100, § 2o, da CF com a nova redação dada pela EC 30/2000, e fixara o entendimento de que somente se legitima o seqüestro de verbas públicas para pagamento de precatórios quando se verificar a preterição ao direito de precedência, de maneira que, todas as demais situações de inobservância das regras disciplinadas pelo artigo 100 e parágrafos da CF, constituem-se em manifesto desrespeito à decisão do STF na ADI. 1662”, o que de um lado demonstra que o efeito vinculante se estende também aos fundamentos justificantes da decisão e de outro, outorga um elastério maior que o classicamente reconhecido, aos limites objetivos da decisão judicial.

5.2.1. Leis/atos normativos de conteúdo semelhante A vinculação dos demais órgãos constitucionais também aos fundamentos justificantes do caso precedente tem importante repercus-

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são nas hipóteses de leis e/ou atos normativos de conteúdo semelhante àquele apreciado pela Corte vinculante. É que, como visto anteriormente, superada a visão clássica dos limites objetivos da coisa julgada, a vinculação ao fundamentos justificantes do precedente implica ou na obrigação dos órgãos constitucionais de se omitirem em adotar qualquer conduta específica que faça parte daquela categoria de condutas consideradas ilegítimas pela decisão vinculante ou na obrigação de praticarem a conduta considerada legítima e, portanto, exigível. Destarte, inaplicada qualquer norma de conteúdo semelhante a outra já considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal evidencia-se cristalina violação ao que foi decidido de forma vinculante. Igualmente, aplicada que seja qualquer norma de conteúdo semelhante à outra já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal essa aplicação importa afronta à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, legitimando o manejo da reclamação, ocasião, inclusive, em que se pode declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da lei de conteúdo semelhante. Na reclamação 595-0/SE91 o STF acolheu essa orientação. Cuidava a hipótese de requerimento para extinção sem julgamento do mérito de ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, proposta contra lei municipal face à dispositivo da constituição federal. Referido controle abstrato da norma local hauria sua legitimidade do artigo 106, I, c, da Constituição do Estado de Sergipe, a dispor ser da competência do Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual e de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual”. Sucede, como expresso no voto condutor do relator Ministro Sydney Sanches, que a Suprema Corte tratando de norma constitucional semelhante do Estado do Rio Grande do Sul92 decidiu na ADI no 409-3/RS,93 que a adoção de controle concentrado de leis municipais frente à Constituição Federal importa em violação à Constituição

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Federal, pois esta só admite argüição de inconstitucionalidade das normas locais, via controle difuso. Em conseqüência, lastreado na rationale exarada na precedente ação direta que tratou de norma semelhante, o STF conheceu da reclamação para julgá-la procedente e declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Constituição do Estado de Sergipe, determinando, ainda, fosse feita comunicação ao Senado Federal para dotar sua decisão de eficácia erga omnes, o que conduz inapelavelmente à conclusão de que, aplicada pela administração ou pelo judiciário, uma lei ou um ato normativo de conteúdo semelhante a outra norma já reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, esse proceder implica em desrespeito a autoridade da decisão daquele excelso sodalício e em expressa violação ao que ficou decidido de forma vinculante. Essa conseqüência também se observa na curiosa hipótese de represtinação de normas de conteúdo semelhante da norma revogadora em razão da declaração, provisória ou definitiva, de inconstitucionalidade da última. O STF teve oportunidade de se defrontar com situação desse naipe nas reclamações nos 1.507-6/RJ e 1652-8/RJ.94 As reclamações foram propostas pelos respectivos autores das ADIs 2188-5 e 2.049-8/RJ, nas quais o Supremo Tribunal Federal, liminarmente, considerou inconstitucionais dispositivos de leis fluminenses que autorizavam a cobrança previdenciária dos servidores inativos e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro. O fundamento justificante das decisões liminares foi o de que a imediata incidência do artigo 195, II da Constituição, na redação conferida pela Emenda Constitucional no 20/98, vedava a cobrança de contribuição previdenciária sobre aposentadoria e pensão. O Governador do Estado do Rio de Janeiro, à vista da liminar afastando provisoriamente a vigência das leis fluminenses, aplicou a legislação que fora revogada pelas normas suspensas ao argumento de sua represtinação e continuou a efetuar a cobrança das contribuições sociais consideradas inconstitucionais pelo Supremo. Propostas as reclamações, o Supremo Tribunal Federal por maioria as admitiu, e sem maiores fundamentações teóricas as julgou procedentes. O ministro Néri da Silveira se limitou a afirmar que a Constituição Federal desde a EC no 20/98 não autoriza a cobrança de contribuição previdenciária de servidores inativos e pensionistas, não cabendo, portanto, ao reclamado ter por represtinada legislação ante-

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rior que previa contribuições previdenciárias de servidores inativos e seus pensionistas, somente porque disposições de lei nova sobre essa matéria foram suspensas. Mas, por que não? O ministro Sepúlveda, embora com a habilidade que lhe é característica, mas a nosso sentir, in casu, inconvincente, alegou que a lei nova revogou um sistema inteiro por outro, não sendo a hipótese de se falar em represtinação. A questão, na verdade, embora não aprofundada pelo ministro Néri da Silveira, não se centra na questão da represtinação ou não da norma anterior. Essa circunstância é indiferente para o dever de agir do chefe do executivo. Mais importante do que se discutir sobre a represtinação ou não da norma, é afirmar a vinculação ao fundamento justificador da decisão afrontada. Estando o executivo vinculado também pela rationale da decisão, que é exatamente a inconstitucionalidade de qualquer lei que institua contribuição previdenciária para servidores públicos inativos e pensionistas na redação da EC no 20/98, ainda que represtinada, a norma não poderia ser aplicada pelo executivo, pois isto importaria em violação a uma decisão precedente vinculante, que impede a prática de qualquer conduta que se insira na categoria daquelas consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. É exatamente em virtude da vinculação aos fundamentos da decisão precedente, que reputamos plenamente legítimo o manejo de reclamação alegando afronta ao decidido, liminar ou definitivamente, em ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade, ou em controle incidental, desde que sumulado de modo vinculante, contra ato/decisão praticado por autoridade judicial ou administrativa com base em leis ou atos normativos de conteúdo similar à norma declarada inconstitucional pelo STF, a fim de se obter a sustação do ato ou decisão contrária ao precedente que tratou de ato normativo de conteúdo similar.

5.3. A concessão de liminar nos processos de controle concentrado de constitucionalidade 5.3.1. Efeitos da concessão de liminar nas ações declaratórias de constitucionalidade Dispõe o parágrafo 2o do artigo 102 da Constituição Federal na redação dada pela emenda constitucional no 03/93, que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito 230

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vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. A constituição, então, diversamente do que ocorre no trato da ação direta de inconstitucionalidade para a qual expressamente prevê a concessão de medida cautelar (art. 102, I, p, da CF/88), silenciou quanto a possibilidade de concessão de medidas cautelares no âmbito do processamento das ações declaratórias de constitucionalidade. No julgamento da ação declaratória de constitucionalidade no 046/DF,95 forte em precedentes da Corte apontando de modo indiscrepante para a orientação de que o poder geral de cautela do juiz é exercido para garantir a efetividade e o resultado útil da prestação jurisdicional sempre que houver risco de que um dos interessados sofra grave lesão de difícil reparação antes do julgamento da lide, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade, mesmo sem expressa previsão constitucional, de concessão de medida cautelar nas ações declaratórias de constitucionalidade, toda vez que ela fosse necessária para assegurar, temporariamente, a eficácia contra todos e o efeito vinculante da decisão de mérito a ser futuramente proferida, pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar. Essa construção pretoriana veio de ser reafirmada e prestigiada pelo legislador, ao prever no artigo 21 da Lei no 9.868, de 10/11/1999, a possibilidade de concessão de medidas cautelares na ADC. Superada a questão sobre o cabimento de concessão de medida cautelar na ação declaratória, surge o aspecto de maior relevância concernente à definição do conteúdo possível a ser conferido a essa cautela provisória. A questão assume contornos de relevância, na medida em que se reconhece aos processos de controle concentrado de constitucionalidade um caráter dúplice. Em outro dizer, uma ação direta de inconstitucionalidade pode conduzir tanto a um resultado que afirme a inconstitucionalidade do ato normativo, quanto a outro que afirme a constitucionalidade desse mesmo ato. Similarmente, a ação declaratória de constitucionalidade pode conduzir tanto a um provimento pela sua procedência, hipótese em que se declara a constitucionalidade do ato normativo, quanto a um provimento pela sua improcedência, hipótese em que se declara a sua inconstitucionalidade. Como a medida cautelar tem por finalidade única garantir a eficácia do provimento definitivo de mérito a ser futuramente decidido e este pode ser pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, a cautelar na ADC não pode possuir o conteúdo que determine

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a obrigatória aplicação da norma provisoriamente considerada constitucional, vez que esse conteúdo poderia vir de encontro a uma futura e possível decisão que julgue improcedente o pedido e declare inconstitucional o ato normativo. Para obviar a tensão que poderia surgir da aplicação concomitante dos sistemas de controle difuso e concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da citada ADC no 04-6/DF, que o conteúdo da medida cautelar concedida em ação declaratória de constitucionalidade, é o de suspender qualquer decisão em processo que, a juízo da corte vinculada, tenha por pressuposto a afirmação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei objeto da ação declaratória de constitucionalidade.96 Em síntese, pode-se concluir que a concessão de medida cautelar em sede de ação declaratória de constitucionalidade afasta o exercício do controle difuso, na medida em que o juiz posterior vinculado nem pode deixar de aplicar o ato normativo por reputá-lo inconstitucional, em razão do efeito vinculante conferido pela medida cautelar, nem pode ser obrigado a aplicá-lo, em virtude da provisoriedade do provimento que poderá ser reformado quando do julgamento do mérito da causa. Consectário lógico desse entendimento é a suspensão dos processos em que incidentalmente se discuta a constitucionalidade da norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade. Essa solução de compromisso, construída pelo Supremo Tribunal Federal para permitir a convivência entre os dois sistemas de controle de constitucionalidade adotados em nosso ordenamento jurídico, veio de ser acolhida no artigo 21 da Lei no 9.868/99.

5.3.2. Efeitos da concessão de liminar nas ações diretas de inconstitucionalidade As ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade representam as duas faces de uma mesma moeda. Daí a feliz definição desta última como nada mais sendo do que “uma ação direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado”.97 É que, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo,

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há similitude substancial de objetos na ação declaratória de constitucionalidade e na ação direta de inconstitucionalidade. A distinção se refere apenas ao provimento postulado pelo autor da ação: aferição positiva de constitucionalidade na primeira e pretensão de declaração negativa na segunda. Ambas ações, porém, são espécies de fiscalização objetiva, que traduz manifestação definitiva do Supremo Tribunal Federal quanto a conformação, ou não, da norma com a Constituição Federal, razão pela qual o efeito vinculante de que é dotada a decisão proferida na ação declaratória não se distingue, em essência, dos efeitos das decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade.98 Nesse sentido, exsurge como imanente aos idênticos fins colimados por essas ações, a outorga, nas concessões de liminares na ação direta de inconstitucionalidade, da mesma conseqüência processual conferida à cautelar proferida em sede de ação declaratória de constitucionalidade. Com efeito, reconhecida a força vinculante das decisões de mérito proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade, se mostra inafastável a atribuição à decisão cautelar nela proferida, de efeito suspensivo dos processos cuja decisão penda de aplicação, inaplicação ou declaração de inconstitucionalidade em concreto da lei que teve a sua eficácia suspensa por força de decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal.99 Isso porque, como bem demonstrou o Ministro Gilmar Mendes em alentado e percuciente voto proferido nos autos da Reclamação no 2.256/RN,100 a concessão de liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade retira não apenas a eficácia, mas a própria validade da norma, afetando a sua vigência tanto no plano fático, quanto no plano normativo. Essa conseqüência é comprovada tanto pela orientação pretoriana sobre a possibilidade de, em casos excepcionais de exaurimento da situação com a mera edição da norma, conferir-se eficácia ex tunc à medida cautelar,101 quanto pela orientação pacificada no seio do Supremo Tribunal Federal de que a suspensão liminar da eficácia da lei

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torna aplicável a legislação anterior acaso existente, represtinandoa.102 Daí a conclusão a que chegou o eminente ministro: “...a possibilidade, admitida pelo Tribunal, de que se conceda, ainda que em casos excepcionais, a cautelar com eficácia ex tunc, e a aceitação pela Corte da idéia segundo a qual, concedida liminar, restaura-se a vigência do direito eventualmente revogado, revelam, em verdade, que já no juízo de liminar se cuida de uma questão de vigência da norma questionada. Portanto, a medida cautelar deferida em processo de controle de normas, opera não só no plano estrito da eficácia, mas também no plano da própria vigência da norma. Não há dúvida, pois, de que a suspensão liminar da eficácia da lei ou seu ato normativo, equivale à suspensão temporária de sua vigência.”103 É importante realçar que essa dupla orientação do Supremo Tribunal Federal foi prestigiada pelo Legislador, ao positivá-la nos parágrafos 1o e 2o do artigo 11 da Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999. Assim, o provimento liminar que afasta a vigência da lei ou ato normativo impede o juiz vinculado de aplicá-lo incidentalmente para solucionar a controvérsia concreta que lhe é posta para decisão. Por outro lado, devido a provisoriedade do provimento, o juiz vinculado também não pode deixar de aplicá-lo em definitivo, pois a liminar pode ser revogada com o julgamento final de mérito da ação direta de inconstitucionalidade, se o pedido for julgado improcedente. Nesse sentido, do mesmo modo como ocorre na ação declaratória de constitucionalidade, a concessão de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade afasta o exercício do controle difuso de constitucionalidade sobre o mesmo tema e importa “na suspensão do julgamento de qualquer processo que tenha por fundamento lei ou ato estatal cuja eficácia tenha sido suspensa por deliberação da Corte, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, até final julgamento desta”.104

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5.3.3. Efeitos da concessão de liminar nas ações de argüição de descumprimento de preceito fundamental A argüição de descumprimento de preceito fundamental é processo destinado a afastar fundada controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual e municipal, inclusive de normas pré-constitucionais. É, portanto, ao lado das ações declaratórias de constitucionalidade e indireta de inconstitucionalidade, processo de natureza objetiva que visa assegurar a supremacia da constituição. Por essa razão, o legislador já previu no parágrafo 3o da Lei no 9.882, de 03 de dezembro de 1999, a possibilidade de concessão de medida liminar consistente na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento do processo ou os efeitos de decisões judiciais que apresentem relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental. O Supremo Tribunal Federal na argüição de descumprimento de preceito fundamental no 33/PA, que objetivava ver declarada com eficácia erga omnes a não recepção do artigo 34 do regulamento de pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará, em face da proibição da vinculação de salário mínimo contida no artigo 7o, IV, da Constituição Federal, concedeu medida liminar determinando a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos das decisões judiciais que versam sobre a aplicação do artigo arrostado, até a decisão final da ação, atuando de forma coerente com o princípio firmado pela Corte de que a concessão de liminar em processo de controle concentrado de constitucionalidade afasta o exercício do controle difuso.105

5.4. Efeitos da denegação de liminar nas ações de controle concentrado da constitucionalidade de lei Como vínhamos de demonstrar, é entendimento pacificado no seio do Supremo Tribunal Federal que, a vista da natureza dúplice dos processos de controle concentrado de constitucionalidade, se a ação direta de inconstitucionalidade for julgada procedente, a lei ou ato normativo objeto da causa, será declarado inconstitucional e, se improcedente, constitucional. Na ação declaratória de constitucionalidade ocorre o exato oposto, pois se for procedente, a norma dela objeto será declara-

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da constitucional e, se improcedente, inconstitucional. Daí porque prevaleceu a orientação de que a ação declaratória de constitucionalidade é uma ação direta de inconstitucionalidade com sinal trocado, devendo sobre ambas recair o mesmo tratamento jurídico. Consectários lógicos desse entendimento foram: a) extensão da possibilidade de concessão de medida cautelar, prevista expressamente apenas para a ação direta de inconstitucionalidade (CF/88, art. 102, I, p), também para a ação declaratória de constitucionalidade; e, b) extensão do efeito vinculante, previsto expressamente apenas para a ação declaratória de constitucionalidade (CF/88 art. 103, § 2o), também para as decisões proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade.106 Por igual razão, a concessão de provimentos cautelares em ambas ações conduziu ao mesmo resultado processual: suspensão dos processos que tivessem por pressuposto a aplicação ou inaplicação da norma objeto de aferição no juízo concentrado de constitucionalidade. Nessa linha de orientação pretoriana, força é reconhecer que não só o deferimento, mas também o indeferimento do provimento cautelar pedido pelo autor, implicam na conseqüência processual de suspensão de todos os processos que tenham por pressuposto a interpretação da norma objeto dessas duas ações objetivas. Como já assentado na Suprema Corte. inexiste diferença ontológica no conteúdo dos provimentos jurisdicionais cautelares e de mérito nas ações declaratórias de constitucionalidade e indiretas de constitucionalidade. Atento a essa circunstância, não vislumbro, na sua essência, qualquer diferença entre a decisão que defere uma liminar na ação declaratória de constitucionalidade e aquela que, em juízo de delibação provisório, considera constitucional uma norma ao indeferir a liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Do mesmo modo, o conteúdo extraído de uma liminar deferida em ação direta de inconstitucionalidade é, em essência, semelhante ao extraído de um indeferimento liminar em sede de ação declaratória. Sinale-se que os fundamentos justificantes da concessão de medidas liminares nessas ações determinando a suspensão dos processos que tenham por pressuposto a aplicação das normas objeto de análise no sistema concentrado, decorre da possível tensão existente entre a

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provisoriedade do provimento cautelar proferido no sistema concentrado e definitividade do provimento porventura proferido no sistema difuso. Se, exemplificativamente, em virtude da cautelar deferida em uma ação declaratória fosse o juiz vinculado obrigado a aplicar a norma provisoriamente tida por constitucional, isso poderia conduzir a um resultado inconsistente, na medida em que na decisão de mérito a lei poderia ser considerada inconstitucional. Assim, a medida cautelar que tem por fim último e exclusivo assegurar o resultado útil do provimento definitivo, estaria em verdade, determinando a obrigatória aplicação de uma lei inconstitucional, o que soa absurdo. O mesmo se diga quanto à concessão de liminar em ação direta. Se fosse entendido que seu comando obrigasse o juiz vinculado a deixar de aplicar em definitivo a norma suspensa provisoriamente, o resultado final também poderia ser contraditório se, no mérito, a ação fosse julgada improcedente, e constitucional a norma. Isso demonstra que a já difícil convivência entre os sistemas de controle difuso e concentrado de constitucionalidade de normas se mostra, com a adoção do efeito vinculante, virtualmente incompatível de aplicação simultânea, daí, dado o privilégio outorgado ao sistema concentrado, da necessidade, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, de afastar o exercício do controle difuso, determinando-se a suspensão de todos os processos em que se controverta a aplicação da norma objeto da aferição no sistema concentrado. Essa orientação veio a prevalecer no julgamento da ação declaratória no 04-6/DF que, pela vez primeira, reconheceu a possibilidade de concessão de medida cautelar em sede de ação declaratória e fixou o conteúdo possível dessa medida. Assentou o Ministro Sepúlveda Pertence no voto proferido na questão de ordem sobre a admissibilidade do provimento cautelar, verbis: “...O Brasil, no entanto, importou, com a República, o sistema difuso americano, enfraquecido, porém, entre nós, pela ausência do stare decisis, e foi, talvez por isso, pouco a pouco fazendo concessões ao sistema austríaco até que, em 1965, de repente – à base de uma fundamentação despretensiosa ligada ao descongestionamento do Supremo Tribunal Federal – se completou esse acoplamento e passaram a conviver os dois sistemas na sua integralidade. A partir daí, é claro, cabe a este Tribunal construir um sistema de convivência, de harmonização desses dois sistemas, no qual é fatal, dada a eficácia universal do controle abstrato, que 237

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este venha a predominar sobre o controle difuso, paralisando-o ou mesmo extinguindo-o em cada caso, seja por força da decisão liminar da ação direta – praticada entre nós com dimensões que nenhum outro ordenamento conhecida –, seja por força da decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”107 (g.n.) Ao fixar o conteúdo possível do provimento liminar, assim se manifestou o eminente ministro: “...o conteúdo do provimento cautelar que considero possível é suspender qualquer decisão em processo que, a juízo do magistrado competente, dependa da afirmação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, objeto da ação direta...só a admito nesse sentido, porque, primeiro, uma perda da perspectiva de que se trata de uma ação tipicamente dúplice poderia levar a interpretar-se a nossa medida cautelar como determinando, estabelecendo como norma geral, que o juiz tem que aplicar a lei aos casos concretos. Não estou declarando provisoriamente a constitucionalidade, porque a ação é dúplice, e do seu julgamento pode eventualmente resultar a declaração de inconstitucionalidade da lei. Minha proposta é de sustar qualquer decisão a respeito, até que aqui se decida, com eficácia erga omnes e força vinculante, entre a declaração de constitucionalidade e a inconstitucionalidade.”108 Curial, portanto, que se o fundamento justificante (rationale) que decorre da adoção do efeito vinculante é afastar o controle difuso que deve ceder passo ao controle concentrado, para determinar liminarmente a suspensão de todos os processos em que se discuta a aplicação da norma objeto de uma ação direta, é indiferente, havendo uma manifestação provisória do Supremo Tribunal Federal, se foi deferido ou indeferido o provimento pleiteado pelo autor. Mesmo porque, o indeferimento da medida cautelar em uma ação direta de inconstitucionalidade, possui a mesma significância normativa do deferimento do mesmo pleito em uma ação declaratória de constitucionalidade e vice versa. A não se entender assim, proposta uma ação direta de inconstitucionalidade e negada liminar, verificando o pólo passivo da ação que a

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decisão do Supremo ao negar a liminar reconheceu provisoriamente que a norma não deve ser expungida do ordenamento jurídico e que este reconhecimento está sendo afrontado por decisões proferidas em controle difuso, determinando liminar ou definitivamente a inaplicabilidade da referida norma, poderia, então, propor uma ação declaratória com o único objetivo de obter um provimento cautelar positivo com o mesmo conteúdo do prolatado de forma negativa na ação direta, apenas para atribuir à decisão o efeito vinculante, o que seria ilógico, não funcional e ineficiente, para dizer o menos. Aliás, a ação declaratória no 4-6/DF é exemplo emblemático da correção dessas afirmações pois, ao analisar o pedido de medida cautelar, o relator Ministro Sydney Sanches fez expressa referência ao decidido pelo pleno do STF na ação direta de inconstitucionalidade no 15761 proposta contra a medida provisória no 1.570, de 26/03/1997, que indeferiu a suspensão cautelar do artigo 1o da medida provisória de idêntico teor do artigo 1o da Lei no 9.494, de 10/09/1997, objeto da citada ação direta. Partindo da premissa de que o indeferimento da medida cautelar na ADI traduzia, em essência, o acolhimento de uma pretensão cautelar positiva a ser conferida no bojo de uma ação declaratória, assim expressou o relator em seu voto: “O acórdão, relatado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, no ponto que aqui interessa, ostenta o seguinte resumo: ‘Tutela Antecipada – Servidores – Vencimentos e Vantagens – Suspensão da Medida – Prestação Jurisdicional. Ao primeiro exame, inexiste relevância jurídica suficiente a respaldar a concessão de liminar, afastando-se a eficácia do artigo 1o da Medida Provisória no 1.570/97, no que limita o cabimento da tutela antecipada, empresta duplo efeito ao recurso cabível e viabiliza a suspensão do ato que a tenha formalizado pelo Presidente do Tribunal a quem competir o julgamento deste último’. Ora, se o Plenário naquela ação direta de inconstitucionalidade, ao menos ao ensejo do requerimento de medida cautelar, teve por constitucional o dispositivo e por isso indeferiu a medida, pela mesma razão deve reputá-lo constitucional aqui, até o julgamento final da presente ação direta de constitucionalidade, que trata do mesmo texto, agora constante do art. 1o da Lei no 9.494, de 10.09.1997.” (g.n.) 239

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Nesse diapasão, decisão de juiz posterior que, em processo de controle difuso de constitucionalidade, declara liminar ou definitivamente inconstitucional uma norma que, em ação direta de inconstitucionalidade teve apreciado e indeferido pedido de medida cautelar, implica em desrespeito a essa decisão liminar (negativa), cujo conteúdo equivale a decisão liminar positiva na ADC dotada de efeito vinculante, sujeitando-se à reclamação para sustar o ato jurisdicional a fim de assegurar a autoridade e a utilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal. Ao indeferir a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, o STF emite juízo de significância normativa que traduz a mensagem de que a norma objurgada deve, ainda que provisoriamente, ser observada. Permitir que juiz posterior desconsidere esse juízo e não aplique a lei, implica em tornar inútil futuro provimento judicial de mérito que confirme o juízo provisório, ao julgar improcedente a ADI e reconhecer a constitucionalidade da norma. Não fosse admitida a reclamação, estaria o Supremo Tribunal Federal impedido de adotar providência para prevenir efeitos manifestamente contrários a autoridade da decisão liminar (negativa) proferida.109 Como as ações diretas possuem natureza dúplice, o indeferimento da cautelar na ADI não pode implicar na obrigatoriedade de aplicação definitiva da norma, assim como o indeferimento de medida cautelar na ADC não significa obrigatoriedade de inaplicar a norma. A solução, em ambas as hipóteses, como já ocorre na hipótese de deferimento é, portanto, a suspensão de todos os feitos que tenham por fundamento a aplicação ou inaplicação da norma objeto de aferição abstrata de constitucionalidade. A situação não se altera quando o indeferimento da concessão da medida cautelar se basear apenas na inexistência do periculum in mora e não na ausência de plausibilidade jurídica da argüição. Não importa. O fundamental é que as razões justificantes da suspensão dos processos decorrem da inconveniência, para não dizer ilogicidade, do exercício simultâneo dos controles difuso e abstrato de constitucionalidade que pode conduzir a uma ineficácia do provimento geral conferido nas ações diretas. Dessa tensão decorre a necessidade de se afastar o exercício do controle difuso em tais situações, o que, aliás, foi decidido com eficácia vinculante na ação declaratória no 04-6/DF. Assim, a suspensão de todos os processos que tenham por fundamento a aplicação ou inaplicação de lei objeto de controle concentrado, também nas hipóteses

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de indeferimento do provimento cautelar, não tem meramente sabor de conveniência, mas de obrigatoriedade em função dos fundamentos justificantes da ADC no 4-6/DF também vincularem as cortes inferiores. Urge, portanto, que se altere a orientação que vem prevalecendo no seio do Supremo Tribunal Federal de que, indeferida a medida cautelar, ao contrário do que sucede na hipótese de concessão, não se suspende, em princípio, o julgamento dos processos em que incidentemente se haja de decidir a mesma questão de inconstitucionalidade110 e que não é cabível reclamação em tais hipóteses, por impropriedade da via.111 O argumento deduzido para não se suspender os processos na hipótese de indeferimento de liminar foi, como expressamente declarado no voto condutor do Ministro Sepúlveda Pertence, eminentemente prático. A conveniência de se evitar a ocorrência de coisa julgada no processo subjetivo antes que se decida o processo objetivo, não superaria os inconvenientes decorrentes da paralisação de decisões incidentes sobre a questão constitucional em todo o país. Essa conclusão decorreria de dois dados extraídos da experiência da corte. O primeiro é que na grande maioria das ações diretas de inconstitucionalidade existe pedido de medida cautelar. Esse dado nada indica, pois se em todas fossem deferidas as liminares requeridas, os processos seriam suspensos. Assim, da quantidade de ações em que se requer concessão de medida cautelar não decorre logicamente a conclusão de inconveniência de não se suspender os processos. O segundo dado é que, consciente da demora inevitável da decisão definitiva, o tribunal tem aprofundado a cada dia esse juizo liminar, só teoricamente de simples delibação: a conseqüência é de ser rara a inversão, no julgamento de mérito, do sentido do julgamento da cautelar. Ora, esse argumento favorece a tese de suspensão de todos os processos. Se o juízo liminar está mais aprofundado, quando se indefere o pedido, provavelmente a norma será julgada constitucional no julgamento de mérito. Assim, decisão judicial que determine a inaplicação do preceito tornará inútil o resultado útil definitivo do processo, afrontando a autoridade da decisão liminar proferida e da definitiva a ser provavelmente proferida. Nesse sentido, a conveniência é de suspender todos os processos em que se discuta incidentalmente a validade da norma. Demais disso, como já antecipado, além de discutível o argumento pragmático oferecido, a questão, após a decisão proferida na ADC

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4-6/DF não é mais de conveniência ou inconveniência, mas de respeito ou desrespeito ao que, de modo vinculante, foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, também não se sustenta a afirmação de impropriedade da reclamação para garantir a autoridade da decisão liminar negativa do Supremo, pois isto implicaria atribuir à reclamação efeito declaratório de constitucionalidade (indeferimento de medida cautelar em ADI) ou, de inconstitucionalidade (indeferimento de medida cautelar em ADC), que ela não possui. Com a devida vênia, a reclamação não atribui efeito declaratório de constitucionalidade ou inconstitucionalidade; pelo contrário, impede que esse efeito seja atribuído por decisão em processo subjetivo, ao determinar a suspensão de todos os processos em que se exerce o controle difuso, embora nada impeça em sede reclamatória, a declaração de constitucionalidade de uma norma (Recl. 1880/SP, DJ, de 19/03/2004) ou sua inconstitucionalidade (Recl. 595-0/SE, DJ, 23/05/2003). Em resumo, o exercício do controle difuso da constitucionalidade é livre enquanto não houver qualquer pronunciamento cautelar em sede de controle abstrato, seja porque não houve requerimento pela parte autora, seja porque apesar de existir, o STF ainda não se pronunciou. Exercido, entretanto, o juízo liminar de delibação para deferir ou indeferir o provimento cautelar, fica suspenso o exercício do controle difuso, até decisão final na ação direta e, conseqüentemente, todos os processos que dependem desse controle incidental de constitucionalidade devem ter seu curso paralisado.

6. Limites subjetivos da decisão proferida no precedente 6.1. Vinculação das instâncias inferiores do Poder Judiciário e do Poder Executivo Não obstante a argumentação de Enrique Alonso Garcia, para quem “El que el tribunal inferior siga el precedente del superior no es una derivación del princípio de stare decisis, sino de la regla administrativa que, para el buen funcionamento de los tribunales y en aras de la uniformidad, implica el que dicho tribunal inferior siga las diretrices del superior”,112 é doutrina correntia que, face ao stare decisis, inexiste dentro do sistema do common law possibilidade de o juiz inferior,

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verificados presentes os requisitos que assemelham as situações pretérita e nova, se furtar de aplicar o princípio haurido do caso precedente, por isso que ele é a lei aplicável à hipótese e negá-lo seria, dentro da estrutura anglo-saxã, corromper os alicerces da estabilidade e coerência do direito. Acolhido o efeito vinculante no seio de nosso ordenamento jurídico, a conclusão acima é aplicada em toda sua amplitude no sistema de família romano-germânica. Essa vinculação decorre da necessidade do juiz inferior estar limitado pelo sistema de fontes de seu país, que inclui o dever de observar as decisões das cortes superiores quando o sistema jurídico lhes atribui efeito vinculante. Assim, negar aplicação do precedente quando ocorrentes as hipóteses que legitimam sua aplicação é, nas palavras de Miguel Beltrán de Felipe, praticar “terrorismo judicial, pois que otra cosa puede pensar-se de juez que ignora aquella jurisprudência que no comparte, siendo más fiel a su própria teoria...que al sistema de fuentes?”.113 Está, portanto, a instância inferior submetida, vinculada ao que ficou decidido no precedente judicial. O modelo a ser seguido pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário e pelo Executivo é o modelo normativo estrito que torna inafastável essa vinculação, de sorte que proferida decisão no controle de constitucionalidade os demais órgãos do Poder Judiciário das instâncias inferiores e o Poder Executivo estão obrigados a seguir a interpretação adotada, devendo guardar-lhe plena obediência. Assim é, pois implica retirar de todos os demais órgãos do Poder Judiciário a aptidão para formar um convencimento diverso daquele contido na decisão de mérito proferida na ação, ou seja, nenhum juiz ou Tribunal poderá decidir contrariamente ao que decorrer do processo concentrado de interpretação e declaração de constitucionalidade.114 O mesmo dever é imposto à Administração Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal, a teor dos artigos 102, parágrafo 2o, e 103-A da Constituição Federal na redação da emenda constitucional no 45/2004. O modelo normativo estrito de vinculação limita os juízos de valor e a discricionariedade dos juízes inferiores e da Administração Pública nos seus diversos níveis, ao reconhecer que o efeito vinculante impõe limites substantivos ao conteúdo decisório desses tribunais em causas posteriores. Como esse modelo assume que a regra estabelecida no

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precedente é, a exemplo de uma regra legislada, dotada de generalidade e abstração, então o juiz posterior a ela vinculado não pode dotar de relevância jurídica qualquer das diferenças fáticas que existem entre o caso atual e o precedente vinculante. O princípio da igualdade que justifica a adoção do efeito vinculante fica resguardado e protegido pela generalidade e abstração do holding. É o suposto de fato abstrato da regra que determina a categoria de pessoas e situações que são por ela regulados, razão pela qual devem aplicar a regra em todos os fatos que se encartam dentro de sua categoria geral. Os órgãos vinculados não podem limitar, restringir ou revogar o princípio formulado no caso precedente, salvo nas raras hipóteses admitidas pelo modelo como fator de distinção.115

6.1.1. Legitimidade ativa para propor reclamação visando garantir a autoridade da decisão da corte superior dotada de efeito vinculante Em sede de limites subjetivos da decisão vinculante, é importante ressaltar a existência de dois pólos. O pólo passivo, representado pelos órgãos constitucionais e administrativos que estão submetidos à orientação firmada pela corte superior em seu precedente vinculativo e o pólo ativo, representado por todos aqueles que demonstrem interesse em ver respeitada a autoridade daquilo que foi decidido de forma vinculante. Quando analisamos os limites objetivos do precedente vinculante, firmamos a orientação de que, para a fecunda operacionalização do instituto, se mostrava fundamental a vinculação não apenas ao dispositivo da sentença, mas principalmente aos fundamentos justificantes da decisão, pois são deles que se extrai o princípio geral que congrega toda uma classe de condutas consideradas proibidas, permitidas ou exigidas, dentro da qual se encarta a conduta objeto da específica decisão judicial vinculante. Essa visão ampliada dos limites objetivos da decisão guarda íntima relação e tem profunda repercussão nos limites subjetivos do julgado, vez que como visto no item 5.2, todos os órgãos submetidos ao poder vinculante do tribunal devem observar e executar o julgado, mesmo que dele não tenham participado. Essa ampliação subjetiva

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passiva também se aplica quando se tem em conta o pólo ativo da relação processual, ou seja, quando se busca identificar quem pode requerer a observância, por parte dos órgãos vinculados passivamente, a obediência e o respeito à decisão vinculante. Nesse sentido considerando que a ampliação dos limites objetivos tem por finalidade garantir que o efeito vinculante assegure a defesa imediata da segurança jurídica, o respeito à ordem constitucional e ao princípio da isonomia, parece ser consectário lógico, reconhecer legitimidade para propor a reclamação a todos aqueles que comprovem prejuízo em razão de um provimento judicial, ou de um ato da Administração que seja contrário ao que foi decidido de modo vinculativo, pois somente ampliando o acesso à reclamação será possível assegurar de forma plena os valores protegidos pelo efeito vinculante.116

6.2. Vinculação da própria corte prolatora da sentença O instituto do efeito vinculante implica a idéia de que um tribunal deve seguir o precedente em um caso análogo que se insere dentro do âmbito normativo do princípio firmado no caso vinculante. Dito princípio estabelece tanto a vinculação de cortes inferiores (vinculação vertical) quanto a autovinculação de cada tribunal a suas próprias regras de decisão (vinculação horizontal). A adoção do instituto do efeito vinculante só se legitima quando se reconhece às Cortes o papel de fonte de produção normativa, outorgando-se-lhes a função de estatuir regras jurídicas de aplicação geral. Para que um tribunal seja capaz de firmar princípios jurídicos que vinculam os tribunais inferiores, é premissa inafastável que confira a esses princípios força jurígena para obrigar suas próprias decisões. Entendimento dissonante e seria impossível a formatação de uma doutrina vinculante que assegurasse imediatamente o princípio da segurança jurídica e mediatamente o princípio da justiça, objetivos colimados por qualquer ordenamento jurídico. De fato, de pouco adiantaria determinar-se a obediência irrestrita pelas cortes inferiores às decisões das cortes superiores, visando fornecer pautas gerais e seguras de condutas para esses tribunais e a

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coletividade como um todo, se as próprias decisões vinculantes estivessem sujeitas a todo momento a modificações e alterações contínuas. O exercício da função de prover normas por parte dos Tribunais Superiores demanda que esses tribunais articulem uma linha coerente de decisões judiciais, ou seja, que dessas decisões possa ser extraído um corpo ordenado de regras gerais de conduta, sob pena de se gerar incerteza e insegurança. Disso não se conclua, porém, que a vinculação horizontal possua o mesmo grau da vinculação vertical. Por serem os formadores da doutrina vinculante, os Tribunais Superiores necessitam de certa margem de liberdade para modificá-la, se razões suficientes demonstrarem necessidade de se adequar as decisões judiciais à realidade social que subjaz ao direito e que, por natureza e índole é mutável, sob pena de petrificação do direito, vez que obrigaria o Tribunal a sustentar teses anteriores que julga errôneas ou já superadas pela evolução social. É que os fatos mudam, as sociedades, notadamente na época atual, estão em contínua, inexorável e vertiginosa evolução pelo que os valores por elas socialmente compartilhados alteram-se com o decorrer do tempo. O direito, até por ter a pretensão de regular a conduta humana em determinada sociedade, deve acompanhar a evolução do homem. Assim, o que ficou decidido hoje e vale para a situação atual, pode já não mais ser válido amanhã. Por outro lado, embora se reconheça a possibilidade de abandono do precedente, bem de ver-se que um mesmo órgão jurisdicional não pode modificar arbitrariamente o sentido de suas decisões em casos substancialmente iguais. Quando isso acontece, deve oferecer uma fundamentação suficiente e razoável. Desse mesmo sentir é Bryde para quem é importante “que o Tribunal não se limite a mudar uma orientação eventualmente fixada, mas que o faça com base em uma crítica fundada do entendimento anterior que explicite e justifique a mudança.117 A necessidade de explicitação, por parte do Tribunal, das razões que o levaram a mudar seu anterior entendimento do assunto é postulado e exigência fundamental decorrente do Princípio da Igualdade. Por isso que, tendo o Tribunal firmado sua primeira posição, urge conferir, em casos idênticos, o mesmo tratamento sob pena de aplicação desigual da lei, em flagrante violação ao princípio da igualdade, pois não existem cidadãos iguais, sem iguais decisões judiciais, exceção feita

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quando ficar comprovada a alteração da situação fática ou jurídica que serviu de esteio para a primeira decisão. Em resumo, pode-se afirmar que, enquanto a vinculação das cortes inferiores ao que ficou decidido pelas cortes superiores opera sob o modelo normativo forte/estrito que não permite as cortes vinculadas modificar ou revogar a regra estabelecida pelas cortes vinculantes, a vinculação das cortes superiores a suas próprias decisões opera sob o modelo normativo fraco/minimalista, que estabelece uma obrigação condicional de seguir seus precedentes, sempre que não existam razões substantivas superiores aos valores da segurança jurídica e isonomia perseguidos pelo efeito vinculante, que permitam ao Tribunal afastar-se de suas prévias decisões e, adequando-as à nova realidade fática ou jurídica, renovar a doutrina. Essas mudanças na doutrina vinculante serão analisadas no capítulo seguinte.

6.3. A distinção (distinguish) Para o modelo normativo, a regra do precedente, como já averbamos anteriormente, deve ser inexoravelmente aplicada em todas as circunstâncias que se incluem em seu âmbito normativo. Assim, se o caso traz uma circunstância nova que não se insere no âmbito normativo da regra estabelecida no precedente não é o caso de se fazer distinção do caso atual com o caso precedente na base dessa nova circunstância fática. Aqui a regra simplesmente não se aplica e, portanto, a decisão anterior não vincula. Nessa hipótese, uma decisão que não siga o princípio do caso precedente não perturba os defensores do modelo normativo de vinculação, pois estão fora de seu âmbito de aplicação. A distinção, portanto, só ocorre quando a regra fixada no precedente coloca sob seu âmbito normativo o caso atual e, ainda assim, o juiz decide contrariamente àquela regra. O distinguish, portanto, significa criar uma exceção à regra geral na medida em que, como o caso que atualmente se decide se encontra por ela abrangido, deveria ser, mas de fato não é por ela alcançado. Como regra geral, atuando sob o modelo normativo de vinculação ao precedente é defeso à corte vinculada promover qualquer alteração na regra fixada no precedente, pois este modelo parte do princípio de que as cortes decidem com base em normas gerais e preexistentes e que essas normas são obrigatórias e indisponíveis para o julgador. Se a corte flexibiliza, por mínimo que seja a regra precedentemente fixada, ela está abandonando o precedente e fixando uma nova regra para 247

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governar o caso posto para adjudicação. Essa assertiva é peremptória no modelo normativo absoluto, mas admite exceções no modelo moderado, que aqui se propõe. Na versão normativa moderada, a corte vinculada pode fazer distinções, temperando e flexibilizando a aplicação da regra firmada no caso vinculante nas seguintes hipóteses: a) quando houver concorrência com outras regras derivadas de outros precedentes vinculantes que não tenham sido revogados; b) quando a regra se baseou em um claro e inadvertido erro; c) quando a corte vinculada se defrontar diante de situações que claramente a corte vinculante não queria abranger quando fixou a regra; d) quando houver um desenvolvimento posterior do direito. Essas exceções são compatíveis com o modelo normativo porque são razões que permitem ao juiz se afastar da literalidade de um texto legislativo sem incidir em violação de seu conteúdo. Como o modelo normativo, para fins de vinculação, confere à regra legal de criação judicial o mesmo status que confere aos textos legislativos, essas exceções estão dentro do âmbito desse modelo.

6.3.1. Limitando a regra com base em inconsistência com outra regra A doutrina pátria e alienígena tem feito força para traçar os critérios distintivos entre princípios e regras. Assim, aponta-se como critérios distintivos: a) o grau de abstração da norma que seria maior nos princípios do que nas regras e, b) a função de fundamento normativo que nos princípios seria o de permitir que determinada regra seja encontrada, enquanto que na regra visariam fundamentar uma decisão. Em outra linha, a distinção seria baseada no conteúdo axiológico que seria explícito nos princípios. Assim, eles seriam, ao contrário das regras, fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada. Um quarto critério seria o do modo de aplicação. As regras seriam aplicadas ao modo “tudo ou nada”, ou seja, se preenchidas as condições de sua incidência, ou a regra é válida e sua conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é válida. Como consectário desse quarto critério, aponta-se um quinto: No caso de colisão entre regras, uma deve necessariamente ser considerada inválida. Diferentemente, os princípios possuem uma dimensão de peso. Assim, quando entram 248

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em colisão, o princípio com peso maior se sobrepõe ao outro sem que este perca sua validade.118 Essa plêiade de abordagens sobre a distinção entre princípios e regras foi magistralmente esquematizada por Humberto Ávila que as agrupou em quatro categorias de critérios: o critério hipotético condicional, o critério do modo final de aplicação, o critério do relacionamento normativo e o critério do fundamento axiológico.119 Para o presente tópico, interessa analisar a hipótese referenciada ao critério do relacionamento normativo. O pensamento dominante tem sido que, havendo conflito entre duas regras, uma necessariamente deve perder sua validade. Dentro dessa visão, não seria possível admitir-se a limitação da regra do caso vinculante se, porventura, entrasse em conflito com uma outra regra de um outro caso. Um dos casos precedentes teria revogado o outro. A questão não seria de ponderar e otimizar a aplicação da regra do caso precedente que melhor se ajusta à situação com que a corte vinculada se defronta (o que só se poderia fazer na hipótese de princípio), mas sim, verificar qual das regras precedentes está valendo e governa o caso vinculado. Esse entendimento, como bem demonstra Ávila, embora tentador merece ser repensado, pois é possível ao que acrescentamos e mesmo é comum que duas regras possam entrar em conflito sem que percam a sua validade e a solução do conflito depende de uma ponderação e, conseqüentemente, flexibilização das regras. O exemplo do autor bem explicita a situação.120 “(...) uma regra do Código de Ética Médica determina que o médico deve dizer para seu paciente toda a verdade sobre sua doença, e outra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios disponíveis para curar o paciente. Mas como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao paciente sobre sua doença irá diminuir as chances de cura em razão do abalo emocional daí decorrente? O médico deve dizer ou omitir a verdade? Casos como esse não só demonstram que o conflito entre regras não é necessariamente estabelecido em nível abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre normalmente com os princípios.”

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Em uma situação como a descrita, supondo-se que as regras decorressem de criação judicial, é plenamente possível, em existindo no caso concreto o conflito, limitar a regra mais ampla que impõe o dever de “dizer toda a verdade ao paciente sobre sua doença”, para, por exemplo, se chegar a uma outra nesses termos “dizer a verdade ao paciente sobre sua doença até o nível em que não ponha em risco ou reduza suas chances de cura”. Nessa hipótese, nenhuma das prévias regras foi invalidada e, também, não se pode falar que a corte vinculada abandonou o precedente.

6.3.2. Limitando a regra com base em claro e inadvertido erro A adoção do efeito vinculante tem por substrato axiológico a promoção de valores essenciais de qualquer coletividade juridicamente organizada, dentre os quais avultam o da igualdade e da legalidade (segurança jurídica). A defesa desses valores postula a presença de coerência e consistência nas decisões judiciais. Ocorre que essa coerência exigida pelos princípios não é uma coerência cega, abstrata, absoluta e incondicional. O respeito a esses dois valores não demanda – e em verdade até mesmo repele – uma coerência com o desatino ou a inadvertência. O mundo normativo, apesar de regido por uma relação que lhe é peculiar – relação de imputação – a possibilitar que a um determinado antecedente se impute o conseqüente desejado, não pode ser interpretado como totalmente despregado do mundo fenomênico regido por uma relação de causa e efeito. A racionalidade do mundo normativo é, ou deve ser moderada, para permitir uma contínua adequação da razão humana ao desenvolvimento histórico da humanidade. Por isso, a coerência exigida pelos princípios da igualdade e da legalidade é uma coerência com princípios de justiça públicos mais abrangentes daquela coletividade.121 Nesse sentido, se a corte vinculada de forma objetiva (e não subjetiva) verifica que a regra vinculante é excessivamente abrangente e esse excesso decorreu de um claro e inadvertido erro da corte vinculante quanto a um aspecto de fato ou de direito relevante para a justificação da regra, pode reduzir seu âmbito de aplicação. Quando se diz que essa verificação deve ser feita objetivamente, quer se fazer referência

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às características do erro que justifica a limitação da regra que são: clareza e inadvertência. Erro claro significa aquele erro que pode ser detectado imediatamente, de forma auto-evidente, das próprias circunstâncias objetivas que circundam o litígio sem qualquer margem para apreciação subjetiva. Por exemplo, a corte vinculada, estando de posse dos dados pessoais das partes, afirma que o autor não possui a idade X que legitima sua pretensão, quando a certidão de nascimento comprova que ele possui. O erro é claro e pode ser aferido objetivamente. O erro é inadvertido quando a corte vinculante não ponderou razões contra ou favor sobre um determinado aspecto de fato ou de direito que ela mesma considerou relevante para a elaboração da regra que governa o resultado do caso. Por exemplo, a corte firmou a regra baseada em uma lei que teria sido parcialmente revogada por outra posterior. A corte inadvertidamente não atentou para a existência da lei revogadora e sobre ela não se pronunciou. Presente a hipótese, é lícito à corte vinculada reduzir o âmbito normativo da regra vinculante. Diferentemente é a hipótese da corte vinculante ter se manifestado sobre a lei posterior, mas “equivocadamente” entendido que ela não revogou a lei anterior. Nessa hipótese, o “erro” (se é que se pode chamar de erro) foi advertido e, portanto, a corte vinculada não pode limitar a regra vinculante, porque em tal hipótese a análise sobre a existência ou não do erro passa por um componente subjetivo. Nessas hipóteses, é fácil verificar que a decisão da corte vinculada que restringe ou limita regra anteriormente fixada é compatível com a exigência de vinculação com o decidido pelas cortes superiores. Basta relembrar a prática dos nossos tribunais de conceder efeitos modificativos aos embargos de declaração, que normalmente não os tem, quando em decorrência desses erros claros (erros materiais) e inadvertidos (omissão no julgado) decorrer a modificação do resultado e da regra que o governa. Nenhum operador do direito dirá – e que se saiba nenhum até hoje o fez – que a corte ao modificar o julgado agiu de forma incoerente e inconsistente.

6.3.3. Limitando a regra em situações que a corte vinculante claramente não queria que fossem abrangidas pela regra fixada Semelhantemente à primeira hipótese analisada – subitem 6.3.1. – esta situação também pode ser referenciada à apontada distinção entre regras e princípios, agora apreciada sob o critério do modo final 251

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de aplicação. Sob esse ângulo, as regras se distinguiriam dos princípios porque, enquanto estes na sua aplicação permitiriam a flexibilização de seus comandos permitindo uma aplicação gradual mais ou menos, aquelas seguiriam um modo de aplicação absoluto tudo ou nada.122 Uma outra forma de transmitir a mesma mensagem é que a aplicação dos princípios segue a lógica do razoável, enquanto que a aplicação das regras segue a lógica do racional, característico da lógica formal abstrata do positivismo jurídico. Esse pensamento que permeia o inconsciente coletivo dos operadores do direito merece ser reformulado. Já afirmamos alhures que toda atividade estatal para ser constitucional deve ser razoável.123 Assim, a adjudicação judicial no que se refere à aplicação de regras deve seguir a lógica do razoável. Um exemplo124 pode aclarar melhor a hipótese: Lei federal instituiu um programa de pagamento simplificado de tributos – o SIMPLES – para beneficiar e possibilitar o desenvolvimento das micro e pequenas empresas nacionais, definidas com base em seu faturamento anual. A mesma lei vedou o ingresso no programa de empresas que importassem produtos estrangeiros e determinou a exclusão do programa se essa circunstância fosse constatada. Proposta ADI, por exemplo, ao fundamento de violação à isonomia por vedar o acesso ao programa as micro e pequenas empresas importadoras, o Supremo Tribunal Federal declara, com efeito vinculante, a constitucionalidade da lei ao fundamento de que o fim da norma é estimular a produção nacional das pequenas empresas, o que justifica o tratamento diferenciado. A regra específica que governa o caso é “empresa que importar mercadorias não pode ingressar no SIMPLES e se já participar do programa dele será excluída”. A seu turno, a rationale é “o programa SIMPLES é um programa de estímulo à produção nacional das micro e pequenas empresas”. O caso atual que se apresenta para a corte se refere a uma pequena fábrica de sofás que importou uma única vez quatro pares de pés de sofás e, portanto, foi excluída do SIMPLES. Dentro de uma interpretação razoável e não meramente racional e mecânica, a corte vinculada pode limitar o âmbito de incidência da regra fixada na ADI vinculante, pois a rationa-

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le que fundamenta a regra vinculante e a ela adere, não exige a aplicação de seu comando nessa hipótese extraordinária e anormal. Essa é uma forma de limitação da regra quando ponderada com as próprias razões que a originaram, o que levanta sérios questionamentos. Se no modelo normativo as razões da regra podem limitar seu âmbito de aplicação, qual a diferença entre esse modelo e o modelo centrado no resultado ou mesmo o modelo minimalista que claramente aceitam esse tipo de limitação? Nesse passo é necessário se esclarecer o que se entende por “razões”. Para o modelo centrado no resultado, os fatos da lide sozinhos nada representam. A relevância dos fatos só é reconhecida pela participação deles nas razões que a corte aderiu para adotar a regra que irá governar a decisão do caso. Assim, para encontrar os fatos materiais da decisão que irão determinar quais são os fatos relevantes do caso subseqüente e se eles apontam com maior ou menor intensidade para o resultado incorreto do caso precedente, é necessário responder as seguintes perguntas: Por que esses fatos são importantes? O que em termos de política, moralidade, decisões passadas, necessidades sociais, utilidade, história etc... leva a corte a decidir com base nesses fatos dessa maneira?125 Respondidas essas questões, encontra-se então aquele conjunto de princípios com seus respectivos pesos conferidos quando da ponderação dos diversos fatores na tomada de decisão e formulação da regra legal do caso. Encontradas as razões que justificam a decisão (e a regra do caso), na hipótese de existir conflito entre esta e aquelas, o modelo centrado no resultado permite que se reduza o âmbito de incidência da norma, sem que se fale em desrespeito à decisão precedente. Os casos relativos a estrangeiros poderiam dar um bom exemplo dessa possibilidade. Em várias decisões a suprema corte americana afirmou expressamente que discriminações contra estrangeiros estariam submetidas a um controle judicial mais rigoroso, pelas razões também expressas de que os estrangeiros são uma categoria insular e reduzida.126 Nada obstante, embora não expressa na decisão vinculante, poderia uma corte subseqüente pesquisar e encontrar uma razão ou princípio moral mais abrangente que aquele expresso nas prévias decisões, por exemplo, o

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de que “é fundamentalmente injusto punir indivíduos na base de características sobre as quais eles não têm controle”. A característica de ser estrangeiro claramente se enquadra nessa categoria. Assim, essa razão moral mais abrangente justifica a razão moral expressa na decisão precedente. Adote-se, agora, o seguinte exemplo. Uma lei limita o acesso a bolsas de estudo fornecidas pelo Estado apenas aos nacionais e aos estrangeiros que tivessem requerido sua nacionalização ou, se no momento da concessão da bolsa não tivessem preenchido os requisitos para requerer a nacionalização, assinassem uma declaração se comprometendo sob quaisquer que fossem as sanções, a requerer a nacionalidade quando preenchesse os requisitos exigidos. Um estrangeiro possuidor dos requisitos para requerer a nacionalização, mas sem querer fazê-lo, propõe uma ação alegando que, na esteira de casos precedentes, essa lei, por discriminar estrangeiros, está submetida ao controle judicial mais rigoroso em cujo nível é manifestamente inconstitucional. A regra firmada nos precedentes judiciais foi: “leis que discriminam estrangeiros estão submetidas a um controle judicial mais rigoroso”. A corte vinculada concorda com o resultado dos casos precedentes, mas não com sua regra, que entende demasiadamente abrangente. Com base nas razões mais amplas já mencionadas, entende que os fatos relevantes apontam com menor intensidade para o mesmo resultado dos precedentes e restringe a norma anteriormente firmada para, por exemplo: “leis que discriminem estrangeiros com relação a características sobre as quais eles não possuam controle, estão sujeitas a controle judicial mais rigoroso”. Feito isso, pode decidir contrariamente aos precedentes citados sem que se possa falar de infringência à doutrina vinculante e reforma dos precedentes mencionados. Esse recurso a “razões mais amplas” que as expressamente acolhidas pela corte vinculante não é possível de ser feito no modelo normativo. Se as razões da regra podem, excepcionalmente, limitar a própria regra, essa limitação precisa se referir a situações que a corte expressamente não queria fossem abrangidas por sua regra e não a situações encontradas através de recursos a razões morais mais amplas não reconhecidas na decisão vinculante. Mas como reconhecer essas situações? Uma resposta, acredito, pode ser encontrada no critério de distinção entre regras e princípios quanto ao modo de aplicação (tudo ou nada e mais ou menos) após a sua reformulação ou talvez refinamento levado a efeito por Ávila. Para o autor, tanto a aplicação dos princípios quanto das regras, apesar de seus comandos gerais e abstratos, permitem a consi254

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deração de aspectos concretos e individuais quando de sua aplicação, embora com importantes diferenças: “No caso dos princípios, essa consideração de aspectos concretos e individuais é feita sem obstáculos institucionais, na medida em que os princípios estabelecem um estado de coisas que deve se promovido sem descrever, diretamente, qual o comportamento devido. O interessante é que o fim independe da autoridade, funciona com razão substancial para adotar os comportamentos necessários a sua promoção...Já no caso das regras, a consideração a aspectos concretos e individuais só pode ser feita com fundamentação capaz de ultrapassar a trincheira decorrente de que as regras devem ser obedecidas. É a própria regra que funciona como razão para adoção do comportamento...a autoridade proveniente da instituição e da vigência da regra funciona como razão de agir.”127 Nesse sentido, a regra estabelecida no precedente funciona de per si como razão de agir, como razão substancial para adotar os comportamentos que determina, de modo que não pode ser limitada por razões a ela externas. Em conclusão, modelo normativo só admite que a regra seja limitada por suas próprias razões e não por outras razões mais abstratas ou amplas, de sorte que essas razões precisam vir, como no exemplo supracitado relativo ao SIMPLES, expressas na própria decisão vinculante. Se a corte vinculada abandona as razões expressamente estatuídas na decisão vinculante integrantes da regra legal que governou a decisão precedente e adota outras razões mais amplas, ainda que possam ser vistas como razões maiores das quais se originam as razões expressas, a corte vinculada cai ou no modelo centrado no resultado ou no modelo minimalista dependendo do grau de abstração das razões adotadas para limitar a regra. O modelo normativo moderado (o absoluto não permite qualquer limitação) é compatível com a limitação da regra quando, no caso concreto ela se mostre conflitante com suas próprias razões, dado que a corte vinculante admite a limitação da norma por ela fixada quando diante de tais situações que refogem do âmbito normal de sua aplicação. Isso se explica porque a regra de criação judicial tal qual a regra legislativa é feita por home-

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ns e, portanto, se destina a regular condutas em situações normais e paradigmáticas. Diante de situações anormais que ela, pela sua generalidade, não poderia prever, deve ser flexibilizada pelo juiz para adaptar-se àquela específica situação que foge dos padrões de normalidade, afastando-se o menos possível das prescrições legais.

6.3.4. Ampliando a regra fixada no precedente em razão de um desenvolvimento posterior do direito Diferentemente das hipóteses anteriormente analisadas, o modelo normativo aceita sem maiores dificuldades uma decisão da corte vinculada que modifique a regra fixada no precedente, ampliando seu alcance.128 Com efeito, se a regra fixada no precedente afirmar, presentes os fatos F1, F2, F3, então decida por R, a corte vinculada diante de um caso subseqüente em que estão presentes os fatos F1, F2, F3, e F4, decidir estender a regra, que passará abranger também a nova hipótese que surge com o acréscimo do fato F4, não se pode falar que abandonou o precedente, na medida em que sua decisão e o princípio que a suporta podem ser conciliados com a decisão precedente, pois ela se insere no âmbito da nova regra mais ampla. É que, como visto, para o modelo normativo, a questão da vinculação ou não das cortes inferiores só assume relevância quando o caso posterior se insere no âmbito normativo do precedente. Essa não é, de

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regra, a hipótese de ampliação da regra, via procedimento analógico, para abranger uma outra situação que não se inseria no âmbito normativo da regra. Assim, não há que se falar em modificação da regra vinculante, mas sim, sua extensão analógica. Nada obstante, em raras e específicas circunstâncias, a ampliação da regra do precedente pode implicar em sua modificação. Se a regra fixada no caso vinculante possuir a seguinte estrutura: se presentes apenas os fatos F1, F2, F3, então se decida por Fd, a ampliação da regra para abranger também o fato F4 é, em verdade, revogação do caso precedente. Nessa hipótese, a ampliação da norma só será possível se houver algum desenvolvimento no direito que permita, em virtude da mudança nos padrões jurídicos, incluir o fato novo que era expressamente excluído pela regra anterior. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal quanto a sua competência para processar e julgar o Advogado-Geral da União exemplifica essa hipótese. Em 08 de agosto de 2000, o Supremo Tribunal Federal, na petição o n 2.084, declinou de sua competência para processar interpelação requerida em desfavor do Advogado-Geral da União. Ao embasar sua decisão, o Ministro Sepúlveda Pertence, com base no precedente firmado no AgRPet 1199 (RTJ 169/885), argumentou que a aferição de quais são os ministros de estado para efeitos constitucionais de reconhecimento de foro privilegiado, deveria ser feita à luz da lei ordinária que venha a dispor sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública. À época de decisão, referido instrumento normativo não contemplava o Advogado-Geral da União. Em conseqüência, o Supremo Tribunal Federal reconheceu sua incompetência para processar a interpelação. Menos de um mês após, em 06 de setembro de 2000, o Supremo Tribunal Federal foi confrontado com a mesma questão no julgamento do inquérito n o 1.660-8,129 que tratava de uma queixa crime em desfavor do Advogado-Geral da União. No julgamento do citado inquérito, o Ministro Sepúlveda Pertence apontou alteração normativa superveniente, em virtude de reedição da medida provisória no 2.049, que em 28 de agosto de 2000, incluiu em seu parágrafo único o Advogado-Geral da União, conferindo-lhe o título de Ministro de Estado. Diante da legislação superveniente, a Corte, então, modificou sua decisão precedente e afirmou a sua competência para processar a queixa crime. Assim, a regra anterior que excluía o foro de prerrogativa de função perante o STF para o

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Advogado-Geral da União, em virtude de desenvolvimento posterior do direito vigente, foi modificada para, ampliando seu âmbito normativo, incluir a referida autoridade.

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Capítulo 6 A Mudança na Doutrina Vinculante

1. Introdução O direito deve ser estável, porém, não pode ser estático. Por isso, todo o pensamento sobre o direito tem lutado para reconciliar as tensões decorrentes da necessidade de estabilidade e a necessidade de mudança.1 Esse dilema sintetiza o problema básico de qualquer sistema legal. Todas as leis oscilam entre as demandas da certeza jurídica, que exigem firmes e confiáveis guias de conduta fornecidos pela autoridade legal e as demandas de justiça, que exigem que a solução de um caso individual seja eqüitativa e conforme aos ideais e concepções de justiça que imperam em uma determinada coletividade. Todo sistema jurídico que postule legitimidade deve buscar uma solução de compromisso entre esses dois fins do direito; deve, portanto, balancear rigidez com flexibilidade. Com relação ao instituto do efeito vinculante a situação não é diversa. As pessoas confiam em decisões judiciais pretéritas no sentido de que elas tomam decisões e investem recursos baseados nelas. Os membros de uma comunidade formalizam contratos com base na expectativa de que regras legais certas e definidas serão aplicadas a eles e regularão seus efeitos jurídicos. Se as pessoas são obrigadas a cumprir as leis sob pena de sanções, inclusive de ordem física, e não podem se escusar ao seu cumprimento sob alegação de desconhecimento da norma, o mínimo que o Estado está obrigado a fazer é tornálas o mais transparente e cristalinas possíveis. É fácil imaginar o caos social, como seria injusta uma sociedade e quão difícil nela seria a vida, se não houvesse um certo nível de certeza e uniformidade relativamente a assuntos da vida cotidiana como esses mencionados. Essa uniformidade, coerência e consistência do sistema jurídico se aplica com igual intensidade nas decisões judiciais.

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Por outro lado, a adoção do princípio de que as cortes judiciais, inclusive a própria corte prolatora da decisão, devem necessariamente seguir o que ficou decidido em casos anteriores não pode, a pretexto de proteger o ideal da segurança jurídica, significar que a doutrina judicial uma vez fixada não poderá mais ser alterada. O conservadorismo absoluto que faria o exemplo de hoje a inexorável regra de amanhã para evitar o embaraçoso, mas desejável, confronto das diversidades de pensamento e práticas que pertencem a seres livres, racionais e imperfeitos, engessaria a sociedade em um rígido molde de um direito imutável e implicaria na indesejada opção política de que as gerações futuras seriam governadas pelos seus mortos, impedindo a necessária adaptação das regras legais às dinâmicas exigências sociais de justiça. O mundo social muda e as regras legais precisam se adaptar a essas mudanças. O direito não pode ser absolutamente estático. Assim, em algum momento, precedentes devem ser abandonados ou pelo menos evitados. Isso não significa negar a necessidade de estabilidade nas decisões judiciais, apenas demonstrar seus limites. Se se quer conferir algum valor ao instituto do efeito vinculante e, conseqüentemente, ao princípio da segurança jurídica, as demandas de justiça também não podem significar que a doutrina vinculante pode ser alterada toda vez que uma corte subseqüente entender que a decisão precedente não é a mais adequada. Com efeito, se as regras legais de criação judicial fixadas no caso precedente puderem ser modificadas quando suas conseqüências forem vistas como inconsistentes com valores morais e políticos considerados melhores ou mais corretos, então essas regras não contêm nenhum dever autoritativo de obediência. Se essas regras fixadas nas decisões vinculantes estiverem sempre sujeitas a modificações toda vez que o caso subseqüente aparenta indicar um desejo de modificação da regra precedente, então o efeito vinculante não possui qualquer força normativa. Em outras palavras: as regras de criação judicial não podem, em última instância, serem consideradas como verdadeiras regras. Acolhida esta outra tese extrema, as regras fixadas nos casos precedentes não poderiam ser consideradas regras normativas senão que meras regras de experiência. A solução há de ser encontrada em seu termo médio. Regras legais e regras de experiência não se confundem e não se equiparam. Semelhantemente, a decisão baseada em precedente não se confunde nem se equipara a decisão fundada em experiências pretéritas, embora comunguem da mesma característica de utilização de 260

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um fato passado na estruturação da decisão. Nessa singular característica – utilização do passado – se exaure a similitude entre a argumentação baseada em precedentes e a argumentação fundada em regras de experiência. Esta última é mais ampla que aquela, na medida em que o passado pode ser utilizado para vários propósitos e apenas alguns deles se utilizam de decisões precedentes como apoio e justificação para obtenção no presente do mesmo resultado alcançado no passado. Dois exemplos podem ajudar a demonstrar essa variância no uso do passado quando se trata de argumentar e decidir com base na experiência: a) quando um bebê começa a engatinhar e pela primeira vez vê uma tomada elétrica pode, em virtude de sua natural curiosidade, colocar o dedo nela e sofrer um choque elétrico. Entretanto, ao identificar no presente outra tomada elétrica, ele provavelmente evitará colocar seu dedo novamente nela, pois já descobriu no passado, o perigo dessa ação; b) quando um médico verifica novamente no presente os mesmos sintomas que no passado ele identificou como indicativos de uma certa doença ele, confiando na sua experiência pretérita, provavelmente diagnosticará o atual paciente como portador daquela mesma doença e lhe prescreverá o mesmo tratamento médico. Agora, se entendemos por efeito vinculante a obrigatoriedade das cortes vinculadas tratar da mesma maneira o caso atual e o caso precedente, vemos a nítida distinção entre argumentar com base em precedentes e argumentar com base em experiência. Ambos os exemplos acima argumentaram com base em fatos passados, mas apenas o exemplo “b” seguiu a lógica da argumentação baseada em precedentes. Essa constatação bem demonstra que quando se decide com base na experiência passada, “os fatos e conclusões do passado só têm relevância no que eles nos ensinam sobre o presente. A probabilidade de que o presente será como o passado determina e exaure o valor da experiência prévia”.2 Assim, tal como ocorre com a criança que tomou o choque ao inserir o dedo na tomada, ao raciocinarmos com base na experiência, se consideramos que a prévia decisão foi incorreta, nós simplesmente a rejeitamos e decidimos contrariamente. Diversamente ocorre se argumentarmos com base em precedentes. Em tal hipótese, a decisão passada traz embutida uma presunção de correção, de sorte que, só o fato daquela decisão anterior existir, exerce influência na atual decisão a despeito de nossa crença que a decisão precedente foi errada. Como explicitou Schauer:

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“Se precedente possui algum significado, uma decisão anterior agora considerada errônea ainda afeta a atual decisão simplesmente porque é anterior, e assim, um argumento extraído de um precedente funciona substancialmente como um argumento extraído de uma regra. Como um argumento derivado de uma regra fornece uma razão independente para o fato de que um resultado é indicado por aquela regra, assim também um argumento derivado de um precedente fornece uma razão independente para um resultado semelhante ao alcançado no passado.” Nesse sentido, a mudança na doutrina vinculante demanda, para além da crença da corte subseqüente de que a decisão anterior foi errada, a presença de outros valores sociais que justifiquem seu abandono. Em virtude da doutrina vinculante um precedente judicial deve ser seguido, a menos que existam razões suficientemente fortes para assim não proceder. Mas, quais razões ou princípios são esses? É o que se passa a analisar.

2. Razões que legitimam a mudança na doutrina vinculante A afirmação de que o efeito vinculante importa na assunção da regra de que os precedentes devam ser seguidos a menos que existam razões suficientemente fortes para não fazê-lo, abre uma margem muito ampla de discricionariedade judicial. O que se pode entender por razões suficientemente fortes? Essa expressão pode possuir significados quase que ilimitados. Pode-se, por exemplo, considerar que tais razões estão presentes quando existem poucos casos anteriores que contam como precedente, ou quando as razões justificadoras do precedente são cristalinamente injustas ou más; ou quando o precedente foi apenas raramente seguido pelo juízes que, em virtude da técnica de distinção, afastaram reiteradamente sua aplicação, ou ainda quando a inteira situação social e econômica que lastreava a decisão anterior tenha sido radicalmente alterada etc. Um grande número de autores tem procurado, através da análise descritiva da atuação das cortes superiores, elaborar e classificar certas técnicas, cujo objetivo seria o de possibilitar a previsão e sistematizar as hipóteses nas quais uma corte superior poderia alterar sua 262

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doutrina vinculante. Nesse desiderato, Lindel Prott3 formulou, embora não exaustivamente, cerca de 15 tipos de argumentos utilizados pelas cortes superiores australianas, tanto a favor, como contra a mudança da doutrina vinculante. Eis a síntese do autor. Argumentos para abandono da doutrina: 1) em regra, o precedente deve ser reputado errado; 2) o precedente causa uma óbvia injustiça; 3) o precedente não representa mais uma boa política pública; 4) circunstâncias se alteraram desde que o caso precedente foi decidido; 5) o parlamento legislou sobre o assunto e modificou o entendimento do tribunal sobre o tema; 6) o precedente se refere a uma questão mais abrangente; 7) é uma decisão recente; 8) é uma decisão antiga; 9) o precedente está impedindo o desenvolvimento do direito; 10) a regra fixada no precedente é mais processual do que substancial; 11) o precedente tem conduzido a uma série de distinções muito detalhistas com o que aumentou a incerteza do direito; 12) o precedente é constitucional e a decisão não decorre de manifestação da corte superior; 13) a decisão decorreu de um claro erro ou está em conflito com outras decisões ou princípios já pacificados; 14) a composição da corte mudou; 15) a decisão foi posteriormente utilizada pelo Poder Legislativo para ameaçar o equilíbrio da Constituição. Argumentos a favor da doutrina vinculante: 1) O precedente não é errado; 2) revogar o precedente ameaçaria a certeza nessa área do direito; 3) acordos comerciais, financeiros e fiscais foram feitos com base no precedente; 4) revogar o precedente estimularia litigantes freqüentes4 a rediscutir teses já julgadas em seu desfavor; 5) o parlamento legislou sobre o assunto e não mudou a orientação do tribunal; 6) revogar o precedente reabriria muitas questões já pacificadas com base no precedente; 7) é uma decisão recente; 8) é uma decisão antiga; 9) o precedente se refere a uma questão que é de iniciativa exclusiva do parlamento; 10) existe uma forte divergência na opinião judicial e ambos pontos de vista são defensáveis; 11) o precedente se refere a uma interpretação de um texto legislativo; 12) o precedente se refere a um caso criminal; 13) o

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precedente é parte de uma série de decisões, mais de uma já reafirmadas; 14) a decisão considerou uma legislação válida e aquela legislação influenciou os atos de seus destinatários; 15) o caso foi inteiramente argumentado do mesmo modo que na corte precedente. A análise isolada desses argumentos, embora possua alguma utilidade, não fornece guias seguros para a superação do impasse que surge da tensão entre estabilidade e flexibilidade, mesmo porque muitos deles se anulam mutuamente ou são utilizados com igual força a favor ou contra o abandono do precedente v.g., os de números 7 e 8. Essa circunstância permitiria inferir-se que o abandono da doutrina vinculante é uma arbitrária opção das cortes que podem se valer dos mesmos argumentos, tanto para seguir, quanto para abandonar os precedentes. Essa conclusão, porém, levaria ao caos e desarmonia e não à uniformidade e previsibilidade; logo, não pode ser admitida. Ademais, a despeito da grande margem de liberdade que o termo “razões suficientemente fortes” pode conferir, as cortes ordinariamente fundamentam suas decisões em regras e princípios jurídicos, argumentos esses considerados racionais e razoáveis. Assim, uma decisão que abandona ou parcialmente se afasta de um caso vinculante, como qualquer outra decisão judicial, deve ser justificada em bases principiológicas razoáveis e não com base em manifestações de vontade subjetivas e individuais o que poderia, a longo termo, produzir situações não controláveis racionalmente, com o conseqüente enfraquecimento da legitimidade das decisões judiciais. O expurgo de componentes exclusivamente subjetivos na apreciação da cláusula aberta “razões suficientemente fortes”, já representa um grande limite à possibilidade das cortes superiores abandonarem seus próprios precedentes. Daí porque é de ser deplorada a possibilidade de mudança de doutrina vinculante pela simples e única razão de alteração da composição da corte. A situação seria “intolerável se mudanças na composição das cortes fossem acompanhadas de mudanças em suas decisões”.5 Uma corte que arbitrariamente desconsidera um precedente enfraquece sobremaneira o simbolismo encarnado no ideal da certeza do direito. “Essa seria uma corte que muda o direito à medida que seus membros mudam, que não sente qualquer lealdade institucional, que não respeita minimamente seus predecessores, e que

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exerce seu poder sem considerar as necessidades mais gerais do sistema legal relativas à estabilidade, consistência e imparcialidade. A deferência a esses objetivos mais amplos significa que alguns ‘insensatos’ precedentes devem ser seguidos e que não é qualquer ‘diferença de opinião’ que deve conduzir a uma mudança no direito”.6 Essa atitude está refletida na opinião afirmada em Fitzleet Estates Ltd v. Cherry, onde se requeria o abandono de precedentes vinculantes ao simplório argumento de terem sido decididos erradamente. Em seu voto, assim se pronunciou Lord Wilberford: “Nada poderia ser mais indesejável, de fato, do que permitir aos litigantes, após uma decisão ter sido dada por esta Casa de modo definitivo, retornar a esta Casa na esperança de que um diferente conjunto de membros possa ser persuadido a aceitar uma solução que seus predecessores rejeitaram. É verdade que a decisão anterior foi dada por maioria de votos: Eu não discuto sobre sua correção ou sobre a validade de sua justificação. Que havia duas soluções razoavelmente possíveis é demonstrado pelo dissenso dos membros da Casa. Porém, sem sombra de dúvida, questões têm que ser resolvidas e o direito não conhece melhor maneira de resolvê-las do que através de uma opinião majoritária de um tribunal superior. Exige-se muito mais do que dúvidas quanto à correção de tais opiniões para justificar-se seu abandono.”7 Como uma simples diferença de opinião quanto à justiça ou injustiça, correção ou incorreção da decisão precedente, em virtude do dever de deferência aos valores decorrentes do princípio da certeza jurídica, não pode ser razão suficientemente forte para que se ignore o progresso humano derivado da adoção de regras e se desconsidere o direito dos outros que derivam da observância uniforme dessas mesmas regras, o sentido da locução “razões suficientemente fortes”, só pode haurido através de uma casuística e cuidadosa ponderação entre as exigências derivadas da necessidade de adoção de boas políticas sociais e as demandas da segurança jurídica. O resultado dessa ponderação pode conduzir a uma total (overruling) ou parcial (overriding)

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invalidação do precedente. A seguir, serão analisadas essas possibilidades e os princípios legitimadores sobre as quais elas se estruturam.

2.1. A completa invalidação da doutrina vinculante (overruling) Classicamente o overruling tem sido entendido não como uma mudança no direito estabelecido, mas como a correção de um erro. Essa visão está ligada à superada idéia de que as cortes apenas interpretam, reconhecem e declaram um direito preexistente. Essa visão é muito restritiva e não corresponde ao real espectro de atuação das cortes judiciais, por isso mesmo já se encontra há muito abandonada embora, como resquício, permaneça como um fantasma a idéia de que o princípio invalidado nunca foi o direito. Como visto linha atrás, a mera alegação de um erro não é suficiente para o abandono do precedente. Isso não significa dizer que as cortes judiciais não erram. É claro que cometem erros, afinal são compostas por seres humanos falíveis por natureza. O que se quer dizer é que decisões erradas têm um papel menor nas mudanças no direito de criação judicial. Se a demonstração de um “erro” não justifica a modificação na orientação firmada pelo tribunal, o que justifica a alteração do significado do “efeito vinculante” que, em uma primeira leitura, simplesmente obriga as cortes seguirem decisões passadas que são similares, para aqueloutro que afirma que isso deve ser feito a menos que existam boas razões para não fazê-lo? A resposta só pode ser corretamente apreendida quando se abandona a teoria declaratória do direito e se reconhece às corte judiciais o poder de criar o direito. Se os tribunais podem criar direito ou, o que é uma tese mais débil, prolatam decisões das quais o direito emerge, então não há nenhuma dificuldade em reconhecer o seu poder de mudar as regras que por eles foram estabelecidas anteriormente. Nesse sentido, se o overruling nada mais é do que uma decisão que cria (ou da qual emerge) uma regra que invalida outra regra anteriormente firmada, embora aparentemente pareça ser uma decisão radicalmente revolucionária, a mudança não é, no final das contas, “totalmente revolucionária, pois é feita por oficiais dentro do sistema que têm autoridade para decidir casos de acordo com a razão”.8 Assim,

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como processo decisório, a decisão que invalida um princípio anteriormente firmado é comparável à decisão que firmou o referido princípio e, portanto, como outras formas de decisão, é governada por princípios institucionais. O princípio básico de overruling, como definiu Eisemberg,9 pode ser formulado da seguinte maneira: A doutrina vinculante deve ser invalidada se, concomitantemente a) não satisfaz mais as exigências de congruência social e consistência sistêmica e b) os valores que legitimam o efeito vinculante, tais como proteção de justificável confiança, defesa contra injusta surpresa, previsibilidade, isonomia etc. ..., não são melhor servidos pela preservação do que pela sua invalidação. De regra, essas duas condições são encontradas nas seguintes hipóteses a seguir analisadas: i) a doutrina está obsoleta e desfigurada, ii) a doutrina é absolutamente injusta e/ou incorreta e iii) a doutrina se revelou inexeqüível na prática.

2.1.1. Doutrina obsoleta e desfigurada O princípio institucional que guia a completa invalidação da doutrina vinculante tem integral aplicação naquelas hipóteses em que a substituição de uma regra antiga anterior por uma nova tomou a forma de uma lenta, mas persistente e reiterada, erosão daquela, a ponto de torná-la essencialmente desfigurada. O direito se desenvolve pelo equilíbrio de uma dupla exigência, uma de ordem sistemática que demanda a elaboração de uma ordem jurídica consistente e outra de ordem pragmática, que implica na busca de soluções aceitáveis pelo meio social em que se inserem, porque conforme ao que lhe parece justo e razoável. Ocorre que o desenvolvimento e aperfeiçoamento do direito não são causados unicamente pela descoberta e exclusão de erros passados, mas também e, acrescento ainda, principalmente pela adoção de novos pontos de vistas. A necessidade de repensar, de reavaliar velhos valores para ajustá-los a condições mutáveis – tão vital em todas as áreas das atividades humanas – aplica-se igualmente ao direito. Uma das formas de operacionalizar essa reavaliação é exatamente a invalidação de valores ultrapassados (overruling). Uma excelente ilustração dessa hipótese pode ser vista na evolução jurisprudencial sobre a responsabilidade civil das instituições de caridade americanas.

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No início do século passado vigorava nos Estados Unidos a regra de que as instituições de caridade e seus representantes eram imunes à responsabilidade civil por danos causados aos seus beneficiários diretamente ou através de seus funcionários. As principais razões que sustentavam essa regra podiam assim ser resumidas: a) a utilização para pagamento de indenizações, de recursos dos fundos para caridade violaria os objetivos em razão dos quais eles foram obtidos; b) o princípio da responsabilidade subsidiária dos dirigentes era aplicável apenas às instituições lucrativas; c) os beneficiários de uma instituição de caridade renunciavam a indenização ou assumiam os riscos de sofrer danos; d) impor a responsabilidade civil por danos às instituições de caridade dissiparia seus fundos financeiros, privando os pobres e o público em geral dos benefícios assistenciais e ainda desestimularia contribuições para caridade.10 Essas razões expressamente firmadas nos casos precedentes, nada mais eram do que um reflexo da situação social vigente à época em que os casos foram decididos e a doutrina estabelecida. Em síntese, a realidade social da época convivia com benefícios assistenciais prestados por instituições pequenas e fracamente organizadas que não seriam economicamente viáveis se tivessem que absorver os custos de reparações por danos causados na prestação de seus serviços. Ademais, em uma época onde programas de bem estar social públicos eram raros e esparsos, a manutenção dessas instituições era essencial para o bem estar da comunidade. Por tais motivos, considerava-se justo e razoável que, excepcionalmente, algumas pessoas sofressem danos sem reparação a fim de evitar que uma comunidade inteira fosse privada desses serviços considerados essenciais. Nesse ambiente socioeconômico-cultural, a propositura de ações judiciais por parte de quem se beneficiou da caridade era, inclusive, considerada uma grave forma de ingratidão. Essa situação fático-social havia se alterado profundamente em meados do século passado. As instituições de assistência social, em sua maioria, tinham se transformado em grandes e bem organizadas instituições burocráticas, freqüentemente administradas por executivos profissionais bem remunerados, atuando da mesma forma que os executivos de empresas lucrativas, com a única diferença de que não responderiam pelos danos que causassem aos beneficiários de seus serviços. Ao invés de pequenos hospitais em pequenas cidades, o paradigma dessas instituições passou a ser grandes complexos médi-

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cos urbanos com orçamentos de dezenas ou centenas de milhões de dólares. Nessa realidade, a contratação de apólices de seguro de responsabilidade civil, agora amplamente disponível, passou a ser apenas mais um custo ordinário da atividade assistencial. Ao mesmo tempo, o Estado passou a intervir mais na sociedade, buscando reduzir as desigualdades sociais através da adoção de massivas ações de bem estar social, o que, juntamente com o desenvolvimento do mercado de previdência privada, tornou a sobrevivência de uma ou outra instituição de caridade menos essencial para a coletividade.11 Em conseqüência, a doutrina anteriormente firmada perdeu a sua coerência social, já que não mais representava a realidade sócio-econômica da coletividade. Em razão dessa incoerência, os padrões morais que até então sustentavam a doutrina também se alteraram. Diante da nova realidade já não se considerava justo que poucos sofressem danos em benefícios de muitos, pois suportar tal dano não era mais necessário. A visão prevalente passou a ser de que toda empresa, pública ou privada, lucrativa ou não, deveria responder pelos danos causados por seus empregados, principalmente quando a empresa ostentava uma posição que a permitia, via contratação de seguros de responsabilidade, a repartição desse ônus e o indivíduo prejudicado não. Reclamar por danos causados na prestação de serviços assistenciais deixou de ser ingratidão e passou a ser considerado regular exercício de um direito. O resultado dessa alteração na realidade social e nos padrões de justiça foi uma crescente e espraiada crítica à doutrina então firmemente estabelecida. É que, quando presentes as circunstâncias sociais que tornavam justificável um tratamento diferenciado entre as instituições de caridade e empresas lucrativas que prestavam o mesmo serviço, era razoável impor responsabilidade pelos danos causados por estas, ao tempo em que se concedia imunidade pelos mesmos fatos àquelas. Alteradas que foram tais circunstâncias e, conseqüentemente, ausentes as razões que legitimavam o tratamento legal mais favorecido às instituições assistenciais, este passou a ser arbitrário e inconsistente com tratamento legal dado as outras empresas que prestavam os mesmos serviços e estavam sujeitas à responder pelos danos que causassem. A única diferença de serem ou não empresas lucrativas não se mostrava razoável, quando cotejada com os objetivos colimados pela regra da imunidade à responsabilidade. A doutrina passou a ser, portanto,

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externamente inconsistente com outras doutrinas sobre o assunto e, por tal razão, foi sujeita a incontáveis e inconsistentes exceções. A jurisprudência passou a fazer distinções arbitrárias quando referenciadas aos objetivos colimados pela doutrina. Assim, em algumas jurisdições a doutrina só era aplicada quando se referia a beneficiários de uma ação assistencial, mas não quando a ação era proposta pelos empregados ou qualquer outra pessoa que não fosse beneficiária. De outra sorte, os tribunais passaram a fazer distinções entre danos causados por negligência administrativa ou gerencial e negligência na prestação dos serviços de caridade, para exonerar de responsabilidade civil nesta hipótese e admitir naquelas. Essa distinção conduziu ela própria a inúmeras decisões inconsistentes que tornaram impossível a administração da doutrina de modo coerente. Como nos relata Eisenberg: “As cortes de Nova York decidiram que colocar uma bolsa de água quente impropriamente embalada em um paciente era ‘administrativo’ e não se aplicava a imunidade, porém, manter uma bolsa de água quente em um paciente por muito tempo era ‘médico’ e a imunidade impedia a ação. Transfundir sangue para um paciente errado era administrativo, mas transfundir sangue errado em um paciente correto era médico. Aplicar uma injeção impropriamente esterilizada era administrativo, mas aplicar uma injeção erroneamente era médico. Se omitir em colocar laterais na cama depois de decidido que elas deveriam ser usadas era administrativo, mas se omitir se as laterais deveriam ser usadas era médico. As cortes de Nova Jersey decidiram que uma mãe que sofre um acidente quando visita seu filho no hospital era um beneficiário assistencial, mas um bombeiro que trouxe um paciente para o hospital e sofreu um acidente não era. Uma escoteira que se machucou nas escadas de uma igreja onde sua tropa se encontrava nas salas para a qual tinha feito uma doação era uma beneficiária assistencial, mas uma mulher que caiu na escada de uma igreja enquanto participava de um evento social para o qual ela pagou uma entrada, não. As cortes de Ohio decidiram que um membro de uma igreja que caiu depois do serviço quando se dirigia ao porão onde a igreja vendia artigos religiosos era um beneficiário, e portanto a imunidade impedia a ação, mas que cabia a um júri decidir se a imunidade se aplicava a um membro que usufruiu de um jantar pago na igreja enquanto participava de um bazar para levantar fundos para a igreja. As cortes de Missouri decidiram que a imunidade impedia 270

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ações por danos causados em um imóvel que uma instituição de caridade possuía e mantinha, parte do qual a instituição ocupava, mas metade do qual alugava, mas a imunidade não se aplicava a um imóvel que uma instituição de caridade possuía e mantinha, mas não ocupava, embora as receitas obtidas com o imóvel fossem gastas somente com asilos para idosos.”12 Diante de tantas arbitrárias distinções na aplicação da doutrina vinculante em virtude da perda de sua coerência social, ela acabou por perder sua própria consistência interna, na medida em que resultados absolutamente distintos foram dados para situações relevantemente semelhantes dentro da própria doutrina. Em outro dizer, dada diversidade de sua aplicação, a doutrina passou também a ser inconsistente com suas próprias exceções. Em resumo, a doutrina de imunidade como um todo passou a ser inconsistente, pois perdeu sua consistência externa com outros princípios sobre a responsabilidade civil em virtude da perda de sua coerência social e perdeu sua consistência interna, pois suas inúmeras exceções não permitiam a formação de um corpo coerente e ordenado de princípios. Por outro lado, a perda da consistência externa e interna da doutrina conduz a um estado de incerteza e insegurança jurídica. Nesse estágio, já não é mais possível, dada a multiplicidade de distinções arbitrariamente selecionadas, prever com razoável grau de acuidade qual será o resultado provável de uma demanda, nem garantir decisões iguais para situações semelhantes. Os valores que a doutrina vinculante persegue, quais sejam, previsibilidade, justificada confiança e tratamento idêntico para situações semelhantes, não podem ser melhor servidos pela manutenção da doutrina do que pela sua invalidação. De fato, quando a doutrina passa na mesma área geral a ser sujeita a múltiplos casos de distinções sem relevantes diferenças, a prática judicial passa a ser injusta e arbitrária. Quando as cortes utilizam distinções ultra-refinadas, quando os tribunais se tornam tão envolvidos no exame das mínimas e irrelevantes particularidades do caso concreto, quando sua atenção se centra apenas nos detalhes das árvores a ponto de perder de vista o conjunto da floresta, o direito sofre um golpe fatal. A certeza jurídica é solapada, as previsões sobre as condutas corretas ameaçadas e a confiança nas orientações de conduta extraídas

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das decisões judiciais completamente desfigurada. Nessa situação, o melhor que a corte pode fazer é invalidar completamente a doutrina que se tornou obsoleta e o overruling, ao invés de retirar do mundo jurídico um pretérito erro, funciona como um fator de desenvolvimento do direito de criação judicial.

2.1.2. A doutrina é atualmente considerada plena e substancialmente injusta e/ou incorreta Um direito justo, como visto anteriormente,13 convive com regras transitória e circunstancialmente injustas. Essa convivência decorre do inexorável lapso de tempo entre as mudanças nas condições sociais em que originariamente a regra foi firmada e a sua necessária adaptação às novas circunstâncias. Tanto o processo legislativo quanto o judicial não prescindem de um exame minucioso das mudanças sociais e de suas repercussões nos fundamentos do direito.14 Isso demanda tempo. Assim, uma regra pode ter sido boa ou correta ou justa quando de sua primeira formulação, mas pode ter se tornado com o passar do tempo uma péssima regra, muitas vezes insuportavelmente injusta. Nesse estágio de prolongada e aguda injustiça, o modelo de direito justo não suporta uma convivência pacífica com tais regras, devendo existir alguma forma institucionalizada de serem descartadas. O direito serve para regular e coordenar as atividades humanas. Ele expressa um desejo social e é obrigado a considerar os fatos sociais se tiver pretensão de eficácia.15 Cardozo já apontava que o fim último do direito é o bem estar social, daí o íntimo contato entre o direito e a sociologia.16 Hesse deu uma contribuição fundamental para tornar aceitável na resolução de uma controvérsia judicial, considerações de ordem sociológicas tais como educação, desenvolvimento, ética, cultura e sua importância no conteúdo da lei, ao afirmar que a normatividade da constituição não é senão a de uma ordem histórico-concreta, não sendo a vida que está chamada a regular outra que não a vida histórico-concreta, de modo que, se uma constituição quer tornar possível a resolução das múltiplas situações históricas cambiantes, seu conteúdo

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deve permanecer necessariamente aberto ao tempo.17 É essa incompletude e abertura das normas que permite conferir-lhe uma interpretação evolutiva que adapte seus significados às novas situações por elas reguladas. Por outro lado, o limite dessa evolução interpretativa situa-se na própria norma, precisamente naquelas hipóteses em que existe algo estabelecido de forma vinculante. Assim, não sendo possível, em virtude do sentido mínimo transmitido pela sua expressão vocabular, adaptar-se o conteúdo da norma aos novos valores morais, políticos e sociais hodiernamente compartilhados, o overruling aparece como um instrumento natural de aprimoramento do direito justo. Quando uma regra, após ter sido adequadamente testada pela experiência se revelou inconsistente com o senso de justiça ou com o bem-estar social, não se deve hesitar em francamente reconhecer essa perda de congruência social e, conseqüentemente, abandoná-la totalmente. Lawrence v Texas18 é um bom exemplo dessa hipótese. A pouco menos de duas décadas atrás, a Suprema Corte Americana apreciando em Bowers v Hardwick a constitucionalidade de uma lei do Estado da Geórgia que criminalizava a sodomia, julgou válida a norma legal. Os fatos que deram origem à causa podem ser assim resumidos: um oficial da polícia atendendo a uma ocorrência policial ingressou de forma legítima na residência de Hardwick, flagrando-o em seu próprio quarto em intercurso sexual com outro adulto do sexo masculino, razão porque foi preso. Hardwick não foi denunciado, entretanto, ingressou em juízo em uma corte federal colimando obter a nulidade da lei ao fundamento de que ele era homossexual e a proibição legal violava seus direitos abrigados sob a capa do devido processo legal. A Suprema Corte Americana julgou improcedente a ação proposta declarando a constitucionalidade da lei estadual. A corte entendeu, à época, que a constituição federal não conferia nenhum direito fundamental que protegesse relações sodomitas homossexuais. Pelo contrário, asseverou que prescrições contra esse tipo de conduta estavam firme e longamente enraizadas na cultura e tradição do povo americano. Em sua justificação, a corte mencionou o fato de que antes de 1961 todos os cinqüenta estados americanos consideravam ilegal esse com-

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portamento e, ao tempo da decisão, 24 estados e mais o distrito de Columbia, ou seja, praticamente a metade dos entes federados, ainda possuía leis banindo essa conduta. Acrescentou ainda, que as decisões individuais relacionadas à conduta homossexual têm sido submetidas à intervenção estatal por toda a história da civilização ocidental e que a condenação dessas práticas está firmemente enraizada nos padrões éticos e morais judaico-cristãos. Em meados de 2003, a suprema corte conferiu writ of certiorari ao recurso interposto por Lawrence contra decisão da corte de apelação do Texas que, por maioria, havia mantido sua condenação pela prática de sexo sodomita com base no precedente Bowers v. Hardwick. Os fatos em Lawrence x Texas eram similares aos de Bowers. O recorrente Lawrence também fora flagrado na sua residência por um policial, que nela licitamente ingressara, em intercurso sexual com outro homem adulto. A única diferença é que a lei da Geórgia criminalizava a prática sodomita mesmo que praticada por pessoas de sexo diferentes, enquanto a lei texana só criminalizava a conduta se praticada por pessoas do mesmo sexo. A suprema corte concedeu o certiorari para considerar três questões: a) violação do princípio da igualdade; b) violação dos direitos da liberdade e privacidade protegidos pela cláusula do devido processo legal; c) se Bowers v. Hardwick deveria ser invalidado. Ao julgar o recurso, a corte centrou sua atenção na possibilidade de invalidar Bowers, o que de fato fez. Ao entregar a opinião da corte, Justice Kennedy buscou demonstrar a ausência de coerência social da regra fixada em Bowers. Inicialmente afirmou: “as antigas leis americanas que proibiam a sodomia não eram dirigidas aos homossexuais enquanto tais, mas visavam proibir atividade sexual não procriativa...e não parecem ter sido aplicadas quando o ato foi praticado entre adultos e com seu consentimento mas, em princípio, apenas contra atos predatórios contra aqueles que não podiam ou não consentiram, como nos casos de menores ou de vítimas de agressão.”19 A seguir, acrescentou que “no curso das últimas décadas Estados que criminalizavam a conduta homossexual têm paulatinamente abolido a tipificação”.20 Essa incoerência com a realidade social da regra fixada em Bowers se mostrou ainda mais significante nos anos que se seguiram à decisão pois, “os 25 Estados com leis proi-

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bindo a conduta referenciada na decisão de Bowers estavam agora reduzidos a 13, dos quais apenas 4 aplicavam suas leis apenas contra a conduta homossexual. Naqueles Estados onde a sodomia ainda é proscrita, seja para relações homossexuais ou heterossexuais, há um padrão de não aplicação quando a conduta é realizada com consentimento entre adultos e privadamente”.21 Da experiência alienígena, se referiu à decisão da Corte Européia de Direitos Humanos prolatada em 1981 que, ao analisar questão trazida por um adulto homossexual que desejava ver reconhecido o direito de manter relações homossexuais proibido pelas leis da Irlanda do Norte, decidiu que as leis proibindo esse tipo de conduta eram inválidas sob a convenção européia de direitos humanos, à qual se submetem todos os membros do conselho da Europa, que à época da decisão em Lawrence era composto de 45 nações. Anotou ainda, que a Corte Européia de Direitos Humanos seguiu esse precedente em “P. G. & J.H. v. United Kingdom, App no. 00044787/98 (Eur. Ct. H.R., Sept, 25, 2001); Modinos v. Cyprus, 259 Eur. CT.H.R. (1993); Norris v. Ireland, 142 Eur. Ct. H.R. (1988)”.22 A seguir, a corte passou enfrentar a questão da injustiça da regra firmada no precedente ao afirmar que, “quando uma conduta homossexual é tipificada como crime pela lei do Estado, aquela declaração é de per si um convite para submeter pessoas homossexuais à discriminação, tanto na esfera privada quanto na pública. O holding central de Bowers foi trazido para discussão e deveria ser enfrentado. Sua continuidade como precedente restringe as vidas das pessoas homossexuais”.23 Pessoas em uma relação homossexual possuem autonomia para escolher sua conduta sexual privada e “a decisão em Bowers lhe nega esse direito”.24 Há épocas que podem nos cegar para certas verdades e gerações posteriores podem descobrir que leis antigamente reputadas necessárias e corretas de fato servem apenas para oprimir.25 A estrutura da argumentação deduzida em Lawrence para invalidar Bowers cristalinamente demonstra que a Corte considerou sua decisão anterior errada por reputá-la absolutamente aberrante do sentimento de justiça prevalente nos Estados Unidos e na imensa maioria, países de cultura ocidental. A doutrina não foi invalidada porque esta-

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va desfigurada (ao contrário, estava sendo observada pelas cortes inferiores), mas porque foi considerada absoluta e insuportavelmente injusta. A regra fixada em Bowers considerava criminosa uma conduta sexual privada e consentida entre dois adultos muitas vezes representativa de apenas uma faceta de um relacionamento mais abrangente entre dois seres humanos livres e autônomos. A corte não reconheceu um direito fundamental à sodomia homossexual.26 A corte nem mesmo reconheceu as pessoas homossexuais o direito a obter do Estado um reconhecimento formal a qualquer forma de relacionamento que porventura quisessem partilhar. O que a Corte reconheceu foi que o Estado, ao pretender controlar a existência ou o destino de uma pessoa, criminalizando sua conduta sexual privada e consentida, não perseguiu um legítimo interesse que justificasse tal intrusão, cujas únicas conseqüências seriam a de fomentar odiosa discriminação pública e privada contra uma parcela da população, submetê-las há vários constrangimentos além da reprovação moral, como registros criminais desabonadores, reduzir o pleno potencial de desenvolvimento de suas vidas, oprimindo-as injustificadamente, o que é injusto e inaceitável. Dada a grandeza da injustiça carreada pela regra, ela já não mais se mostrava coerente com a ordem social. Como conseqüência, essa falta de coerência social da regra firmada em Bowers a tornou inconsistente com outros princípios derivados de outras decisões judiciais. Assim, cerca de 10 anos após sua decisão em Bowers, a suprema corte em Romer v. Evans (1996),27 invalidou uma emenda à constituição do Estado do Colorado que discriminava os homossexuais tanto na esfera privada quanto na pública. Referida emenda retirou dos homossexuais, mas não de outras classes, específicas proteções legais contra danos causados por discriminação e ainda proibiu o restabelecimento dessas proteções, a menos que uma outra emenda constitucional autorizasse. A corte, então, concluiu que o tratamento inferior conferido apenas aos homossexuais decorreu exclusi-

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vamente de animosidade para com esse específico grupo e que o desejo de prejudicar um grupo politicamente impopular não poderia ser considerado um legítimo interesse a ser perseguido pelo Estado, declarando inconstitucional referida emenda constitucional. Considerandose que a regra fixada em Bowers estimulava a discriminação contra os homossexuais tanto na esfera pública quanto na privada, ao considerar lícita a criminalização de uma conduta particular que não causava dano ou prejuízo ao público ou a outro indivíduo, ela se mostrou completamente inconsistente com outros princípios que inadmitiam qualquer espécie de discriminação pelo simples fato de alguém possuir uma orientação homossexual. A perda da coerência social e da consistência sistêmica da regra firmada no precedente possibilitava, em princípio, a sua invalidação. Por outro lado, com base no princípio institucional que governa o overruling, não é suficiente que a decisão seja considerada clara e palpavelmente injusta ou errada para ser invalidada. Exige-se ainda que a correção do erro/injustiça seja benéfica para o bem estar público28 e que não haja prejuízo para quem justificadamente confiou na decisão precedente e baseou suas ações na regra nele fixada.29 Essa segunda condição foi objeto de expressa aferição pela corte que assim se manifestou: “O holding em Bowers não induziu prejuízo decorrente de confiança comparável a outros exemplos onde direitos individuais estão envolvidos.30 Não houve confiança individual ou so-

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cial em Bowers do tipo que poderia aconselhar contra a invalidação de sua regra, uma vez que existam razões compulsórias para fazê-lo”.31 De fato, não parece difícil demonstrar que, seja em termos individuais, seja em termos coletivos, ninguém deixou de contratar ou contratou, alterou sua planificação econômica ou fez planos para uma vida sentimental futura diversa da que suas emoções ditavam, apenas porque a sodomia homossexual tinha sido considerada crime pelo holding de Bowers. Uma pessoa com orientação homossexual não iria contrair núpcias com pessoa de outro sexo apenas porque a relação sodomita era tipificada como crime. Muito provavelmente sua escolha seria a de insistir em sua orientação, ainda que correndo o risco de enfrentar circunstanciais dissabores, vez que sua outra opção seria a de viver uma inteira vida infeliz. Se a só existência da regra em Bowers reduzia a vida das pessoas homossexuais, submeter-se a ela poderia aniquilá-la. Presentes as condições exigidas: perda da coerência social face a flagrante injustiça da regra do precedente; perda de sua consistência sistêmica por incompatível com outros princípios posteriores baniam a discriminação por orientação sexual, e o fato de que não se mostrava melhor para o interesse público manter a regra do que invalidá-la, dada a ausência de justificada confiança na regra antes firmada, o overruling se apresenta como um válido instrumento de evolução social do direito.

2.1.3. A doutrina é inexeqüível O total abandono do precedente também pode ser justificado naquelas hipóteses que o princípio fixado no precedente se revelou na prática como não funcional e inexeqüível. Isso ocorre, por exemplo, naquelas hipóteses em que a regra não é capaz de fornecer orientações firmes e seguras para sua aplicação em virtude da largueza de sua formulação e impossibilidade de fixação de critérios minimamente objetivos que permitam conferir um mínimo de uniformidade na sua aplicação. Garcia v. San Antonio Metropolitan Transit Authority torna aparente essa hipótese.

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Em 1974 o congresso norte-americano estendeu para os trabalhadores dos serviços públicos de transporte de massas a legislação do Fair Labor Standard Acts (FLSA) que tratava do salário mínimo e limite máximo de horas de trabalho. Essa legislação foi devidamente aplicada até 1976 quando, julgando o caso National League of Cities v. Usery, a Suprema Corte Americana decidiu que a cláusula de comércio, da qual o congresso haurira sua legitimidade para legislar sobre a matéria, não autorizava aquela casa legislativa a impor tais obrigações trabalhistas aos entes federados “nas áreas de funções governamentais tradicionais”, nas quais se encartava o transporte público de massas. Quatro meses após a decisão, as empresas de transporte público informaram a seus empregados que não estavam sujeitas às provisões do FLSA. Colimando tornar mais explícita a regra firmada, a Suprema Corte Americana, em Hodel v. Virginia Surface Mining and Reclamation Association Inc., resumiu em três as condições que deveriam estar presentes para que a decisão em National League of Cities v. Usery fosse considerada como precedente: primeiro, deveria existir uma demonstração de que a norma objurgada regulava os “Estados, enquanto Estados”; segundo, a regulação federal deveria se referir a matérias que são inegavelmente atributos da soberania estadual e, terceiro, deveria ser demonstrado de forma cristalina que a obediência do Estado à legislação federal, prejudicaria diretamente sua capacidade de estruturar de modo satisfatório serviços prestados em “áreas de funções governamentais tradicionais”.32 Seis anos após a decisão em National League of Cities a Suprema Corte Americana, seguindo o precedente ali firmado, decidiu em United Transportation Union v. Long Island Railroad, que o Estado proprietário de uma estrada de ferro não estava imune às obrigações trabalhistas previstas no Railway Labor Act, porque a operação de uma ferrovia não era uma função estatal tradicional. Nada obstante, apenas um ano após, a corte em Equal Employment Opportunity Commission v. Wyoming julgou válida uma lei federal que proibia a aposentadoria involuntária para funcionários com menos de 70 anos. Para fundamentar sua decisão discrepante do precedente, a corte justificou que a obediência do Estado à norma federal seria menos custosa e não prejudicaria a flexibilidade estatal no mesmo grau que a provisão legal sobre

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salário mínimo e horas extras objeto de análise em National League of Cities. As proibições do Age Discrimination Act envolviam uma intrusão federal que era suficientemente menos gravosa e que não prejudicaria a capacidade dos estados de estruturar integralmente seus serviços, uma questão que “deve depender de considerações de grau”.33 Finalmente, em Garcia v. San Antonio Metropolitan Transit Authority a Suprema Corte Norte Americana abandonou o princípio formulado em National League of Cities, por entender que a tentativa de demarcar as fronteiras da imunidade estatal à regulação federal, em termos de “função governamental tradicional” era inexeqüível e inconsistente com princípios decorrentes do sistema federalista. Em seu voto vencedor, o Justice Blackmum afirmou que, embora em National League of Cities, a corte tenha fixado o princípio de que o congresso não poderia legislar sobre salário mínimo e horas extras em áreas de funções governamentais tradicionais, arbitrariamente ali exemplificadas, não ofereceu “nenhuma explicação geral de como uma função tradicional deve ser distinguida de uma função não tradicional. Desde então, cortes federais e estaduais têm arduamente se dedicado à tarefa, assim imposta, de identificar uma função tradicional objetivando aplicar a imunidade estatal”.34 Essa empreitada revelou-se inconsistente e inexitosa. A própria Suprema Corte fez poucos avanços no escopo de definir funções governamentais protegidas sob a regra firmada em National League of Cities. Em United Transportation Union v. Long Island Railroad a corte reconheceu a extrema dificuldade para estabelecer um critério substancial que permitisse, com clareza, distinguir funções públicas tradicionais. Embora tenha levado em consideração, naquele caso específico, fatores históricos para reconhecer que transporte ferroviário não representava uma função pública tradicional, concomitantemente rejeitou uma visão histórica estática de funções estatais geral e absolutamente imunes à regulações federais. Demonstrando, em Garcia v. San Antonio, a inexeqibilidade da regra firmada em National League of Cities, assim se manifestou o justice Blackmum: “Em Long Island nós rejeitamos a possibilidade de repousar a imunidade sobre um critério puramente histórico de ‘tradição’, e rejeitamos corretamente. O principal defeito de uma abordagem

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histórica para a imunidade estatal é que impede a corte de acomodar mudanças nas históricas funções dos Estados, mudanças que resultaram na assunção pelos Estados e suas subdivisões de funções originariamente privadas, como a educação. Um critério não histórico para identificação de funções governamentais imunes será provavelmente tão inexeqüível quanto um critério histórico. A idéia de identificar funções ‘tipicamente’ governamentais, por exemplo, foi rejeitada pela corte na área de responsabilidade civil do poder público, em parte porque a noção de uma função tipicamente estatal é inexeqüível....outra possibilidade seria confinar a imunidade a serviços governamentais essenciais, ou seja, serviços que seriam prestados insatisfatoriamente ou nem seriam prestados, a menos que oferecidos pelo poder público. O conjunto de serviços, porém, que se encaixa nessa categoria é insignificante. O fato de que um mercado não regulado ofereça um serviço em quantidade menor do que o Estado considera desejável não significa que o próprio Estado deva fornecer o serviço. Na maioria, senão que na totalidade dos casos, o Estado pode contratar empresas privadas para prestar os serviços ou simplesmente conceder subsídios aos atuais prestadores. Está também aberta a questão de se as cortes estão bem equipadas para fazer esse tipo de determinação quanto ao funcionamento de mercados econômicos.”35 Como corretamente reconheceu a Suprema Corte Americana, qualquer dos critérios que porventura fosse adotado, seja histórico seja não histórico, para definir quais são as “funções governamentais tradicionais” levaria a resultados incoerentes ou inconsistentes. Adotado o critério de uma realidade histórica fixa, cuja maior vantagem seria sua alegada objetividade, a aplicação da regra logo conduziria a uma falta de coerência social, pois que muitas das atividades que tradicional e historicamente foram consideradas como privadas, diante da mudança do paradigma do Estado Liberal para o Estado do Bem Estar Social, foram paulatinamente absorvidas pelo Poder Público e, apesar disso, não poderiam ser alcançadas pela regra firmada. Como se sabe, o que caracteriza o Estado de Bem Estar Social é a ampliação não só dos destinatários, como também e principalmente, do rol de serviços a serem prestados pelo Poder Público. Essas contínuas mudanças não podem ser ade-

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quadamente tratadas dentro de uma moldura fixa de uma realidade histórica tradicional. Daí a completa inadequação de um critério histórico. Por outro lado, a adoção de um critério não histórico como o da função tipicamente ou necessariamente estatal peca pela ausência de objetividade. Esse defeito inevitavelmente conduziria a resultados inconsistentes quanto à finalidade perseguida pela regra, em virtude do alto grau de subjetividade exigido para sua aplicação. Essa, inclusive, a problemática enfrentada em Garcia v. San Antonio, onde uma corte federal, na ausência de critérios objetivos, tinha concluído que a exploração de um sistema de transporte de massa pelo município era uma função governamental tradicional e, portanto, imune às obrigações das leis trabalhistas quanto à salário mínimo e horas extras. Nada obstante, enfrentando questões idênticas, três tribunais federais e um tribunal de justiça estadual tinham chegado a uma conclusão diametralmente oposta.36 Demais disso, como realçado pela Corte, a imunidade dos Estados quanto à regulação federal trabalhista, quando se tratasse de “funções governamentais tradicionais”, implicava no reconhecimento de um atributo decorrente da soberania estadual, mas essa soberania é limitada pela própria constituição.37 Como o critério “funções governamentais tradicionais” não é hábil, por inexeqüível, para definir o âmbito dessa soberania estadual, a regra firmada em National League of Cities de conferir imunidade à regulação federal é inconsistente com os demais princípios que decorrem do sistema federalista.38 De um lado, o critério histórico conduz à incoerência social, de outro, os critérios não históricos implicam em inconsistência sistêmica. Se a adoção de qualquer um desses critérios conduz a resultados incoerentes ou inconsistentes, então o problema não é do critério distintivo, mas do princípio estabelecido que não possibilita uma regular execução. A falta de funcionalidade é da própria regra firmada que não passou pelo teste da experiência prática. Acresça-se que a manutenção da regra não é melhor que sua revogação, pois, como ela própria não fornece critérios firmes para extração de seu significado, não propicia orientações seguras de conduta. Destarte, inexiste qualquer confiança justi-

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ficada que dela possa ser extraída. Nessas circunstâncias nada impede a sua total revogação, face a sua absoluta inexeqüibilidade. Por oportuno, impende assinalar que a invalidação só se legitima em virtude da inexeqüibilidade da aplicação da regra firmada no precedente e não em razão de uma possível dificuldade. O princípio formulado no precedente pode ser mais ou menos claro, mais ou menos aberto, flexível e/ou ambíguo. Quanto mais claro, mais fácil sua aplicação, quanto mais ambíguo, mais difícil. Não é a dificuldade na aplicação que implica em abandono do precedente, mas a impossibilidade de uma regular, coerente e consistente aplicação. Assim, “se as dificuldades na aplicação da regra forem previsíveis e compreendidas pela corte que firmou o precedente, essas dificuldades não justificam o abandono do precedente, porque a corte implicitamente rejeitou qualquer dessas dificuldades quando prolatou sua primeira decisão”.39 Até o presente momento foram tratadas as hipóteses nas quais à perda da congruência social e da consistência sistêmica da norma, acresceu-se a ausência de justificada confiança na regra por parte de seus destinatários. A conjugação desses fatores, que geralmente ocorre na maioria dessas hipóteses analisadas, autoriza o completo abandono da doutrina anteriormente firmada. Em certas circunstâncias, porém, ainda que a norma perca sua coerência social e/ou sua consistência sistêmica, existe uma justificada confiança por parte de seus destinatários na imposição, reconhecimento e aplicação dos efeitos decorrentes do comando normativo. São áreas do agir humano em que a certeza jurídica é considerada muito importante para o correto planejamento e pleno desenvolvimento da vida das pessoas. Nessas circunstâncias, a invalidação completa e retroativa do precedente pode ser inadequada. Essas são as hipóteses em que a tensão entre rigidez e flexibilidade se entremostra de forma mais vigorosa. O dilema central é a escolha que deve ser feita entre privilegiar-se à confiança em detrimento da remoção de uma regra obsoleta ou ultrapassada. Em outro dizer: se se deve dar mais valor à segurança jurídica ou à correção de uma injustiça ou um erro. A solução salomônica encontrada pelas cortes judiciárias não foi nem perpetuar a obsolescência, o erro ou a injustiça, nem desconside-

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rar a justificada confiança que as pessoas depositavam na norma, mas seguindo um meio termo, desenvolver técnicas que possibilitaram otimizar os benefícios derivados das necessidades de mudanças com as vantagens que defluem do valor segurança jurídica. Uma dessas técnicas é a invalidação do precedente com efeitos futuros (prospective overruling); a outra é a técnica de sinalização/aviso ( signaling/caveat). Ambas serão analisadas a seguir.

2.2. A invalidação da doutrina com efeitos futuros (prospective overruling) Classicamente, quando se invalida uma regra anteriormente firmada ou se declara a inconstitucionalidade de uma norma, a essa declaração são conferidos efeitos retroativos e prospectivos, ou seja, a decisão se aplica tanto às situações ocorridas antes de sua prolação que, não estando excluídas pela barreira da coisa julgada, ainda estão sujeitas à discussão judicial, quanto às situações que surgirem após a decisão ter sido proferida. Quando, porém, a corte invalida com efeitos futuros uma regra ou princípio anterior, ela diz que, no futuro, uma distinção será feita entre eventos ou disputas que ocorreram antes da decisão e aqueloutros que surgiram após a prolação da decisão que invalidou a doutrina anteriormente vinculante. Os eventos que ocorreram antes da decisão que invalidou a regra serão decididos com base na regra invalidada e os eventos que ocorreram após, pela nova regra firmada na decisão reformadora.40 Essa técnica desde logo levantou questionamentos constitucionais. Alegou-se violação do devido processo legal das partes, quando as Cortes ao mesmo tempo que invalidam uma regra, o fazem só para o futuro, aplicando a regra invalidada no mesmo caso em que é declarada a sua invalidade. Se a corte enuncia uma nova regra legal como a correta ou justa, mas aplica aos litigantes a regra antiga que considerou incorreta ou injusta, isso implica em tratamento arbitrário e negativa de respeito ao devido processo legal. Essa a problemática agitada no caso Great Northern Railway v. Sunburst Oil and Refining Company. Naquele caso, a Suprema Corte de Montana invalidou uma decisão pré-

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via que garantia aos transportadores o direito de reaver pagamentos em excesso com base em uma lei que regulava os custos dos fretes dentro do Estado. A corte decidiu que a lei não outorgava aquele direito, mas que a regra firmada no precedente deveria ser aplicada ao caso Sunburst e aos outros contratos de transporte anteriores que tinham sido firmados na confiança de aplicação dos efeitos decorrentes da regra anterior. Julgando o recurso, a Suprema Corte Americana reconheceu como legítima a técnica empregada pela Suprema Corte de Montana. Justice Cardozo, expressou a opinião unânime da corte nas seguintes palavras: “...Alega-se que a aderência ao precedente como estabelecendo uma regulação para o passado com respeito ao sentido de uma lei, implica em violação ao devido processo legal, quando conjugada com a declaração de uma intenção de se recusar a aderir a ela quando da adjudicação de quaisquer controvérsias decorrentes de transações futuras. Nós não tivemos ocasião de considerar se essa divisão no tempo, dos efeitos de uma decisão é uma correta ou incorreta aplicação da doutrina do stare decisis como conhecida na common law. Esse é um caso, onde uma corte recusou-se a dar efeito retroativo a sua decisão, e alega-se que novo posicionamento recusando essa retroação viola a constituição dos Estados Unidos. Nós consideramos que a Constituição Federal não tem aplicação sobre o assunto. Um Estado, ao definir os limites da aderência ao precedente pode ele mesmo escolher entre uma aplicação futura e aquela de aplicação retroativa. Pode dizer que decisões de sua corte superior, embora posteriormente invalidadas, são leis, entretanto, para transações intermediárias.”41 Impende realçar que a concessão de efeitos retroativos ou prospectivos à decisão judicial não é matéria tratada pela Constituição Federal, mas se insere dentro do âmbito da discricionariedade da corte. As cortes judiciais devem levar em consideração os efeitos de seus julgamentos nos negócios e na vida dos destinatários de sua decisão.

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Inicialmente, quando a observância estrita do princípio geral de retroatividade da lei acarretava conseqüências socialmente inaceitáveis, as cortes judiciais recorriam à ficção jurídica para dar uma aparência de aplicação retroativa da decisão quando, em verdade, na prática outorgava efeitos prospectivos. Típico exemplo desse procedimento é o recurso à ficção do “funcionário de fato”, onde se reconhece a validade de fatos passados praticados por servidores ilegalmente investidos na função pública, ao tempo em que se impede para o futuro que essa prática ilegal persista.42 Assim, se uma corte declara inconstitucional uma norma ou invalida uma regra anteriormente firmada e verifica que essa declaração, em razão do princípio da segurança jurídica, implicará em conseqüências inaceitáveis socialmente, ou se lhe reconhece o poder para limitar os efeitos dessa declaração ou ela irá utilizar ficções jurídicas para alcançar o mesmo resultado. O recurso à ficção, entretanto, embora por vezes necessário, causa incômodo e deve ser afastado sempre que possível. O mal-estar criado pelo recurso à ficção jurisprudencial só pode ser dissipado pela intervenção do legislador,43 o que no caso brasileiro foi providenciado com a edição da Lei no 9.868/99, cujo artigo 27 autoriza ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da

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declaração de inconstitucionalidade da lei ou decidir que ela só produza efeitos para partir do trânsito em julgado da decisão ou ainda de qualquer outro momento que venha a ser fixado. O reconhecimento da constitucionalidade da atribuição de apenas efeitos futuros à decisão que invalida uma regra precedente outorgou às cortes judiciais um importante instrumento para assegurar as mudanças e adaptações necessárias do ordenamento jurídico e proteger as legítimas expectativas dos membros da coletividade. Nada obstante, para que esse método seja um instrumental valioso para o desenvolvimento do direito de criação judicial não pode ser banalizado e sua aplicação deve ser precedida de uma cuidadosa análise e ponderação dos vários valores envolvidos. Como foi ressaltado por Friedmann,44 estabilidade, proteção da confiança, eficiência na administração da justiça e igualdade, devem ser ponderados entre si. Por essa razão, dois princípios devem ser formulados para assegurar a otimização nessa ponderação. Primeiramente, como o prospective overruling introduz um tratamento diferenciado entre eventos ocorridos antes e depois da decisão, a data crítica que funciona como um divisor de águas para o tratamento diferenciado, deve ser ou a data da decisão que invalidou o precedente ou uma data posterior a essa decisão, porém nela fixada. O que é importante verificar é se os eventos ocorreram enquanto a regra antiga ainda não tinha sido invalidada e não se os litígios decorrentes desses eventos foram adjudicados antes ou depois da decisão que invalidou a regra. O segundo princípio é um natural consectário do primeiro. As partes da lide na qual a regra antiga foi invalidada estarão, necessariamente, litigando sobre fatos que ocorreram antes da decisão, logo a regra antiga deve ser aplicada na decisão em que ela a final restou invalidada. É o que se convencionou chamar de puro prospective overruling onde se nega qualquer retroatividade à decisão. Isso pode parecer injusto, pois aumenta a inconsistência de resultados ao permitir tratamentos diferenciados, especialmente para a parte recorrente que teve sua tese acolhida, mas não aplicada. Talvez por isso existam algumas variantes dessa técnica que a tornam um pouco menos que completamente retroativa. A primeira e mais comum é retroagir a aplicação

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da nova regra no caso em que a antiga foi invalidada, mas a nenhum outro processo que se refira a fatos anteriores à decisão invalidatória, tenham ou não já sido objeto de propositura de ação judicial.45 A exclusão da regra antiga, nessa hipótese, é vista como uma espécie de prêmio à parte recorrente, que, de um lado merece ver recompensado seu esforço e, de outro, ficaria desencorajada de recorrer se os benefícios decorrentes da invalidação da regra legal não lhes fossem estendidos. Alega-se, ainda, que se a regra não fosse aplicada no caso seria mero dictum.46 Uma outra variação manda aplicar a nova regra a todas as ações que forem propostas após a decisão ou as ações propostas anteriormente, mas que foram reformadas em recurso de apelação por outros motivos. Essa variante tem sido utilizada especialmente em casos criminais, como uma forma de aplicar a nova regra ao maior número de casos possíveis sem reabrir um substancial número de casos em que houve condenações definitivas.47 As justificativas apresentadas para estas variações não são suficientemente fortes, porém. O argumento que parece soar mais forte se refere à injustiça de se aplicar a regra antiga invalidada ao recorrente que teve vitoriosa sua tese. Essa injustiça é, entretanto, aparente, senão vejamos: a principal justificativa para conferir efeitos futuros à decisão invalidatória é a justificada confiança na regra antiga. Assim, a manutenção dessa regra para o próprio caso em que ela foi invalidada é decorrência natural do resultado da ponderação realizada que culminou por privilegiar o princípio da segurança jurídica, pois nenhuma circunstância relevante diferencia este caso de todos os outros eventos que ocorreram quando a antiga regra era ainda considerada válida. Demais disso, a aplicação da regra nova ao caso em que foi fixada, com a exclusão de sua aplica-

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ção a todos os outros eventos que ocorreram antes de sua fixação, pode conduzir a situações de extrema injustiça, por aberrante exclusão arbitrária ao princípio da isonomia. Considere-se, como exemplo, o caso Molitor v. Kaneland Community Unit District no 302.48 Nesse caso, a corte de Illinois abandonou a doutrina de imunidade civil das escolas municipais em uma lide envolvendo uma ação de indenização proposta por Thomas Molitor, uma criança que, junto com outros sete colegas, tinha sofrido danos em um acidente envolvendo um ônibus escolar. A decisão conferiu efeitos futuros à nova regra que admitia a responsabilidade do poder público, mas determinou que ela fosse aplicada ao autor da ação. Isso foi duplamente injusto. Primeiro foi injusto com a escola municipal cuja confiança na antiga regra de imunidade foi considerada justificada pela corte, a ponto de limitar os efeitos da invalidação da regra apenas para casos futuros. Foi também injusto com os outros sete colegas de Thomas Molitor que também estavam no mesmo ônibus, sofreram os mesmos danos, mas tiveram negado, pela decisão, direito à reparação. A injustiça se tornou insuportável quando, posteriormente, se descobriu que, em face dos elevados custos do litígio e da existência de uma doutrina vinculante bem estabelecida indicando um provável resultado desfavorável para o autor, a ação proposta tinha sido um caso teste para as outras crianças, três das quais eram parentes de Thomas, e que as demais crianças tinham contribuído financeiramente para cobrir os custos do processo de Thomas. A injustiça da decisão anterior foi tão grande, que em decisão subseqüente,49 a corte determinou que todas as crianças envolvidas no acidente de Thomas Molitor tinham direito à reparação.50 Essa reforma parcial da decisão originária em Molitor amenizou a injustiça de tratamento arbitrariamente não isonômico, mas não a eliminou. Todos os outros membros da coletividade que sofreram danos por negligência das escolas municipais antes da decisão prolatada em Molitor continuaram sem direito à indenização e nenhuma circunstância relevante distinguia esses casos do de Molitor e de seus colegas. A conduta da corte violou o princípio de justiça de que casos idênticos devem receber o mesmo tratamento. É certo que eventos ocorridos

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após a decisão invalidatória da antiga regra serão tratados diferentemente daqueles ocorridos antes da decisão, mas aqui não há que se falar em exclusão arbitrária do princípio isonômico. A própria decisão invalidatória é um evento relevante apto a tornar razoável o tratamento diferenciado. Antes da invalidação com efeitos futuros a confiança na antiga regra era justificada, porém, após a decisão, não mais. Essa significante circunstância legitima distintas soluções para situações fáticas semelhantes. Relembre-se que, como visto no capítulo 1 da parte I, igualdades fáticas parciais admitem tratamento diferenciado desde que o critério discriminatório decorra da natureza das coisas ou possa ser racionalmente justificado. A outra crítica é de que a atribuição de efeitos futuros desestimularia as partes de recorrer depois que a corte prolatou a sua decisão. Essa crítica não se sustenta empiricamente. A realidade demonstra que, embora tendo contra si decisões contrárias dos tribunais superiores, as partes vencidas insistem em recorrer na tentativa de modificar o entendimento firmado. Da mesma forma que uma doutrina bem estabelecida foi invalidada, a decisão que a invalidou também pode ser objeto de alguma modificação. Isso leva a outra crítica muito próxima a esta que se refere ao fato de que a regra firmada com efeitos meramente futuros, por não ser necessária para a resolução da controvérsia é, em certo sentido meramente um dictum e, portanto, não vinculante. Não estando vinculado à nova regra, o juízo vinculado poderia, então, decidir seguir a antiga regra, o que geraria incerteza jurídica que o prospective overruling alegadamente visa evitar. Inicialmente impende ressaltar que essa crítica é mais prática do que teórica. Doutrinariamente, o dictum tem sido diferenciado do holding pelo fato de ser aquele desnecessário para a decisão e, portanto, não ter o tribunal analisado em profundidade todas as conseqüências referentes àquelas afirmações feitas de passagem pela corte. Mas será que na hipótese do prospective overruling a nova regra era desnecessária para a solução da lide e, portanto, não foi plenamente analisada? Em um sentido meramente formal sim, pois que a regra não foi aplicada ao caso, mas em termos substanciais, entendo que não. A corte investigou profundamente todos os aspectos envolvidos na lide e decidiu, após essa cuidadosa análise, pela invalidação da regra antiga. Apenas, em virtude do princípio da certeza jurídica que na ponderação prevaleceu sobre os demais valores, deixou de aplicar a regra ao caso que lhe fora posto para adjudicação. As conseqüências da nova regra 290

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foram exaustivamente previstas, razão porque não vejo qualquer impedimento teórico para se considerar a nova regra como vinculante. Nada obstante, na prática é possível que as cortes inferiores não se julguem vinculadas pela nova regra por entenderem ser um dictum. Embora se reconheça essa possibilidade, esse circunstancial estado de incerteza tende a ser rapidamente superado. A crítica só seria procedente se as partes envolvidas não recorressem do julgado, o que não é razoável supor. De um lado, a corte vinculante que exarou o dicta está ansiosa para decidir um caso no qual possa firmar a nova regra como holding da decisão, tornando-a vinculante. De outro, todos aqueles que são diretamente afetados pelo dicta no caso precedente, estão ansiosos para obter uma nova decisão que, ao invés de invalidar a antiga regra apenas para o futuro, invalide-a de modo totalmente retroativo. A questão da retroatividade ou não dos efeitos da decisão passa a ser necessária para a solução da lide, tornando-se vinculante. Assim, essa ânsia das partes em obter um completo overruling é que encorajará e fomentará o surgimento de novas causas, o que “permitirá a corte elevar a regra do nível de dicta para o nível de holding vinculante”.51 A outra variante da técnica que manda aplicar a nova regra a todos os processos que se iniciaram após a decisão, ou que mesmo tendo sido iniciados antes ainda estão pendentes de julgamento definitivo, nada mais é do que uma aplicação mais ampla da primeira variação e, por isso mesmo, padece dos mesmos defeitos quanto à inconsistência de resultados ofensivos ao princípio de justiça de que casos iguais devem ter tratamento idêntico. A arbitrária data de propositura da ação ou a maior ou menor agilidade de resposta jurisdicional às demandas dos jurisdicionados não podem ser consideradas como fator relevante para distinção de casos intrinsecamente idênticos, pois tudo o que o princípio da isonomia busca é exatamente afastar um tratamento discriminatório por razões ou características decorrentes da loteria natural ou sorte. Por outro lado, se as alegadas desvantagens do método não são fatais para sua regular aplicação, especialmente quando se adota o puro prospective overruling que afasta a inconsistência nos resultados em virtude da adoção da regra de semelhança consubstanciada na decisão invalidatória, as vantagens da técnica são evidentes. Assim,

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diante de uma hipótese em que a regra antiga falha em satisfazer os padrões de coerência social e consistência sistêmica, mas que existe uma justificada confiança na regra a ponto do valor segurança jurídica superar o valor de tornar a regra socialmente congruente e sistematicamente consistente, a invalidação retroativa da regra seria inapropriada. Em tais casos, a corte pode, utilizando-se da invalidação para o futuro, superar a barreira imposta pelo princípio da segurança jurídica e, desse modo, tornar o direito mais socialmente congruente e sistematicamente consistente do que poderia fazê-lo por qualquer outro modo. A principal vantagem do prospective overruling é que essa técnica “permite às cortes fazerem as necessárias mudanças exigidas pelo desenvolvimento do direito, sem impor indevido e injusto ônus àqueles que justificadamente confiaram na regra legal e nela basearam suas condutas, planejaram e conduziram suas vidas”.52 Uma outra grande vantagem do prospective overruling é capacitar as cortes a evitar o surgimento de inúmeras distinções arbitrárias e a disseminação de ficções legais em áreas onde o direito tem perdido a sua congruência social. Como se sabe, a ficção jurídica é uma qualificação dos fatos sempre contrária à realidade jurídica. “Aquele que recorre à ficção jurídica manifesta uma revolta contra a realidade jurídica, a revolta de quem acredita não ter condição para modificá-la, mas recusa-se a se submeter a ela, porque o obrigaria a tomar uma decisão que julga injusta, inadequada ou insensata”.53 Da mesma forma age aquele que, para alcançar um resultado eqüitativo, força uma distinção entre casos onde inexistem diferenças relevantes. Em ambas as hipóteses, a corte quer evitar, ao menos naquele caso concreto, uma decisão que considera injusta. Certamente que é mais fácil resolver uma injustiça individual recorrendo a uma específica ficção legal ou se valendo de tecnicidades para afastar a regra considerada insensata. Essas soluções pontuais, entretanto, além de não resolverem o real problema ainda criam outros mais sérios, pois que cada caso julgado ad hoc pode ser um potencial precedente para futuros casos. Um resultado assim alcançado, embora possa servir a um determinado indivíduo, é freqüentemente a origem de uma outra inerentemente má regra, que no futuro deverá ser evitada pelas cortes através do recurso a outras distinções arbitrárias ou outras ficções jurídicas, tornando o direito

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incerto e injusto. Embora aqui ocorra um lento e gradual processo de erosão da regra que acabará por ser completamente abandonada em algum momento futuro, até que o seja, muitas injustiças terão sido criadas e alimentadas. O prospective overruling, quando presentes as condições para sua aplicação, evita a passagem por esse longo e tormentoso sofrimento jurídico. Essa técnica nem mesmo tem sabor de novidade no direito brasileiro. Em agosto de 1999, no julgamento do inquérito no 687-454 o Supremo Tribunal Federal cancelou sua súmula 394 que estendia o foro de prerrogativa de função após a cessação de seu exercício desde que o crime tivesse sido cometido durante o seu exercício, emprestando efeitos futuros a sua decisão. Preocupado com a alteração de uma orientação firmemente e por longo tempo consolidada no seio do Tribunal e de suas conseqüências funestas caso à invalidação fosse atribuído efeitos ex tunc e, colimando tornar explícita a atribuição de efeitos ex nunc à decisão, assim se manifestou Ministro Néri da Silveira: “É certo que o Supremo Tribunal Federal pode, como guardião da Constituição, guarda da ordem jurídica, adotar uma decisão a respeito dos casos concretos que estão em tramitação na Corte e, com reflexo dessa decisão, relativamente a matérias similares em que aplicável a súmula 394, em outras Cortes. ...Embora reconhecendo que não subsiste a competência por prerrogativa de função, após cessado o exercício do mandato ou de função, o Tribunal firma, no tempo, essa decisão, segundo a qual, cuidando-se de revogação de súmula, cumpre considerar como válidos os atos e processos contra acusados por prática de crimes sujeitos ao foro por prerrogativa de função, iniciados após a cessação do exercício, não sendo, pois, nulos ab initio, eis que se trata, como disse aqui, de interpretação de dispositivos da Constituição... Embora, tecnicamente, tenha presente essa conseqüência, penso que, diante do pronunciamento da maioria do Tribunal, já constituída, a solução, que é antes de política judiciária, a Corte a adota com a autoridade que tem, afirmando que a revogação opera ex nunc e que a competência, inexistente segundo a Constituição, há de ser considerada como subsistente até esta data, porque a nossa interpretação é nesse sentido. Cessado o exercício do man-

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dato ou do cargo, de acordo com a Constituição, não subsiste competência da Corte por prerrogativa de função, para processar e julgar esses titulares, por delitos praticados no exercício do cargo ou mandato”. Recentemente, o Ministro Gilmar Mendes ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 9o da Lei no 9.034/9555 e 594 do Código de Processo Penal,56 que impedem o conhecimento do recurso de apelação se o réu não se recolher à prisão, forte no artigo 27 da Lei no 9.868/99 e tendo em vista razões de segurança jurídica, emprestou efeito ex nunc a sua decisão, pois se estaria revisando jurisprudência firmada pelo STF, amplamente divulgada e com inegáveis repercussões no plano material e processual. Este último caso, tanto quanto o referente ao cancelamento da súmula no 394, são exemplos emblemáticos em que as exigências da segurança jurídica e da justificada confiança indicam a necessidade de uma aplicação prospectiva da nova regra jurídica firmada. Por mais de três décadas a Suprema Corte reconheceu sem maiores divergências a constitucionalidade da norma que exigia o prévio recolhimento à prisão como condição recursal para o conhecimento do recurso de apelação. Confiando nessa regra, os oficiais públicos encarregados da execução da lei penal não conheceram dos recursos de apelação de réus foragidos. Centenas, milhares de processos condenatórios transitaram em julgado, resultando na prisão de um vasto número de criminosos. Aplicar retroativamente a nova regra implicaria na imediata soltura de dezenas de milhares de meliantes, reabertura de outra centena de milhares de processos já definitivamente decididos, levantamento de novos problemas, como por exemplo, o dever do Estado de indenizar aqueles que eventualmente se sentirem prejudicados pelo não conhecimento de seu recurso à época oportuna etc.; tudo em manifesto e evidente prejuízo ao Estado e à Sociedade, cujos representantes legitimamente confiaram na aplicação dos efeitos da regra invalidada. Isso também é manifestamente injusto. Remarquem-se, ainda, os efeitos deletérios futuros para o ordenamento jurídico de uma aplicação retroativa nessas hipóteses. Os oficiais públicos, agora confrontados com a possibilidade de que leis con-

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dicionando e limitando os direitos dos indivíduos para conformá-los com o interesse público, embora mansa e pacificamente aplicadas possam ser declaradas retroativamente inválidas muitas décadas após, anulando-se todos os processos judiciais nos quais foram aplicadas, poderão tender a desafiar a todo instante a validade desses atos normativos, dando um valor quase absoluto aos direitos individuais em prejuízo do interesse público. Por outro lado, um outro problema não menos aflitivo se dá na hipótese oposta. Exatamente para evitar essa circunstância de uma contínua e espraiada desconfiança sobre a validade dessas normas, com o caos e desagregação social que podem decorrer desse estado de permanente incerteza, as cortes superiores, preocupadas com a repercussão de suas decisões no seio da coletividade podem optar por restringir o significado das garantias constitucionais dos indivíduos que, em outras circunstâncias, tenderiam a ampliar. O prospective overruling é instrumento adequado para obviar esses inconvenientes gerados pela adoção pura e simples da invalidação da regra antiga. Em conclusão, pode-se afirmar que a técnica de prospective overruling se presta tanto para mudanças atuais quanto futuras. Na verdade é uma técnica que cresce de importância à medida que as sociedades se tornam mais complexas e os problemas aumentam quantitativa e qualitativamente. Ninguém precisa possuir o dom da profecia para prever que mudanças ocorrerão em um futuro próximo. Qualquer solução legal adequada para lidar com a tendência do direito se tornar defasado e obsoleto deve ser uma solução que possa funcionar adequadamente não só no presente quanto no futuro e o prospective overruling se apresenta com credenciais para ser essa solução. Isso se torna evidente, quando se reconhece que as cortes judiciais, para além da função de resolver disputas, exercem de forma autônoma uma outra função social não menos importante: a de criação e desenvolvimento do direito.

2.3. A técnica de sinalização/aviso (signaling/caveat) Como uma espécie de refinamento da técnica do prospective overruling, as cortes americanas desenvolveram um outro instrumental de grande valia na árdua tarefa de, no desenvolvimento de criação judicial, colimando obter o melhor dos dois mundos propiciados pelos ideais da segurança jurídica e da justiça que em certas circunstâncias podem ser antagônicos. É a técnica de sinalização ou aviso. 295

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Essa técnica geralmente envolve uma decisão pela corte no caso que lhe é posto concretamente para adjudicação com base na antiga regra. Entretanto, após decidir o caso seguindo rígida e expressamente o precedente, segue-se uma seção nos votos, na qual os juízes expressam sua opinião sobre a necessidade de se reexaminar a orientação seguida pela corte, quando o assunto for novamente trazido a sua apreciação. Essa manifestação feita pela corte “não difere em forma ou substância de uma regular decisão judicial”57e demonstra a prontidão da corte para mudar sua opinião sobre a questão. O “aviso”, portanto, é uma técnica pela qual a corte segue um precedente, ao mesmo tempo em que coloca a comunidade jurídica em alerta sobre o fato de que aquele precedente já não é mais confiável. Pelo uso da sinalização, a corte “pavimenta o caminho para invalidar uma doutrina que, de outro modo, teria que ser preservada em razão de uma justificada confiança nela depositada”.58 Após o aviso, porém, nenhuma confiança, ao menos justificada, pode ser utilizada como argumento para manutenção da doutrina, tanto que, muitas vezes, quando a antiga regra é invalidada, não é incomum que as cortes façam retroagir sua decisão até a data em que houve a sinalização, pois a partir daí, não se justificaria mais a confiança na regra. Essa técnica permite às cortes afastar o natural incômodo de invalidar no caso concreto a regra antiga a ainda assim reputá-la válida para o caso, sem que as vantagens do puro prospective overruling sejam afetadas. Na verdade, a sinalização em parte se assemelha ao prospective overruling no qual se fixa uma data futura para que a regra antiga perca validade em favor da estabelecida na decisão invalidatória. Dele se difere apenas porque no aviso a data futura depende de uma condição, uma outra ação judicial que discuta o mesmo assunto, cuja data não pode ser precisada, como ocorre na fixação, na decisão, de um termo no qual se extinguirá a validade da regra antiga.

2.4. Invalidação parcial da regra (Overriding) O overriding ocorre quando a corte reduz o âmbito de uma doutrina anteriormente estabelecida em favor de uma regra ou princípio legal que surgiu depois que a antiga doutrina foi estabelecida.59 Até agosto

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de 1999, o Supremo Tribunal Federal se considerava competente para processar as autoridades destinatárias do foro especial de prerrogativa de função, no exercício dessa função ou mesmo que já cessado o exercício funcional desde que o crime em questão tivesse sido praticado durante o exercício funcional. No inquérito 687-4, o STF limitou essa regra e se considerou competente para processar apenas os exercentes de cargo ou função pública em razão dos quais se lhes confere o foro especial, limitando sua centenária interpretação ampliativa de sua competência constitucional. A modificação da vetusta orientação decorreu do fato de que “a tese consubstanciada na súmula 394 não se refletiu na Constituição de 1988”,60 pois “as prerrogativas de foro, pelo privilégio que de certa forma conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente numa Constituição que pretenda tratar igualmente os cidadãos comuns e não se coadunam com os princípios republicanos e democráticos”.61 Em síntese, a limitação da anterior doutrina ampliativa decorreu do desenvolvimento dos princípios jurídicos existentes há época de seu estabelecimento, em virtude da promulgação da Constituição Federal de 1988, alcunhada pelo saudoso Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”. Na teoria, o overriding nada mais seria do que um caso de uma revogação parcial de uma doutrina precedente geral, em virtude de uma norma especial superveniente que afastaria de forma limitada, através de uma distinção consistente, o âmbito de aplicação da doutrina vinculante. Nessa hipótese, a corte lida com um tipo de situação que não estava envolvida nos precedentes que estabeleceram a doutrina anterior e, assim, conclui que dado o desenvolvimento ulterior do ordenamento jurídico que justificava a doutrina anterior, a situação sob análise deve ser separada para um tratamento diferenciado sob a nova regra. Na prática, porém, quando a corte revoga parcialmente uma doutrina precedente, freqüentemente lida com os mesmos tipos de situações que estavam envolvidas nos precedentes.62 A questão sobre o poder investigatório dos membros do Ministério Público atualmente em franca discussão no seio do Supremo Tribunal Federal, bem poderia exemplificar essa hipótese. No RE 233.072-4/RJ,63 a segunda turma do STF decidiu por maioria de votos que o Ministério Público não tem, sob o argumento de pos-

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suir atribuição para expedir notificações nos seus procedimentos administrativos, competência para promover inquérito penal. No recurso ordinário em habeas corpus no 81.326-7/DF64 a segunda turma explicitou melhor a questão. Cuidava a hipótese de habeas corpus impetrado contra membro do Ministério Público Federal que, para instrução de “procedimento administrativo investigatório supletivo” que tinha por finalidade apurar fato não esclarecido que, em tese, configuraria crime, notificara Delegado de Polícia a fim de prestar esclarecimentos. A Turma, à unanimidade, decidiu que o Ministério Público não tem legitimidade para realizar diretamente diligências investigatórias aos seguintes fundamentos: a)a legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização de diligências investigatórias é de atribuição exclusiva da polícia; b) a questão foi novamente debatida na Constituinte de 1988; c) a Constituição dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, mas a norma constitucional do artigo 129, VIII, não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial; d) não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crimes. A regra, portanto, extraída da fundamentação do acórdão é que, por determinação constitucional, a legitimidade para a realização de diligências investigatórias relativas a crimes é exclusiva da polícia judiciária. No julgamento do HC no 83.157-5,65 a mesma Turma estabeleceu uma distinção, limitando a regra anterior para considerar legítima a oitiva de testemunha diretamente pelo membro ministerial. O ministro Carlos Velloso consignou seu entendimento sobre a legalidade de certos procedimentos investigatórios serem realizados pelo membro do ministério público. Assim se expressou o eminente ministro: “...quero deixar expresso no sentido de que não considero ilegal o fato de a testemunha ter prestado seu depoimento perante o Procurador da República, perante o Membro do Ministério Público. Aliás, é do Ministro Sepúlveda Pertence este exemplo dado a pouco, quando comentávamos a questão: se o agente do Ministério Público recebe uma carta relatando fatos delituosos relativamente a uma certa pessoa, é claro que essa carta vai valer. Agora,

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por que não vale o depoimento prestado a ele, agente do Ministério Público? Quero fazer uma ressalva, porque sou um dos que, na Segunda Turma, sustenta, não obstante as altas funções do Ministério Público, a sua importância no contexto social, que as investigações correm por conta da polícia. É o que está na Constituição, art. 144, § 1o, I, § 4o, art. 129, VIII. Não chego a impedir, entretanto, que o Ministério Público, em certos casos como este, tome o depoimento de alguém, enfim, oriente as provas em que ele vai se basear para oferecer a denúncia, instaurar a ação penal da qual ele é o titular.”(g.n.) Em outra oportunidade, a segunda turma, à unanimidade, reconheceu no HC 82.865-GO (14.10.2003),66 a legalidade de denúncia oferecida pelo Ministério Público pela prática de crimes de abuso sexual contra menores, fundada exclusivamente em sindicância instaurada pelo órgão ministerial com base no artigo 201, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que autoriza ao membro do Ministério Público instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial para apuração de crimes contra menores e, assim, indeferiu a ordem que pretendia o trancamento de duas ações penais instauradas contra o diretor de entidade de amparo a menores, sob a alegação de usurpação, pelo Ministério Público, de atribuições da polícia judiciária. Consta da ementa: “HABEAS CORPUS. ABUSO SEXUAL CONTRA MENOR. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INSTAURAR SINDICÂNCIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). O Ministério Público tem legitimidade para instaurar sindicância para a apuração de crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 201, inciso VII, da Lei 8.069/90). Além da competência que lhe atribui o ECA, é pacífico o entendimento desta Corte de que o Ministério Público não necessita de inquérito policial para instaurar ação penal. Caso que não se confunde com o RHC 81.326 que tratava de falta de legitimidade do Parquet para presidir ou desenvolver diligências pertinentes a inquérito policial.

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A questão relativa à infância e à juventude é regulada por lei especial que tem previsão específica (Lei 8.069/90) Habeas corpus indeferido.” Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que, quando exigido por interesses públicos ou sociais, tais como quando seja necessário investigar a prática de crimes praticados por autoridade policial no exercício de sua função, notadamente quando atentatórios à dignidade da pessoa e aos direitos humanos, deve ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público para proceder diretamente diligências investigatórias para apuração dessas condutas.67 Em todas essas exceções, que de um modo ou de outro limitam e restringem a doutrina geral que considera interdito a investigação direta por parte do Ministério Público, as questões nelas tratadas já tinham sido objeto de apreciação pela corte quando estabeleceu a doutrina anterior, agora objeto de parcial revogação (overriding). A impossibilidade de oitiva direta de testemunha ou suspeito por membro do Ministério Público foi expressamente tratada tanto no RE 233.072-4/RJ, quanto no recurso ordinário em habeas corpus no 81.326-7/DF. A distinção feita no HC no 83.157-5, reconhecendo a legitimidade dessa conduta é inconsistente, pois não existiam diferenças relevantes entre os casos e não decorreu de nenhum desenvolvimento do direito posterior. A decisão proferida no HC 82.865-GO é emblemática. Cuidava a hipótese de sindicância instaurada pelo Ministério Público para apurar a possível prática de crime de abuso sexual contra menor. O próprio Ministério Público realizou as diligências investigatórias pertinentes, instruiu o procedimento administrativo e, na esfera penal, denunciou o acusado como incurso nas penas dos artigos 214 c/c 224, “a”, do CP e artigos 232 e 243 do ECA. A denúncia foi recebida, tendo sido impetrado HC perante o Tribunal de Justiça, a final indeferido. Inconformado, o paciente impetrou novo HC agora perante o Supremo Tribunal Federal. A 2a Turma indeferiu a ordem aos seguintes fundamentos: a) a hipótese não se confunde com o precedente do RHC 81.326 trazido como paradigma; b) a questão é relativa à infância e juventude regulada por lei especial; c) a sindicância resistida na impetração é prevista no ECA e o Ministério Público tem legitimidade para instaurá-la (art. 201, VII). A distinção, portanto, seria a existência de uma lei especial, excluindo a hipótese da regra geral firmada no precedente citado.

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Ocorre que o artigo 201, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma réplica quase fiel do artigo 129, VI e VIII da Constituição Federal, expressamente analisado nos precedentes contrários. Enquanto o ECA autoriza o Ministério Público a instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial para a apuração de ilícitos contra menores, a Constituição autoriza expedir notificações nos procedimentos de sua competência, requisitar informações e documentos para instruí-los, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Ademais, o ECA é anterior à decisão que estabeleceu a doutrina, também não representando nenhuma inovação jurídica que justificasse a aplicação do overriding em seu sentido clássico. Por último, ainda que o ECA fosse posterior, a doutrina, ao menos como estabelecida no HC no 81.326-7, possuiria raízes constitucionais não podendo ser revogada, mesmo que parcialmente, por lei ordinária. Por outro lado, não se pode distinguir esse caso com base na circunstância de que o Ministério Público teria competência para instaurar sindicâncias ou procedimentos administrativos apenas para apurar infrações civis e administrativas e, em assim agindo, ao se defrontar com elementos indiciários de crimes, poderia oferecer denúncia, pois não está adstrito à existência de inquérito policial. Primeiro, a exceção do HC 82.865-GO lida com sindicância para apuração de crimes e não de ilícitos administrativos. Segundo, se essa tese fosse acolhida, a doutrina firmada no precedente seria inexeqüível e por isso deveria ser abandonada. De fato, em praticamente todas as hipóteses de crimes contra a Administração Pública, o Ministério Público poderia licitamente promover diligências investigatórias na seara administrativa, onde inevitavelmente, dada a unicidade dos fatos delituosos, obteria, via investigação administrativa direta e legal, os elementos necessários para a denúncia criminal, restando impossível de ser praticamente executada a regra que afirma a inidoneidade dessas investigações quando feitas diretamente por membro do Parquet. Semelhantemente, todas essas observações se aplicam integralmente à decisão que excepciona da doutrina anterior os crimes praticados por policiais ou contra os direitos humanos, na medida em que, se a legitimidade para realizar diligências investigatórias é exclusiva da polícia judiciária por determinação constitucional e não houve, em se tratando de crimes contra os direitos humanos ou àqueles praticados por agentes policiais, qualquer alteração jurídica subseqüente que introduzisse um novo regramento legal quanto ao tema, essa parcial 301

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revogação da doutrina retoma novamente o aspecto subjacente à primeira decisão sobre a conveniência social de se interpretar a Constituição como tendo ou não outorgado esses poderes instrumentais ao Ministério Público para que ele possa bem cumprir com suas funções constitucionais de defesa dos interesses da sociedade . Na verdade, o overriding é muitas vezes utilizado como um lento e gradual processo de abandono da doutrina através da elaboração de uma série de distinções arbitrárias, ou seja, distinções que são inconsistentes com a doutrina formulada dadas as proposições sociais que deram origem à regra distinguida. Esse processo de declínio da regra pode, por vezes, se iniciar imediatamente após sua proclamação e entre o seu estabelecimento e seu completo abandono, uma plêiade de casos intermediários contribui, cada um de um pequeno modo, para a completa desintegração da antiga regra.68 É certo que essas exceções implicam em uma inconsistência sistêmica da regra, o que não é um atributo desejável do princípio da rule of law. Em termos teóricos, portanto, essa não seria a melhor forma de promover o desenvolvimento do direito. Entretanto, muitas vezes a corte cria uma regra judicial e posteriormente verifica que essa regra não possui congruência social. Essa percepção, porém, não é absoluta e indisputável a ponto da corte decidir pelo imediato abandono da norma. Nessas circunstâncias, a corte acredita que a norma parece não responder aos anseios da sociedade, mas não está plenamente confiante de que essa crença está correta. Como um completo abandono é uma decisão final e definitiva, se a corte invalidar totalmente a doutrina e depois verificar que sua sensibilidade quanto à falta de congruência social da norma estava incorreta, isso implicaria em um grave prejuízo para princípio da estabilidade da doutrina judicial e aparência do direito, fonte da qual muito se nutre a legitimidade das decisões desse poder. Nessas circunstâncias, a corte pode corretamente formular diversas distinções inconsistentes e assim permitir um amplo debate sobre a correção da regra. As discussões doutrinárias que necessariamente decorrerão desse processo transitório inicialmente confuso e inconsistente ajudarão a clarificar a provisória visão da corte sobre a regra, possibilitando, no decorrer do tempo, um paulatino ajustamento da regra até capacitá-la a de forma segura promover sua completa

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invalidação.69 Esse é um custo que, em algumas situações, tem que ser suportado como contrapartida dos inegáveis e imprescindíveis benefícios gerados pelo reconhecimento das cortes judiciárias como fontes de produção normativa.

3. Anotações sobre a compatibilidade do overruling e overriding e a doutrina do efeito vinculante Em virtude do reconhecimento das cortes como fonte de produção normativa e da superação da visão clássica de que elas apenas descobrem o direito, foi possível afastar a visão de que qualquer modificação na doutrina vinculante representava um abrupto rompimento com a idéia pretérita sobre o que o direito significava, sendo o abandono da doutrina reputado como uma revolucionária mudança de curso no presente com a finalidade de corrigir um erro cometido no passado, modelo no qual, tanto o overruling quanto o overriding eram vistos como antitéticos a uma doutrina de eficácia vinculante. Modernamente, a modificação da doutrina vinculante é vista como um aprimoramento do pensamento jurídico passado para adequá-lo ao desenvolvimento social. Dentro dessa ótica, a invalidação parcial ou total de uma doutrina vinculante é considerada como um instrumental intrasistêmico para assegurar a necessária flexibilidade ao ordenamento jurídico. Overruling e overriding entendidos como soluções sistêmicas para evitar a petrificação do direito, fazem parte e complementam a idéia de uma doutrina vinculante. Nesse sentido, como processo decisório, tanto o overruling quanto o overriding não se distinguem em essência das demais decisões judiciais. A uma, porque envolvem uma relação móvel entre os padrões de coerência social do direito, consistência sistêmica do ordenamento jurídico e estabilidade nas decisões judiciais. A duas, porque esse processo de mudança também é regido por princípios institucionais, a saber: i) A doutrina vinculante deve ser invalidada se não satisfaz mais as exigências de congruência social e consistência sistêmica e os valores que legitimam o efeito vinculante, tais como proteção de justificável confiança, defesa contra injusta surpresa, previsibilidade, isonomia, etc., não são melhor servidos pela sua preservação do que pela sua invalidação; ii) quando a doutrina perder sua coerência social e consistência sistêmi-

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ca, mas existir uma justificada confiança na aplicação de seus efeitos, a doutrina só deve ser abandonada se, e somente se, as vantagens de tornar a regra socialmente coerente e sistematicamente consistente, superarem o desvalor moral de não se observarem os valores que legitimam a estabilidade das decisões judiciais e o efeito vinculante. Adotados e observados esses princípios institucionais que regem as decisões que abandonam ou modificam a doutrina vinculante, tanto o overruling quanto o overriding podem servir os valores que subjazem os padrões da estabilidade doutrinária e o princípio do stare decisis tão bem ou melhor que a sua preservação. Nesse sentido, os princípios do overruling e stare decisis não são inerentemente opostos.70

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Considerações Finais

À guisa de uma preliminar conclusão, permitimo-nos levantar algumas teses relacionadas ao tema “efeito vinculante” e que sintetizam as idéias essenciais enunciadas no presente trabalho, com o único escopo de fomentar uma discussão mais aprofundada sobre seu conteúdo. Em termos axiológicos, o efeito vinculante é legitimado pelos princípios constitucionais da igualdade, da legalidade e da democracia; O princípio da isonomia, ao concretizar a regra de justiça de que casos iguais devem ser destinatários de tratamento idêntico, aponta para uma necessidade de coerência do sistema jurídico, coerência essa que se estende também às decisões judiciais. Essa exigência de coerência se manifesta bifronte abrangendo tanto decisões concomitantes quanto decisões separadas por lapso temporal. Essa segunda exigência de coerência – entre decisões pretéritas e futuras – é a base legitimadora do efeito vinculante. O princípio da legalidade enuncia a opção coletiva de substituição do governo dos homens (rule of men) pelo governo das leis (rule of law) que impõe integral obediência de todos os poderes do Estado ao direito. Os valores da obediência a regras legais podem assim ser sintetizados: maximiza a liberdade ao tornar previsíveis as conseqüências legais na sua aplicação aos comportamentos dos cidadãos, permitindolhes planejar seu futuro; maximiza a justiça substancial por não frustrar a confiança dos cidadãos na história institucional pretérita e possibilita um ganho de igualdade ao conferir o mesmo resultado a questões envolvendo um grande número. Previsibilidade, cálculo dos efeitos, segurança jurídica e uniformidade são classicamente vantagens decorrentes do respeito ao princípio da legalidade que justificam a adoção do efeito vinculante. O direito é uma empresa eminentemente interpretativa. Por esse motivo, força é concluir que as Cortes Judiciárias exercem dois papéis fundamentais nas modernas sociedades: o de resolver litígios concretos que se volta para as partes e para o passado e o de complementar e desenvolver o direito legislado que se volta para a coletividade e para o futuro, o que impõe o reconhecimento do Poder Judiciário como uma fonte de produção normativa. 305

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O reconhecimento dessa função criativa do Poder Judiciário traz um correlato dever de pretensão de correção das decisões judiciais que, por tal razão, devem ser justificadas de forma argumentativa e racional. Essa característica permite afirmar que, embora não seja possível estabelecer-se um procedimento que assegure de forma absoluta, verdadeira e inconteste a existência de uma única decisão correta, o sistema aponta para uma idéia regulativa da existência de uma única decisão correta, a fim de assegurar consistência à ordem jurídica. A idéia regulativa da única decisão correta além de ser inferida da exigência de pretensão de correção dos discursos jurídicos é facilmente assimilável quando se reconhece o poder normativo dos tribunais. É que, se o direito é algo imutável, verdadeiro e externo a sua interpretação, qualquer corte, inclusive, uma superior pode errar ao tentar “descobrir” esse direito, porém, se o direito é uma empresa interpretativa e criadora, nenhuma corte pode errar em criar o direito. Como o sistema coloca em sua cúspide as cortes superiores, ao poder de criação do direito a elas conferido deve ser reconhecida uma maior autoridade e, portanto, o poder de vincular as cortes inferiores. Sendo reconhecido, dentro dos limites do sistema jurídico, poder normativo às cortes, curial a conclusão de que as cortes superiores podem legislar para as cortes inferiores através do “efeito vinculante”. Em termos regulativos, as decisões da cortes superiores devem ser consideradas como se fossem as únicas corretas. Como conseqüência, decisão de corte inferior transitada em julgado que contrarie entendimento pacificado no seio dos Tribunais Superiores deve se sujeitar ao juízo revisional, como já acontece com relação às decisões do Supremo Tribunal Federal. O princípio democrático importa no reconhecimento da supremacia do Poder Legislativo para a elaboração das diretrizes políticas a serem desenvolvidas e implementadas com o objetivo de assegurar a boa vida dos cidadãos, através de uma melhoria nas condições econômicas, sociais ou mesmo políticas da comunidade, em razão do princípio da maioria decorrente da forma representativa de sua estruturação. A adoção do efeito vinculante presta respeito ao princípio da maioria, ao capacitar o judiciário a resistir à tentação de repetidamente “legislar” ainda que para o caso concreto, quanto a questões em que existem sérias divergências na comunidade sobre o que é melhor para ela. O judiciário vinculando-se a uma determinada interpretação sobre tais temais, de um lado impede que o Legislativo se demita dessa sua função essencial e, de outro, possibilita à coletividade que inste os seus 306

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representantes legitimamente eleitos a corrigir qualquer interpretação judicial porventura incorreta ou inconveniente. O efeito vinculante, portanto, atua como um autocontrole da função normativa dos tribunais (judicial self-restraint) e reduz o impacto de uma possível arbitrariedade judicial no manejo desse poder criativo que deve se submeter, tanto qualitativa quanto quantitativamente, ao poder normativo do Poder Legislativo. O efeito vinculante não ofende a independência judicial, representando apenas um limite substancial quanto ao conteúdo possível do provimento jurisdicional das cortes superiores, limite esse compatível com a democracia quando imposto pelo legislador democrático. O modelo de vinculação a que as cortes devem se submeter é o modelo normativo. Esse é um modelo formal que parte da premissa de que os tribunais ao decidirem uma causa, não se limitam a proteger os interesses subjetivos das partes, mas também estabelecem pautas gerais e abstratas de condutas para que os membros da coletividade tenham liberdade e segurança para organizar sua vida em sociedade e postular os direitos que o ordenamento jurídico lhes confere. No modelo normativo os tribunais quando decidem uma questão buscam estabelecer uma regra geral e abstrata que abarque uma classe completa de assuntos, da qual os fatos do caso concreto representam apenas uma das hipóteses possíveis. Assim, o holding da decisão que irá vincular as cortes subseqüentes é extraído não só do dispositivo da decisão precedente, mas também dos seus fundamentos justificantes. A adoção do modelo normativo de vinculação impõe o dever de todos os órgãos sujeitos ao poder vinculante do tribunal de observar e executar o julgado tenham ou não integrado o processo no qual foi proferida a decisão, além de estarem vinculados, em suas condutas futuras, pela orientação estabelecida pelo Tribunal nas razões por ele oferecidas para justificar sua decisão. Em sede de controle de constitucionalidade, dada a insustentável tensão de resultados contraditórios que podem vir a surgir de uma aplicação concomitante dos sistemas concentrado e difuso de controle da constitucionalidade, havendo manifestação do STF pelo deferimento ou indeferimento de medida cautelar em processo concentrado, devem ser suspensos todos os demais processos que, em controle difuso, dependam da declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma objeto de aferição objetiva. No que se refere ao Poder Judiciário, o modelo normativo se subdivide em normativo forte e normativo fraco. O modelo normativo for307

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te se aplica no âmbito dos tribunais inferiores e o modelo normativo fraco se aplica no âmbito dos tribunais superiores. No modelo normativo forte os órgãos vinculados não podem limitar, restringir ou revogar o princípio formulado no caso precedente, ao qual devem estrita e rigorosa obediência, ressalvadas raras hipóteses em que podem se valer da técnica da distinção (distinguish). As exceções em que, atuando sob o modelo normativo forte, a corte vinculada pode fazer distinções, temperando e flexibilizando a aplicação da regra estabelecida no precedente vinculante são as seguintes: a) quando houver concorrência com outras regras derivadas de outros precedentes vinculantes ainda válidos; b) quando a regra se baseou em um claro e inadvertido erro; c) quando a corte vinculada se defrontar com situações com a corte vinculante claramente não queria abranger quando estabeleceu a regra; d) quando houver desenvolvimento posterior do direito. Essas exceções são compatíveis com o modelo normativo forte porque são razões que permitem ao juiz se afastar da literalidade de um texto legislativo sem incidir em violação de seu conteúdo. O modelo normativo fraco, que se aplica no âmbito dos tribunais superiores, permite que essas cortes modifiquem ou revoguem seus precedentes se razões suficientemente fortes demonstrarem a necessidade dessas decisões serem adequadas à realidade social que subjaz ao direito, desobrigando essas cortes que são as definidoras da doutrina vinculante de sustentarem teses que julga errôneas ou obsoletas. A vinculação no modelo fraco estabelece uma obrigação condicional das cortes superiores seguirem seus próprios precedentes, sempre que não existam razões substantivas fortes que superem, em um delicado exercício de ponderação, aos valores da segurança jurídica e isonomia. Em virtude da vinculação das cortes aos seus próprios precedentes, a mudança na doutrina vinculante é governada por dois princípios institucionais: a) a doutrina deve ser invalidada se não satisfaz as exigências de congruência social e consistência sistêmica e os valores que legitimam o efeito vinculante, tais como proteção de justiçada confiança, defesa contra injusta surpresa, previsibilidade, isonomia etc., não são melhor servidos pela sua preservação do que pela sua invalidação; b) quando a doutrina perder sua coerência social e sua consistência sistêmica, mas existir uma justificada confiança na aplicação de seus efeitos, a doutrina só deve ser abandonada se, e somente se, as vantagens de tornar a regra socialmente coerente e sistematicamente consistente, 308

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superarem o desvalor moral de não se observarem os valores que legitimam a estabilidade das decisões judiciais e o efeito vinculante. Aplicando-se esses princípios pode-se afirmar que a simples mudança da composição da corte não é razão suficiente forte para se abandonar a doutrina vinculante. Por outro lado, são razões que autorizam o abandono: a) doutrina é obsoleta e está desfigurada por arbitrárias distinções; b) a doutrina é considerada atualmente como plena e substancialmente injusta e/ou incorreta; c) a doutrina é inexeqüível em sua aplicação prática. Na hipótese de perda de coerência social e consistência sistêmica da doutrina, mas existir ainda justificada confiança na aplicação de seus efeitos, as cortes podem se valer da invalidação para o futuro (prospective overruling) ou da técnica de sinalização, que informa a comunidade jurídica acerca da intenção da corte de mudar sua doutrina, o que afasta, a partir do aviso, a justificada confiança na sua aplicação, abrindo caminho para seu abandono. O prospective overruling deve ser governado por dois princípios básicos: a) como ele introduz um tratamento diferenciado entre os eventos ocorridos antes ou depois da decisão, a data crítica para o tratamento diferenciado deve ser a data da decisão que invalidou o precedente ou uma data posterior a essa decisão, b) as partes da lide na qual a regra antiga foi invalidada estão litigando sobre fatos que ocorreram antes da decisão, logo a regra antiga deve ser aplicada a eles. Em síntese, a nova regra só deve ser aplicada a fatos que ocorreram após a invalidação da regra antiga. A regra pode ser invalidada parcialmente em virtude de uma norma especial superveniente que afasta de forma limitada a doutrina geral através de uma distinção consistente. É o chamado overriding. Na prática, porém, o overriding tem sido utilizado como um lento e gradual abandono da doutrina vinculante através da elaboração de inúmeras distinções arbitrárias que culminam por tornar completamente desfigurada a doutrina original, pavimentando o caminho para o seu completo abandono. Em síntese, adotadas as premissas acima deduzidas, pode-se inferir que o efeito vinculante, se corretamente compreendido e aplicado, pode se revelar um eficaz instrumento de desenvolvimento de nosso ordenamento jurídico e aprimoramento do exercício da função jurisdicional.

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Dworkin, “Los Derechos en Sério”, cit., pp. 145 e ss, especialmente p. 278; “O Império do Direito”, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pp. 271 e ss. Contra, Jerzy Wróblewski, “Constitutución y teoria general de la interpretación jurídica”, Cuadernos Cívitas, 1988, pp. 81-93. Alexy, Robert, “Teoria da Argumentação ...”, cit., p. 212. Cf. Item 2.6. Vide Alexy, Robert, “Teoria da Argumentação...”, cit., pp. 213 e ss. Alexy, Robert, “Teoria da Argumentação ...”, cit., p. 213. Como observa Alexy, “Um outro aspecto do vínculo inextrincável está na exigência de correção que também é construtiva da argumentação jurídica. Ao contrário do caso do discurso prático geral, essa exigência não se relaciona com o fato de a afirmação normativa em questão ser ou não absolutamente racional, mas antes, poder ser racionalmente justificada no contexto da ordem jurídica em vigor” (in Teoria da Argumentação... , cit., p. 269). Larenz, Karl, “Metodologia...”, cit., p. 273. Art. 93, IX, da Constituição de 1988. Arts. 5o e 37 da Constituição de 1988. RTJ 89/878. RE 89.108, RTJ 101/207. RE (AgR) 328.812-AM, in: Informativo do STF, no 300, 19 de março de 2003. Neste sentido, a título de exemplo, reportamo-nos ao Resp 5.936-PR, 4a T. DJU de 07/10/91. Teixeira, Sálvio de Figueiredo. “A Criação e Realização do Direito na Decisão Judicial”. Forense, 2003, p. 247. Acórdão publicado no DJU de 20.10.97. Acórdão publicado no DJU de 06/10/97. Alexi, Robert. “Teoria...”, cit., p. 537. Confira-se a esse respeito o artigo 102, caput e inciso I, a, e III, a, b, c, e 105 III, a, b, c, da Constituição Federal. Smend, Rudolf, “Constitucion y Derecho Constitucional”. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, pp. 70 e ss. Idem, p. 71. Idem, pp. 73-74. Idem, p. 75. Idem, p. 149. Burnet v. Coronado Oil & Gas, 285 US 393, 406 (1932), apud Camp, Bryan T. “Bound by the BAP: The Stare Decisis Effects of BAP Decisons”, San Diego Law Review, vol. 34: 1643 (1997). Smend, ob. cit., p. 146. Smend, ob. cit., p. 147. Aristóteles. “Ética a Nicômaco, 1129a”, apud Hans Kelsen, “O que é Justiça?”, Martins Fontes, 2001, p. 124. Kelsen, Hans, “O que é Justiça?”. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 127. Aristóteles. “Ética a Nicômaco, 1132a”, apud Hans Kelsen, “O que é Justiça?”, Martins Fontes, 2001, p. 127. Com o título “ausência de um judiciário democrático”, João Goulart Quirino fez a seguinte observação: “A cidadania aguarda a reforma do Poder Judiciário em curso no Parlamento – em trâmite no Senado Federal – como uma opção de ouro para sua real democratização vez que, tanto na anatomia como na fisiologia, a Instituição ainda continua engessada pela ‘reforma’ concebida e imposta pela Emenda Constitucional no 7/77, que ficou conhecida como ‘pacote de abril de 77’. A reforma autoritária referida acabou

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regulamentada pela também draconiana Lei Orgânica Nacional da Magistratura Nacional, Lei Complementar no 35, de 14 de março de 1979 – LOMN –, que, não obstante de discutível recepção (acolhida) pela Constituição Federal de 1988 – sobretudo à vista do artigo 93 desta –, na prática continua sendo observada pela maioria dos Tribunais do País. Certo é que o Constituinte de 1988 ousou muito pouco na organização do Poder Judiciário, dando margem à subsistência do arsenal autoritário que o oprimiu e comprimiu – durante os anos de chumbo patrocinado pelo regime de força, instaurado em março de 1964”. (Gazeta Mercantil, de 30 de novembro de 2001, seção Opinião, p. 2) Sobre o tema veja-se, Sutil, Jorge Correa, “Reformas Judiciárias na América Latina: Boas notícias para os não-privilegiados”; Garro, Alejandro M. “Acesso à justiça para os pobres na América Latina”, in: Democracia, Violência e Injustiça na América Latina, Juan E. Méndez, Guillermo O’Donnell, Paulo Sérgio Pinheiro, organizadores, Paz e Terra, 2000. Garro, Alejandro M., “Acesso à Justiça... ”, cit., p. 308. O jornal Gazeta Mercantil, de 03 de outubro de 2003, sob o título “Juizados Especiais Federais” traz a seguinte notícia: “O primeiro aniversário da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência do Juizados Especiais Federais (JEFs), foi uma oportunidade para fazer um balanço da situação dos Juizados no país. Desde sua criação, em janeiro de 2002, até agosto deste ano, os JEFs já enfrentam a mesma pressão processual de uma vara federal comum. Nesse período, os juizados de todo o país receberam mais de 830 mil ações e conseguiram julgar pouco mais de 350 mil dessas ações (cerca de 42%). A coordenadora dos JEFs da Primeira Região, Selene Maria de Almeida, ressaltou que, ao se analisarem as estatísticas dos juizados, os quais na Primeira Região – que abrange 14 Estados do Norte, Centro-Oeste e Nordeste – receberam apenas 183 mil processos, enquanto os da Quarta Região – que abrange três Estados do Sul – receberam 338 mil, percebe-se que ‘alguma coisa deve estar errada’. ‘Isso significa que grande parte dos jurisdicionados da Primeira Região ainda não têm acesso à Justiça’, esclarece a desembargadora”. Embora tenha havido uma dinamização no processo judicial, o número de processo julgado pelos Tribunais Superiores só tem aumentado. Segundo nos relata Sálvio de Figueiredo, os processos julgados pelo STF saltaram de 30.829 em 1996 para 83.097 em 2002. O caso do STJ é ainda mais alarmante, tendo sido julgados em 1989 3.711 e em 2002 149.722 processos. (A criação e Realização do Direito na Decisão Judicial, Forense, 2003, pp. 240-242) Abranches, Sérgio. “O Estado”, in: Sociedade, Estado e Partidos na Atualidade Brasileira, Paz e Terra, 1992, pp. 119-121. A exemplo do que pretendeu o constituinte no artigo 37 da Constituição, ao estabelecer os princípios gerais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Jaguaribe, Hélio. “O Sistema Público Brasileiro”, in: Sociedade, Estado e Partidos na Atualidade Brasileira, Paz e Terra, 1992, p. 215. Idem, p. 205. O’Donnell, Guillermo. “Poliarquias e a Inefetividade da lei na América Latina: Uma Conclusão Parcial”, in: Revista Novos Estudos Cebrap, 51, 1998, pp. 37-61. Rawls, John. “Uma Teoria de Justiça”. Lisboa: Editorial Presença, 1993, pp. 191-193. Sobre esse ponto veja-se Canotilho, J. J. Gomes, “Direito Constitucional”, Almedina – Coimbra, 1993 pp. 348 e ss; Silva, José Afonso da, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, RT, 7a ed., 1991, pp. 99 e ss. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. “Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 82.

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Dworkin, Ronald. “O Império do Direito”. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 8. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 21. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 22. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 109. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 116. Idem, p. 231. Idem, p. 118. Idem, p. 119. Idem, p. 120. Idem, p. 120. Dworkin, “O Império...”, cit., pp. 216 e ss. Idem, p. 219. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 223. Idem, p. 225. Idem, p. 228. Idem, p. 255. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 261. Idem, p. 261. Idem, p. 263. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 272. Idem, p. 274. Por caso difícil se entende aquela questão objeto de adjudicação judicial para a qual nenhuma regra do sistema jurídico oferece pautas claras e seguras para solução. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 275. Coelho, Inocêncio Mártires. “Interpretação Constitucional”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997, p. 49. Silva, Celso de Albuquerque. “Interpretação Constitucional Operativa”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 139. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 286. Idem, p. 287. Idem, p. 294. Siqueira Castro, Carlos Roberto. “O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional”. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 11-12. Hart, “O conceito...”, cit., p. 310. Canotilho, ob. cit., p. 373. Apud Goodhart, A. L. “Precedent in English and Constitucional Law”, The Law Quartely Review, no CXCVII, 1934, p. 58. Teixeira, Salvio de Figueiredo. “A Criação e a Realização do Direito na Decisão Judicial”. Forense, 2003, p. 106. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 147. Hart, “O conceito...”, cit., pp. 127-28. Veja-se a esse respeito, Capítulo 1, item 7. Dworkin, “O Império...”, cit., p. 285. STF, Agr. no recurso extraordinário 261.324-0, Rel. Min. Celso de Mello, in Dj de 01/12/2000, p. 85. Birmingham, Robert L. “The neutrality of adherence to precedent”. Duke Law Journal, 1971, pp. 541 e ss. Kelsen, Hans, “O que é justiça?”, cit., p. 133.

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O’Donell, “Poliarquias...”, cit., p. 343. Rawls, John, “Uma Teoria ...”, cit., p. 196. O’Donnell, Guillermo. “Poliarquias e a Inefetividade da lei na América Latina...”, cit., pp. 45-46. 88 Males que também atingem o Poder Judiciário. Em sua obra “A Criação e Realização do Direito na Decisão Judicial”, ao tratar do contexto em que surgiu o Superior Tribunal de Justiça, o Min. Sálvio de Figueiredo, embora an passant, reconhece essas vicissitudes, ao escrever a fls 243: “De outro lado, apregoava-se, quando da sua criação, que o Superior Tribunal de Justiça se prestaria, também, indiretamente, para inibir a atuação de determinados tribunais, que estariam a funcionar sem a desejável eficiência e, o que é pior, com sérias restrições”. (g.n) 89 Gomes, Luiz Flávio. “Súmulas Vinculantes...”, cit., pp. 20-22. 90 Gomes, Luiz Flávio. “Súmulas Vinculantes...”, cit., p. 23. 91 Streck, Lenio Luiz. “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito”, cit., p. 491. 92 Sobre a discussão da compatibilidade do efeito vinculante no sistema da civil law remete-se o leitor para o Capítulo 5 da parte II do trabalho. 93 Carvalho, Paulo de Barros. “Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência”. Saraiva, 1998, pp. 15 e ss. 94 Pierdoná, Zélia Luiza, “Pressupostos Constitucionais Aplicáveis às Contribuições para Seguridade Social”, mimeo. 95 Castanheira Neves, A. “Metodologia Jurídica: problemas fundamentais”. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 25. 96 Perelman ressalta que para as instâncias internacionais, como a Corte Permanente de Justiça Internacional ou a Corte de Justiça das Comunidades Européias, o que conta é o direito efetivamente aplicado, les jus quod est, mesmo se está em oposição aos textos promulgados (in: Lógica Jurídica, Martins Fontes, 2000, p. 187). 97 Kelsen, Hans. “Teoria Pura do Direito” São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 300-301. 98 Para uma análise mais aprofundada sobre o assunto remete-se o leitor ao item 7.3 do Capítulo 1. 99 Veja-se sobre o tema, Hesse. Konrad, “Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha”. Tradução de Luís Afonso Heck, Sérgio Antonio Fabris Editora, 1998, pp. 53-75. 100 Fala-se inconscientemente porque por vezes os defensores dessa tese apresentam afirmações contraditórias. Luiz Flavio Gomes, v.g., afirma: “A súmula vinculante, em derradeira instância, na medida em que impõe coercitivamente ao juiz inferior o seguimento estrito de uma determinada interpretação do texto legal elaborada por um juiz superior, faz tábula rasa da histórica advertência de Montesquieu e viola flagrantemente o disposto no artigo 2o da CF, que contempla um dos princípios fundamentais do Estado Brasileiro, que é a independência dos poderes”. A seguir continua: “No constitucionalismo moderno ninguém mais nega que o juiz é também, um centro de produção normativa. É um verdadeiro lawmaker”. (súmula vinculante..., cit., pp. 20-21). Ora, se se reconhece poder normativo ao juiz, não se entende como se pode afirmar, dentro do princípio da legalidade – decorrência da adoção do princípio de separação de poderes – violação ao artigo 2o da CF/88. Se o tribunal é fonte normativa, nada impede e tudo recomenda que os tribunais superiores legislem para os inferiores. 101 Montoro, André Franco. “O Problema das fontes do Direito”, apud Sálvio de Figueiredo Teixeira. “A Criação e Realização do Direito na Decisão Judicial”, cit., p. 12.

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ADI (EI) 1.289-DF, in: Informativo STF 306/2003. ADI (EI) 1.289-DF, in: Informativo STF 306/2003. In: Informativo STF 240/2001. Sobre o princípio da concordância prática veja-se Konrad Hesse, “Elementos de Direito Constitucional...”, cit., especialmente pp. 67 e ss; sobre o princípio da razoabilidade vejase Suzana de Barros Toledo, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das leis Restritivas de Direito”, Brasília Jurídica, 1996, pp. 33 e ss; Celso de Albuquerque Silva, “Interpretação Constitucional Operativa”, Lumen Juris, 2001, pp. 77-110; sobre o princípio da ponderação, Daniel Sarmento, “A Ponderação de Interesses na Constituição”, Lumen Juris, 2001. Verbis: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. Mendes, Gilmar Ferreira. “Jurisdição Constitucional”. São Paulo: Saraiva 1996, p. 222. Silva, Celso de Albuquerque. “Interpretação Constitucional Operativa”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 70. Embora haja divergência doutrinária quanto à equiparação ou não da interpretação conforme a constituição e a declaração de nulidade sem redução de texto, todos concordam tratarem-se de decisões que agregam sentido ao texto interpretado. Para uma visualização das divergências sobre a similitude ou não entre os dois tipos de decisão, veja-se Streck, “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito”, Livraria do Advogado Editora, 2002, pp. 476-78. Streck, Lenio Luiz, “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 479. Streck, Lenio Luiz. “Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 444. Streck, Lenio Luiz, “Jurisdição Constitucional...”, cit., p. 445. Perelman, Chaïm. Lógica Jurídica”. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 185. Teixeira, Sálvio de Figueiredo. “A Criação e a Realização do Direito na Decisão Judicial”. Forense, 2003, p. 14. Perelman, Chaïm, Lógica Jurídica”, cit., p. 220. Teixeira, Sálvio de Figueiredo, “A Criação e Realização do Direito na Decisão Judicial”, cit., pp. 9-10. Nun, José. “Democracia – Governo do Povo ou Governo dos Políticos”. 1a ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura de Argentina, 2000, p. 11. Dahl, Robert A. “Sobre a Democracia”, tradução Beatriz Sidou, Editora UNB, 2001, p. 22. Conforme seção frases 2000 da revista Veja, edição 1.681, de 27 de dezembro de 2000, p. 17. Bobbio, Norberto. “Teoria Geral da Política”. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 375. Vizcaíno, Catalina Garcia. “Derecho Tributário”. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1998, p. 272. Dahl, Robert A. “Sobre a Democracia”, tradução Beatriz Sidou, Editora UNB, 2001, p. 31. Destutt de Tracy. “A Commentary and Review of Monstesquieu’s Spirit of laws”, Filadélfia, Willian Duane, 1811, p. 19, apud Robert Dahl, “Sobre a Democracia”, cit., p. 120. Finley, M. I. “O Legado da Grécia – uma nova avaliação”. Editora UNB, 1998, p. 37. Rousseau, Jean-Jacqques. “Do Contrato Social III”, Coleção Os pensadores, Ed. Victor Civitas, 1a edição, 1973, p. 91. Bobbio, Norberto. “Teoria Geral da Política”. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 381-2.

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Confira-se sobre esses modelos, Macpherson, C.B. “A Democracia Liberal – Origens e Evolução”. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Dahl, Robert A. “Sobre a Democracia”, cit., p. 50. Canotilho, Gomes J. J. e Moreira Vital. “Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 80. Silva, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional Positivo”, RT, 1991, p. 117. Habermas, Jürgen. “Direito e Democracia entre faticidade e validade – vol. I”. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1997, p. 220. Kelsen, Hans. “Teoria Geral do Direito e Do Estado”. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 281. Nun, José. “Democracia...”, cit., p. 9. Dworkin, Ronald. “Sovereign Virtue The Theory and Practice of Equality”. Harvard University Press, 2000, p. 126. Held, David. “Models of Democracy”. Hartnolls Ltd, Grã-Bretanha, 1996, p. 301. Petti, Philip. “Republic Political Theory”. Cambridge University Press, 2000, pp. 112 e ss. Rousseau, Jean-Jacqques. “Do Contrato Social III”, Coleção Os Pensadores, Ed. Victor Civitas, 1a edição, 1973, p. 115. Berlin, Isaiah. “Quatro Ensaios sobre a Liberdade”. Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 142. Rousseau, Jean-Jacqques. “Do Contrato Social III”, Coleção Os Pensadores, Ed. Victor Civitas, 1a edição, 1973, p. 43. Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. “Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Coimbra editora, 1991, p. 85. Stern, Klaus. “Derecho Del Estado de La República Federal Alemana”. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1987, pp. 237-238. Silva, José Afonso da, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, cit., p. 208. Bobbio, Norberto. “O Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo”. Paz e Terra, 1992, p. 19. Kelsen, Hans. “Teoria Geral do Direito e Do Estado”. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 280. Cappelletti, Mauro. “Juízes Irresponsáveis”, trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1989, p. 22. Marshall, Laurence C. “Let Congress Do it: The case for an absolute rule of statutory Stare Decisis”, Michigan Law Review, 1989, p. 177. Eskridge Jr., William N. “Overruling Statutory Precedents”, The Georgetown Law Journal, vol. 76, 1988, pp. 1.366-1.367. Maltz, Earl. “The Nature of Precedent”, in: North Carolina Law Review, vol. 66, 1988, p. 389. RE 197917/SP, Rel. Min. Maurício Correa, in Informativo STF no 341, de 22 a 26 de março de 2004. Trata-se da PEC 55A/2001 em trâmite no Senado. Apenas para exemplificar referida PEC estava parada na subsecretaria de expediente desde 20/11/2002.. A decisão do STF foi em 24/03/2004. Em 27/05/2004 a PEC foi reativada , tendo sido encerrada a votação em primeiro turno no dia 08/06/2004. No dia seguinte, 09/06/2004, iniciou-se a votação em segundo turno que se encerrou em 29/06/2004, com a rejeição da proposta. Veja-se, ainda, a EC no 20/1998, que alterou o inciso I do artigo 195 da CF/88 por discordar da interpretação dada pelo STF à expressão folha de salário e faturamento; a EC no 29/2000, que modificou a interpretação do STF quanto à impossibilidade de progressividade do IPTU; a EC no 39/2002, que acresceu o artigo 149-A, instituindo a contribuição para cus-

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teio dos serviços de iluminação pública, como forma de superar a interpretação do STF que julgou inconstitucional a cobrança de taxas sobre esses serviços. Canotilho, J.J. Gomes e Moreira Vital. “Os Fundamentos da Constituição”, cit., p. 79. Greenwalt, Kent. “Discretion and Judicial Decision: The Elusive Quest for the Fetters that Bind Judges”, in: Columbia Law Review, 1975, p. 359. Gomes, Luiz Flávio. “Súmulas Vinculantes e Independência Judicial”, RT 739, p. 18. Streck, Lenio Luiz. “Súmulas no Direito Brasileiro. Eficácia, Poder e Função”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 275. Gomes, Luiz Flávio. “Súmulas Vinculantes e Independência Judicial”, RT 739, p. 20. Pelayo, Manoel Garcia. “Derecho Constitucional Comparado”. Madri: Alianza Editorial S.A., 1993, p. 155. Aristóteles. “Ética a Nicômaco”, cit., 1181a e 1181b. Cf. também a propósito, Norberto Bobbio, “Teoria Geral da Política”. Rio de Janeiro: Campus, 2000, pp. 201 e ss, especialmente, pp. 210-212. Barile, Paolo. “Il dovere di Imparzialitá della Pubblica Amministrazione”, in: Scritti Giuridici. Memoria di Piero Calamandrei, vol. IV, Padova, 1956, p. 37. Nesse sentido, o princípio da imparcialidade se confunde com o princípio da legalidade (rule of law) a demandar a regular e imparcial da lei a todos (igualdade perante a lei) que já foi tratada no Capítulo 2 ao qual remetemos o leitor. Nigro, Mario. “La Funzione d´Organizzazione ed i Principi di Efficienza e d´Imparzialitá”, in: Studi sulla Funzione Organizzatrice della Pubblica Amministrazione, Milão, 1966, p. 79. STF, Agr. no recurso extraordinário 261.324-0, Rel. Min. Celso de Mello, in Dj de 01/12/2000, p. 85. Habermas, Jürgen. “Direito e Democracia entre faticidade e validade”. Ed. Tempo Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro, 1997, p. 232. Tzu, Hun. “Equity in Chinese Customary Law”, in: Essays in Jurisprudence in honor of Roscoe Pound 21, 23 no 4, R. Newman Ed., 1962. Pound, Roscoe. “What of Stare Decisis”, in: Fordham Law Review, vol. X, 1941, p. 1. AI (AgR) no 272.328/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ no 170-E, de 01/09/2000. Agravo Regimental no 158.689-DF, da 6a T. do STJ, relator Min. Vicente Chernichiaro, DJ de 19/12/97, p. 67.601. Barros, Marco Antonio de. “Anotações sobre o efeito vinculante”, in: RT-735, janeiro de 1997, p. 106. Schauer, Frederick, “Playing by the Rules”, cit., pp. 171-172. RTJ 113/459. Sobre a similitude entre república e democracia, veja-se Robert A. Dahl, “Sobre a Democracia”, cit., pp. 26-27. Cf. Capítulo 2. Cf. Capítulo 3. Recurso em Mandado de Segurança no 8.793/PB, DJ, de 02/03/1998. Nitidamente assumo, em razão da argumentação que adiante será deduzida, que todos os defensores do efeito vinculante reconhecem a jurisprudência como fonte formal do direito. Nesse diapasão, dentre outras, podem se alinhar as opiniões de Miguel Reale, Carlos Mário da Silva Velloso, Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Augusto Delgado, Walter Nunes da Silva Júnior, Carreira Alvim, Calmon de Passos, Edgard Silveira Bueno Filho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Fernando da Costa Tourinho Neto, Ivan Lira de Carvalho e Saulo Ramos, conforme nos relata Edílson Pereira Nobre Júnior in “O Direito

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Processual Brasileiro e o Efeito vinculante das Decisões dos Tribunais Superiores”, Revista de Processo, RT, vol. 105, p. 84. Para observações sobre a vinculação no direito Italiano, Português e Espanhol, veja-se, Nobre Júnior, Edilson Pereira, “O Direito Processual Brasileiro e o Efeito vinculante das Decisões dos Tribunais Superiores”, in: Revista de Processo, RT, vol. 105, pp. 72-75. Fagundes, M. Seabra. “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”. Forense, 5a ed., 1979, p. 2. Bastos, Celso Ribeiro. “Curso de Direito Constitucional”. Saraiva, 13a ed., 1990, p. 299. O artigo 989 do CPC autoriza o juiz a abrir de ofício o inventário se nenhum dos legitimados o promover. Art. 2o do código de processo civil: nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais. Art. 128 do código de processo civil: o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Art. 5o, XXXV, da CF/88: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito. Vide também artigo 282, III do código de processo civil. Fagundes, M. Seabra, “ O controle dos atos administrativos...”, cit., pp. 158-161. Nicol. Andrew G.L. “Prospective Overruling: A New Device for English Courts?”, in: The Modern Law Reviem, vol. 39, Set. 1976, p. 542. BverfGE (34) 269 at 287, apud Carls Mischke, The inseparability of powers: judge-made law in the German legal system, SA Publiekreg/Public Law, 1992, p. 255. Sobre os limites da criação judicial, remete-se o leitor para o item 4.2 do Capítulo 2 da parte I. Sobre a função normativa da interpretação judicial, remete-se o leitor para o item 4.2.1 do Capítulo 2 da parte I. Cardozo, Benjamin N. “The Nature of the Judicial Process”. New Haven and London Yale University Press, 1977, p. 166. Friedmann, Wolfang. “Limits of Judicial Making”, in: The Modern Law Review, vol 29, 1966 pp. 603-604. Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts London, England, 1991, p. 6. Hardisty, James. “ Reflexions on Stare Decisis” in: Indiana Law Journal, vol. 55, 1979, pp. 42-43 Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts London, England, 1991, pp. 6-7. O autor cita duas decisões em abono de sua tese: a) em Hamberger x Eastman (106 N.H. 107,206 A. 2d 239-1964) a questão era se uma instalação clandestina de um aparelho de escuta no quarto de um indivíduo constituiria um ato lesivo. A corte se valeu da ocasião para acolher a ampla regra de que os indivíduos têm direito à privacidade e este é violado por uma intrusão em sua solidão física e mental, pela divulgação pública de fatos particulares, pela publicidade que os colocasse em uma posição desfavorável e pela apropriação de seu nome ou sua imagem em benefício do réu; b) em Rowland x Christian (69 Cal. 2d 108, 443 P.2d 561, 70 Cal. Rptr 97 – 1968), um convidado alegou que tinha sido prejudicado em virtude da negligência do anfitrião. A corte aproveitou a ocasião para substituir o anterior e complexo sistema de direito comunitário, que regulava o dever de cuidado do proprietário, que impunha diferentes deveres quando se tratasse de invasores, inquilinos e convidados, e substituiu aquele sistema com o padrão geral de razoabilidade.

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Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts London, England, 1991, p. 7. Veja-se, ainda, G. Spann. “Expository Justice”, in: University of Pennsylvania Law Review, vol. 131, 1983, pp. 585 e ss. Segundo o autor o modelo de resolução de disputa dá ênfase na função de resolver disputas, enquanto que o modelo de enriquecimento (expository model of adjudication) dá mais ênfase à função de prover regras. O autor analisa ambos os modelos e argumenta em favor do segundo. Exemplo emblemático dessa afirmação, é o poder discricionário de que se investe a Suprema Corte Americana para decidir que causas irá julgar e que causas não serão julgadas, sem necessidade de qualquer fundamentação da decisão que inadmite a causa para julgamento. Benditt, Theodore M. “ The Rule of Precedent”, in: Precedent in Law. Ed. Laurence Goldstein, Clarendon Press, Oxford, 1987, p. 95. Cf. mais explicitado no Capítulo 6 da parte II. Mendes, Gilmar Ferreira. ”Jurisdição Constitucional”. Saraiva, 1996, p. 129. Clève, Clèmerson Merlin. “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”. RT, 1995, p. 113. Idem, pp. 188-189. No caso de declaração de inconstitucionalidade com efeito erga omnes é comum na linguagem doutrinária e jurisprudencial se falar em atuação do tribunal como legislador negativo. O termo é uma abreviação da máxima stare decisis et non quita movere que poderia ser livremente traduzida assim: mantenha a decisão e não perturbe o que está estabelecido. Cf. Peters, Christopher J. “Foolish Consistency: on Equality, Integrity, and Justice in Stare Decisis”, in: The Yale Law Journal, vol. 105, 1996, pp. 2040-2041. Apud Goodhart, Arthur L. “Precedent in English and Continental Law”, in: The Law Quartely Review, no CXCVII, jan. 1934, p. 41. Borchard, Edwin M. “Some Lessons from the Civil Law”, in: University of Pennsylvania Law Review, vol. 64, 1916, p. 571. Sobre a evolução da doutrina do stare decisis no direito inglês, confira-se Carleton Kemp Allen, “Law in the Making”, Oxford At The Clarendon Press, 1930, especialmente pp.128156; Jim Evans, “Precedent in the Nineteenth Century”, in: Precedent in Law, Clarendon Press – Oxford, 1987, pp. 35-72; T. Ellis Lewis, “The History of Judicial Precedent”, in: The Law Quartely Review, vol. 40, abril 1930, pp. 207-224. Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”. Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts London, England, 1991, p. 49. Lobingier, C. Sumner. “Precedent in past and present legal systems”, in: Michigan Law Review, vol. 44, 1946, p. 955. Se costuma afirmar habitualmente que a regra do caso precedente é unicamente anglosaxã, porém existem evidências de seu uso nos tribunais da antiga Roma e no século XIV nos tribunais europeus antes da revolução francesa. Esta, sem embargo, rejeitou o uso da jurisprudência como fonte formal do direito, mais como um ato de desconfiança para com o antigo regime. Cf. Merryman, John H; Clark, David S; e Haley, John O., The Civil Law Tradition: Europe, Latin America and East Asia. The Michie Company, Virginia, 1994, p. 947. Cf. Capítulo I, item 4.2.1. Jolowicz. “Precedent in Greek and Roman Law”, apud C. Sumner Lobingier, “Precedent in past and present legal systems”, in: Michigan Law Review, vol. 44, 1946, p. 957.

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Gray, John Chipman. “Judicial Precedents – A Short Study in Comparative Jurisprudence”. Harvad Law Review, vol. IX, april 25, 1895 pp. 27-29. Lobingier, C. Sumner. “Precedent in past and present legal systems”, in: Michigan Law Review, vol. 44, 1946, p. 957. Cappelleti, Mauro. “O controle judicial de Constitucionalidade das leis no Direito Comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1992, pp. 82-83. O artigo 140/7 da constituição da Áustria dispõe: “Anulada una ley como inconstitucional o pronunciada sentencia por el Tribunal Constitucional, conforme el párrafo 4, em el sentido de que uma ley es inconstitucional, quedarán vinculados a dicho fallo cualquiera tribunales y órganos administrativos”, in: Constituições Estrangeiras, vol. 5, Brasília, Senado Federal, subsecretaria de edições técnicas, p. 89. BverfGE (34) 269 at 287, apud Carls Mischke, The inseparability of powers: judge-made law in the German legal system, SA Publiekreg/Public Law, 1992, p. 255. BverfGE (65) 182, apud Carls Mischke, The inseparability of powers: judge-made law in the German legal system, SA Publiekreg/Public Law, 1992, p. 256. Parágrafo 31, “As decisões da Corte Constitucional Federal vinculam todos os órgãos constitucionais no nível federal e estadual, como também as cortes e os órgãos do executivo”. Kissel. “Arbeitsgerichte zwischen Recht und Politik” apud Carls Mischke, The inseparability of powers: judge-made law in the German legal system, SA Publiekreg/Public Law, 1992, p. 260. Mischke, Carls, The inseparability of powers: judge-made law in the German legal system, SA Publiekreg/Public Law, 1992, p. 260. Fiedmann, Wolfang, Stare Decisis at Common Law and under the Civil Code of Quebec, The Canadian Bar Review, vol. XXXI, ago./set. 1953, p. 725. Idem, p. 741. Idem, p. 746. Ireland, Gordon, Precedent´s Place in Latin Law, West Virginia Law Quartely and the Bar, vol. XL, Fev., 1934, p. 122. Isso explica também a impossibilidade do Poder Judiciário exercer o controle das leis. Tratando sobre o tema averbou Poletti, “Os de tradição Francesa regem-se, com ênfase, pelo princípio da divisão de poderes. Um Poder não interfere sobre o outro. Logo o controle do ato legislativo não pode caber senão ao próprio Legislativo. Está, então, inviabilizado o controle pelo judiciário. O país que oferece exemplos mais típicos e numerosos de um controle político, de caráter não judiciário, é a França. Nas diversas constituições francesas, a exclusão de um controle judiciário é sempre reiterada. As razões dessa constante histórica são óbvias, como já assinalado acima. E não apenas pelos aspectos ideológicos ali apontados: a idéia de separação de poderes e a manifestação da vontade nacional pelo Parlamento, como também por motivos de ordem estritamente histórica. No ancien regime, posto abaixo pela Revolução, a jurisdição era exercida como um direito patrimonial pelos juízes, possuído de igual maneira como os bens objeto do direito de propriedade, com todos os seus atributos e decorrências. Essas duas ordens de motivos, a ideológica e a histórica, explicam o afastamento de qualquer controle judiciário, bem como a própria existência da jurisdição administrativa na França”, in: Controle da Constitucionalidade das leis, Ed. Forense, 2a ed., 1995, pp. 56-57. Cornu, G. “Droit Civil”, 6a ed., Montchrestien, 1993, p. 100. Bobbio, Norberto. “O Positivismo Jurídico”. Ícone Editora, 1995, pp. 71-72. Cornu, G., “Droit Civil”, 6a ed., Montchrestien, 1993, p. 103. Goodhart, A. L. “Precedent in English and Continental Law”, in: The Law Quartely Review, vol. 50, jan. 1934, p. 42.

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Salès, Jacques. “Why Judicial Precedent is a Source of Law in France”, in: International Business Laywer, vol. 25, jan. 1997, p. 35. Hardisty, James. “Reflexions on Stare Decisis”, in: Indiana Law Journal, vol. 55, 1979, p. 56. Baudry-Lancatinerie. “Traite Theor. Prat. Dr. Civ.”, 2a edição, 1902, §§ 233-250, apud Gordon Ireland, “Precedent’s place in latin law, West Virginia Law Quartely and the Bar, vol. XL, fev. 1934, p. 121. Exceção feita aos países que adotaram a forma extremada de separação de poderes, dos quais a França é exemplo exponencial com visto no item anterior. Rodrigues, Leda Boechat. “A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano”. 2a ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1992, p. 12. Art. 91, IV, atual art. 52, X, da Constituição Federal de 1988. Poletti, Ronaldo. “Controle da Constitucionalidade das leis”. 2a ed. Forense, 1995, p. 62. Sobre essa evolução constitucional no controle de constitucionalidade das leis, v. Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito...cit. pp. 63-73, Gilmar Ferreira Mendes, “Jurisdição Constitucional... cit. pp. 60-83; e Bianca Stamato Fernandes, “Ação Direta de Inconstitucionalidade e seu efeito vinculante: Uma análise dos limites objetivo e subjetivo da vinculação”, in: Temas de Constitucionalismo e Democracia, Ed. Renovar, 2003, pp. 175-188. Art. 103. Podem propor a ação de inconstitucionalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembléia Legislativa, V – o Governador do Estado; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, em 01/12/2003, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, realçou exatamente que, naquele ano, o STF encerraria suas atividades com um novo perfil, em virtude da tomada de várias decisões “que reforçam o controle concentrado” perante as demais instâncias do judiciário. Segundo o Ministro, isto “ É uma revolução. O STF não será mais visto apenas como a última instância do Judiciário, onde todos os processos terminam – o que já lhe garante fundamental importância. Mais do que isso, passa a exercer poder direito sobre os processos que correm nas instâncias inferiores”. O ministro se referia as decisões que reconheceram a constitucionalidade da atribuição, por lei, do efeito vinculante de suas decisões proferidas também em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Ainda segundo o Ministro, esse novo perfil propiciará “maior segurança jurídica”, na medida em que as cortes inferiores estarão vinculadas pelas decisões do STF proferidas no controle abstrato de constitucionalidade, além de permitir maior celeridade na apreciação e solução das questões, pela possibilidade do manejo da reclamação diretamente ao STF, por qualquer pessoa para reformar posições de cortes inferiores em desconformidade com o entendimento esposado pelo STF. Costa, Sílvio Nazareno, “Súmula Vinculante e Reforma do Judiciário”, cit., p. 168. Parte da doutrina considera que referido artigo 38 da Lei no 8.038/90, instituiu efeito vinculante às súmulas do STJ e STF.Assim Silvio Nazareno Costa ao analisar referido dispositivo, considera que referido artigo apresenta eficácia e natureza normativas, característica que conferiria efeito vinculante às súmulas do STJ e STF (Súmula Vinculante e Reforma do Judiciário, Ed. Forense, 2002, pp. 116-117). Discordamos desse entendimento. Parece-nos que essa disposição representa uma fase intermédia entre uma absoluta liberdade do juiz para desconsiderar a força do precedente judicial e uma compulsoriedade em segui-lo decorrente do efeito vinculante. Note-se que o dispositivo impõe, é

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certo, que o relator não conheça de recurso que se volte contra uma decisão judicial proferida em respeito à súmula do STJ ou STF, no que confere certa obrigatoriedade de manutenção da interpretação já cristalizada no seio daqueles tribunais, mas nada impede que conheça, mas negue provimento, a recurso que arroste decisão contrária à súmula dos tribunais superiores. Ora, se o tribunal pode manter uma decisão de primeira instância que contrariou a súmula, não se pode afirmar que ele está absolutamente vinculado pelo enunciado sumular. É como se disse, uma obrigatoriedade parcial. Uma posição intermédia. Se a decisão recorrida privilegiou a súmula, o tribunal está obrigado a mantêla e a se submeter ao enunciado sumular. Caso contrário, por mais paradoxal que possa parecer, se a decisão recorrida contrariou a súmula, o Tribunal, nos termos da lei, embora esteja obrigado a conhecer do recurso, não está obrigado a lhe dar provimento. É, portanto, livre para se submeter ou não ao enunciado sumular. Na primeira hipótese, conhece do recurso e lhe dá provimento, adequando a decisão recorrida à súmula contrariada. Na segunda hipótese, conhece do recurso, mas lhe nega provimento, mantendo a decisão que contrariou a súmula e, ipso facto, contrariando-a também, pois o acórdão substitui a sentença. O art. 557 e seu § 1o-A, do Código de Processo Civil, amplia o alcance dos objetivos colimados no artigo 38 da lei no 8.038/90, pois se refere, também, à sumulas do próprio tribunal onde o recurso foi interposto e se refere também à jurisprudência dominante, mesmo que ainda não sumulada. A seu turno, o § 1o-A, faculta ao relator, desde logo dar provimento a recurso que estiver em confronto com súmula do STJ ou STF. É um avanço em relação ao disposto na Lei no 8.038/90, mas não lhe altera em essência, na medida em que apenas permite (O relator poderá), seja dado desde logo provimento ao recurso por decisão singular. Tivesse o legislador utilizado o verbo em sua forma imperativa – dará – e então estaríamos diante da adoção do instituto da súmula vinculante. Sobre prévias experiências de vinculação a precedentes judiciais, confira-se Sílvio Nazareno Costa, “Súmula Vinculante e Reforma do Judiciário”, cit. especialmente pp. 105-111. Essas determinações legais estão previstas também na PEC 29/2000, que trata da reforma do Judiciário. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1o A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2o Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula, poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3o Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgandoa procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

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Art. 8o. As atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial. Art. 105-A O Superior Tribunal de Justiça poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação, constituir-se-á em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra decisão que a houver aplicado, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1o A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2o Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada originariamente perante o Superior Tribunal de Justiça por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3o São insuscetíveis de recurso e de quaisquer meios de impugnação e incidentes as decisões judiciais, em qualquer instância, que dêem a tratado ou lei federal a interpretação determinada pela súmula impeditiva de recurso. Art. 111-B. O Tribunal Superior do Trabalho poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação, constituir-se-á em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra decisão que a houver aplicado, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1o A súmula terá por objetivo, a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2o Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada originariamente perante o Tribunal Superior do Trabalho por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3o São insuscetíveis de recurso e de quaisquer meios de impugnação e incidentes as decisões judiciais, em qualquer instância, que dêem à legislação trabalhista a interpretação determinada pela súmula impeditiva de recurso. Para uma ampla visão comparativa sobre os diversos sistemas jurídicos, veja-se David, René, “Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo”, Ed. Martins Fontes, 1998. Essa obrigatoriedade não é absoluta. A doutrina prevalente do stare decisis tem flexibilizado essa compulsoriedade quando presentes certas condições. O assunto será tratado com mais profundidade nos capítulos seguintes. Lobingier, C. Sumner. “Precedent in Past and Present Legal Systems”, in: Michigam Law Review, vol. 44, 1946, p. 960. Gray, John Chipman. “Judicial Precedents – A short Study in Comparative Jurisprudence”, in: Harvard Law Review, vol. IX, abril 25, 1895, p. 40. Costa, Sílvio Nazareno. “Súmula Vinculante e Reforma do Judiciário”. Ed. Forense, 2002, pp. 9-10. Confira-se a esse respeito, o título 28 do código dos Estados Unidos, que constitui o compêndio legislativo de toda a organização judicial federal nos Estados Unidos, onde se regula desde o número de juízes da Corte (§ 1o) e seus salários (§ 5o), até a forma em que devem ser impressos e distribuídos os volumes das decisões dos tribunais.

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Water act de 6 de julhk de 1989 e water industry act, de 25 de julho de 1991. Gás act, de 25 de julho de 1986. Electricity Act, de 27 de julho de 1989. Telecommunications Act, de 12 de abril de 1984. Environmental Act, de 12 de julho de 1995. Desregulation and Contracting Out Act, de 03 de novembro de 1994. MacCormick, Neil. “Why Cases Have Rationes and What These Are”, in: Precedent in Law, Clarendon Press-Oxford, 1987, p. 155. Sobre a função criativa do juiz remete-se o leitor ao Capítulo 2 da parte I desta obra. Cappalli, Richard B. “The American Common Law Method”. Transnational Publishers, Inc., New York, 1997, p. 56. Veja ainda, Benjamin Cardozo, “The Nature of the Judicial Process”, New Haven and London University Press, 1921, p. 148. Heck, Luís Afonso. “O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais – contributo para uma compreensão da jurisdição constitucional federal alemã”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 161. Idem, pp. 167-168. Hardisty, James. “Reflections on Stare Decisis”, in: Indiana Law Journal, vol. 55, 1979, p. 56. Esses inconvenientes intrínsecos ao sistema, que se ampliaram com o fortalecimento do poder judiciário operado pela Constituição de 1988, foram um dos principais motivos para a introdução da ação declaratória de constitucionalidade no direito brasileiro e do efeito vinculante das decisões nela proferidas, a fim de conferir ao sistema um instrumento célere para superar tais inconvenientes, como, ao apontar as razões para sua instituição, bem esclarece Clèmerson Clève: “Afirme-se que a Constituição de 1988 prestigiou o Poder Judiciário e, mais do que isso, ofereceu a ele meios para, de modo eficaz, fiscalizar a atuação dos demais Poderes do Estado e dar vazão ao exercício da cidadania. Todavia, um dos aspectos que mais tem preocupado o país, pelo prisma da nova ordem constitucional, é a valorização dos juizados de 1a instância – louvável conquista da cidadania – sem a contrapartida de um instrumento processual de uniformização célere, omissão incompreensível do constituinte na conformação do controle difuso e concentrado de constitucionalidade. A força outorgada aos juízes de 1a instância, sem um instrumental adequado de ação para os tribunais superiores, subverte a hierarquia necessária – e mais do que isso – a tranqüilidade para a preservação da ordem jurídica, pois qualquer questão constitucional da maior relevância pode ser decidida de forma satisfativa, desde que o tribunal imediatamente superior não suspenda a eficácia de decisões que garantam benefícios ou direitos... As decisões desencontradas do judiciário em questões que aguçam a sensibilidade dos jurisdicionados, a curiosidade da mídia e a preocupação governamental, sobre trazerem a intranqüilidade à população, o descrédito da função jurisdicional e a quebra do significado da Constituição, favorecem também a emergência de importante lesão ao princípio da isonomia, na medida em que ensejam tratamento desigual de situações iguais” (A fiscalização abstrata..., cit., pp. 183-184). Sobre a argumentação no processo judicial remete-se o leitor para o item 6 e 7.1.1 do Capítulo 1 da parte I. Kerpel, Ana Laura Magaloni. “El Precedente constitucional en el sistema judicial norteamericano”. Madri: McGraw Hill, 2001, pp. 169-170. Cf. a esse respeito, item 7.3 do Capítulo 1 da parte I. STF, medida cautelar em recurso extraordinário no 376.852-2, rel, Min Gilmar Ferreira Mendes, DJ de 13/06/2003.

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Costa, Sílvio Nazareno. “Súmula Vinculante e Reforma do Judiciário”. Forense, 2002, p. 200. Costa Neto, Nicolau Dino da Costa. “A Reforma do Judiciário – o Retorno”, in: Jornal da Associação Nacional dos Procuradores da República, março de 2004, p. 3. Capítulo 3, parte I, item 5.2. Vide nota 71 supra. Sobre precedentes persuasivos, veja-se, Bronaugh, Richard, “Persuasive Precedent”, in: Precedent in Law, Clarendon Press, Oxford, 1987, pp. 217-247. Stone, Julius. “The Ratio of The Ratio Decidendi”, in: The Modern Law Review, vol 22, 1959, p. 600. MacCormick, Neil. “Why Cases have Rationes and What These Are”, in: Precedent in Law, Clarendon Press – Oxford, 1987, p. 170. Salmond. “Jurisprudence”, 2a edição, London, 1907, p. 174 apud Ugo Mattei, “Stare Decisis”, Giufrè Editore, Milano, 1988, p. 203. Maltz, Earl. “The Nature of Precedent”, in: North Carolina Law Review, vol. 66, 1988, p. 372. MacCormick, Neil. “Why Cases Have Rationes and What These Are”, in: Precedent in Law, pp. 158-159. Cappalli, Richard B. “The American Common Law Method”, Transnational Publishers Inc., New York, 1997, p. 39. Lile, W. M. “Some Views on the Rule of Stare Decisis”, in: Virgínia Law Review, vol. IV, 1916, p. 98. 6 Wheat 264, 399, apud, Lile, W. M. “Some Views on the Rule of Stare Decisis”, in: Virgínia Law Review, vol. IV, 1916, p. 98. Súmula 64 do STJ. “Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.” Recurso ordinário no habeas corpus no 13.894-PI, relator Ministro Jorge Scartezzini. Maltz, Earl. “The Nature Of Precedent”, in: North Carolina Law Review, vol. 66, 1988. p. 379. Silva, Celso de Albuquerque. “Interpretação Constitucional Operativa”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pp. 61-62. Idem, p. 64. Idem, p. 65. Idem, pp. 65-66. Cf. item 2 do Capítulo 4 da parte II deste trabalho. Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”, in: Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, London, England, 1988, p. 52. Na verdade, o autor utiliza o termo enrichment model para o terceiro modelo, que aqui foi substituído pelo vocábulo “normativo”. Moore, Michael. “Precedent, Induction, and Ethical Generalization”, in: Precedent in Law, p. 190. Moore, Michael. “Precedent, Induction, and Ethical Generalization”, in: Precedent in Law, p. 197. Idem, pp. 200-205. Cf. Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, pp. 571 e 592-593. Hardist, James. “Reflections on Stare Decisis”, in: Indiana Law Journal, vol. 55, 1979, p. 56. Nesse sentido, pode-se citar o pensamento de Julius Stone, quando criticando a teoria de Arthur Goodhart, afirma que o juiz, ao decidir uma causa, não se limita a mecânica e automaticamente selecionar os fatos materiais do caso precedente e deles extrair a regra

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ou principio geral (ratio decidendi) que irá governar o caso subseqüente. Ao contrário, ao decidir, realça o papel que todos os precedentes, todos os argumentos e todos os princípios devem servir ao mister de fazer justiça entre as partes litigantes, e se a justiça não pode ser alcançada através dos precedentes, os juízes em última instância devem recorrer aos princípios da razão, da moralidade e utilidade, aos princípios éticos gerais, com os quais decisões expressas raramente conflitam. Isso tudo não significa dizer que as cortes não seguem precedentes, não extraem rationes decidendi de casos e não decidem casos subseqüentes com base em tais rationes. Elas fazem isso, dizendo que alguns fatos são materiais ou importantes e outros são imateriais ou desimportantes. Essa diferenciação não é lógica, mas ética. Mas, então, a “rule of law” assim definida pelo precedente estará sujeita em sua futura aplicação a uma contínua revisão, não simplesmente na base de analogias lógicas e diferenças de fatos e conceitos envolvidos no novo caso, mas em termos da importância e significado que essas analogias e diferenças possuem com relação ao que é justo para o caso em julgamento (The Province and Function of Law, Wm.S.Hein & Co., 1946, pp. 189-190). Veja-se também Edward Hirsch Levi, “An Introduction to Legal Reasoning”, in: Jurisprudence, Text and Readings on the Philosophy of Law, West Publishing Co., St. Paul Minn., 1973, pp. 962-967, e Stone, “The Ratio of The Ratio Decidendi”, in: The Modern Law Review, vol. 22, 1959, pp. 597-620. Veja MacCormick, Neil. “Why Cases Have Rationes and What These Are”, in: Precedent in Law, Clarendon Press, Oxford, 1987, pp. 158 e 162-165. Veja Postema, Gerald J. “Some Roots of our Notion of Precedent”, in: Precedent in Law, Clarendon Press – Oxford, 1987, pp. 13-15. Assim, por exemplo, R. Cross, para quem “A ratio decidendi de um caso é qualquer regra legal expressa ou implicitamente considerada pelo juiz como um passo necessário para chegar a sua conclusão, levando em consideração a linha de argumentação adotada por ele”. In: Precedent in English, 3a ed., Oxford, 1977, p. 76. MacCormick Neil, “Why Cases Have Rationes...”, cit., p. 171. Smith, Peter Wesley. “Adjudication, and Status of Stare Decisis”, in: Precedent in Law, pp. 73-74. Veja, Smith, Peter Wesley. “Adjudication, and Status of Stare Decisis”, in: Precedent in Law, cit., p. 75. Veja Postema, Gerald J. “Some Roots of our Notion of Precedent”, in: Precedent in Law, pp. 11-12. O item 2 do Capítulo 4 da parte II e item 4.2.1 e ss., do Capítulo 2 da parte I trataram da questão em termos ideológicos, ou seja, com relação à tensão entre legislação e jurisdição. Adicionalmente se enfrentará a questão em termos lógica, acerca da possibilidade, logicamente falando, da universalização de uma regra particular. Lafer, Celso. “A reconstrução dos Direitos Humanos”. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 74. Perelman, Chaïm. “Lógica Jurídica”. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 156. Nesse sentido os capítulos 1 e 2 da parte I. Smith, Peter Wesley. “Adjudication, and Status of Stare Decisis”, in: Precedent in Law, p. 81. Smith, Peter Wesley. “Adjudication, and Status of Stare Decisis”, in: Precedent in Law, pp. 81-82. Hart, Herbert L. A. “O Conceito de Direito”. Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 155. Postema, Gerald J. “Some Roots of our Notion of Precedent”, in: Precedent in Law, p. 15.

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Moore, Michael S. “Precedent...”, cit., p. 187. Sobre essa capacidade das cortes, veja Neil MacCormick, “Why Cases have Rationes and What These Are”, in: Precedent in Law, pp. 162-169. Schauer, Frederick. “Playing by The Rules”, Clarendon Press-Oxford, 2002, p. 185. Goodhart, A. L. “Precedent in English and Continental Law”, in: The Law Quartely Review, no CXCVII, jan. 1934, p. 59. Cardozo, Benjamim N. “The Nature of the Judicial Process”, New Haven And London Yale University Press, 1977, p. 166. Benditt, Theodore M. “The Rule of Precedent”, in: Precedent in Law, p. 92. Bobbio, Norberto. “Locke e o Direito Natural”. Brasília: UNB, 2a ed., 1992, p. 58. Larenz, Karl. “Derecho Justo Fundamentos de Etica Juridica”. Editorial Civitas S.A., 1993, p. 21. Idem, p. 22. Idem, p. 28. Idem, p. 29. Idem, p. 30. Idem, p. 32. Idem, p. 38. Idem, p. 41. Idem, p. 44. Idem, pp. 47-50. Idem, p. 51. Idem, p. 52. Perelman, Chaïm. “Lógica Jurídica”. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 142-143. Idem, p. 156. Essa é a hipótese da coisa julgada, ou ainda, de um resultado originariamente injusto se tornar justo para casos subseqüentes, em função dos valores da segurança jurídica e isonomia, que decorrem da tão só injusta decisão anteriormente prolatada, quando isso é o moralmente correto a ser feito. Larenz, Karl. “Derecho Justo Fundamentos de Etica Juridica”. Editorial Civitas S.A., 1993, p. 52. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio. “Introdução ao Estudo do Direito”. São Paulo: Atlas, 1994, p. 50. Smith, Peter Wesley. “Adjudication...”, cit., in: Precedent in Law, pp. 75-76. Idem, p. 83. Cf. Llewellyn, K.N. “The Brumble Bush”, Oceana Publications, Inc., Dobbs Ferry, New York, 1969, p. 69. Goodhart, Arthur, L. “Determining The Ratio Decidendi of a Case”, in: Jurisprudence by George C. Christie, West Publishing Co., St. Paul, Minn, 1973, p. 936. Idem, p. 924. Idem, pp. 932-933. Idem, p. 925. Idem, p. 928. Idem, p. 929. Idem, pp. 932-935. Idem, p. 936. Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, fev. 1987, pp. 573-574. Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, fev. 1987, pp. 574-575.

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Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, fev. 1987, p. 589. Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, fev. 1987, p. 577. Schauer, Frederick. “Precedent”, in: Stanford Law Review, vol. 39, fev. 1987, p. 579. Idem p. 581. Veja-se Larenz, Karl. “Metodologia da Ciência do Direito”. Fundação Calouste Gulbekian, 1997, p. 506, para quem a meta da interpretação das resoluções judiciais só pode ser precisamente averiguar a concepção do tribunal, quer dizer, a opinião jurídica do juiz. Stone, Julius. “The Ratio of The Ratio Decidendi”, in: The Modern Law Review, vol. 22, nov, 1959, p. 603. Idem, p. 603. O próprio Goodhart reconhece esse defeito de seu modelo, mas entende que essa possibilidade não interfere com a validade de seu modelo, porque, a seu sentir, as cortes inglesas não agem dessa forma. Essa defesa é totalmente inaceitável, mas ainda que fosse verdadeira para a Inglaterra, com certeza não é válida para a realidade brasileira, que é a que no fim das contas interessa. Voto condutor do Min. Néri da Silveira, no RE no 228.977-2/SP, DJ de 12/04/2002. Min. Moreira Alves no voto preliminar sobre a constitucionalidade da ação declaratória, proferido na ação declaratória no 1, in: “Ação Declaratória de Constitucionalidade”, Coordenação Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Saraiva, Saraiva, 1994, p. 198. Veja-se Dinamarco, Cândido Rangel: “Somente o preceito concreto contido na parte dispositiva das sentenças de mérito fica protegido pela autoridade da coisa julgada material, não os fundamentos em que ele se apóia. Essa regra é enunciada por exclusão nos três incisos do art. 469 do Código de Processo Civil, segundo os quais não fazem coisa julgada os fundamentos postos na motivação da sentença, nem a verdade dos fatos tomada como fundamento da decisão, nem a solução dada incidentalmente e eventuais questões prejudiciais (incs. I-III). Ainda que nada dispusesse a lei de modo explícito, o confinamento da autoridade da coisa julgada à parte dispositiva da sentença é inerente à própria natureza do instituto e à sua finalidade de evitar conflitos práticos de julgados, não meros conflitos teóricos (Liebman)” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III. 2a ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 312-313) e Pontes de Miranda: “A verdade dos fatos em que se funda a sentença não faz coisa julgada, porque o juiz pode ter tido como verdadeiro o fato que não era. Disse, com acerto, Celso Neves (Contribuição ao Estado da Coisa Julgada Civil, 505), a respeito do alcance da coisa julgada, que se “limita, objetiva e subjetivamente, à relação jurídica deduzida em juízo e o objeto do decisum, sem cobrir o sistema lógico da sentença, nem à verdade aí atribuída aos fatos” (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V, arts. 444 a 475. 3a ed. rev. e atual.; atualizador: Sérgio Bermudes; Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 137). Mendes, Gilmar Ferreira. “A ação declaratória de Constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional no 3, de 1993”, in: Ação Declaratória de Constitucionalidade, Saraiva, 1994, p. 102. Mendes, Gilmar Ferreira, ob. cit., p. 104. DJ de 19.09.2003, rel. Ministro Maurício Correa. In: Informativo STF no 323, 29/09 a 03/10/2003. DJ, de 23/05/2003. A norma da constituição do Rio Grande do Sul possuía a seguinte dicção: Art. 95. Ao Tribunal de Justiça além do que lhe for atribuído nesta Constituição e na lei, compete: XII – processar e julgar: d – a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normati-

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vo estadual perante esta Constituição, e municipal perante esta e a Constituição Federal, inclusive por omissão. DJ, de 26/04/2002. Ambas publicadas no DJ de 01/03/2002. DJ, de 21/05/1999. Min. Sepúlveda Pertence na ADC no 04-DF, DJ, de 21/05/1999. Mendes, Gilmar Ferreira. “A Ação Declaratória de Constitucionalidade: A Inovação da Emenda Constitucional no 3, de 1993”, in: Ação Declaratória..., cit., p. 56. STF na Reclamação no 1.880/SP, DJ, de 19 de março de 2004. Min. Sepúlveda Pertence, na ADI 1244-4/SP (QO), 28/08/1997, rel. Min. Neri da Silveira, in Informativo STF no 81, 25 a 29/08/1997, p. 1. Informativo STF no 321, 23/09/2003. ADI/MC no 596/RJ, DJ, de 22/11/1991. Rp no 1356, DJ, de 14/11/1986, RTJ 120/64. Informativo STF no 321, 23/09/2003, p. 11. Recurso Extraordinário no 167.277-9/RS, DJ, de 29/05/1998, Reclamação 935-0/DF, DJ, de 17/10/2003. ADPC 33 MC/PA, Informativo do STF no 327, de 27 a 31/10/2003. No julgamento da Reclamação 1.880-6/SP, o pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou constitucional o artigo 28 da Lei no 9.868/99, que conferiu eficácia vinculante aos julgamentos definitivos de mérito proferidos pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade. ADC 4-6/DF, relator Ministro Sydney Sanches, DJ, de 21/05/1999. Idem. Ministra Ellen Gracie, na reclamação 2.063-1/RJ, DJ, de 05/09/2003, voto vencido. STF 1a Turma, 220271-8/RS, 221756-1/RN, DJ, 03/04/1998. Reclamação 2.063-1/RJ (QO), DJ, de 05/09/2003. Ob. cit., p. 165. Beltrán de Felipe, Miguel, " Originalismo e Interpretación". Madrid: Ed. civitas, 1989, p. 67. Martins, Ives Gandra da Silva. “Ação Declaratória de Constitucionalidade”. Saraiva, 1995, p. 132. Vide item 6.3 adiante. O Supremo Tribunal Federal, no agravo regimental na reclamação no 1880-6/SP, DJ, de 19/03/2004, fixou uma exegese mais restrita, permitindo acesso à reclamação destinada a assegurar a autoridade de decisão vinculante da Corte, apenas àqueles que demonstrarem regular interesse de agir. Apud Gilmar Ferreira Mendes, ob. cit., p. 105. Ávila, Humberto. “Teoria dos Princípios”. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pp. 26-30. Idem, pp. 30-31. Itálicos do autor. Ávila, Humberto, “Teoria dos Princípios”, Malheiros Editores, 2003, p. 44. Sobre a relação entre coerência, igualdade e legalidade, remete-se o leitor ao item 6 do Capítulo 1 e item 3.2.2 do Capítulo 2, ambos da parte I. Ávila, Humberto. “Teoria dos Princípios”, Malheiros Editores, 2003, p. 35. Silva, Celso de Albuquerque. “Interpretação Constitucional Operativa”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 79. O exemplo é uma adaptação do oferecido. Humberto Ávila, “Teoria...”, cit., p. 38. Cappalli, Richard B. “The American Common Law Method”. Transnational Publishers, Inc. , New York, 1996, p. 25.

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126 Cf. item 6.1.4. supra. 127 Ávila, Humberto, “Teoria dos Princípios”, cit., pp. 40-41. 128 De fato, modificar uma regra é gênero de que ampliar e restringir são espécies. Entretanto, modificar ampliando parece ser mais defensável do que modificar restringindo. Isso porque, de regra, em nossa vida comum nós não nos expressamos com base em afirmações exaustivas e únicas. Exceto, diante de certas condições especiais, não é considerada uma regra de discurso que quando fazemos uma afirmação, significa que dissemos tudo o que nós temos que dizer. Por outro lado, é regra de discurso, concretizada no princípio da não contradição, que uma vez que dissemos algo, não podemos, injustificadamente, recuar no que foi dito. Fora do nosso agir comum, entretanto, em certas áreas como na legislação e nas decisões judiciais nós consideramos que o que é dito simultaneamente diz algo e marca os limites de algum domínio. Nesse sentido, o que foi dito pressupõe a existência de dois grupos: o grupo realmente especificado e um grupo mais geral que poderia ter sido especificado, mas não foi. A questão a decidir, dada a ausência de especificação é qual é esse grupo mais geral. E isso é em larga medida uma função de se o grupo mais geral poderia ter sido especificado. Se ele poderia, mas não foi, ampliar a norma se mostra inconsistente. Por outro lado, se temos razões para considerar que ele não poderia ter sido especificado ao tempo em que proferida a decisão vinculante, nada impede, embora também não obrigue que se proceda a extensão do precedente ao caso posterior. 129 DJ, de 06/06/2003 1 Pound, Roscoe. “What of Stare Decisis”, in: Fordham Law Review, vol. 10, 1941, p. 13. 2 Schauer, Frederick. “Playing By The Rules”. Clarendon Press-Oxford, 2002, p. 182. 3 Prott, Lyndel V. “When will a Superiour Court Overrule Its Own Decision?”, in: The Australian Law Journal, vol. 52, jun./1978, pp. 314-315. Veja também, Karl Llewellyn que lista de forma incompleta, como o próprio autor reconhece, cerca de trinta e duas técnicas utilizadas pelas cortes para seguir o precedente e dezesseis técnicas para evitar o precedente, seja, limitando-o ou abandonando-o completamente (The Common Law Tradition – Deciding Appeals, Little, Brown and Company, Boston-Toronto, 1960, pp. 77-87). 4 O poder público na realidade brasileira. 5 Cardozo, Benjamin N. “The Nature of the Judicial Process”. Yale University Press, New Haven and London, 1977, p. 150. 6 Cappalli, Richard B. “The American Common Law Method”. Transnational Publishers, Inc., New York, 1996, p. 89. 7 (1977) 3 All ER 996 at 999, apud Theodore M. Benditt, “The Rule of Precedent”, in: Precedent in Law, Clarendon Press, Oxford, 1987, p. 93. 8 Benditt, Theodore M. “The Rule of Precedent”, in: Precedent in Law, Clarendon Press, Oxford, 1987, p. 102. 9 Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”. Harvard University Press, pp. 104-105. 10 Cf. Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law”, cit., p. 106. 11 Idem, pp. 107-108. 12 Idem, pp. 108-109. 13 Capítulo 5 da parte II. 14 Pound, Roscoe. “What of Stare Decisis”, in: Fordham Law Review, vol. 10, 1941, p. 12. 15 Heimanson, Rudolf, H. “Overruling – An Instrument of Social Change? New York Law Forum, vol 7, 1961, p. 174. 16 Cardozo, Benjamin N., “The Nature of Judicial Process...”, cit., p. 66.

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Hesse, Konrad. “Escritos de Derecho Constitucional”. Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 18. Lawrence v. Texas 41 S. W. 3d 349, cuja íntegra foi obtida no sítio . Lawrence v. Texas, p. 8. Idem, p. 10. Idem, p. 13. Idem, p. 16. Idem, pp. 14-15. Idem, p. 13. Idem, p. 18. Como acuradamente apontou o Justice Scalia em voto dissidente, a corte “Nem uma vez descreve a sodomia homossexual com um ‘direito fundamental’ ou como ‘uma liberdade fundamental’, nem submete a lei do Texas ao controle judicial mais rigoroso. Ao invés, tendo falhado em estabelecer que o direito à sodomia homossexual está ‘profundamente enraizado na tradição e história da nação, conclui que a aplicação do da lei do Texas à conduta dos apelantes, não passa pelo controle judicial moderado, pois não persegue um interesse público legítimo e invalida o holding de Bowers que diz o contrário”. Cf. Cohen William, et alii, “Constitucional Law Cases and Materials”, The Foundation University Press, New York, 1997, pp. 915-919. Sullivan, William Clearly. “What is a Precedent”, in: Georgetown Law Journal, Jan. 1923, vol. XI, p. 2. Cappalli, Richard B. “The American Common Law Method”. Transnational Publishers, Inc. New York, 1997, p. 87, Black, H. Campbell, “The Principle of Stare Decisis”, in: American Law Register, vol. 34 old series, 1886, p. 749; Cardozo, Benjamin N., “The Nature of the Judicial Process”...cit. p. 151. Em Planned Parenthood v. Casey, onde a Suprema Corte Americana reafirmou o holding essencial de Roe v. Wade, que reconhecia à mulher o direito ao aborto como fundamental, uma das principais razões para não invalidar a regra precedente foi a justificada confiança social dela decorrente. Sobre esse aspecto, a corte assim se expressou: “por duas décadas de desenvolvimento econômico e social, as pessoas têm organizado relacionamentos íntimos e feito escolhas que definem a sua própria visão de si mesmos e de seus lugares na sociedade, confiando na possibilidade de fazerem abortos na eventualidade dos métodos contraceptivos falharem. A capacidade das mulheres de participar igualmente na vida econômica e social da nação foi facilitada pela sua capacidade de controlar suas vidas reprodutivas” (in Cohen Willian et alii, Constitucional Law Cases And Materials, The Foundational Press, Inc., New York , 1997, p. 619). A seguir a corte reconheceu que o seu poder repousa na legitimidade de suas decisões serem baseadas em princípios objetivos e não em compromissos com pressões sociais e políticas, para concluir que “a decisão de invalidar o holding essencial de Roe sobre tais circunstâncias, se erro houve, também representaria um erro, ao custo de um profundo e desnecessário dano à legitimidade da corte e ao compromisso da nação com a rule of law. É assim imperativo aderir à essência da decisão original de Roe e assim nós fazemos hoje” (in Constitucional Law..., cit., p. 622). Lawrence v. Texas, p. 17. Cohen William, et alii. “Constitucional Law Cases and Materials”. The Foundation University Press, New York, 1997, p. 376. Idem, p. 376.

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Idem, p. 377. Idem, pp. 378-379. Idem, p. 377. Idem, p. 380. Idem, pp. 380-382. Paden, Amy, L. “Overruling Decisions in the Supreme Court: The Role of a Decision’s Vote, AGE, and Subject Matter in the Aplication of Stare Decisis After Payne v. Tenessee”, in: The Georgetown Law Journal, vol. 82. 1994, p. 1.695. Newton, William F. “Prospective Overruling – ‘Sunburst’ Theory”, in: Baylor Law Review, vol. XVIII, p. 608. Apud Newton, William F. “Prospective Overruling – ‘Sunburst’ Theory”, in: Baylor Law Review, vol. XVIII, p. 610. Chaïm Perelman nos brinda com o seguinte exemplo: O artigo 191 do Código Civil permite ao Ministério Público impugnar todo casamento “que não foi celebrado diante do oficial público competente”, Casamayor descreve os fatos de modo pitoresco: Por volta de 1900, na mairie de Montrouge, o oficial de Estado civil que havia, na ausência do maire, celebrado uma série de casamentos era deveras um adjunto, mas, infelizmente, não era o adjunto mais próximo na ordem do quadro dos adjuntos presentes. Ora, a lei municipal de 1884 estabelece que, embora o maire possa delegar expressamente seus poderes a um adjunto ou a um conselheiro municipal de sua escolha, sem levar em conta o famoso quadro, na falta de delegação especial, é, ao contrário, a ordem do quadro que define a competência. Achando-se o maire impedido, é o primeiro adjunto que celebra os casamentos, achando-se impedido o primeiro adjunto, cabe ao segundo adjunto etc. Os esposos haviam sido unidos pelo terceiro adjunto, por exemplo, em vez de sê-lo pelo segundo. Drama! O promotor denunciou a nulidade dos casamentos. O tempo passa, os esposos se tornam concubinos, os filhos se tornam bastardos, mas, impávido e sereno, o processo continua a se arrastar até a Corte de Cassação que, acertadamente, declarou a lide sem interesse, considerou não ser necessária nenhuma providência. Assim, por obra do Espírito Santo jurídico, os bastardos voltaram a ser legítimos, os cônjuges voltaram a ser esposos. A realidade prevaleceu sobre a ficção. Se a Corte de Cassação pôde evitar as conseqüências deploráveis de um erro ridículo, para voltar à “realidade”, foi recorrendo a uma ficção jurídica, a do “funcionário de fato” (Lógica Jurídica... cit.”, pp. 230-231). Idem, pp. 191-192. Friedmann, Wolfang. “Limits of Judicial Lawmaking and Prospective overruling”, in: The Modern Law Review, vol. 29, 1966, p. 604. Algumas vezes a restrição temporal dos efeitos da decisão não é feita no próprio caso em que a regra antiga foi invalidada, mas em um caso posterior. Assim, por exemplo, em Linkleter v. Walker, (381, US 618 – 1965) a Suprema Corte Americana aplicou apenas prospectivamente novas regras processuais criminais, para evitar uma libertação em massa de prisioneiros, ao decidir que a regra fixada em Mapp v. Ohio (367 US 643 – 1961) que estabeleceu a exclusão de evidência colhidas de forma ilegal, não se aplicava a condenações concomitantes, mas apenas aos processos iniciados após a decisão. Essa forma de restringir os efeitos da nova regra produz efeitos deletérios sobre a confiança das pessoas que ficarão em dúvidas a cada decisão invalidatória qual regra se a nova ou a antiga será aplicada aos casos anteriores à decisão. O ideal é que a corte defina os limites temporais da decisão na própria decisão que criou a nova regra. Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law...”, cit., pp-127-129.

Do Efeito Vinculante: sua Legitimação e Aplicação

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Nicol, Andrew G. L. “Prospective Overruling: A New Device For English Courts?”, in: The Modern Law Review, vol. 39, 1976, pp. 547-548.

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163 N.E.2d 89, 98 (1959) I11.

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163 N.W. 2d 145 (1962) I11.

50

Cf. Nicol, Andrew G. L. “Prospective Overruling: A New Device For English Courts?”, The Modern Law Review, vol. 39, 1976, p. 547, e Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law”, cit., p. 128.

51

Newton, William F. “Prospective Overruling – ‘Sunburst’ Theory”, in: Baylor Law Review, vol. XVIII, p. 616.

52

Idem, p. 611.

53

Perelman, Chaïm. “Lógica Jurídica”, cit., p. 89.

54

DJ, de 09/11/2001.

55

Reclamação no 2391 MC/PR, in Informativo STF 334, 15 a 19/12/2003.

56

RHC 83810/RJ, in Informativo do STF 334, 15 a 19 de 2003.

57

Newton, William F. “Prospective Overruling”, in: Baylor Law Review, vol. XVIII, 1966, p. 611.

58

Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law...”, cit., p. 122.

59

Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law..., cit., p. 135.

60

Min. Sydnei Sanches no Inquérito 687-4, DJ, de 09/11/2001.

61

Min. Carlos Velloso no Inquérito 687-4, DJ, de 09/11/2001.

62

Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law...”, cit., p. 135.

63

DJ, de 03/05/2002.

64

DJ, de 01/08/2003.

65

DJ, de 05/09/2003.

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Informativo STF no 325, de 13 a 17 de outubro de 2003.

67

STJ, 6a Turma, HC no 32.586-MG, Informativo STJ no 202, de 15 a 19 de março de 2004.

68

Heimanson, Rudolf H. “Overruling – An Instrument Of Social Change?”, in: New York Law Forum, vol. 7, 1961, p. 169.

69

Eisenberg, Melvin Aron, “The Nature of the Common Law...”, cit., pp. 136-140.

70

Eisenberg, Melvin Aron. “The Nature of the Common Law”, cit., p. 126.

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