ENC CONTRO INT TERNACION NAL A UN NICIDADE DO D CONHEC CIMENTO
EP CIE Centro de Inve estigação em m Edu ucação e Ps sicologia
DIVER I RSID DADE EE TRA ANSD DISC CIPLINAR RIDA ADE E EM M PSIICOP PATO OLOGIA DO DESE ENV VOLV VIME ENTO O V Vítor Franco o1 O conhecimeento acercaa das crianças com peerturbaçõess do desenvvolvimento o tem camiinhado no sentido daa segmentaação e da sua s entregaa a uma mu ultiplicidad de de profiissionais esspecializad dos. Começaaram por ser deixadaas a cargo d dos especialistas em educação e e especial, o dos perritos em perturbaçõees do deseenvolvimen ou nto, a quem m foram en ntregues co omo portad doras de prroblemas p para serem m resolvidos por quem m melhor sse esperavaa que o pod deria fazer, numa persspectiva un nifactorial. Num segu undo momeento, foi a p própria con ncepção dee deficiência, ou de patologia, que se pulv verizou facce à diveersificação e especiialização dos d saberres. Perdid da a impo ortância daa noção de Pessoa e da d sua unidade, essass crianças passaram a ser atendidas por múltiplos especialista e as, cada um m na área da sua esp pecialidade e de acordo com as patologias ou as neceessidades específicas. A segmentação discipllinar do co onhecimentto relacion na‐se, assim m, directam mente com uma forma de abord dar, pensarr e intervir sobre a reealidade, em m que a Peessoa, no seu todo, é subalternizada pela llógica da ssegmentaçãão em funçção dos sab beres, prátiicas e técniicas. Numa épocaa em que se debatee o signifiicado da inclusão, seerá importante retom mar uma p perspectivaa holística, iintegrada ee multidimensional, m mas unificadora, 1 Univ versidade de Év vora. vfranco@ @uevora.pt
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. de pessoa. A transdisciplinaridade oferece‐se como caminho profícuo de ultrapassagem das limitações do conhecimento disciplinar e especializado, fazendo confluir na compreensão da criança, e no trabalho que com ela fazem distintos profissionais, um corpo mais vasto, uno e coerente de conhecimentos.
1. O CONHECIMENTO TRANSDISCIPLINAR SOBRE O HUMANO O artigo Segundo da Carta da Transdisciplinaridade aprovada no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Portugal em 1994, declara que “qualquer tentativa para reduzir o ser humano a uma definição e de o dispersar em estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar”(CRET, 1995). Interessa‐nos pois compreender o modo como, no âmbito da psicopatologia e do desenvolvimento, uma visão ampla do ser humano nos permite ter dele numa renovada compreensão. 1.1. Subjectividade, determinismo e psicopatologia Nascida como disciplina organizada no início do séc. XX, com Karl Jaspers, a Psicopatologia delimita um domínio da experiência humana que se refere ao pathos inscrito no desenvolvimento, ou seja, um discurso sobre o sofrimento psíquico. No entanto “cada contexto histórico‐político teve a sua psicopatologia, ou seja, as suas tentativas de ‘decompor’ o sofrimento psíquico nos seus elementos de base para, a partir daí, os compreender, classificar, estudar e tratar” (Ceccarelli, 2005:471). Hoje em dia, muitas das nossas práticas sociais fazem‐se, sobre a negação do sofrimento, da dor mental e da subjectividade. Se alguém está triste, em situação crítica ou em sofrimento, de imediato se recomendam remédios, tratamentos e soluções rápidas, como se a tristeza e a dor fossem exteriores ao homem e passíveis de ser removido da condição humana. Muitas vezes, o próprio psicólogo é instrumentalizado nesta perspectiva, sendo‐ lhe atribuída a mesma responsabilidade de erradicar ou evitar o sofrimento e a dor, através de técnicas objectivas e pragmáticas, assim se criando a representação social de um profissional que evita o conflito, a dor mental, e, dessa forma, gera bem‐estar. Os grandes sistemas de classificação dos nossos dias, o DSM‐IV e o CID‐ 10, recebem a grande crítica de não levarem em conta a subjectividade, tanto daquele que classifica como daquele que é classificado, descomprometendo‐se, assim, do sofrimento psíquico e da sua compreensão. No entanto, a Psicologia assenta sobre a inevitabilidade da existência da dor mental e do conflito interno. Um dos contributos essenciais de Freud para a compreensão do humano foi a noção de conflito: a existência de uma tensão dinâmica entre estruturas ou entidades. Noção de complexidade que se situa no ______________________________________________________________________ 2
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. pólo oposto do determinismo, porque fala do desenvolvimento individual para além das classes e categorias nosográficas, e da subjectividade do sofrimento que procura palavras para se expressar e suscita a escuta do outro, terapeuta, que o pode ajudar. “É por ‘falar’ que a dor solicita escuta; escuta essa que, sendo terapêutica, possibilita o recuo necessário para transformá‐la em experiência. Na actualidade, entretanto, observa‐se um movimento cada vez maior no sentido de eliminar a dor – de evitar o contacto consigo mesmo ‐ do que para transformá‐la em experiência”(Ceccarelli, 2005:475). Outras ilusões, que vão no mesmo sentido, assentam sobre o determinismo biológico e genético. Começa a pensar‐se que, quando conhecermos todos os genes, teremos pré‐tipificado o futuro e assim saberemos prevenir as doenças, os comportamentos indesejáveis e o sofrimento. Como se os genes pudessem conter e explicar a nossa própria decisão. Esta procura de determinismo biológico ramifica‐ se em diferentes vias, uma das quais é a da objectivação á custa de rótulos e diagnósticos pseudo neuropsicológicos. Muitos rótulos (como disléxico ou hiperativo, por exemplo) tendem a ser formas de dar título ao que até aí era apenas descritivo (criança com dificuldade em estar quieto, sossegado, atento e participativo) mas supostamente subjacente ao novo rótulo está uma explicação de tipo biológico ou neurológico. Assim, grande parte dos comportamentos e problemáticas, multifatoriais, passam a ser doenças e, de imediato, passam a ser entendidas como tendo etiologias orgânicas e, consequentemente, predeterminadas. O risco para o psicólogo é tornar‐se numa espécie de normalizador social: aquele que resolve e elimina os resultados disfuncionais da nossa acção. Tudo isto assenta sobre a negação do mundo interno. Sobre negação de que há objetos internos que marcam o nosso sofrer, prazer, desejar, suportar as frustrações e viver as alegrias. E sobre a dor mental de podermos perder e de estarmos sós perante nós próprios. Um desafio renovado á Psicologia e á Psicopatologia é, assim, o de entendermos as pessoas no seu desenvolvimento, na construção e vivência da sua inevitável subjectividade. “Torna‐se então necessário que os pressupostos básicos da Psicopatologia sejam submetidos a interrogações sobre as suas condições de possibilidade. Isto significa que devem ser objecto de uma ciência primeira que Fédida denomina Psicopatologia Fundamental: uma psicopatologia primeira, convocada a dar conta da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade presentes nas psicopatologias actuais. Fundamental no sentido não da fundamentalidade mas da intercientificidade dos objectos conceptuais (...) não se trata de uma interdisciplinaridade mas de transdisciplinariade pois campos diferentes, cada qual com os seus métodos, procedimentos e objectivos próprios, não se comunicam facilmente” (...) “Na Psicopatologia fundamental o pathos manifesta uma subjectividade capaz de transformar a paixão em experiência, servindo a existência do próprio sujeito. Para Freud as neuroses, perversões e ______________________________________________________________________ 3
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. psicoses são modos de subjectivação encontrados pelo sujeito frente a desmedida pulsional”. (Berlink, 2000). O pathos, se por um lado, causa dor, por outro lado cria subjectividade (Ceccarelli, 2005). 1.2. As inquietações da infância e as inquietações sobre a infância Quando se tenta erradicar a subjetividade do mundo adulto, as crianças resistem. Fazem‐no demonstrando‐nos um dos grandes pilares da transdisciplinaridade: que há diferentes níveis da realidade (Henagulph, 2000) e que “a realidade significa o que resiste ao nosso conhecimento, experiências, representações, descrições, imagens e formalizações matemáticas” (CRET, 1995). As crianças resistem às nossas tentativas reducionistas e deterministas. Dão‐nos sinais, sintomas do seu mal‐estar. A criança sofre; nós, adultos, preferimos pensar que fazemos tudo bem, quando fazemos o melhor que pudemos. E, de novo, a tendência reducionista e normalizadora: o psicólogo é procurado para, rapidamente, tratar. Essa a expectativa de pais e professores quando nos trazem as crianças para consulta ou terapia, como quem diz: ponha‐o bem e funcional, para que tudo possa prosseguir normalmente e, depois, possamos então ser pais ou professores. A hiperatividade é também um bom exemplo deste domínio. Antes de nos interrogarmos sobre a nossa insuficiência educativa e relacional, queremos tratar, medicando, curando, escudando‐nos num suposto conhecimento do funcionamento cerebral. Mas as crianças sofrem e mostram, de múltiplas formas, o seu sofrimento: às vezes sendo agressivas, agitadas, distraídas e agindo demais, ou de menos. Quando investigamos sobre o desenvolvimento infantil e as perturbações do desenvolvimento, admitimos que as crianças vivem estas conflitualidades e as expressam de múltiplas formas. Mas quais as inquietações sobre a infância? Numa sociedade que hipervaloriza a infância, o que nos inquieta e chama a atenção nelas? Quando começamos a achar que algo não vai bem no seu desenvolvimento? A abordagem da realidade faz‐se, inevitavelmente, a partir dos quadros de referência teóricos e técnicos que habitualmente utilizamos. Quando olhamos para uma mesma realidade, as formas que dela emergem aos nossos olhos estão de acordo com aquilo que nos habilita a vê‐las: a nossa experiência, expectativas, valores, formação e personalidade. Estes diferentes níveis de realidade asseguram o progresso do conhecimento das diferentes disciplinas ou ciências. Tal progresso da ciência e dos saberes práticos assenta na possibilidade de segmentar o real de forma a melhor podermos lidar com ele, de o conhecermos mais profunda e minuciosamente e sobre ele produzirmos conhecimento. Ao nível da formação e das práticas profissionais, isto conduz a uma cada vez maior especialização em que cada profissional sabe cada vez mais do seu domínio, sempre mais restrito, e sabe cada vez menos dos restantes. Nessa medida, o ______________________________________________________________________ 4
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. distanciamento em relação ao real total e global tenderá a ser cada vez maior por parte da generalidade dos profissionais. No que se refere ao desenvolvimento das crianças com deficiência ou com algum tipo de perturbação, este movimento levou a que fossem entregues a especialistas. Primeiramente aos especialistas em educação especial ou em perturbações do desenvolvimento, entregando o problema para ser resolvido por quem melhor o compreendesse, numa perspectiva unifactorial. A primeira consequência deste movimento foi que à ideia de Pessoa se sobrepôs a de deficiente, patologia, problema ou limitação. A reabilitação, ou terapia, seria então toda a intervenção, ou o conjunto das diferentes intervenções, visando resolver a patologia. Tratava‐se de, num domínio específico, resolver, minorar ou atenuar as consequências ou implicações do problema. Os serviços passaram a organizar‐se tendo em conta a especificidade da patologia ou da deficiência, e os técnicos passaram a ser chamados em função do contributo trazido para a compreensão ou intervenção naquela patologia. Num segundo momento, foi a própria concepção de deficiência se pulverizou face à diversificação e especialização dos saberes. Perdida a importância da noção de Pessoa, facilmente “o deficiente” passou a ser atendido por especialistas múltiplos, cada um na área da sua especialidade e de acordo com as patologias ou as necessidades específicas. Os cuidados que passaram a ser prestados são os que derivam dessa patologia e tudo o mais deixa de ser considerado por se situar fora do âmbito desse especialista. Note‐se que não se trata de uma questão de terminologia e este desenvolvimento conceptual não se alterou substancialmente com a mudança de designação de deficiente para criança portadora de deficiência, ou para a terminologia mais soft de criança com necessidades educativas especiais ou com dificuldades de aprendizagem. A segmentação disciplinar dos saberes relaciona‐se directamente com uma forma de abordar, pensar e intervir sobre a realidade. Em que a Pessoa no seu todo é subalternizada pela lógica da segmentação em função das práticas e técnicas. Apesar de tudo, a expressão “pessoa portadora de deficiência” remete‐nos para uma abordagem em que a pessoa readquire o primeiro lugar. Esta pequena mudança é relevante a dois níveis. Situa as necessidades e problemáticas ao nível dos direitos da pessoa, o que dá uma nova dimensão às questões da inclusão mas também, de um modo mais específico, a todas as práticas e serviços prestados a essas pessoas. Um outro nível, aquele que agora nos interessa, remete‐nos para a necessidade de retomar uma perspectiva integrada, multidimensional de pessoa que reconheça a sua unidade. A questão é: quem trata da Pessoa. Sabemos quem cuida dos aspectos motores, dos problemas com os dentes ou o estômago, das aprendizagens ou até das carências sociais específicas. Mas se a Pessoa é mais do que isso, quem é, ou são, os técnicos capazes de abordar e responder às suas necessidades? Sendo a ______________________________________________________________________ 5
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. Pessoa o objecto dos cuidados, o valor de uma intervenção específica (seja educativa ou médico‐cirúrgica) tem de ser sempre avaliada tendo em conta este princípio. Claro que aos olhos de cada profissional pode ser a sua intervenção que se afigura relevante, ou, pelo menos, não lhe é fácil pensar comparativa e conjugadamente a premência, importância ou significado da multiplicidade dos “necessários”. Se pensarmos ainda que a Pessoa é ela mais os seus contextos e as suas relações, quem pode ser o profissional capaz de cuidar de toda essa complexidade? Tal exigirá um novo profissional ou mais uma nova profissionalidade? Certamente uma nova prática profissional que não perca de vista o todo e o multidimensional, que assente num conhecimento que ultrapasse o disciplinar. Por isso, podemos reencontrar hoje alguns movimentos de busca da totalidade e de síntese complexa de cada pessoa. A necessidade de trabalhar com outrem, de ultrapassar o domínio disciplinar, surgiu como imperativo para um trabalho deste tipo. Cuidar das crianças no seu todo exige também uma perspectiva de desenvolvimento, e a humildade de reconhecermos a nossa inevitável incompetência para resolver o problema todo, ou mesmo a sua parte mais importante. E também para aceitarmos que tudo aquilo que possamos encontrar no quadro do nosso pensamento profissional é sempre, e tão só, uma parte desse problema ou da solução, e sempre delimitado pelo papel que os outros, família e mesmo os técnicos, possam ter. Quando hoje pensamos sobre a necessidade de, desde muito cedo, cuidarmos do desenvolvimento das crianças, especialmente daquelas que por alguma razão o têm posto em causa, temos de o fazer a partir desta perspectiva. Sem a ilusão de soluções simples e milagrosas. A preocupação com a intervenção no desenvolvimento infantil, vai ao encontro da necessidade de perspectivas de Pessoa e de desenvolvimento que sejam genuinamente transdisciplinares. A transdisciplinaridade oferece‐se como uma abordagem promissora e profícua para trabalho em psicopatologia. Que pode ultrapassar as limitações de um saber disciplinar, mas também oferecer uma metodologia de trabalho mais abrangente e integradora. 1.3. Conhecimento transdisciplinar Embora se considere que o surgimento do conceito de conhecimento transdisciplinar está ligado à publicação do artigo sobre unidade do conhecimento pelo físico Neils Bohor, em 1955, foi Piaget quem utilizou o termo transdiciplinar pela primeira vez, em 1972, num colóquio promovido pela Unesco, para dizer que se pode esperar uma etapa superior à das relações interdisciplinares que será transdisciplinar, a qual não se contentará com a obtenção de interacções ou reciprocidade entre pesquisas especializadas mas se situará nessas ligações no interior de um sistema total, sem fronteiras estáveis entre essas disciplinas. (Iribarry, 2003). A transdisciplinaridade propõe‐se trabalhar naquilo que está entre, através e além das diferentes disciplinas, ou ciências. Não se opõe, portanto, a elas. ______________________________________________________________________ 6
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. Alimenta‐se da investigação disciplinar, mas vai para além dos limites das disciplinas existentes e cuida também das correspondências e interfaces entre diferentes campos de conhecimento O primeiro pilar da transdisciplinaridade é o de reconhecimento de diferentes níveis da realidade regidos por diferentes lógicas. Tem uma atitude não linear, nem multidimensional, mas “ uma abordagem á natureza que se sente confortável com a ambiguidade e o paradoxo, usando‐os como princípios criativos para estender o alcance e utilidade da actual abordagem reducionista defendida pela ciência” (Henagulph 200?) O segundo grande pilar é a lógica do terceiro incluído “O nascimento da ciência moderna e contemporânea trouxe como consequência um deslocamento do estatuto da verdade do sujeito para o objecto...Nós nos dirigimos, na busca da verdade, muito mais ao objecto que ao sujeito...esta suposição de que a verdade opera assim, ou seja, que está absolutamente colada ao objecto...permeia a Psicologia e, portanto, permeia as diversas disciplinas que se alimentam dela. E uma vez que se supõe que a verdade está no objecto, quanto menor o objecto, maior o nível de certeza que sobre ele se pode atingir. Assim é que surge a fragmentação que vai dar nas especializações... É por isso que o discurso das especialidades faz a resistência à interrogação sobre a subjectividade.” (Jerusalinsky in Kupfer, 2000). O 3.º pilar o da complexidade e abre caminho para uma compreensão não linear nem determinista dos fenómenos e da realidade. Por tudo isto, a perspectiva transdisciplinar do conhecimento não anula a psicopatologia, ou psicopatologias, nem as diferentes perspectivas teóricas em que elas se organizam. A grande mudança que nelas provoca é a aceitação do carácter multidimensional da realidade, que coloca um limite ao próprio saber disciplinar. Na Psicologia tem sido preponderante a busca de uma lógica linear, procurando relações de causa‐efeito, no que poderíamos chamar uma psicologia limpa: racional, objectiva e esquemática, tendendo a ignorar os sujeitos, e procurando o funcionamento das variáveis e processos, quase sempre deterministas. A maior parte dos estudos são deste tipo, assentando numa lógica em que o sujeito está ausente e a ciência está na racionalidade do processo. Freud, como sabemos, havia trazido uma perspectiva distinta, multipolar: uma tensão dinâmica entre opostos; a inevitabilidade dinâmica do conflito, mais de acordo com uma lógica de complexidade (que, mais que multifactorialidade, é multidimensionalidade complexa). Podemos concordar assim que o lugar privilegiado para o exercício do olhar transdisciplinar é aquele onde nos encontramos e nenhum outro. O olhar transdisciplinar inclui o espaço interior de cada pessoa, o espaço do outro ser humano e da natureza. ______________________________________________________________________ 7
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2. TRANSDISCIPLINARIDADE E TRABALHO DE EQUIPA Para além de uma atitude quanto á produção do conhecimento em geral, a transdisciplinaridade concretiza‐se na dimensão prática do trabalho de articulação das diferentes disciplinas ou práticas profissionais e da produção de conhecimento técnico. Falando sobre o trabalho com crianças com perturbações do desenvolvimento, seja no quadro institucional de Equipas de Intervenção Precoce seja nos contextos hospitalares ou de saúde, a transdisciplinaridade reflecte‐se no domínio do trabalho de equipa. Uma equipa é “uma unidade funcional composta por indivíduos com formação especializada e variada e que coordenam as suas actividades a fim de prestar os seus serviços às crianças e famílias” (Golin & Ducanis, 1981: 124) A forma como uma equipa que trabalha a partir da psicopatologia do desenvolvimento se vai organizar pode ser bastante diversa, tendo em conta os contextos de trabalho e os profissionais (psicólogos, médicos, terapeutas, educadores) que as constituem. Estes profissionais, oriundos de diferentes áreas do saber, podem actuar em conjunto ou de forma individualizada com uma mesma criança, numa mesma problemática, consoante o modelo de intervenção que a equipa adoptou na sua prática. Inevitavelmente hoje, trabalhar com as perturbações do desenvolvimento exige uma multiplicidade de saberes, formações e intervenções que têm de agir conjugadamente. Podemos considerar que existem três grandes modelos de organização e trabalho em equipa: multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Do mesmo modo que o conhecimento multidisciplinar assenta na produção das múltiplas disciplinas mas sem cuidar das suas relações nem as fazer cooperar, no trabalho de equipa, também reconhece a necessidade do trabalho de múltiplos profissionais para que a criança possa ser convenientemente cuidada. Profissionais que avaliem e intervenham de acordo com a situação. No entanto o resultado da intervenção é mais o somatório das actividades individuais dos diferentes técnicos, que tendem a trabalhar e a tomar decisões isoladamente, não sendo postas em questão as suas perspectivas pessoais, porquanto se parte do princípio que cada um sabe que o que é melhor para aquela problemática. A orientação que cada técnico vai seguir depende da sua perspectiva profissional e da formação que possui e cada um tenderá a tomar decisões e a trabalhar isoladamente, sendo a interligação e a coordenação entre as acções e programas de intervenção bastante ténue. Este modelo pode conduzir a intervenções ou orientação dos casos eventualmente contraditórias ou concorrentes, sendo difícil a definição de prioridades, assim como faz com que seja difícil chegar a entender a criança na sua globalidade e unidade. ______________________________________________________________________ 8
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. O modelo interdisciplinar é mais integrado que o anterior e corresponde a um nível da produção do conhecimento a partir da justaposição de disciplinas. Passa a existir uma estrutura formal de interacção, de cooperação e de trabalho de equipa. Os técnicos cooperam mas sem coordenação (Iribarry, 2003) A partilha de informação é mais frequente e assumida como fundamental mas o factor decisivo nas tomadas de decisão quanto ao planeamento ou à intervenção continua a ser a perspectiva de cada disciplina ou de cada especialista. Sendo cada profissional a fazer a sua própria avaliação e selecção de prioridades, a tomada de decisão quanto à orientação do caso tende a reflectir as relações de poder entre os técnicos dentro da equipa ou do serviço, mais do que as reais necessidades da criança ou da família. Há um saber que prevalece e a quem cabe a tomada de decisões que vinculam toda a equipa e os seus diferentes profissionais. Já o trabalho de equipa numa perspectiva transdisciplinar assenta no reconhecimento mútuo das posições e competências de cada um face ao mesmo objecto: a criança e o seu contexto de desenvolvimento. É por isso uma perspectiva que requer humildade e disponibilidade por parte de cada profissional (Iribarry, 2003), porquanto assenta mais nas insuficiências e limites de cada disciplina e no que está para além dela, do que nas competências individuais Pressupõe, em primeiro lugar, a existência de um conceito de equipa mais forte, estruturado e dinâmico em que: O dinamismo de toda a equipa é vivido como elemento fundamental do próprio trabalho e da respectiva qualidade; É fundamental o suporte mútuo e a partilha de informação e conhecimento; pelo que é importante que os técnicos estejam familiarizados com as diferenças entre si – o que exige “uma legibilidade dos discursos “ (Iribarry, 2003:489). Cada técnico integra conhecimentos e estratégias que ultrapassam a sua formação de base. É a transdisciplinaridade que gera “novos dispositivos”, ou seja, conhecimentos que resultam de uma discussão compartilhada acerca do problema que exige solução. Dispositivos derivados de um outro saber e aplicados a novas situações ou simplesmente derivados das limitações das soluções pré‐existentes. Total co‐responsabilidade, de todos os membros da equipa, nas tomadas de decisão e na avaliação dos resultados. Sem que um saber se sobreponha, mas numa relação horizontal. Centrando‐se fundamentalmente nas necessidades da Pessoa e não na especialização dos técnicos. 2.1. Trabalho multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar No funcionamento concreto das equipas, o modelo transdisciplinar vai diferir bastante dos diferentes modelos de equipas multidisciplinares e interdisciplinares ______________________________________________________________________ 9
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. na abordagem das várias dimensões da intervenção com as crianças, suas familias e contextos. Podemos diferenciar as práticas transdisciplinares das restantes no que se refere às seguintes dimensões: a) Detecção e sinalização da patologia ‐ O modelo transdisciplinar assenta no princípio da cooperação e articulação entre técnicos e serviços na detecção e identificação da situação, pelo que qualquer que seja o profissional que faz a detecção, em vez de elaborar o seu próprio programa de intervenção ou de remeter a criança para múltiplas avaliações procura uma entidade/equipa que possa conjugar as intervenções de uma forma mais global e que esse técnico pode, ou não, vir a incorporar. b) Avaliação e diagnóstico – No modelo transdisciplinar a avaliação é feita por diferentes membros da equipa de forma compreensiva e global tendo em conta os múltiplos saberes sobre a criança, sobre o contexto e ainda os deste acerca da criança. Evitando repetir processos de avaliação e procurando que cada observação efectuada produza o máximo de informação sobre o desenvolvimento em geral e de cada uma das áreas de competência da criança, e usando técnicas transdisciplinares. c) Participação das famílias no processo – A família detém um conhecimento sobre a criança que não pode ser desvalorizado pelo que participa activamente em todo o processo, Esta participação é um elemento fundamental, levando a considerar‐se muitas vezes que a própria intervenção é centrada na família. Enquanto que nos outros modelos a família, mesmo reunindo com cada técnico, ou com o representante da equipa, continua a ser sempre um elemento exterior às tomadas de decisão técnicas. d) Responsabilidade pela intervenção – Numa perspectiva de funcionamento transdisciplinar, todos os elementos da equipa são co‐ responsáveis pela intervenção. Independentemente da equipa atribuir a um, ou mais, dos seus membros as tarefas concretas de intervenção, é sempre a equipa que assume colectivamente a responsabilidade pela sua condução. Ao contrário do que acontece nas outras perspectivas, em que a responsabilidade é do técnico que faz a intervenção directa. e) Planeamento da intervenção – Enquanto que nas perspectivas multi e pluridisciplinares cada técnico é chamado apenas a planear a intervenção no seu domínio específico de acção e, quando muito, a conjugá‐la com outros interventores, aqui a equipa é responsável pela definição de um plano integrado, em que a família é igualmente chamada a participar, que tem em conta a globalidade das necessidades e dos recursos e em que as prioridades são definidas em função da própria criança e família. f) Implementação de programa de intervenção ‐ No modelo transdisciplinar todos os técnicos são co‐responsáveis pela implementação do programa, independentemente de quem o executa. ______________________________________________________________________ 10
FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. Todos os técnicos têm permanentemente em consideração os objectivos definidos para a intervenção, havendo um responsável pela sua implementação que pode ser o responsável ou gestor de caso. g) Pressupostos de funcionamento da equipa ‐ Todos os técnicos estão comprometidos em ensinar, aprender e trabalhar em conjunto para desenvolver práticas e alcançar objectivos que ultrapassam os limites da sua disciplina. O que é bem mais do que o mero reconhecimento ou atribuição de espaço e valor às outras disciplinas. h) Comunicação intra‐equipa ‐ As equipas de cariz transdisciplinar apostam na comunicação e partilha dos diversos saberes, integrando os conhecimentos e estratégias dos diferentes profissionais através de reuniões estruturadas e de uma ligação permanente. i) Aprendizagem e formação dos técnicos – A aprendizagem feita no contexto da equipa e fora dele, tende a ser transdisciplinar, centrada nas problemáticas e não na formação de base. Cada um aprende com os outros elementos da equipa ou a partir deles. j) Implicações organizacionais – A prática transdisciplinar aponta para uma organização em equipas maleáveis com partilha de responsabilidades, sendo o responsável de caso quem articula a equipa com a família. Fugindo assim à estrutura orgânica mais corporativa, por departamentos criados em função das especialidades e exigindo um funcionamento mais horizontal
CONCLUSÃO As perturbações do desenvolvimento apresentadas pelas crianças, pela forma como interligam diferentes factores, dimensões e níveis, facilmente transbordam em relação a uma perspectiva disciplinar. A transdisciplinaridade surge como uma abordagem promissora para compreendermos a criança como unidade multidimensional, em que os aspectos do desenvolvimento, da educação, do sofrimento emocional, da patologia, das relações e dos contextos se apresentam como níveis de realidade que se interligam mas não se anulam nem explicam mutuamente numa lógica linear. Permite construir um conhecimento mais amplo, mais diverso e simultaneamente mais uno sobre as crianças com perturbações do desenvolvimento. Por outro lado, a transdisciplinaridade coloca desafios à prática. Permite ultrapassar os limites do saber disciplinar na medida em que exige que os técnicos tenham uma atitude de partilha dos seus próprios saberes, de disponibilidade para dar e receber informação, o que coloca exigências ao nível da utilização de uma linguagem comum e de terminologias e conceitos que possam ser partilhados por toda a equipa e pelas próprias famílias. Passa também pela atitude face à
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FRANCO, V. (2007) Diversidade e transdisciplinaridade em psicopatologia do desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora. comunicação e à transferência de conhecimentos e competências que é, sem dúvida, a atitude fundamental do funcionamento transdisciplinar que, perante o saber do outro, exige um posicionamento de humildade, aceitação e valorização.
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