Diversidade E Transdisciplinaridade Em Psicopatologia Do Desenvolvimento

  • December 2019
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ENC CONTRO INT TERNACION NAL A UN NICIDADE DO D CONHEC CIMENTO

EP CIE Centro de Inve estigação em m Edu ucação e Ps sicologia

DIVER I RSID DADE EE TRA ANSD DISC CIPLINAR RIDA ADE E EM M PSIICOP PATO OLOGIA DO DESE ENV VOLV VIME ENTO O V Vítor Franco o1      O conhecimeento acercaa das crianças com peerturbaçõess do desenvvolvimento o tem  camiinhado  no  sentido  daa  segmentaação  e  da  sua  s entregaa  a  uma  mu ultiplicidad de  de  profiissionais esspecializad dos. Começaaram por ser deixadaas a cargo d dos especialistas  em  educação  e e especial,  o dos  perritos  em  perturbaçõees  do  deseenvolvimen ou  nto,  a  quem m foram en ntregues co omo portad doras de prroblemas p para serem m resolvidos por  quem m melhor sse esperavaa que o pod deria fazer, numa persspectiva un nifactorial. Num  segu undo momeento, foi a p própria con ncepção dee deficiência,  ou de patologia, que se  pulv verizou  facce  à  diveersificação  e  especiialização  dos  d saberres.  Perdid da  a  impo ortância  daa  noção  de  Pessoa  e  da  d sua  unidade,  essass  crianças  passaram  a ser  atendidas  por  múltiplos  especialista e as,  cada  um m  na  área  da  sua  esp pecialidade  e  de  acordo com as patologias ou as neceessidades específicas.   A  segmentação  discipllinar  do  co onhecimentto  relacion na‐se,  assim m,  directam mente  com  uma forma de abord dar, pensarr e intervir  sobre a reealidade, em m que a Peessoa,  no seu todo, é  subalternizada pela llógica da ssegmentaçãão em funçção dos sab beres,  prátiicas e técniicas.   Numa  épocaa  em  que  se  debatee  o  signifiicado  da  inclusão,  seerá  importante  retom mar uma p perspectivaa holística, iintegrada ee multidimensional, m mas unificadora,  1 Univ versidade de Év vora. vfranco@ @uevora.pt 

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    de  pessoa.  A  transdisciplinaridade  oferece‐se  como  caminho  profícuo  de  ultrapassagem das limitações do conhecimento disciplinar e especializado, fazendo  confluir  na  compreensão  da  criança,  e  no  trabalho  que  com  ela  fazem  distintos  profissionais, um corpo mais vasto, uno e coerente de conhecimentos. 

1. O CONHECIMENTO TRANSDISCIPLINAR SOBRE O HUMANO O  artigo  Segundo  da  Carta  da  Transdisciplinaridade  aprovada  no  Primeiro  Congresso  Mundial  de  Transdisciplinaridade,  realizado  em  Portugal  em  1994,  declara que “qualquer tentativa para reduzir o ser humano a uma definição e de o  dispersar  em  estruturas  formais,  sejam  elas  quais  forem,  é  incompatível  com  a  visão  transdisciplinar”(CRET,  1995).  Interessa‐nos  pois  compreender  o  modo  como, no âmbito da psicopatologia e do desenvolvimento, uma visão ampla do ser  humano nos permite ter dele numa renovada compreensão.  1.1. Subjectividade, determinismo e psicopatologia  Nascida  como  disciplina  organizada  no  início  do  séc.  XX,  com  Karl  Jaspers,  a  Psicopatologia  delimita  um  domínio  da  experiência  humana  que  se  refere  ao  pathos  inscrito  no  desenvolvimento,  ou  seja,  um  discurso  sobre  o  sofrimento  psíquico. No entanto “cada contexto histórico‐político teve a sua psicopatologia, ou  seja, as suas tentativas de ‘decompor’ o sofrimento psíquico nos seus elementos de  base  para,  a  partir  daí,  os  compreender,  classificar,  estudar  e  tratar”  (Ceccarelli,  2005:471).  Hoje  em  dia,  muitas  das  nossas  práticas  sociais  fazem‐se,  sobre  a  negação  do  sofrimento, da dor mental e da subjectividade. Se alguém está triste, em situação  crítica  ou  em  sofrimento,  de  imediato  se  recomendam  remédios,  tratamentos  e  soluções  rápidas,  como  se  a  tristeza  e  a  dor  fossem  exteriores  ao  homem  e  passíveis de ser removido da condição humana.   Muitas vezes, o próprio psicólogo é instrumentalizado nesta perspectiva, sendo‐ lhe  atribuída  a  mesma  responsabilidade  de  erradicar  ou  evitar  o  sofrimento  e  a  dor, através de técnicas objectivas e pragmáticas, assim se criando a representação  social  de  um  profissional  que  evita  o  conflito,  a  dor  mental,  e,  dessa  forma,  gera  bem‐estar. Os grandes sistemas de classificação dos nossos dias, o DSM‐IV e o CID‐ 10,  recebem  a  grande  crítica  de  não  levarem  em  conta  a  subjectividade,  tanto  daquele  que  classifica  como  daquele  que  é  classificado,  descomprometendo‐se,  assim, do sofrimento psíquico e da sua compreensão.  No  entanto,  a  Psicologia  assenta  sobre  a  inevitabilidade  da  existência  da  dor  mental  e  do  conflito  interno.  Um  dos  contributos  essenciais  de  Freud  para  a  compreensão  do  humano  foi  a  noção  de  conflito:  a  existência  de  uma  tensão  dinâmica  entre  estruturas  ou  entidades.  Noção  de  complexidade  que  se  situa  no  ______________________________________________________________________ 2

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    pólo  oposto  do  determinismo,  porque  fala  do  desenvolvimento  individual  para  além das classes e categorias nosográficas, e da subjectividade do sofrimento que  procura  palavras  para  se  expressar  e  suscita  a  escuta  do  outro,  terapeuta,  que  o  pode  ajudar.  “É  por  ‘falar’  que  a  dor  solicita  escuta;  escuta  essa  que,  sendo  terapêutica,  possibilita  o  recuo  necessário  para  transformá‐la  em  experiência.  Na  actualidade,  entretanto,  observa‐se  um  movimento  cada  vez  maior  no  sentido  de  eliminar a dor – de evitar o contacto consigo mesmo ‐ do que para transformá‐la  em experiência”(Ceccarelli, 2005:475).  Outras  ilusões,  que  vão  no  mesmo  sentido,  assentam  sobre  o  determinismo  biológico e genético. Começa a pensar‐se que, quando conhecermos todos os genes,  teremos  pré‐tipificado  o  futuro  e  assim  saberemos  prevenir  as  doenças,  os  comportamentos indesejáveis e o sofrimento. Como se os genes pudessem conter e  explicar a nossa própria decisão. Esta procura de determinismo biológico ramifica‐ se  em  diferentes  vias,  uma  das  quais  é  a  da  objectivação  á  custa  de  rótulos  e  diagnósticos  pseudo  neuropsicológicos.  Muitos  rótulos  (como  disléxico  ou  hiperativo,  por  exemplo)  tendem  a  ser  formas  de  dar  título  ao  que  até  aí  era  apenas  descritivo  (criança  com  dificuldade  em  estar  quieto,  sossegado,  atento  e  participativo) mas supostamente subjacente ao novo rótulo está uma explicação de  tipo  biológico  ou  neurológico.  Assim,  grande  parte  dos  comportamentos  e  problemáticas,  multifatoriais,  passam  a  ser  doenças  e,  de  imediato,  passam  a  ser  entendidas  como  tendo  etiologias  orgânicas  e,  consequentemente,  predeterminadas.  O  risco  para  o  psicólogo  é  tornar‐se  numa  espécie  de  normalizador  social:  aquele que resolve e elimina os resultados disfuncionais da nossa acção.   Tudo isto assenta sobre a negação do mundo interno. Sobre negação de que há  objetos  internos  que  marcam  o  nosso  sofrer,  prazer,  desejar,  suportar  as  frustrações  e  viver  as  alegrias.  E  sobre  a  dor  mental  de  podermos  perder  e  de  estarmos sós perante nós próprios.  Um desafio renovado á Psicologia e á Psicopatologia é, assim, o de entendermos  as  pessoas  no  seu  desenvolvimento,  na  construção  e  vivência  da  sua  inevitável  subjectividade.  “Torna‐se  então  necessário  que  os  pressupostos  básicos  da  Psicopatologia  sejam  submetidos  a  interrogações  sobre  as  suas  condições  de  possibilidade.  Isto  significa  que  devem  ser  objecto  de  uma  ciência  primeira  que  Fédida  denomina  Psicopatologia  Fundamental:  uma  psicopatologia  primeira,  convocada  a  dar  conta  da  interdisciplinaridade  e  da  transdisciplinaridade  presentes  nas  psicopatologias  actuais.  Fundamental  no  sentido  não  da  fundamentalidade  mas  da  intercientificidade  dos  objectos  conceptuais  (...)  não  se  trata  de  uma  interdisciplinaridade  mas  de  transdisciplinariade  pois  campos  diferentes,  cada  qual  com  os  seus  métodos,  procedimentos  e  objectivos  próprios,  não  se  comunicam  facilmente”  (...)  “Na  Psicopatologia  fundamental  o  pathos  manifesta  uma  subjectividade  capaz  de  transformar  a  paixão  em  experiência,  servindo  a  existência  do  próprio  sujeito.  Para  Freud  as  neuroses,  perversões  e  ______________________________________________________________________ 3

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    psicoses são modos de subjectivação encontrados pelo sujeito frente a desmedida  pulsional”. (Berlink, 2000). O pathos, se por um lado, causa dor, por outro lado cria  subjectividade (Ceccarelli, 2005).  1.2. As inquietações da infância e as inquietações sobre a infância  Quando  se  tenta  erradicar  a  subjetividade  do  mundo  adulto,  as  crianças  resistem.  Fazem‐no  demonstrando‐nos  um  dos  grandes  pilares  da  transdisciplinaridade:  que  há  diferentes  níveis  da  realidade  (Henagulph,  2000)  e  que  “a  realidade  significa  o  que  resiste  ao  nosso  conhecimento,  experiências,  representações,  descrições,  imagens  e  formalizações  matemáticas”  (CRET,  1995).  As  crianças  resistem  às  nossas  tentativas  reducionistas  e  deterministas.  Dão‐nos  sinais, sintomas do seu mal‐estar. A criança sofre; nós, adultos, preferimos pensar  que  fazemos  tudo  bem,  quando  fazemos  o  melhor  que  pudemos.  E,  de  novo,  a  tendência  reducionista  e  normalizadora:  o  psicólogo  é  procurado  para,  rapidamente, tratar. Essa a expectativa de pais e professores quando nos trazem as  crianças para consulta ou terapia, como quem diz: ponha‐o bem e funcional, para  que  tudo  possa  prosseguir  normalmente  e,  depois,  possamos  então  ser  pais  ou  professores.  A  hiperatividade  é  também  um  bom  exemplo  deste  domínio.  Antes  de  nos  interrogarmos sobre a nossa insuficiência educativa e relacional, queremos tratar,  medicando,  curando,  escudando‐nos  num  suposto  conhecimento  do  funcionamento cerebral. Mas as crianças sofrem e mostram, de múltiplas formas, o  seu sofrimento: às vezes sendo agressivas, agitadas, distraídas e agindo demais, ou  de menos.   Quando  investigamos  sobre  o  desenvolvimento  infantil  e  as  perturbações  do  desenvolvimento,  admitimos  que  as  crianças  vivem  estas  conflitualidades  e  as  expressam de múltiplas formas. Mas quais as inquietações sobre a infância? Numa  sociedade  que  hipervaloriza  a  infância,  o  que  nos  inquieta  e  chama  a  atenção  nelas? Quando começamos a achar que algo não vai bem no seu desenvolvimento?  A  abordagem  da  realidade  faz‐se,  inevitavelmente,  a  partir  dos  quadros  de  referência teóricos e técnicos que habitualmente utilizamos. Quando olhamos para  uma  mesma  realidade,  as  formas  que  dela  emergem  aos  nossos  olhos  estão  de  acordo  com  aquilo  que  nos  habilita  a  vê‐las:  a  nossa  experiência,  expectativas,  valores, formação e personalidade. Estes diferentes níveis de realidade asseguram  o progresso do conhecimento das diferentes disciplinas ou ciências. Tal progresso  da ciência e dos saberes práticos assenta na possibilidade de segmentar o real de  forma  a  melhor  podermos  lidar  com  ele,  de  o  conhecermos  mais  profunda  e  minuciosamente e sobre ele produzirmos conhecimento.  Ao  nível  da  formação  e  das  práticas  profissionais,  isto  conduz  a  uma  cada  vez  maior especialização em que cada profissional sabe cada vez mais do seu domínio,  sempre  mais  restrito,  e  sabe  cada  vez  menos  dos  restantes.  Nessa  medida,  o  ______________________________________________________________________ 4

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    distanciamento em relação ao real total e global tenderá a ser cada vez maior por  parte da generalidade dos profissionais.  No  que  se  refere  ao  desenvolvimento  das  crianças  com  deficiência  ou  com  algum  tipo  de  perturbação,  este  movimento  levou  a  que  fossem  entregues  a  especialistas.  Primeiramente  aos  especialistas  em  educação  especial  ou  em  perturbações do desenvolvimento, entregando o problema para ser resolvido por  quem melhor o compreendesse, numa perspectiva unifactorial.  A primeira consequência deste movimento foi que à ideia de Pessoa se sobrepôs  a  de  deficiente,  patologia,  problema  ou  limitação.  A  reabilitação,  ou  terapia,  seria  então  toda  a  intervenção,  ou  o  conjunto  das  diferentes  intervenções,  visando  resolver a patologia. Tratava‐se de, num domínio específico, resolver, minorar ou  atenuar  as  consequências  ou  implicações  do  problema.  Os  serviços  passaram  a  organizar‐se  tendo  em  conta  a  especificidade  da  patologia  ou  da  deficiência,  e  os  técnicos  passaram  a  ser  chamados  em  função  do  contributo  trazido  para  a  compreensão ou intervenção naquela patologia.  Num  segundo  momento,  foi  a  própria  concepção  de  deficiência  se  pulverizou  face à diversificação e especialização dos saberes. Perdida a importância da noção  de  Pessoa,  facilmente  “o  deficiente”  passou  a  ser  atendido  por  especialistas  múltiplos, cada um na área da sua especialidade e de acordo com as patologias ou  as necessidades específicas. Os cuidados que passaram a ser prestados são os que  derivam dessa patologia e tudo o mais deixa de ser considerado por se situar fora  do âmbito desse especialista.   Note‐se  que  não  se  trata  de  uma  questão  de  terminologia  e  este  desenvolvimento  conceptual  não  se  alterou  substancialmente  com  a  mudança  de  designação  de  deficiente  para  criança  portadora  de  deficiência,  ou  para  a  terminologia  mais  soft  de  criança  com  necessidades  educativas  especiais  ou  com  dificuldades de aprendizagem. A segmentação disciplinar dos saberes relaciona‐se  directamente com uma forma de abordar, pensar e intervir sobre a realidade. Em  que a Pessoa no seu todo é subalternizada pela lógica da segmentação em função  das  práticas  e  técnicas.  Apesar  de  tudo,  a  expressão  “pessoa  portadora  de  deficiência”  remete‐nos  para  uma  abordagem  em  que  a  pessoa  readquire  o  primeiro  lugar.  Esta  pequena  mudança  é  relevante  a  dois  níveis.  Situa  as  necessidades e problemáticas ao nível dos direitos da pessoa, o que dá uma nova  dimensão  às  questões  da  inclusão  mas  também,  de  um  modo  mais  específico,  a  todas as práticas e serviços prestados a essas pessoas.  Um outro nível, aquele que agora nos interessa, remete‐nos para a necessidade  de retomar uma perspectiva integrada, multidimensional de pessoa que reconheça  a  sua  unidade.  A  questão  é:  quem  trata  da  Pessoa.  Sabemos  quem  cuida  dos  aspectos motores, dos problemas com os dentes ou o estômago, das aprendizagens  ou até das carências sociais específicas. Mas se a Pessoa é mais do que isso, quem é,  ou são, os técnicos capazes de abordar e responder às suas necessidades? Sendo a  ______________________________________________________________________ 5

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    Pessoa  o  objecto  dos  cuidados,  o  valor  de  uma  intervenção  específica  (seja  educativa  ou  médico‐cirúrgica)  tem  de  ser  sempre  avaliada  tendo  em  conta  este  princípio. Claro que aos olhos de cada profissional pode ser a sua intervenção que  se  afigura  relevante,  ou,  pelo  menos,  não  lhe  é  fácil  pensar  comparativa  e  conjugadamente  a  premência,  importância  ou  significado  da  multiplicidade  dos  “necessários”. Se pensarmos ainda que a Pessoa é ela mais os seus contextos e as  suas  relações,  quem  pode  ser  o  profissional  capaz  de  cuidar  de  toda  essa  complexidade?  Tal  exigirá  um  novo  profissional  ou  mais  uma  nova  profissionalidade?  Certamente  uma  nova  prática  profissional  que  não  perca  de  vista o todo e o multidimensional, que assente num conhecimento que ultrapasse o  disciplinar.  Por  isso,  podemos  reencontrar  hoje  alguns  movimentos  de  busca  da  totalidade e de síntese complexa de cada pessoa.  A  necessidade  de  trabalhar  com  outrem,  de  ultrapassar  o  domínio  disciplinar,  surgiu  como  imperativo  para  um  trabalho  deste  tipo.  Cuidar  das  crianças  no  seu  todo  exige  também  uma  perspectiva  de  desenvolvimento,  e  a  humildade  de  reconhecermos  a  nossa  inevitável  incompetência  para  resolver  o  problema  todo,  ou mesmo a sua parte mais importante. E também para aceitarmos que tudo aquilo  que possamos encontrar no quadro do nosso pensamento profissional é sempre, e  tão só, uma parte desse problema ou da solução, e sempre delimitado pelo papel  que os outros, família e mesmo os técnicos, possam ter.  Quando hoje pensamos sobre a necessidade de, desde muito cedo, cuidarmos do  desenvolvimento  das  crianças,  especialmente  daquelas  que  por  alguma  razão  o  têm posto em causa, temos de o fazer a partir desta perspectiva. Sem a ilusão de  soluções  simples  e  milagrosas.  A  preocupação  com  a  intervenção  no  desenvolvimento  infantil,  vai  ao  encontro  da  necessidade  de  perspectivas  de  Pessoa  e  de  desenvolvimento  que  sejam  genuinamente  transdisciplinares.  A  transdisciplinaridade oferece‐se como uma abordagem promissora e profícua para  trabalho  em  psicopatologia.  Que  pode  ultrapassar  as  limitações  de  um  saber  disciplinar, mas também oferecer uma metodologia de trabalho mais abrangente e  integradora.  1.3. Conhecimento transdisciplinar  Embora  se  considere  que  o  surgimento  do  conceito  de  conhecimento  transdisciplinar está ligado à publicação do artigo sobre unidade do conhecimento  pelo físico Neils Bohor, em 1955, foi Piaget quem utilizou o termo transdiciplinar  pela primeira vez, em 1972, num colóquio promovido pela Unesco, para dizer que  se  pode  esperar  uma  etapa  superior  à  das  relações  interdisciplinares  que  será  transdisciplinar,  a  qual  não  se  contentará  com  a  obtenção  de  interacções  ou  reciprocidade  entre  pesquisas  especializadas  mas  se  situará  nessas  ligações  no  interior  de  um  sistema  total,  sem  fronteiras  estáveis  entre  essas  disciplinas.  (Iribarry, 2003).  A  transdisciplinaridade  propõe‐se  trabalhar  naquilo  que  está  entre,  através  e  além  das  diferentes  disciplinas,  ou  ciências.  Não  se  opõe,  portanto,  a  elas.  ______________________________________________________________________ 6

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    Alimenta‐se  da  investigação  disciplinar,  mas  vai  para  além  dos  limites  das  disciplinas  existentes  e  cuida  também  das  correspondências  e  interfaces  entre  diferentes campos de conhecimento  O  primeiro pilar  da transdisciplinaridade é  o  de  reconhecimento de  diferentes  níveis da realidade regidos por diferentes lógicas. Tem uma atitude não linear, nem  multidimensional, mas “ uma abordagem á natureza que se sente confortável com  a ambiguidade e o paradoxo, usando‐os como princípios criativos para estender o  alcance  e  utilidade  da  actual  abordagem  reducionista  defendida  pela  ciência”  (Henagulph 200?)  O segundo grande pilar é a lógica do terceiro incluído “O nascimento da ciência  moderna  e  contemporânea  trouxe  como  consequência  um  deslocamento  do  estatuto  da  verdade  do  sujeito  para  o  objecto...Nós  nos  dirigimos,  na  busca  da  verdade,  muito  mais  ao  objecto  que  ao  sujeito...esta  suposição  de  que  a  verdade  opera  assim,  ou  seja,  que  está  absolutamente  colada  ao  objecto...permeia  a  Psicologia  e,  portanto,  permeia  as  diversas  disciplinas  que  se  alimentam  dela.  E  uma  vez  que  se  supõe  que  a  verdade  está  no  objecto,  quanto  menor  o  objecto,  maior  o  nível  de  certeza  que  sobre  ele  se  pode  atingir.  Assim  é  que  surge  a  fragmentação  que  vai  dar  nas  especializações...  É  por  isso  que  o  discurso  das  especialidades  faz  a  resistência  à  interrogação  sobre  a  subjectividade.”  (Jerusalinsky in Kupfer, 2000).  O 3.º pilar o da complexidade e abre caminho para uma compreensão não linear  nem determinista dos fenómenos e da realidade.  Por  tudo  isto,  a  perspectiva  transdisciplinar  do  conhecimento  não  anula  a  psicopatologia, ou psicopatologias, nem as diferentes perspectivas teóricas em que  elas se organizam. A grande mudança que nelas provoca é a aceitação do carácter  multidimensional da realidade, que coloca um limite ao próprio saber disciplinar.  Na  Psicologia  tem  sido  preponderante  a  busca  de  uma  lógica  linear,  procurando  relações  de  causa‐efeito,  no  que  poderíamos  chamar  uma  psicologia  limpa:  racional, objectiva e esquemática, tendendo a ignorar os sujeitos, e procurando o  funcionamento  das  variáveis  e  processos,  quase  sempre  deterministas.  A  maior  parte  dos  estudos  são  deste  tipo,  assentando  numa  lógica  em  que  o  sujeito  está  ausente e a ciência está na racionalidade do processo.  Freud, como sabemos, havia trazido uma perspectiva distinta, multipolar: uma  tensão  dinâmica  entre  opostos;  a  inevitabilidade  dinâmica  do  conflito,  mais  de  acordo  com  uma  lógica  de  complexidade  (que,  mais  que  multifactorialidade,  é  multidimensionalidade complexa).  Podemos  concordar  assim  que  o  lugar  privilegiado  para  o  exercício  do  olhar  transdisciplinar  é  aquele  onde  nos  encontramos  e  nenhum  outro.  O  olhar  transdisciplinar  inclui  o  espaço  interior  de  cada  pessoa,  o  espaço  do  outro  ser  humano e da natureza.   ______________________________________________________________________ 7

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.   

2. TRANSDISCIPLINARIDADE E TRABALHO DE EQUIPA Para  além  de  uma  atitude  quanto  á  produção  do  conhecimento  em  geral,  a  transdisciplinaridade concretiza‐se na dimensão prática do trabalho de articulação  das diferentes disciplinas ou práticas profissionais e da produção de conhecimento  técnico.  Falando sobre o trabalho com crianças com perturbações do desenvolvimento,  seja no quadro institucional de Equipas de Intervenção Precoce seja nos contextos  hospitalares  ou  de  saúde,  a  transdisciplinaridade  reflecte‐se  no  domínio  do  trabalho  de  equipa.  Uma  equipa  é  “uma  unidade  funcional  composta  por  indivíduos  com  formação  especializada  e  variada  e  que  coordenam  as  suas  actividades  a  fim  de  prestar  os  seus  serviços  às  crianças  e  famílias”  (Golin  &  Ducanis, 1981: 124)  A  forma  como  uma  equipa  que  trabalha  a  partir  da  psicopatologia  do  desenvolvimento  se  vai  organizar  pode  ser  bastante  diversa,  tendo  em  conta  os  contextos  de  trabalho  e  os  profissionais  (psicólogos,  médicos,  terapeutas,  educadores)  que  as  constituem.  Estes  profissionais,  oriundos  de  diferentes  áreas  do saber, podem actuar em conjunto ou de forma individualizada com uma mesma  criança,  numa  mesma  problemática,  consoante  o  modelo  de  intervenção  que  a  equipa adoptou na sua prática.   Inevitavelmente hoje, trabalhar com as perturbações do desenvolvimento exige  uma  multiplicidade  de  saberes,  formações  e  intervenções  que  têm  de  agir  conjugadamente.  Podemos  considerar  que  existem  três  grandes  modelos  de  organização  e  trabalho  em  equipa:  multidisciplinar,  interdisciplinar  e  transdisciplinar.  Do mesmo modo que o conhecimento multidisciplinar assenta na produção das  múltiplas disciplinas mas sem cuidar das suas relações nem as fazer cooperar, no  trabalho  de  equipa,  também  reconhece  a  necessidade  do  trabalho  de  múltiplos  profissionais para que a criança possa ser convenientemente cuidada. Profissionais  que  avaliem  e  intervenham  de  acordo  com  a  situação.  No  entanto  o  resultado  da  intervenção é mais o somatório das actividades individuais dos diferentes técnicos,  que  tendem  a  trabalhar  e  a  tomar  decisões  isoladamente,  não  sendo  postas  em  questão  as  suas  perspectivas  pessoais,  porquanto  se  parte  do  princípio  que  cada  um  sabe  que  o  que  é  melhor  para  aquela  problemática.  A  orientação  que  cada  técnico  vai  seguir  depende  da  sua  perspectiva  profissional  e  da  formação  que  possui  e  cada  um  tenderá  a  tomar  decisões  e  a  trabalhar  isoladamente,  sendo  a  interligação e a coordenação entre as acções e programas de intervenção bastante  ténue.  Este  modelo  pode  conduzir  a  intervenções  ou  orientação  dos  casos  eventualmente  contraditórias  ou  concorrentes,  sendo  difícil  a  definição  de  prioridades, assim como faz com que seja difícil chegar a entender a criança na sua  globalidade e unidade.   ______________________________________________________________________ 8

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    O modelo interdisciplinar é mais integrado que o anterior e corresponde a um  nível da produção do conhecimento a partir da justaposição de disciplinas. Passa a  existir uma estrutura formal de interacção, de cooperação e de trabalho de equipa.  Os técnicos cooperam mas sem coordenação (Iribarry, 2003)  A partilha de informação é mais frequente e assumida como fundamental mas o  factor  decisivo  nas  tomadas  de  decisão  quanto  ao  planeamento  ou  à  intervenção  continua a ser a perspectiva de cada disciplina ou de cada especialista. Sendo cada  profissional a fazer a sua própria avaliação e selecção de prioridades, a tomada de  decisão quanto à orientação do caso tende a reflectir as relações de poder entre os  técnicos  dentro  da  equipa  ou  do  serviço,  mais  do  que  as  reais  necessidades  da  criança  ou  da  família.  Há  um  saber  que  prevalece  e  a  quem  cabe  a  tomada  de  decisões que vinculam toda a equipa e os seus diferentes profissionais.  Já  o  trabalho  de  equipa  numa  perspectiva  transdisciplinar  assenta  no  reconhecimento  mútuo  das  posições  e  competências  de  cada  um  face  ao  mesmo  objecto: a criança e o seu contexto de desenvolvimento. É por isso uma perspectiva  que  requer  humildade  e  disponibilidade  por  parte  de  cada  profissional  (Iribarry,  2003), porquanto assenta mais nas insuficiências e limites de cada disciplina e no  que está para além dela, do que nas competências individuais  Pressupõe, em primeiro lugar, a existência de um conceito de equipa mais forte,  estruturado e dinâmico em que:  O dinamismo de toda a equipa é vivido como elemento fundamental do próprio  trabalho e da respectiva qualidade;  É fundamental o suporte mútuo e a partilha de informação e conhecimento; pelo  que é importante que os técnicos estejam familiarizados com as diferenças entre si  – o que exige “uma legibilidade dos discursos “ (Iribarry, 2003:489).  Cada  técnico  integra  conhecimentos  e  estratégias  que  ultrapassam  a  sua  formação de base. É a transdisciplinaridade que gera “novos dispositivos”, ou seja,  conhecimentos que resultam de uma discussão compartilhada acerca do problema  que  exige  solução.  Dispositivos  derivados  de  um  outro  saber  e  aplicados  a  novas  situações ou simplesmente derivados das limitações das soluções pré‐existentes.  Total  co‐responsabilidade,  de  todos  os  membros  da  equipa,  nas  tomadas  de  decisão e na avaliação dos resultados. Sem que um saber se sobreponha, mas numa  relação horizontal. Centrando‐se fundamentalmente nas necessidades da Pessoa e  não na especialização dos técnicos.  2.1. Trabalho multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar  No  funcionamento  concreto  das  equipas,  o  modelo  transdisciplinar  vai  diferir  bastante dos diferentes modelos de equipas multidisciplinares e interdisciplinares  ______________________________________________________________________ 9

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    na abordagem das várias dimensões da intervenção com as crianças, suas familias  e  contextos.  Podemos  diferenciar  as  práticas  transdisciplinares  das  restantes  no  que se refere às seguintes dimensões:  a) Detecção  e  sinalização  da  patologia  ‐  O  modelo  transdisciplinar  assenta  no  princípio  da  cooperação  e  articulação  entre  técnicos  e  serviços  na  detecção  e  identificação  da  situação,  pelo  que  qualquer  que  seja  o  profissional  que  faz  a  detecção,  em  vez  de  elaborar  o  seu  próprio  programa  de  intervenção  ou  de  remeter  a  criança  para  múltiplas  avaliações  procura  uma  entidade/equipa  que  possa  conjugar  as  intervenções de uma forma mais global e que esse técnico pode, ou não,  vir a incorporar.   b) Avaliação e diagnóstico – No modelo transdisciplinar a avaliação é feita  por diferentes membros da equipa de forma compreensiva e global tendo  em conta os múltiplos saberes sobre a criança, sobre o contexto e ainda  os  deste  acerca  da  criança.  Evitando  repetir  processos  de  avaliação  e  procurando  que  cada  observação  efectuada  produza  o  máximo  de  informação sobre o desenvolvimento em geral e de cada uma das áreas  de competência da criança, e usando técnicas transdisciplinares.  c) Participação  das  famílias  no  processo  –  A  família  detém  um  conhecimento sobre a criança que não pode ser desvalorizado pelo que  participa  activamente  em  todo  o  processo,  Esta  participação  é  um  elemento  fundamental,  levando  a  considerar‐se  muitas  vezes  que  a  própria  intervenção  é  centrada  na  família.  Enquanto  que  nos  outros  modelos  a  família,  mesmo  reunindo  com  cada  técnico,  ou  com  o  representante da equipa, continua a ser sempre um elemento exterior às  tomadas de decisão técnicas.  d) Responsabilidade  pela  intervenção  –  Numa  perspectiva  de  funcionamento  transdisciplinar,  todos  os  elementos  da  equipa  são  co‐ responsáveis pela intervenção. Independentemente da equipa atribuir a  um,  ou  mais,  dos  seus  membros  as  tarefas  concretas  de  intervenção,  é  sempre a equipa que assume colectivamente a responsabilidade pela sua  condução. Ao contrário do que acontece nas outras perspectivas, em que  a responsabilidade é do técnico que faz a intervenção directa.  e) Planeamento  da  intervenção  –  Enquanto  que  nas  perspectivas  multi  e  pluridisciplinares  cada  técnico  é  chamado  apenas  a  planear  a  intervenção  no  seu  domínio  específico  de  acção  e,  quando  muito,  a  conjugá‐la  com  outros  interventores,  aqui  a  equipa  é  responsável  pela  definição de um plano integrado, em que a família é igualmente chamada  a  participar,  que  tem  em  conta  a  globalidade  das  necessidades  e  dos  recursos  e  em  que  as  prioridades  são  definidas  em  função  da  própria  criança e família.  f) Implementação  de  programa  de  intervenção  ‐  No  modelo  transdisciplinar  todos  os  técnicos  são  co‐responsáveis  pela  implementação  do  programa,  independentemente  de  quem  o  executa.  ______________________________________________________________________ 10

FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    Todos os técnicos têm permanentemente em consideração os objectivos  definidos  para  a  intervenção,  havendo  um  responsável  pela  sua  implementação que pode ser o responsável ou gestor de caso.  g) Pressupostos  de  funcionamento  da  equipa  ‐  Todos  os  técnicos  estão  comprometidos  em  ensinar,  aprender  e  trabalhar  em  conjunto  para  desenvolver práticas e alcançar objectivos que ultrapassam os limites da  sua  disciplina.  O  que  é  bem  mais  do  que  o  mero  reconhecimento  ou  atribuição de espaço e valor às outras disciplinas.  h) Comunicação intra‐equipa ‐ As equipas de cariz transdisciplinar apostam  na  comunicação  e  partilha  dos  diversos  saberes,  integrando  os  conhecimentos  e  estratégias  dos  diferentes  profissionais  através  de  reuniões estruturadas e de uma ligação permanente.   i) Aprendizagem  e  formação  dos  técnicos  –  A  aprendizagem  feita  no  contexto da equipa e fora dele, tende a ser transdisciplinar, centrada nas  problemáticas  e  não  na  formação  de  base.  Cada  um  aprende  com  os  outros elementos da equipa ou a partir deles.  j) Implicações organizacionais – A prática transdisciplinar aponta para uma  organização  em  equipas  maleáveis  com  partilha  de  responsabilidades,  sendo  o  responsável  de  caso  quem  articula  a  equipa  com  a  família.  Fugindo assim à estrutura orgânica mais corporativa, por departamentos  criados em função das especialidades e exigindo um funcionamento mais  horizontal 

CONCLUSÃO As  perturbações  do  desenvolvimento  apresentadas  pelas  crianças,  pela  forma  como  interligam  diferentes  factores,  dimensões  e  níveis,  facilmente  transbordam  em relação a uma perspectiva disciplinar.  A  transdisciplinaridade  surge  como  uma  abordagem  promissora  para  compreendermos  a  criança  como  unidade  multidimensional,  em  que  os  aspectos  do  desenvolvimento,  da  educação,  do  sofrimento  emocional,  da  patologia,  das  relações e dos contextos se apresentam como níveis de realidade que se interligam  mas  não  se  anulam  nem  explicam  mutuamente  numa  lógica  linear.  Permite  construir um conhecimento mais amplo, mais diverso e simultaneamente mais uno  sobre as crianças com perturbações do desenvolvimento.  Por  outro  lado,  a  transdisciplinaridade  coloca  desafios  à  prática.  Permite  ultrapassar os limites do saber disciplinar na medida em que exige que os técnicos  tenham uma atitude de partilha dos seus próprios saberes, de disponibilidade para  dar  e  receber  informação,  o  que  coloca  exigências  ao  nível  da  utilização  de  uma  linguagem comum e de terminologias e conceitos que possam ser partilhados por  toda  a  equipa  e  pelas  próprias  famílias.  Passa  também  pela  atitude  face  à 

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FRANCO,  V.  (2007)  Diversidade  e  transdisciplinaridade  em  psicopatologia  do  desenvolvimento. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do  Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.    comunicação  e  à  transferência  de  conhecimentos  e  competências  que  é,  sem  dúvida,  a  atitude  fundamental  do  funcionamento  transdisciplinar  que,  perante  o  saber do outro, exige um posicionamento de humildade, aceitação e valorização. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Apolónio,  A.  Rubin,  L.;  Castilho,  C.;  Franco,  V.  (2000).  Intervenção  Precoce  no  desenvolvimento  de  crianças  com  paralisia  cerebral.  In  Machado,  C.  et  al.  Interfaces da Psicologia, vol. I. Évora: Universidade de Évora.  Berlink, M. (1999). A dor. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental,  2 (3), 46‐58.  Berlink, M. (2000). O que é a Psicopatologia Fundamental. Revista Latinoamericana  de Psicopatologia Fundamental, 1 (1), 46‐59.  Ceccarelli,  P,  (2005).  O  Sofrimento  Psíquico  na  perspectiva  da  Psicopatologia  fundamental, Psicologia em Estudo, 10 (3), 471‐477.  CRET  ‐  Centre  de  Recherche  et  Études  Transdisciplinarité  (1995).  Carta  da  Transdisciplinaridade, Cadernos de Educação, 8, 7‐9.  CRET  ‐  Centre  de  Recherche  et  Études  Transdisciplinarité  (1997).  Congresso  de  Locarno: Que Universidade para o amanhã? Locarno.  Ferreira, M.C. (2001). Organização das equipas técnicas. In Louro, C. (coord) Acção  social na deficiência. Lisboa: Universidade Aberta  Golin,  A.K.;  Ducanis,  A.J.  (1981).  The  interdisciplinary  team:  A  handbook  for  the  education of special children. Aspen: Rockville.  Henagulph,  S.  (2000).  Three  Pillars  of  Transdisciplinarity.  Goodshare.org.  22  April  2000. 

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