Direitos De Uso De Agua

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DA OUTORGA DO DIREITO DE USO DA ÁGUA

Desembargador WELLINGTON PACHECO BARROS (Palestra proferida no 1º Seminário do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça – DIREITOS DA ÁGUA, realizado no dia 29 de março de 2005).

1. - NOÇÕES GERAIS A água é, hoje, um fator de preocupação agudo e tem suscitado debates acalorados em vários estratos sociais, religiosos e organismos estatais, inclusive na ONU, apesar de cobrir 2/3 da superfície da Terra e com isso aparentar ser infinita para a vida humana, animal e vegetal. Essa preocupação não decorreu de estudos sobre seu poder de causar acidentes como o tsunami que atingiu vários países e causou a morte de algumas centenas de milhares de vidas e danos patrimoniais imensos, nem na busca de entender seu funcionamento e importância no contexto biológico, como a descoberta recente de que ela tem “memória” e que por 50 femtosegundos (um femtosegundo é equivalente a um bilionésimo de milionésimo de um segundo) armazena as lembranças das propriedades de substâncias que já estiveram nela diluídas, conforme publicação da revista científica “Nature”, de 10 de março de 2005, noticiado pelo jornal Folha de São Paulo, no seu caderno FolhaCiência, página A 16, da mesma data ou mesmo das secas periódicas que nos assolam.

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A preocupação com a água é mais direta e mais profunda e decorre da conscientização de que, apesar de cobrir quase a totalidade da Terra, apenas 2,5% de seu volume é de água doce, sendo que deste percentual 68,9% são geleiras e neves eternas, 29,9% são de águas subterrâneas, 0,9% estão na umidade do solo, nos pântanos e nas geadas e apenas 0,3% estão em rios e lagos e que, portanto, com o aumento da população mundial, a poluição provocada pelas atividades humanas, o consumo excessivo e o alto grau de desperdício, ela se tornou um bem finito em curto prazo a preocupar toda vida existente na Terra. Essa conscientização, embora já venha de algum tempo em outros países, chegou ao Brasil de forma tênue e com uma certa desimportância talvez pelo fato do País abrigar 13,8% das reservas mundiais de água doce para uma população de apenas 2,8% da mundial e aqui se encontrar 71% dos 1,2 milhões de quilômetros quadrados (cerca de 840 mil quilômetros quadrados) do Aqüífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce das Américas e um dos maiores do mundo, envolvendo os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 2. DA NATUREZA JURÍDICA DA ÁGUA A primeira lei a tratar sobre a água no Brasil, o Código de Águas, de 1934, embora dispusesse sobre a possibilidade de outorga de uso pelo poder público, em verdade, tratava esse bem com ênfase de domínio privado. No entanto, assimilando a evolução de transformação da água em bem essencial à vida na Terra, a Constituição Federal de 1988 introduziu esse importante avanço e a considerou como bem do domínio público (art. 20, inciso III), também chamado de bem de uso comum do povo, situação reafirmada em termos de competência federativa pelos Estados de existência de condominialidade com a União, como sustentada pela Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (art. 7º, inciso III).

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O regulamento, no entanto, só foi estabelecido pela Lei nº 9.433/97, a chamada “Lei das Águas”, que, todavia, oito anos depois ainda não foi devidamente implementada gerando dúvidas e contribuindo para que a água, especialmente quando usada por particulares, permaneça com a antiga conotação de coisa privada. A lei, que não revogou completamente o Código de Águas, mas apenas a dimensionou como bem público, criou uma Política Nacional de Recursos Hídricos e um sistema nacional para gerenciá-lo, o SINGREH, integrado por um Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselhos de Recursos Hídricos Estaduais e Comitês de Bacia Hidrográfica. Como ponto importante estabeleceu regras sobre a outorga de direito de uso dos recursos hídricos e a possibilidade de sua cobrança, institutos que têm oportunizado discussões acirradas tanto na doutrina como na jurisprudência e que será o motivo principal deste trabalho. Em resumo, a água, além de constituir um elemento essencial para a permanência da vida na Terra, é reconhecida pelo direito positivo de todos os povos como um recurso natural limitado e que, apesar de todos terem direitos a seu uso, ela deve ser regulada pelo Estado como bem de domínio público.

3. - DA ÁGUA COMO OBJETO DE DIREITO DE USO ONEROSO 3.1. – Conceito de direito de uso Direito de uso é o instituto jurídico de direito administrativo pelo qual o poder público, União, Estados ou o Distrito Federal, atribui a outrem, ente público ou privado, o direito de uso do bem público água de forma onerosa. O uso da água pelo terceiro impõe a obrigação de que este a destine para sua própria finalidade que, no entanto, pode ser limitada pela Administração Pública, porém nunca desvirtuada de seu fim natural. Portanto, no âmbito de exação da outorga não está o

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direito de disposição, circunscrevendo-se apenas ao simples direito de uso, conforma preconiza o art. 18, da Lei nº 9.433/97. No direito de uso de bem público o usuário sequer pode não usar o bem porque, por sua natureza pública, o bem público precisa cumprir a sua finalidade de produzir benefícios para o povo. Se o faz no tempo de três anos sofre a sanção de ver suspensa a outorga de forma definitiva (art. 15, inciso I, da Lei nº 9.433/97), situação típica de rescisão contratual. O direito de uso, como já mencionado, é instituto típico de direito administrativo, o que o coloca no rol temático de direito público e, dessa forma, não se confunde com os contratos de locação, arrendamento, comodato ou até mesmo o direito real de uso que são contratos tipicamente privados. O direito de uso da água por terceiros surge da conveniência e da oportunidade administrativa de delegar a outrem a gestão de um bem que por força de lei é considerado de domínio público e que, por isso mesmo, deve aquele que detém a sua titularidade destinar este bem a sua finalidade natural. Não pode o terceiro exigir da Administração Pública a outorga do direito de uso da água porque outorgar é função precipuamente administrativa e inserida no seu poder discricionário. Mesmo nos casos de outorga individualizada a Administração Pública deve analisar a conveniência e a oportunidade de outorgar o uso tendo sempre presente o primado do interesse público sobre o privado. A água, como um bem de domínio público, deve, como princípio fundamental, ser administrada pelo próprio ente público a quem a Constituição Federal legitimou competência para administrála. A outorga é a faculdade de repassar esta administração a terceiros. A Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, quando trata da outorga do direito de uso da água, apenas formaliza o modus faciende de como deve ser operacionalizada a delegação de uso desse bem público ao terceiro. É o poder legislativo legitimando a Administração Pública a repassar a gestão de um bem público, que em princípio seria da própria administração, a outrem. A autorização legislativa não elegeu a forma de como a Administração Pública deva proceder

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perante o terceiro. Apenas “autorizou” a delegação através do instituto jurídico que chamou de “outorga”. A União, o Estado ou o Distrito Federal, nas águas que lhes compete administrar, é quem, no exercício do típico poder discricionário, decidirá se essa ou aquela água será objeto de direito de uso. Outorgado o uso, contudo, não perde a Administração Pública concedente o controle da delegação. Em outras palavras, a água será apenas usada pelo outorgado, mas, se este não cumprir os termos da outorga, não usá-la por três anos consecutivos, houve necessidade premente para atender situações de calamidade, de prevenção ou reversão de degradação ambiental, houve necessidade para atender usos prioritários de interesse coletivo ou navegabilidade do corpo de água a outorga de direito de uso poderá ser suspensa parcial o totalmente, em definitivo ou por prazo determinado. As causas suspensivas da outorga, no entanto, decorrerão de processo administrativo em que seja garantido o contraditório, a ampla defesa, a motivação e a possibilidade de recurso, princípios garantistas estabelecidos pela Constituição Federal através do art. 5º, incisos LIV e LV. No Rio Grande do Sul é motivo de grande polêmica definir-se se as águas administradas pelo Estado devem ou não integrar o projeto de lei que estabelece que os serviços de captação, distribuição e tratamento de água podem ser objeto de parceria público-privada, isso porque o artigo 2º, § 2º, do Projeto de Lei nº 027/2004, que vedava essa possibilidade, foi vetado pelo Sr Governador do Estado e que agora se encontra em análise na Assembléia Legislativa. Parece-me que, pelo princípio da simetria, se a Lei das Águas estabeleceu como norma geral à possibilidade de outorga do direito de uso, não poderia o Poder Legislativo Estadual retirar da Administração Estadual a possibilidade da outorga. 3.2. – A contraprestação pelo direito de uso.

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Decidindo a Administração Pública competente que lhe é conveniente ou oportuno outorgar que determinado corpo de água seja administrado por terceiros em benefício próprio ou mesmo em benefício da comunidade, essa delegação do uso do bem público pressupõe uma contraprestação. Mesmo que os terceiros sejam outros órgãos administrativos, já que a lei não estabelece distinção, quanto mais os particulares, pessoas físicas ou jurídicas, consoante previsão legislativa da Lei nº 9.433/93, que chama esta contraprestação de cobrança pelo uso, nos precisos termos do art. 20 da mencionada lei. A água, se usada pela própria Administração Pública gestora do corpo de água, por evidente, não gera contraprestação. Esta somente decorre da outorga do direito de uso a terceiros. A contraprestação, como princípio geral, deve ser fixada considerando-se, nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação e, nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente. O percentual embora uno para as águas de competência da União e do Distrito Federal, poderá variar de estado para estado. O que não pode é o Estado dispensar a sua cobrança. A contraprestação, portanto, será contínua e variável enquanto durar o prazo da outorga e deverá, nas águas de competência da União, ser aplicada de forma prioritária na bacia hidrográfica em que foram gerados visando financiamentos de estudos, projetos e obras, pagamentos de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Nas águas de competência estadual, competirá a cada Estado regrar sobre a destinação dos recursos obtidos pela cobrança. A cobrança da contraprestação pela outorga do direito de uso da água é de competência da ANA – AGÊNCIAS NACIONAIS DE ÁGUAS, que repassará o recurso, por meio de um contrato de gestão, ao órgão criado pela bacia, quanto se tratar de águas da União. Cada Estado criará seu órgão cobrador na outorga do direito de uso de suas águas.

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3.3. – A regulamentação da cobrança pela outorga das águas de competência da União pelo CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS Embora a cobrança pelo uso da água tivesse sido disciplinada pelos art 19 a 22, da Lei nº 9.433/97, somente na data de 21.03.2005 foi regulamentada pelo CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS, cujo ato foi encaminhado para análise ao MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, quanto às águas da União. A regulamentação implementada pelo CNRH traçou apenas as linhas gerais para a cobrança pelo uso da água, cabendo aos COMITÊS DE BACIA sobre os valores e a sua forma de aplicação. Segundo o próprio CNRH a cobrança representará um aumento de 2% na conta de cada consumidor final ou R$ 0,02 (dois centavos) por metro cúbico de água. É bom deixar claro que a cobrança diz respeito à outorga do direito de uso da água, podendo esta cobrança ser ou não repassada para o usuário final no caso de abastecimento público. 4. – DA OUTORGA DE DIREITO DE USO DA ÁGUA 4.1. – Generalidades e objetivos Outorgar, no conceito jurídico tem o significado de conceder. Portanto, quando a Lei nº 9.433/97, na seção III, do Capítulo IV, do Título I, trata da OUTORGA DE DIREITOS DE USO DOS RECURSOS HÍDRICOS, em disposição sumária, especifica como e de que forma jurídica o direito de uso da água pode ser concedido, não olvidando que esse ato tem por objetivo assegurar o controle qualitativo e quantitativo do uso da água e permitir o efetivo exercício do acesso à água.

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Em outras palavras, o regramento do legislador disciplina o procedimento administrativo de como a Administração Pública deverá agir para validamente concretizar a delegação de outorga de uso da água a terceiros. A outorga pode se operar entre administrações ou entre administração e particular. 4.2. – A outorga entre administrações. A Administração Pública detentora da competência para administrar o uso da água pode entender de outorgar essa competência à outra administração. Neste caso, o direito de outorga será instrumentalizado por acordos, ajustes ou convênios, sempre de natureza onerosa. Embora estes acordos, ajustes ou convênios tenham a estrutura de verdadeiros contratos já que criam direitos e obrigações entre as administrações envolvidas, eles dispensam a prévia licitação porque são contratos entre administrações e não contratos administrativos cujos participantes são, de um lado, uma Administração Pública, e, de outro, particulares, consoante o disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº, 8.666/93, que institui normas para as licitações e contratos administrativos.

4.2. – A outorga a particulares como contrato administrativo sui generis A Lei nº 9.433/97, diferentemente do Código das Águas de 1934, não prevê a natureza jurídica da outorga do direito de uso da água. Naquele, há a previsão expressa de concessão administrativa, no caso de utilidade pública, e de autorização, para outras finalidades,

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sendo que, no primeiro caso, haveria um contrato e, no segundo, um ato administrativo. Ato administrativo é manifestação de vontade da Administração Pública tendente a produzir efeitos jurídicos. Sendo uma manifestação de estado, o ato administrativo tem estrutura formal própria e atributos que o torna diferente dos demais atos jurídicos. Uma destes atributos é o de poder ser revogado por puro critério de conveniência ou oportunidade da Administração, sem que sobre isso possa haver controle externo. Querer e não querer é vontade administrativa insuscetível de revisão, mesmo judicial, que se limita tão-somente às ilegalidades. Já o contrato é um acordo de vontades que cria direitos e obrigações entre os contratantes e assume a denominação de contrato administrativo se uma das partes é a Administração Pública. Diferentemente dos contratos privados, o contrato administrativo tem particularidades próprias e inerentes da tipicidade administrativa onde há predomínio das cláusulas exorbitantes pró-administração. Sendo um contrato extremamente formal, como regra, somente se instrumentaliza se, antes, ocorrer licitação ou houver incidência das exceções de dispensa ou inexigibilidade, tendo sempre presentes os princípios da moralidade e impessoalidade. A Lei nº 8.666/93, que institui normas para licitação e contratos administrativos, no art. 2º, parágrafo único, assim definiu: Para os fins desta lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste ente órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for à denominação utilizada. No caso da outorga de direito de uso da água o legislador da Lei das Águas estabeleceu que: (a) - a água tem um valor econômico (art. 1º, inciso II);

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(b) – é possível ser concedido o direito de uso a alguém em casos expressos (art. 12); (c) – a outorga deve ser concedida por prazo certo nunca superior a 35 anos, passível de renovação (art. 16); (d) - para que seja outorgada, é necessária uma contraprestação resultante no pagamento de um valor cobrado por quem a usa (art. 19 a 22). Penso que ao fixar estes pressupostos para a outorga, de forma implícita o legislador apontou o norte no sentido de demonstrar ao exegeta a outorga do direito de uso da água é um contrato administrativo formal, bilateral, oneroso e que deve ser fixado por prazo determinado. Dessa forma, diferentemente do Código das Águas, a Lei das Águas deixou de considerar a outorga como ato administrativo autorizativo para inseri-lo como contrato administrativo sui generis, pois não se coaduna com a especificidade de ato administrativo a possibilidade de não poder ser revogado por conveniência administrativa a qualquer tempo e ainda possibilidade de ensejar cobrança, que é circunstância típica de contraprestação que, de igual forma, impediria a revogação. Leituras apressadas da Lei das Águas, ainda com revivência ao Código de Águas, tem sustentado a possibilidade de coexistir contrato de concessão e autorização administrativa condicionada, diferenciando-se um do outro pela existência de utilidade pública ou não. Não me parece que esta seja e melhor doutrina. O fator econômico atribuído à água que resulta na exigência de cobrança pela terceirização do uso, criando uma contraprestação tão-só pela outorga de direito de uso, afasta qualquer dúvida que se está diante de um contrato. Deve se observar que a cobrança pela outorga não é repassada automaticamente ao usuário final. Basta que se exemplifique a Bacia do Rio Paraíba do Sul (SP, MG e RJ) que, embora instituindo a cobrança nos termos preconizados na lei, o seu valor não foi repassado para o consumidor final pelas companhias de abastecimento.

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4.3. – Quando é necessária a prévia licitação para outorga do direito de uso. Como já se viu, a outorga do direito de uso da água é faculdade de quem tem a competência para administrá-la o seu uso que, com este ato, repassa esta atribuição à terceiro, já que se trata de um bem de domínio público também chamado de bem de uso comum do povo (art 99, inciso I, do Código Civil) onde, de regra, a competência para administrar é do poder público. No elenco de outorgas do art 12, da Lei nº 9.433/97, direitos de uso existem que pressupõe a licitação prévia obrigatória para respeitar os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa esculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. Assim, exigem licitação prévia nos casos de: (a) – derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final de abastecimento público. (b) – aproveitamento dos potenciais hidrelétricos.

(c) –

outros usos que tenham utilidade pública que a Administração Pública pretenda dar à água e que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água. Pode servir de exemplo a outorga para instalação de um parque náutico.

4.4. – Quando é inexigível a licitação

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Sendo a outorga do direito de uso da água instrumentalizável através de contrato administrativo sui generis, a licitação é a regra, como já referido. Caracterizam casos de inexigibilidade licitatória: (a) - a derivação ou captação da água existe em um corpo de

água que envolva consumo final restrito ou sirva para insumo do processo produtivo de pessoa ou pessoas determinada. Opera-se a exceção da inexigibilidade licitatória por aplicação analógica do art. 25, da Lei nº 8.666/93, já que a participação no processo licitatório de outros interessados é impossível. Pode servir de exemplo a captação de água de um rio para irrigação de uma lavoura de arroz. (b) – extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo. Pode servir de exemplo a perfuração de um poço para uso de um proprietário. (c) – lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final. A ato de lançamento é individualizado. Daí porque é inexigível licitação. (d) – outros usos que alterem o regime, a quantidade ou

qualidade da água existente em um corpo de água que sejam, mas que não se destine ao uso do público. Caracterizando-se a alteração de regime, quantidade ou qualidade da água ato individual inexigível a licitação.

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4.5. – A delegação da outorga A outorga pode ser concedida de uma Administração Pública a outra, como já foi mencionado. Nesta hipótese, a administração outorgada é mero terceiro e por isso se submete ao pagamento pela outorga recebida. Na delegação ocorre a transferência do poder de delegar a outorga da órbita federal aos Estados e ao Distrito Federal. O Poder Executivo Federal, por força do art. 14, § 1º, da Lei nº 9.433/97, pode delegar a qualquer Estado ou ao Distrito Federal a competência de outorgar o direito de uso de águas de sua competência. O Estado ou o Distrito Federal age em nome do delegante. Em termos de controle judicial da delegação, o delegado responderá pelos atos abusivos a que deu causa. 5. – DAS MODALIDADES DE OUTORGAS A Lei nº 9.433/97, no seu art. 12, estabelece quais as modalidades de direito de uso de água que necessitam de outorga. São eles: (a) – na derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo. Derivação significa desvio e captação significa aproveitamento. Corpo de água é qualquer rio, córrego, riacho, lago, lagoa ou brejo. Portanto, o desvio ou aproveitamento de água existe em um rio, córrego, riacho, lago, lagoa ou brejo que se destine ao consumo da população ou mesmo que se destine como elemento no processo de produção de bens exige outorga

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de direito de uso por parte da Administração Pública competente. A sua inexistência gera abusividade passível de controle pelo poder de polícia da administração ou até mesmo por ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público ou de ação popular por qualquer do povo. (b) – na extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo. Aqüífero é uma formação geológica capaz de armazenar e fornecer quantidades significativas de água, representando um reservatório de água subterrânea. Assim, extrair essa água para consumo final ou mesmo para uso no processo produtivo necessita de outorga de direito de uso. O uso da água sem a outorga administrativa constitui prática abusiva a ser controlada e impedida pelo poder público, pelo Ministério Público ou por qualquer do povo em defesa do bem público. (c) – no lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final. Lançamento é o ato de lançar, jogar, atirar. Esgotos são escoadouros de dejetos ou águas servidas das casas. Resíduos significa restos. Dessa forma, jogar no rio, córrego, riacho, lago, lagoa ou brejo dejetos, águas servidas ou restos, tratados ou não, com a finalidade de misturá-los com a água, utilizar-se dela como meio de transporte ou escoadouro final necessita de outorga do direito de uso. A inobservância resulta na prática de ilícito administrativo, penal e ambiental todos passíveis dos respectivos controles.

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(d) – no aproveitamento dos potenciais hidrelétricos. O aproveitamento da água para a geração de energia exige outorga do direito de uso pela Administração Pública competente que, todavia, deve atender ao que ficar estabelecido no Plano Nacional de Recurso Hídricos e ao que exigir a legislação setorial competente. (e) – em outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água. Como requisito final a demonstrar que os outros usos são meramente exemplificativos para ocorra outorga do direito de uso da água estão aqueles usos que alterem a estrutura, a quantidade ou a qualidade da água de um rio, córrego, riacho, lago, lagoa ou brejo. 6. – DO USO DA ÁGUA QUE INDEPENDEM DE OUTORGA Sempre que a Administração Pública competente pretender outorga o direito de uso da água a um terceiro, ente público ou não, somente poderá fazê-lo através de um contrato administrativo sui generis, com prévia licitação, ou não, dependendo neste caso de que o terceiro seja outra administração pública ou incida a inexigibilidade licitatória para o outorgado privado por impossibilidade de concorrência. A outorga do direito de uso, dessa forma, é a regra geral. A Lei nº 9.433/97, no § 1º, do art. 12, no entanto, fixou os casos que o uso da água independe de outorga administrativa enunciando-os de forma abrangente, mas fixando que eles deveriam ser definidos em regulamento. O legislador vinculou a Administração Pública competente para a outorga a necessidade de prévia regulamentação. Portanto, não pode a Administração Pública por ato exclusivo seu,

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inexigir a outorga do direito de uso da água. Se o faz, pratica ato abusivo passível de controle administrativo ou judicial, este através das ações de controle como o mandado de segurança, a ação civil pública ou a ação popular. A lei enumera as seguintes situações que independem de outorga: (a) – Uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural. Os pequenos núcleos populacionais rurais não necessitam de outorga de direito de uso da água, desde que use esse bem público para suas necessidades. A dimensão desse núcleos rurais e o que sejam satisfação das necessidades deverão ser regrados pelo regulamento. Penso, no entanto, que no conceito de necessidade deve ser incluída a econômica. (b) – Derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes. O desvio e o aproveitamento da água, bem como o lançamentos de resíduos ou dejetos em quantidade insignificantes sobre um rio, córrego, riacho, lago, lagoa brejo ou mesmo um aqüífero não necessita de outorga. No entanto, a inexigência de outorga não afasta a Administração Pública do dever de fiscalizar a sua desnecessidade. (c) – Acumulações de volumes de água consideradas insignificantes. As barragens e os açudes de volumes insignificantes, assim considerados nos termos do regulamento, independem de outorga do direito de uso. A fiscalização de isenção, todavia, é

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imposição a que deve a Administração Pública competente exercer. 7. – DOS CASOS DE SUSPENSÃO DA OUTORGA Concedida a outorga nos termos da lei, passa o outorgado a exercer o direito dela resultante com plenitude, sem que com isso deixe a Administração Pública titular da outorga de exercer vigilância sobre o objeto contrato. Próprio de um contrato administrativo sui generis deve, tanto a Administração Pública outorgante como o terceiro outorgado, primarem pela execução do contratado, por aplicação do princípio contratual clássico do pacta sunt servanda. Suspensa a outorga deve a Administração Pública outorgante analisar, caso a caso, sobre a suspensão da contraprestação. A Lei nº 9.433/97 enumera os casos de suspensão da outorga, nestes termos: (a) – Não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga. A outorga do direito de uso da água tem a natureza jurídica de um contrato administrativo. Embora seja uma especialidade na teoria geral dos contratos, o contrato administrativo de outorga impõe deveres aos contratantes como qualquer outro contrato. Assim, não cumprindo o outorgado qualquer das cláusulas, torna-se inadimplente e, como sanção, pode ver o objeto contratado que é a própria outorga, suspensa pela Administração Pública outorgante. A suspensão administrativa da outorga não é ato administrativo puro e imotivado. Para ser declarada ela necessita de processo administrativo prévio em que se garantia ao outorgado o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao recurso administrativo, como princípios constitucionais garantistas mínimos.

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A decisão administrativa que concluir pela suspensão da outorga do direito de uso da água necessita de motivação, sopesando através dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade se a suspensão deve ser parcial ou total, temporária ou definitiva. A suspensão irregular pode ser controlada pelo Poder Judiciário através de ações de controle, como é o mandado de segurança e ensejar indenização. (b) – Ausência de uso por três anos consecutivos. A água é um bem público de uso comum do povo. Dessa forma, a água tem a natureza de se destinar ao uso público, de forma direta, através de consumo, ou indireta, através de insumo de produção. O seu não-uso pelo outorgado de forma contínua por três anos atenta contra a própria destinação natural desse bem. Portanto, não destinar o outorgado a água que recebeu através de outorga pública pratica infração material e formal do contrato cuja sanção é a suspensão do contrato, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente. Na aplicação da sanção deve a Administração Pública agir com razoabilidade e proporcionalidade. A suspensão por ausência de uso também necessita de processo administrativo prévio com asseguramento ao contraditório, ampla defesa e recurso. A suspensão irregular pode ser controlada pelo Poder Judiciário e ensejar a responsabilização civil da Administração Pública concedente. (c) – Necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas. A água é um bem de uso comum do povo. Assim, havendo necessidade premente para atender a situações de calamidade

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decorrentes de condições climáticas adversas, situação mais comum criada pela seca, surge uma cláusula suspensiva natural do contrato. O interesse público evidenciado não pode ser impedido pelo interesse privado do outorgado. Penso que o dispositivo legal é a transformação em norma positiva da teoria da imprevisão. A calamidade ou a situação climática adversa deve ser declarada pela Administração Pública outorgante com toda amplitude e diante de fatos notórios. Neste caso, a suspensão da outorga deve durar enquanto persistir a calamidade podendo abranger parcial ou integralmente o objeto da outorga. Ante a urgência da medida, a suspensão será sempre acautelatória, preventiva ou remediadora, mas exige processo administrativo em que sejam assegurados o contraditório, a ampla defesa, a decisão motiva e possibilidade recursal. A abusividade da suspensão implica na possibilidade de controle jurisdicional e pode ensejar responsabilidade civil. (d)– Necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental. Meio ambiente é o conjunto de condições naturais e de influências que atuam sobre os organismos vivos e os seres humanos. Como a água, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo. Portanto, mantê-lo em perfeitas condições é dever do Estado e direito de todos. Degradação é deterioração. Por conseguinte, havendo justo receio de grave deterioração ao meio ambiente ou tendo este já ocorrido em decorrência do exercício da outorga do direito de uso da água tem a Administração Pública outorgante o dever de suspender a delegação pelo prazo necessário para afastar a potencialidade do perigo ou reversão da gravidade já ocorrida. A suspensão da outorga exige prova da potencialidade do perigo de dano ambiental ou que ele tenha corrido e necessita

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ser revertido. Dessa forma não se trata de ato administrativo simples e imotivado. Em qualquer das situações, a suspensão da outorga pode ser determinada cautelarmente, mas exige processo administrativo em que se garanta ao outorgado oportunidade de contraditório, ampla defesa, decisão final motivada com possibilidade de recurso. A suspensão poderá ser total ou parcial, temporária ou definitiva dependendo da gravidade da degradação ou do tempo necessário para afastar a possibilidade do dano ambiental. A suspensão abusiva pode ensejar o controle jurisdicional e a responsabilização civil da Administração Pública concedente. (e) – Necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas. A outorga também será suspensa quando houver necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas. A suspensão da outorga, portanto, é decorrência da inexistência de fontes alternativas, circunstância a ser demonstrada pela Administração Pública outorgante. O ato administrativo de suspensão, portanto, é decorrência da pré-existência de processo administrativo com todos os consectários constitucionais de contraditório, ampla defesa, decisão motiva e recurso à segunda instância administrativa. Em decorrência da urgência, pode a Administração Pública determinar a suspensão da outorga cautelarmente. A suspensão abusiva pode ser controlada pelo Poder Judiciário e ensejar indenização. (f) – Necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade de corpo de água.

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Consistindo o corpo de água em um rio, lago ou lagoa onde a navegabilidade é permitida deve a Administração Pública outorgante suspender a outorga do direito de uso até ser possível o retorno a este uso. Pela própria natureza da suspensão, observa-se que ela é temporal. Pode ser determinada cautelarmente, mas exige a instauração de processo administrativo para que o outorgado possa contraditar e oferecer provas, devendo a Administração Pública decidir motivadamente determinando a suspensão e permitindo o recurso do que foi decido. A suspensão viciada pode ser controlada, inclusive pelo Poder Judiciário e ensejar responsabilidade civil da Administração Pública. 8. – PRAZO DE DURAÇÃO DA OUTORGA A outorga do direito de uso da água tem prazo limite de até 35 anos, renovável. É o que diz o art. 16 da Lei nº 9.433/97. A fixação de duração da outorga está limitada apenas ao seu limite máximo. Pode o regulamento estabelecer prazos para cada tipo de outorga ou deixar isso para a discrição administrativa.

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