[disc. Pós] Psicose E Maternidade.docx

  • Uploaded by: Sarah Paes Rodrigues
  • 0
  • 0
  • October 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View [disc. Pós] Psicose E Maternidade.docx as PDF for free.

More details

  • Words: 2,262
  • Pages: 12
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA PSICANÁLISE E PSICOSES

PSICOSE E MATERNIDADE

Sarah Paes Rodrigues

Belo Horizonte Novembro 2014

INTRODUÇÃO

A reforma psiquiátrica, a evolução do tratamento e a reinserção social das pessoas com quadro psicótico diminuíram o estigma e possibilitaram uma vida mais próxima do "normal", ampliado-se a possibilidade de que mulheres psicóticas tenham filhos. A fertilidade de mulheres com esquizofrenia é comparável ou ligeiramente inferior à da população em geral. É ainda possível, em mulheres sem diagnóstico prévio, a ocorrência da psicose puerperal, que pode se manifestar por depressão, perda do senso de realidade, delírios, alucinações e pensamentos da mãe sobre ferir o bebê ou a si mesma, podendo levar a fantasias homicidas. A incidência é de um caso para cada 1000 partos, e cerca de 50% das mulheres afetadas têm histórico familiar de transtorno do humor. Um histórico psiquiátrico com surtos anteriores traz fortes indícios de risco nestes casos, e há grande probabilidade de novos episódios de doença psiquiátrica ao longo da vida (ALT; BENETTI, 2008; IACONELLI, 2005). Objetiva-se com esse trabalho apresentar as contribuições da psicanálise para a compreensão da psicose no contexto da maternidade desde a gravidez, passando pelo puerpério até os impactos no relacionamento com a criança. Buscase priorizar os aspectos relacionados à subjetividade da mulher nesse processo.

Psicose e maternidade

Vários fatores podem estar envolvidos no desejo de se ter um filho. Um deles seria a busca de um reencontro com a mãe inicial, fonte de amor total e de vida, e preencher o vazio deixado por essa mãe infantil idealizada. Outro se relaciona com uma atualização do amor edípico e do desejo de ganhar um filho do pai. Nesses dois casos, o desejo de um filho na verdade é um desejo de infância, da realização de um desejo infantil. É comum em mulheres psicóticas esse desejo de infância, e é difícil determinar qual é o verdadeiro desejo por trás de se querer ter um filho (VACHERON; DUCROIX; CHOUDEY, 2008). Nas afecções parafrênicas, a libido liberada pela frustração de uma descarga se retira para o ego. Dado o desligamento apenas parcial da libido dos objetos, quando ocorre uma falha nesse processo, inicia-se uma tentativa de restauração que gera fenômenos diversos, entre eles os que representam o processo mórbido (nos quais se incluem perturbações afetivas e regressões) e os que representam a restauração com nova ligação da libido a objetos (como uma histeria ou uma neurose obsessiva) (FREUD, 1914/2006). Freud nos indica a relação entre maternidade e atribuição fálica em sua equação simbólica falo-filho, onde “[...] a menina desliza – ao longo de uma equação simbólica, diríamos – do pênis para um bebê” (FREUD, 1924/1992, p. 186, apud BARBOSA; ALBERTI, 2012). Considerando-se também as fórmulas de sexuação de Lacan e a opção da mulher de se colocar na função Φx ou bem não estar nela, a mulher como mãe se localizaria no lado do homem, regido pela referência ao falo. Com a zerificação da função fálica, então, questiona-se como a mulher psicótica viveria a maternidade (BARBOSA; ALBERTI, 2012).

No caso clínico de Aimée, Lacan destaca o papel dos estados puerperais no desencadeamento de surtos psicóticos da paciente, notadamente com delírios de perseguição aos filhos que a levam a um comportamento de proteção obstinada e delirante. Por outro lado, a criança era encontrada “[...] ora empanturrada, ora esquecida pela mãe, por exemplo, lambendo graxa de seu carrinho” (MELO, 2002, p. 108 apud BARBOSA; ALBERTI, 2012). Para Soler (2007 apud BARBOSA; ALBERTI, 2012), o temor pela segurança da criança derivaria-se do lugar da mesma como duplo especular da mãe, ao invés de uma complementação da falta fálica. O objeto "[...] funciona por exclusão e se torna, para o sujeito, sinônimo de morte". Assim, Aimeé nos mostra que certas psicoses seriam uma via de acesso ao gozo do materno fora de toda nomeação e da legitimação do filho como atributo fálico, contradizendo a equação falo-filho (BARBOSA; ALBERTI, 2012). Para algumas mulheres psicóticas um filho é elemento possível para a estabilização ao ocupar o lugar de objeto no seu fantasma ou o da foraclusão do nome-do-pai. A foraclusão também se associa a condição de desertada do desejo da mãe na infância. Por outro lado, ao invés de uma suplência, a gravidez pode ser ocasião de um encontro com um furo no real, tornando-se condição para um surto (BRITO, 2014).

A identidade materna

A maternidade ativa o conflito edipiano ao ser compreendida como conquista da identidade feminina e o bebê considerado representante do falo paterno. Quando a criança é do sexo feminino, a mãe revive com mais intensidade sua história com a própria

mãe,

deflagrando

sentimentos ambivalentes

pelas

dificuldades

de

elaboração da própria identidade feminina materna. Essas dificuldades, até então latentes e intrapsíquicas, tornam-se manifestas e de caráter interpessoal (ALT; BENETTI, 2008). O bebê passa a representar uma “[...] efígie viva de objetos internos antes recalcados ou clivados.” (CRAMER & ESPASA, 1993, p. 30 apud. ALT; BENETTI, 2008) e por isso “[...] as pulsões e fantasias podem ser atuadas.” (HALBERSTADT FREUD, 2001 apud ALT; BENETTI, 2008). Na psicose pós-parto a identidade materna é difusa e enfraquecida. A dinâmica inconsciente do infanticídio resulta da projeção, no bebê, de uma parte do ego que está arruinada por um objeto interno muito ameaçador. A morte da criança significa eliminar o terror, a dor, o sofrimento e, ao mesmo tempo, o objeto terrorífico (ALT; BENETTI, 2008).

A relação de objeto com o bebê

A mãe psicótica "[...] oscila entre um desejo intenso de aproximação fusional, fascinante e angustiante, com seu bebê fantasístico e uma intolerância em relação às manifestações pulsionais e de desenvolvimento do bebê real” (CAMAROTTI, 1997, pp.109). Quando há um hiperinvestimento na criança imaginária, há uma dificuldade de investimento no filho real, que com suas necessidades, desejos e insuficiências não corresponde a fantasia. O infanticídio teria aí a função de manter inalterável a criança imaginária (BAYLE, 2006). Como consequência da foraclusão do Nome-do-pai temos a não inscrição no simbólico do significante fálico. A falta de referência a esse significante compromete, além do reconhecimento da diferença sexual, a resposta no nível da maternidade e da paternidade. A criança é então colocada em um lugar no qual é suposta a reparar tudo, em uma verdadeira relação narcísica na qual a mãe deseja fusionar-se com o bebê imaginário. Assim, não é capaz de perceber as necessidades do futuro bebê e

assegurar uma gestação segura (VACHERON; DUCROIX; CHOUDEY, 2008; BARBOSA; ALBERTI, 2012). O rompimento da relação simbiótica mãe-bebê representado pelo parto pode desencadear vivências psicótica pela reativação de conflitos e lutos mal elaborados da infância. Lacan, sobre o caso do presidente Schreber, destaca o papel da ascensão deste à uma posição paterna (através de sua promoção) com a consequente revivescência do temor de castração, no desencadeamento de uma crise psicótica. Nesse momento há um sentimento de perda e de esvaziamento de partes de si, além do medo do ataque de algo desconhecido (bebê). No puerpério, apresenta-se a dualidade entre a situação do perdido e do adquirido (ALT; BENETTI, 2008; LACAN, 1985). O bebê, com suas necessidades, exige da mãe o contato com o ponto mais sensível da sua patologia: fazer o percurso de uma relação narcísica para uma relação objetal, o que é quase impossível. Essa questão pode ser explicitada no momento da amamentação, que exige um estado de preocupação maternal primária. Ao contrário, outra manifestação possível a quase inexistência da criança imaginária, de forma que o filho real preenche o vazio. Nesse caso, é o desmame que se torna um período de risco de descompensação, dada a quebra da fusão narcísica e da indiferenciação eu-outro que caracteriza sua resposta ao outro. (BAYLE, 2006; CAMAROTTI, 1997). Em alguns casos a gravidez pode ser percebida como um corpo estranho. O bebê por vir não é representado e o parto seria visto como uma amputação. Mesmo nesses casos, o processo de separação nos primeiros meses pode ser percebido como ruim e originar descompensações delirantes (VACHERON; DUCROIX; CHOUDEY, 2008).

A psicose materna e a possibilidade de criação do filho

A mãe esquizofrênica percebe mal as necessidades e desejos do filho e pode estar sujeita a uma inflação narcísica que a impede de ver através da realidade do outro, na sua forma autônoma e distinta. O não reconhecimento do bebê como um indivíduo

separado

gera

comportamento

materno

inadaptado,

incoerente,

imprevisível e deficiente. Oscila entre o excesso e a negligência, podendo chegar à hostilidade (BAYLE, 2006; ARRUDA, 2009). Seria difícil para uma mãe psicótica propiciar ao bebê os processos que compõem o desenvolvimento emocional primitivo. Sua relação com o bebê depende muito do tipo do seu tipo de relação de objeto, ou seja, de dominância pré-genital oral, puramente narcisista, onde o sujeito dispõe do objeto em função de suas próprias necessidades, sem consideração pelas do objeto. Ela então apresenta dificuldade de ver a criança real, levando a uma inversão na qual a criança tenta se adaptar à mãe, gerando angústia em ambos. Sobre a psicose puerperal, segundo Iaconelli (2005) o bebê não existe enquanto tal para a mulher em surto, não tendo suas necessidades emocionais respondidas pela mesma: "Ele passa a ser um espaço vazio preenchido por elementos do psiquismo da mãe." (p. 2) (ARRUDA, 2009; BAYLE, 2006). Para Winnicott (1961/2005 apud ARRUDA, 2009), pais com características esquizóides fracassam no cuidado de seus filhos, a menos que, conscientes da própria patologia, os entreguem aos cuidados de outras pessoas. A psicose dos pais também não produziria psicose nos filhos, e a criança poderia encontrar meios de crescer sadia apesar dos fatores ambientais. A capacidade de cuidado do bebê deve ser considerada observando-se o grau de perturbação e se há a presença de

alguém que possa assumir os cuidados quando necessário, a capacidade de pedir ajuda e o fato da patologia incluir ou não a criança (ARRUDA, 2009).

CONCLUSÃO

As mulheres psicóticas apresentam diferenças na sua constituição psíquica em comparação com as neuróticas que geram impactos na maternidade e na relação mãe-bebê. Esses impactos se relacionam, principalmente, à relação de objeto narcísica, às questões infantis e à foraclusão do Nome-do-pai. Quando uma mãe apresenta um quadro psicótico, pós-parto ou anterior à gestação, as opiniões dos profissionais quanto à manutenção ou não do bebê junto a ela se dividem. Isso porque a maternidade nesse público também não se apresenta como um fenômeno único, com as mesmas características

e

manifestações em todas as mulheres. Embora existam casos em que exista o risco de agressão e até mesmo infanticídio, em outros as crises nem mesmo passam pela relação com a criança. A capacidade de propiciar um desenvolvimento saudável sem auxílio, entretanto, não parece ser possível, considerando-se as limitações na relação com o outro e a possibilidade de crises. Uma intervenção precoce, que inclua aspectos sociais e terapêuticos pode possibilitar à criança a chance de se desenvolver de forma saudável e aos pais as condições de exercer suas funções de forma adequada. O trabalho deve ser no sentido tanto de se evitar o agravamento do estado mental da mãe quanto de garantir ao bebê um ambiente que facilite seu desenvolvimento e atenda às suas necessidades básicas na presença ou não da mãe. Arruda e Andrietto (2009) destacam a importância do contato entre mãe e bebê quando isso é possível, considerando também importante que nenhum dos dois sejam rotulados ou que sejam feitas previsões generalistas nos serviços de apoio. A maternidade influencia o curso da doença também de maneira diversa, podendo gerar estabilização ou deflagrar surtos. As representações psíquicas dos

momentos marcantes que acompanham a gravidez, o parto e o puerpério podem levar a oscilações no decorrer do processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALT, M.S.; BENETTI, S.P.C. Maternidade e depressão: impacto na trajetória de desenvolvimento. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 2, p. 389-394, abr./jun. 2008. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014. ARRUDA, Sérgio Luiz Saboya; ANDRIETO, Elisângela. Mães psicóticas e seus bebês: uma leitura winnicottiana. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , v. 61, n. 3, dez. 2009 . Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014. BARBOSA, Lauro; ALBERTI, Sônia. A questão da procriação na psicose. In.: V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, 2012, Fortaleza. São Paulo: Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, 2012. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014 BAYLE, Benoît. Ma mère est schizophrène. Société Marcé Francophone, Chartres, jan. 2006. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014. BRITO, Maria Mercedes Merry. Maternidade e suas vicissitudes na psicose. 2003. 143 p. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2014. CAMAROTTI, Maria do Carmo. Observação terapêutica de um bebê de pais psicóticos. In.: WANDERLEY, Daniele de Brito [org.]. Palavras em torno do berço: intervenções precoces bebê e família. Salvador, Agalma, 1997. pp. 107-118. Disponível em:
IACONELLI, Vera. Depressão pós-parto, psicose pós-parto e tristeza materna. Rev. Pediatria Moderna, São Paulo, v. 41, nº 4, jul.-ago. 2005. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014. LACAN, J. Seminário 3: As Psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. VACHERON, M.-N.; DUCROIX, C.; CHOUDEY, M. Du désir d'enfant au désir de l'enfant : particularités chez la femme atteinte de trouble psychotique. Neuropsychiatrie de l'enfance et de l'adolescence, França, v. 56, nº. 8, 2008. Disponível em: . Acesso em: 22 nov. 2014.

Related Documents

Disc Dir E Ind
June 2020 8
Disc
November 2019 43
Ps
October 2019 53
Ps
May 2020 36
Disc Jockeying
May 2020 20
Blueray Disc
November 2019 24

More Documents from ""

October 2019 7
October 2019 8
October 2019 7
Catalogo-co-web-4-2017.pdf
December 2019 5
October 2019 9