[Aulas Teóricas]
Direito Comercial II APONTAMENTOS 2.º Semestre Prof. Doutor José Reis
Andreia Castro 2018/2019
Direito Comercial II
Dr. José Reis
Notas prévias: o A presente sebenta baseia-se exclusivamente na frequência das aulas teóricas de Direito Comercial II, no ano letivo 2018/2019, lecionadas pelo Dr. José Reis. Ressalva-se a existência de quaisquer erros, incompletudes ou imprecisões e incentivase uma leitura atenta e crítica dos apontamentos. Cumpre, ainda, referir que esta sebenta não ambiciona substituir-se à frequência das aulas ou à leitura da bibliografia recomendada para a Unidade Curricular, pelo que deve ser utilizada apenas a título complementar. o Os apontamentos das aulas de 12/02 e 13/02 são da autoria de Sara Castro. 12/02/2019
Noção de sociedade comercial o Quando falamos de ´sociedade´ estamos a referir-nos a duas realidades paralelas, interdependentes mas, de certa forma, diferentes: o conceito de sociedade é um conceito dual. Antes de mais, é preciso perceber que a sociedade é um contrato – art. 980.º do CC com elementos perfeitamente definidos, sem os quais não existe sociedade e que está, por ser típico, sujeito à disciplina prevista no CC, às normas do CSC e à lei civil especial contratual (em tudo para o qual que não exista uma regulação do CSC). Contudo, hoje em dia, o tipo mais comum de sociedades são as unipessoais, que são constituídas por um ato jurídico unilateral. Da mesma forma, há sociedades constituídas por diploma legal (tendo por sócio único ou não uma entidade pública). Portanto, nem sempre e cada vez menos, a sociedade é constituída por contrato. Assim, a sociedade é um ato constitutivo sujeito a uma determinada disciplina e esse ato constitutivo vai criar uma outra entidade, entidade essa que vai viver para além do contrato e que vai ter de se reger pelas regras constantes do ato constitutivo, por exemplo, as deliberações dos órgãos sociais têm de obedecer ao disposto nesse ato, mas elas vivem uma vida mais ou separada. Em suma, são duas entidades, que são uma só: a) É um contrato ao qual se aplica direito contratual. b) É uma entidade que negoceia com terceiros, que tem vida própria e que tem de ser autonomamente regulada. Nota: Falarmos de entidade no caso sociedade unipessoal é forçar um pouco o conceito (mas por comodidade mantém-se esta nomenclatura). É a relação entre a entidade e o contrato (ou ato constitutivo) que vai regular a vida da sociedade.
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o Em tudo aquilo que a lei não proíbe, permite. Em direito societário, a vontade dos sócios, normalmente, é soberana. Se um sócio entende que a sua participação nos lucros deve ser inferior à sua participação no capital social, nada o impede que assim não seja; se um sócio permite que outro sócio tenha mais votos do que ele, nada o impede; se um sócio quer ter uma participação de um valor nominal inferior ao valor da sua entrada, nada o impede também. Dentro dos limites das normas imperativas nada é impedido: vale, em princípio, a vontade das partes. o No entanto, no direito societário há muitas normas imperativas:
A. Normas imperativas destinadas a proteger terceiros: Estamos a falar de entidades socialmente muito importantes nomeadamente para terceiros: a sociedade negoceia imenso com terceiros e, obviamente, vai acumulando créditos e débitos em relação a estes. Assim sendo, estes terceiros precisam de proteção. Normalmente, os sócios não respondem pessoalmente pelas dívidas contraídas pela sociedade, sendo que, em regra, o que responde pelas dívidas das sociedades é o património da sociedade. Se os sócios não respondem pessoalmente pelas dívidas da sociedade, não há uma tentação tão grande de não cumprirem perante terceiros. Assim, é necessário a criação de normas de proteção a favor de terceiros. Exemplos de normas imperativas impostas pela proteção de terceiros:
i.
Previsão do princípio da taxatividade dos tipos sociais.
ii.
Permite-se aos credores sociais que executem ou efetivem a responsabilidade dos sócios para com a sociedade. Imagine-se que A, B e C constituem uma sociedade por quotas e não entregam logo o dinheiro que se comprometeram a entregar. Esses credores têm o direito de se substituir à sociedade e exigir aos sócios essas entradas: é um aspeto que aparentemente estaria reservado à sociedade, mas, na verdade, não.
iii.
Imagine-se que o sócio entra com um bem na sociedade. Ora, o sócio não pode chegar à Conservatória de Registo Comercial e afirmar que deu entrada com um imóvel que vale cerca de €400.000. Isto acontece porque a avaliação dos bens tem de ser feita por peritos independentes: é uma norma imperativa.
iv.
Os sócios não podem distribuir livremente os lucros gerados pela sociedade: estão obrigados a criar reserva (devido aos credores).
v.
Em certos casos os administradores podem vincular a sociedade mesmo contra a vontade expressa dos sócios.
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B. Normas imperativas destinadas a proteger os sócios: Por outro lado, também existem normas imperativas destinadas a proteger os próprios sócios. Mas os sócios, quando celebram o contrato de sociedade e combinam as suas cláusulas não são capazes de perceber o risco que estão a correr? Muitas vezes não. De facto, muitas vezes entram para sociedade porque confiam na boa fé dos outros sócios, porque foram induzidos em erro quanto à situação económica da sociedade ou porque, por exemplo, pensam que a participação será diferente. Assim, existem uma série de normas de proteção interna de alguns sócios (minoritários) contra outros sócios (maioritários). Nas sociedades anónimas normalmente isto não acontece. Contudo, pelo contrário, a sociedade por quotas, normalmente, tem poucos sócios. Precisamente por isso, são sócios que têm o poder de conduzir a sociedade e ter uma minoria de bloqueio é importante (25%). Por isso mesmo, a lei prevê algumas medidas de proteção de sócios minoritários (exemplos):
i.
Proibição do pacto leonino.
ii.
Exigência de maioria qualificada.
iii.
Limitações ao direito de transmissão por quotas. 13/02/2019
o Numa sociedade comercial existe sempre alguma tensão entre dois grandes pólos: (i) o órgão administrativo e o (ii) órgão deliberativo (órgão de decisão). É a partir daí que se gera a dinâmica societária, pois, por regra, as sociedades surgem para juntar capital a ideias (ainda que na sociedade unipessoal as coisas não sejam assim). Por regra, há uma separação entre a titularidade do capital e a gestão corrente da sociedade. o A qualidade de sócio adquire-se pela titularidade do capital (é sócio quem invista capital). Um sócio, pelo facto de o ser, tem direito a ser eleito para os órgãos de administração (se os votos o permitirem), tem direito ao lucro social e tem direito de voto nos órgãos sociais. Não obstante, o administrador da sociedade comercial não tem necessariamente de ser sócio dessa sociedade: a lei diz que os gerentes e administradores podem ser escolhidos entre estranhos à sociedade. Isto leva a que exista, ou possa existir, uma separação entre aquilo que é a visão da administração para a melhor defesa dos interesses da sociedade e a visão dos sócios sobre a defesa desses mesmos interesses. Assim, a lei tem de optar por dar prevalência à posição da administração OU à posição dos sócios. Saliente-se que a solução é diferente consoante estejamos a falar das sociedades por quotas ou anónimas:
i.
Nas sociedades por quotas, a lei - art. 259.º do CSC: “Os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios” - diz que os gerentes estão sempre sujeitos à
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supremacia da vontade dos sócios. Se os sócios resolverem deliberar sobre o que quer seja, os gerentes têm de se submeter a essa deliberação. O art. diz isto, mas uma coisa é estar obrigado, outra coisa é cumprir essa obrigação. Imagine-se que os sócios deliberam, em assembleia geral, que a gerência não pode efetuar um determinado negócio (um contrato de fornecimento, por exemplo). Contudo, 2 de 3 gerentes resolvem desrespeitar a deliberação dos sócios e representam a sociedade no contrato com o fornecedor, de 5 anos, que obriga a sociedade a pagar €1.000 mensais. Ora, o que vai acontecer é que os atos praticados pelos gerentes vinculam a sociedade para com esses terceiros, não obstante o contrato de sociedade e as deliberações dos sócios (em contrário): art. 260.º do CSC: “Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculamna para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”. O n.º2 do art. 260.º do CSC vem dizer que “a sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objeto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o ato praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade não o assumiu por deliberação expressa ou tácita dos sócios”. Ou seja, a sociedade pode alegar a não vinculação resultante do desrespeito por, parte dos gerentes, do objeto social (não da deliberação dos sócios). Por exemplo, imagine-se que é uma sociedade de construção civil e que a administração resolve adquirir um pavilhão gimnodesportivo. Só nesta medida, em que haja uma discrepância do ato praticado e do objeto social, é que releva a boa ou má-fé de terceiro. Nos restantes casos, as deliberações, em contrário, dos sócios não relevam e a sociedade fica sempre vinculada.
ii.
Nas sociedades anónimas, há um número muito superior de sócios. Nota: todas as ações são nominativas pelo que, hoje, sabe-se quem são os sócios destas sociedades.
Se numa sociedade anónima podemos ter milhares de sócios, dificilmente podemos confiar a essa multidão de pessoas, tendencialmente impreparada, o exercício de poderes de gestão. Por isso, se não vamos entregar aos sócios esse destino, vamos entregar ao Conselho de Administração. Aliás, nem é uma questão de a vontade da Administração prevalecer. De facto, pode-se ser dono da sociedade, mas não ter poderes de decidir sobre certas matérias, se não estiver no Conselho de Administração. Dispõe o art. 373.º/3 do CSC, que sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas nem sequer têm direito a emitir a sua opinião, a não ser que os órgãos de administração requeiram a opinião dos sócios. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Uma coisa é olhar para esta norma e concluir que a vontade que prevalece é a dos administradores, mas não podemos ignorar que os sócios podem, obviamente, condicionar essa vontade. Desde logo, são estes que nomeiam os administradores e que podem a qualquer momento e sem justa causa, destituir os administradores. Assim, apesar do poder decisório, em toda a matéria de gestão, residir no órgão de administração, a verdade é que estes são controlados pelos sócios. Por outro lado, são os sócios que têm, em última instância, poder para aprovar certas matérias, como a alteração do contrato de sociedade (por exemplo, a mudança de objeto social, regras interna relativas a deliberações). Imagine-se que a administração quer fundir uma sociedade com outra: isto tem de ser aprovado pelos sócios, bem como a questão da dissolução da sociedade. Estas são exemplos de matérias reservadas à competência dos sócios.
≠ No caso das sociedades por quotas é necessário atender ao art. 246.º do CSC em que se prevê uma série de matérias de competência imperativa dos sócios (as previstas no nº1) ou supletiva (previstas no nº2, podendo ser afastadas pelo contrato). As alíneas c) e d) do nº2 são as mais importantes e as que mais nos interessam. ▬ A alínea c) refere-se à alienação ou oneração de bens imóveis e à alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial. Isto quer dizer que a competência para vender ou onerar imóveis e vender, onerar ou locar estabelecimento comercial pertence, normalmente, aos sócios (mas pode pertencer à administração). O mesmo quanto à subscrição ou aquisição de participações noutras sociedades e à sua alienação ou oneração (alínea d). Isto levanta problemas. Considerando uma sociedade por quotas, em que o contrato nada diz, a competência é dos sócios. Só que uma coisa é ter competência para deliberar, outra é ter competência para executar essa deliberação: os sócios podem deliberar muita coisa, mas quem executa são os administradores. Imagine-se que os sócios não deliberam coisa alguma e os gerentes resolvem mesmo sem esta deliberação, alienar o imóvel a terceiro e vamos imaginar que o negócio até um mau negócio e que os sócios querem desfazê-lo por falta de competência dos gerentes. Este problema traduz-se na situação de saber se a sociedade fica ou não vinculada ao negócio – o terceiro não sabia de nada disto. A nossa lei é muito pouco precisa e está mal redigida quanto a este ponto: art. 260.º do CSC (resulta de uma diretiva) – a lei confere aos gerentes o poder de alienar imóveis sem deliberação prévia dos sócios? Não. O problema é que o artigo diz mais do que isto: “e dentro dos poderes que a lei lhes confere” – e tendo isto em consideração, então, os sócios poderiam transmitir esta competência. Assim, entende-se que o art. 260.º do CSC tem
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que ser interpretado de acordo com o princípio da uniformização, de forma a abranger estas situações. Quando isto aconteça o conflito resolve-se a favor de terceiro: e isto por uma razão de composição de interesses até faz algum sentido. Quem coloca os gerentes no seu lugar, incorrendo numa responsabilidade por culpa in eligendo, são os sócios, os quais devem arcar com os prejuízos criados para a sociedades, causados pelos gerentes. Podem é propor uma ação de indemnização contra os administradores (art. 72.º do CSC). Contudo, isto não significa que podemos estender a responsabilidade dos gerentes e administradores até ao ponto em que todos os maus negócios lhe sejam assacáveis. Fazem-se bons e maus negócios por acaso ou sorte. Por isso esta ressalva (business judgement rule): quando um negócio dá prejuízo, mas foi encarado pelos membros da administração, em termos informados, e livre de qualquer interesse pessoal, como bom, os prejuízos desse mau negócio não podem ser imputados aos administradores (art.72.º/2 do CSC). É a estas questões que se costuma chamar de corporate governance (relação de tensão entre a administração e o órgão deliberativo).
Conceito de sociedade (art. 980.º do CC) O art. 980.º do CC define sociedade nos seguintes termos: “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade”. Assim destacam-se os seguintes aspetos: i. ii. iii. iv.
Contrato entre duas ou mais pessoas; Contribuição com bens ou serviços; Exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição; Fim de repartição dos lucros resultantes dessa atividade.
o Uma sociedade é um agrupamento de pessoas (sócios) ▬ Esta caraterística da sociedade tem-se vindo a esbater porque, se da própria definição e etimologia do termo sociedade, parece decorrer que são necessárias pelo menos duas pessoas para a formar, hoje, o tipo societário mais comum é a sociedade unipessoal por quotas (formada por apenas uma pessoa). Isto chega para esbater a importância do elemento agrupamento de pessoas do conceito de sociedade. ▬ Para aquilo mais nos interessa, o modelo que nos serve é o modelo plurisocietário: sociedade com vários sócios e com interesses divergentes, ou seja, formada pela lei e pelo contrato. Portanto, não nos vamos intimidar pelo crescimento das sociedades unipessoais e considerar que tudo isto está a perder importância.
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▬ As sociedades unipessoais por quotas não são a primeira, nem a única unipessoalidade societária no ordenamento jurídico português. ▬ Temos que considerar quer sociedades que eram inicialmente criadas por um sócio, quer sociedades que se viram reduzidas a apenas um sócio. ▬ Há soluções legais que estabelecem sociedades em que o Estado é o único sócio. ▬ Temos ainda de considerar o caso de coligação societária originária (numa situação de domínio total, em que uma sociedade detém 100% do capital da outra, ou seja, tem apenas um sócio). ▬ Destaca-se, neste âmbito, o art. 142.º/1/a) do CSC: permite-se que durante 1 ano exista apenas um sócio. Passado esse período de tempo, a sociedade deve ser extinta ou transformada em sociedade unipessoal por quotas.
o Numa sociedade o(s) sócio(s) têm a obrigação de contribuir com bens ou serviços (fundo/substrato patrimonial) ▬ Quanto à obrigação de contribuir com bens ou serviços, esta corresponde à obrigação de entrada (principal obrigação). É uma obrigação a que nenhum sócio pode fugir. ▬ Nas sociedades por quotas ou anónimas, essa entrada tem de ser em dinheiro, bens diferentes de dinheiro, ou direitos: ou seja, bens economicamente comensuráveis. Exclui-se a entrada em indústria (por exemplo, com trabalho, serviço, contactos, ou seja, com algo que não tenha valor económico per se). ▬ Esta entrada constituí o património inicial da sociedade, ou seja, é com aquilo que os sócios trazem que a sociedade inicia a sua atividade. O valor da entrada é o limite máximo do capital social detido por cada sócio. Imagine-se que numa sociedade por quotas, 5 sócios, cada um deles, realiza entrada em dinheiro, de 5.000 euros: isto significa que a quota de cada um dos sócios nunca pode ser superior a 5.000 euros (art. 25.º do CSC: “O valor nominal da parte, da quota ou das ações atribuídas a um sócio no contrato de sociedade não pode exceder o valor da sua entrada”). Mas pode valer menos (nada impede que a participação tenha um valor inferior ao valor da entrada, desde que preencha o mínimo legal, ou seja, 1 euro). O valor de entrada baliza o valor da participação. E o valor total das entradas baliza o valor total social da sociedade. ▬ Todos os dias o património da sociedade vai-se alterar, consoante o quotidiano da sociedade. Ao invés, o capital social, é uma cifra fixa: é uma cifra fixada no contrato da sociedade e só se modifica com uma alteração no contrato da sociedade. Quando falamos de capital social estamos a falar de capital social nominal, ou seja, a cifra estipulada no contrato de sociedade, e que corresponde à soma das participações de cada um dos sócios (exceto no caso das sociedades em comandita ou
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em nome coletivo quando a entrada haja sido feita em indústria, porque a essa entrada não corresponde uma participação no capital social). ▬ Aspeto importante: a proprietária do património social é a sociedade comercial. É a partir do momento do registo definitivo do contrato, que a sociedade adquire a personalidade jurídica e a partir daí passa a ser proprietária de tudo o que haja sido dada como entrada. O Dr. Coutinho de Abreu entende que, apesar de só ter personalidade jurídica a partir o momento do registo definitivo do contrato, adquire subjetividade jurídica após a celebração do contrato, pelo que já será proprietária das entradas, se estas já tiverem sido feitas. ▬ Pelas dívidas das sociedades respondem, por regra, o património da sociedade (e não o património pessoal dos sócios). Embora, na prática, sobretudo nas sociedades mais pequenas os sócios se vejam obrigados a garantir pessoalmente (mas paralelamente) certas obrigações: o sócio passa a ser garante, mas isto não tem a ver com a sua condição sócio. Tem a ver com o facto de ele subscrever um outro negócio (negócio garantia).
o Objeto da sociedade: exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição ▬ Quanto ao exercício, em comum, de certa atividade económica este remete para o conceito de objeto social (art. 11.º do CSC), tendo este de constar obrigatoriamente no contrato de sociedade. ▬ O objeto da sociedade é a indicação da(s) atividade(s) que os sócios proponham que a sociedade venha a exercer (confeção têxtil, restauração, construção civil…). ▬ Porque é que é necessário que o objeto social conste no contrato social? (Importância do objeto social)
Precisamente porque o objeto social delimita a competência, os poderes dos gerentes e pode ter interferência na vinculação da sociedade perante terceiros, porque se os gerentes praticarem atos que não respeitem o objeto social, e se se mostra que os terceiros tinham conhecimento dessa discrepância, a sociedade não fica vinculada perante esses terceiros.
O objeto social serve para indicar ao público aquilo que a sociedade vai exercer.
Mas tem reflexos ainda mais importantes: atribuição ou não do caráter comercial à sociedade. Uma das notas específicas da comercialidade das sociedades (art.1º/2 do CSC) é que essa sociedade se proponha a praticar atos de comércio. Dentro das sociedades haverá sociedades comerciais e não comerciais.
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Distinguem-se, de acordo o seguinte critério: são comerciais as que se proponham praticar atos de comércio. Tem de preencher cumulativamente 2 requisitos (previstos no art.1.º/2 do CSC): um requisito formal e substancial. a) O requisito formal tem a ver com o facto de revestir uma das formas previstas na lei. b) O requisito substancial tem a ver com a atribuição, aos atos que se proponha a praticar, de comercialidade. Este requisito material obriga a analisar a atividade que a sociedade se propõe a exercer, do ponto de vista material. Nota: o CSC é aplicável não apenas às sociedades propriamente ditas, mas também às sociedades civis sob forma comercial (sociedades que não praticam atos comerciais, mas que revestem um dos tipos societários tipificados na lei).
Um outro aspeto importante tem a ver com a obrigação de não concorrência. Quem gere uma sociedade tem o dever de não agir contra os interesses da sociedade. Uma das formas pelas quais o gerente o pode fazer é concorrer com ela. Quem está obrigado a não concorrer são sempre os gerentes e administradores (não os sócios). Isto porque os sócios, só pelo facto de o serem, não tem um conhecimento suficientemente profundo e comprometedor da atividade societária para representar uma concorrência diferenciada. Contudo, os sócios, ainda que não sujeitos a esta obrigação, não podem utilizar as informações que obtiveram na sua condição, para fazer negócios que prejudiquem a sociedade por exemplo. Quanto ao gerente atender aos arts. 254.º e 398.º/3 do CSC). Sabe-se se a atividade é ou não concorrente pelo objeto dessa sociedade.
▬ O objeto não limita a capacidade da sociedade. O objeto social constitui o gerente no dever de não o ultrapassar, coloca o gerente na posição de poder ser destituído por justa causa (se o fizer), mas não delimita a capacidade da sociedade: esta tem capacidade jurídica para praticar atos que não caibam no seu objeto. Por exemplo, uma sociedade comercial, que se dedica à construção civil, adquire uma participação social numa outra sociedade comercial que se dedica à exploração de viagens turísticas no rio Douro. Pode a sociedade fazê-lo? Sim, tem capacidade, porque o objeto não delimita a sua capacidade. Pode fazê-lo contra a deliberação de sócios e a sociedade fica ou não vinculada consoante o terceiro esteja de boa fé. Neste CASO, seria difícil demonstrar a boa fé de terceiro, pois este sabia ou pelo menos deveria saber, que o ato praticado não correspondia à cláusula sobre o objeto social. O objeto delimita o poder dos gerentes mas não delimita a capacidade da sociedade. E isto resulta do art. 11.º/4 e 5 do CSC. ▬ O art. 980.º do CC refere que a sociedade se deve dedicar a uma atividade, que não seja de mera fruição, ou seja, impõe, aos sócios, que se trate de uma atividade e não somente de colher frutos de algo que exista. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Ou seja, que de facto a sociedade se dedique a uma qualquer atividade económica e não apenas à exploração de algo que possuem em compropriedade ou comunhão. Exige-se uma participação constante e interventiva dos sócios. 19/02/2019
Passaremos à análise da última nota caracterizadora do conceito de sociedade, prevista no art. 980.º/parte final do CC:
o Direito ao lucro (que uma sociedade deve ter) Fim de uma sociedade: obtenção e posterior repartição de lucro ---------» Há aqui várias ilações a retirar: 1. Este direito ao lucro tem a ver com o facto de a obtenção e a posterior repartição do lucro constituírem o fim de uma sociedade. O fim das pessoas coletivas determina a sua capacidade – art. 160.º do CC (princípio da especialidade do fim) que nos diz que “a capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins”. Este princípio vem especialmente definido para as sociedades comerciais no art. 6.º do CSC: “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”. O fim de uma sociedade comercial é a obtenção de lucro. Uma sociedade comercial nasce e é criada com esta finalidade exclusiva que é a de obter lucro. Uma sociedade comercial é algo que os sócios criam para exercer uma atividade económica empresarial e com essa atividade obter lucro com duas faces: temos o lucro social, realizado pela sociedade que corresponde ao lucro objetivo – a sociedade faz negócios, compra e vende, produz, presta serviços e com isso realiza lucro que pertence a si própria e que guarda para si; de acordo com uma proposta apresentada vai dar um destino a esse lucro, por exemplo, vai utilizar esse lucro para cobrir prejuízos. Este lucro poderá e deverá salvo algumas circunstâncias ser distribuído pelo menos parcialmente pelos sócios; este lucro distribuído é o dividendo que constitui o lucro subjetivo (o que é concretamente distribuído aos sócios no final do exercício após deliberação nesse sentido). E o lucro não é só um direito dos sócios, é o principal direito dos sócios. Quando duas ou três pessoas resolvem criar uma sociedade o objetivo não é exercer todos os direitos sociais associados ao seu estatuto, tudo isto é acessório. Na verdade, o objetivo é obter lucro e com esse lucro sustentar-se. O grande objetivo de uma sociedade é obter com a sua atividade um lucro financeiro o qual se traduz em dinheiro que vai ser distribuído pela sociedade.
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2. A lei prevê salvaguardas específicas do direito ao lucro, normas especiais de garantia renunciáveis e inalienáveis, só transmissíveis através de condições relativamente certas. E que salvaguardas são essas? i.
Proibição do pacto leonino: convenção na qual se estipula que determinado sócio ou sócios não teriam direito ao lucro ou ficariam isentos de participar nas perdas da sociedade; isto levaria a uma posição de extrema supremacia de alguns sócios. Ora, isto é proibido pelo art. 22.º/3 do CSC: “É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria”. Nas sociedades a participação nos lucros dos sócios é medida pela sua participação no capital social. No entanto, isto não significa que os sócios não possam ter uma participação nos lucros em percentagem diferente da sua participação no capital social. Art. 22.º/1 do CSC: “Na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital”. Portanto, se nada for dito no contrato de sociedade, a participação dos sócios nos lucros anuais, o seu dividendo é calculado com referência à sua participação no capital social.
ii.
Salvaguarda que o CSC dá às sociedades no sentido de que depois de apurado o
montante do lucro objetivo que a sociedade pode distribuir, temos lucro distribuível que os sócios podem distribuir entre si. O que a lei nos diz? Art. 217.º do CSC: a não ser que exista uma cláusula do contrato que o permita ou que os sócios deliberem nesse sentido por maioria de 75% dos votos correspondentes ao capital social, a não ser que isto aconteça, não pode ser distribuído menos de metade do lucro distribuível, ou seja, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que nos termos da lei seja distribuível. Restrições muito apertadas à distribuição escassa de lucros (217.º e 294.º): só pode distribuir-se menos de metade do lucro de exercício distribuível se: I.
o contrato o previr expressamente ou
II.
for aprovada deliberação nesse sentido por ¾ dos votos correspondentes ao capital social – a maioria mais exigente prevista para qualquer deliberação numa SA mais ainda do que para a dissolução (só igualada pela deliberação de transferência da sede para o estrangeiro: 3/5).
Para distribuir mais de metade basta maioria simples (50% +1), para distribuir menos de metade: maioria super reforçada de 3/4. Esta maioria é quase impossível de alcançar numa sociedade anónima em que o capital esteja disperso. É necessária uma maioria para deliberar e para constituir validamente a assembleia. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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3. Aspetos que se prendem com a qualificação de uma sociedade nos casos em que este direito ao lucro possa ser posto em causa: i.
Um contrato de sociedade que tenha um fim claramente não lucrativo é nulo? O Dr. Coutinho de Abreu defende que o contrato não deve ser declarado nulo, mas sim convertido em contrato de constituição de fundação, associação ou de pessoa coletiva mais consentânea com o fim pretendido pelos sócios. O Dr. José Reis apresenta dúvidas quanto a esta posição, pois a ser verdade seria preciso que este fim passasse despercebido aquando do registo do contrato, pois este tem fim não lucrativo.
ii.
Poderão as sociedades de economia mista serem tidas como sociedades comerciais? Nota: o que são sociedades de economia mista? São sociedades em que coexistem sócios de pessoas públicas e privadas; são sociedades que têm por fim a prossecução de fins de interesse público que justificam a participação do estado e de outras pessoas coletivas de interesse público. Sim, pois de duas três:
iii.
OU são constituídas por diploma legal e aí não há dúvida de que são sociedades comerciais.
OU são constituídas por contrato e estamos a falar de uma sociedade de economia mista em que coexistem sócios privados e o fim lucrativo está sempre salvaguardado.
OU no caso de ser sociedade de capitais exclusivamente públicos – mais complicado, mas não deve ser posto em causa o caráter societário nem que seja entendido o conceito de lucro de uma forma menos contabilística – lucro traduzido na prossecução de interesse social que aquela pessoa coletiva pretende alcançar.
Uma sociedade que dá sistematicamente prejuízo deve ser considerada comercial? Sim, visto que o que está em causa é o fim que os sócios se propõem a atingir, não o lucro que efetivamente atingem. Ter lucro ou prejuízo faz parte do risco inerente à atividade empresarial; o que uma sociedade não pode fazer é praticar atos insuscetíveis de gerar lucro.
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iv.
Uma sociedade que gera lucros mas que não os distribui (porque por exemplo o sócio maioritário ou vários sócios que formam 80% do capital social optam por não distribuir os lucros) deve ser extinta por não respeitar o direito ao lucro subjetivo? Não! Os sócios dispõem de mecanismos judicialmente exercitáveis para exigir sendo caso disso que a sociedade proceda a essa distribuição. Mas atenção: podem ocorrer abusos de maioria para forçar a saída de sócios minoritários mediante a sistemática e injustificada retenção do lucro no património social. Este direito ao dividendo, ao lucro tem evidentemente um preço. Se os sócios querem receber lucros e verem garantido o seu direito ao lucro têm de ter como contraponto a necessária obrigação de sujeição a perdas: quem pretende apropriarse dos proveitos, tem de dar como contrapartida a disponibilidade para de alguma forma responder com o seu património, no caso de as coisas correrem mal: art. 994.º do CC + art. 2.º/3 do CSC. De alguma forma mesmo os sócios de sociedade de responsabilidade limitada irão sempre perder se os negócios correrem mal.
Para este efeito temos de fazer uma distinção entre: 1)
Os sócios de responsabilidade ilimitada que são: – todos os sócios de uma sociedade em nome coletivo. – todos os sócios comanditados das sociedades em comandita (simples ou por ações), respondem pessoal e limitadamente pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos que os sócios de uma sociedade em nome coletivo. Portanto: respondem todos, pessoal e ilimitadamente por quaisquer dívidas da sociedade embora gozem do benefício de excussão prévia do património social, ou seja, só depois do património da sociedade ter sido integralmente consumido é que os credores podem agir sobre o património pessoal dos sócios.
2)
Os sócios de responsabilidade limitada que são: – todos os sócios de uma sociedade anónima – art. 271.º do CSC. – todos os sócios comanditários de uma sociedade em comandita (simples ou por ações): art. 465.º/1 do CSC. – os sócios de sociedades por quotas que não tenham assumido responsabilidade pessoal por dívidas a terceiro e apenas nas relações externas, uma vez que são sempre solidariamente responsáveis perante a sociedade pela realização integral do capital social, podem ser chamados a FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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completar a entrada em falta de qualquer outro sócio: artigos 197.º/1, 198.º do CSC. Se um dos sócios diferir a realização da sua entrada – compromete-se mas não cumpre, fica insolvente, pelo que os outros sócios, solidariamente têm que assumir essa obrigação. Em relação aos sócios de responsabilidade limitada, a obrigação de sujeição a perdas tem o significado de os sócios poderem perder aquilo que entregaram a sociedade a título de entrada (ou outro tipo de valores que tenham entregue a título de prestações acessórias, suplementares) nada recebendo no momento da liquidação do património social subsequente à sua dissolução (159.º, 164.º). v.
Afectio societatis? Intenção de constituir uma sociedade. Não vale a pena complicar o que a lei já complica o suficiente até porque se trata de um elemento subjetivo que teria sempre um valor muito residual.
20/02/2019
Hoje vamos depois de perceber o que é uma sociedade, ver o que é uma sociedade comercial e, para além disso, vamos começar a olhar para algumas características que diferenciam os vários tipos societários previstos no CSC.
As notas específicas de comercialidade do art 1.º/2 CSC o Qualquer sociedade que queira ser sociedade comercial tem de preencher cumulativamente, além daquelas notas que vimos do art. 980.º do CC, dois requisitos adicionais especialmente definidores do seu caráter comercial, fixados no art. 1.º/2 do CSC. E que requisitos são esses? Temos o requisito substancial/material e o formal – o primeiro tem a ver com a atividade que as sociedades se propõem a desenvolver e o segundo tem a ver com a forma ou tipo de sociedade comercial que ela escolhe para o exercício dessa atividade. Ora, vamos ver então o que diz o art. 1.º/2 do CSC: “São sociedades comerciais aquelas (sociedades – art. 980.º do CC) que tenham por objecto a prática de actos de comércio [requisito substancial] e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações [requisito formal]”. a) REQUISITO SUBSTANCIAL: “que tenham por objeto a prática de atos de comércio” Este requisito implica um conhecimento prévio do art. 2.º + art. 230.º do Código Comercial, do conceito de atos de comércio. Tal conhecimento está pressuposto, por ter sido matéria dada no 1º Semestre.
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O que vamos fazer agora é aplicar os conhecimentos que adquirimos quanto ao conceito de ato de comércio, à atividade que os sócios se propõem a desenvolver no ato constitutivo da sociedade comercial, para determinar se essa atividade se se enquadra ou não no conceito de ato objetivo de comércio, ou seja, se está ou não prevista na lei comercial enquanto atividade ou conjunto organizado de atos mais especificamente tidos pela nossa lei como atos de comércio e é muito simples: Se, de facto, se se tratarem de atos objetivamente comerciais - por exemplo, sociedade que se proponha a comprar para revender, que se proponha a transportar, a agenciar, a prestar serviços de forma empresarialmente organizada, etc. é, sem dúvida, uma sociedade comercial porque tem por objeto a prática de atos de comércio. Se se tratar de outro serviço qualquer, por exemplo, uma atividade agrícola, de uma atividade que por outras regras a lei exclua da comercialidade objetiva não se trata de uma sociedade comercial. Agora tenham também presente uma outra coisa: aquilo que o Código exige, aquilo que o art. 1.º/2 do CSC exige é que a sociedade tenha por objeto a prática desses atos, não exige que os pratique efetivamente e nem sequer exige que a sociedade pratique quaisquer atos para ser uma sociedade comercial. Basta que tenha por objeto a prática de atos de comércio. E como é que nós sabemos se ela tem ou não por objeto ou não a prática de atos de comércio? Obviamente, pelo contrato de sociedade, onde o objeto tem de estar, por força da lei, expresso – art. 9.º/1/d) do CSC: “Do contrato de qualquer tipo de sociedade deve constar o objeto da sociedade”. É por esta definição do objeto feita no contrato, é desta forma que sabemos se os sócios se propõem ou não a praticar atos de comércio e, assim, sabemos se uma sociedade é ou não comercial. Mas se a sociedade se propõe a praticar atos de comércio, mas na prática praticar uns atos quaisquer – exemplo: uma sociedade propõe-se a transformar produtos agrícolas em produtos industriais; propõe-se, por exemplo, a fazer conservas vegetais mas depois a única coisa que ela faz é cultivar vegetais e não os transforma, por ser uma atividade que não é objetivamente comercial (apesar de se ter proposto no contrato, no ato constitutivo da sociedade a praticar atos de comércio) - ela não deixa de ser comercial por causa disso. Ela pode é ser dissolvida por causa disso – são coisas diferentes. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE:
Com efeito: a sociedade continua a ser sociedade comercial e pode ser dissolvida. O exercício de uma atividade diferente daquela que os sócios se propõem no ato constitutivo a exercer ou a inação da sociedade por um período de 2 anos ou superior, podem ser causas de dissolução da sociedade, administrativa ou por deliberação dos sócios. A dissolução tem de ser requerida a uma entidade administrativa ou pode ser deliberada pelos próprios sócios – art. 142.º/c) + d): FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade com fundamento em facto previsto na lei ou no contrato e quando: c): a sociedade não tenha exercido qualquer atividade durante dois anos consecutivos; d): A sociedade exerça de facto uma atividade não compreendida no objecto contratual. Pode ocorrer uma destas duas coisas e, assim, a sociedade vir a ser dissolvida, o que não afeta a sua qualificação como sociedade comercial e, logo, como comerciante com todas as implicações que isso tem, nomeadamente para a qualificação dos atos que ela venha a praticar como subjetivamente comerciais – a sociedade é, como sabem, comerciante nata por força do art. 13.º do Código Comercial. Assim, esta qualificação não é posta em causa.
b) REQUISITO FORMAL: adoção de um dos quatro tipos (e subtipos) de sociedade previstos no CSC. o Este requisito é mais fácil de constatar, pois temos 4 ou mais tipos de sociedade consoante estejamos a contabilizar os subtipos. Temos, assim: i. ii. iii. iv.
Sociedades em nome coletivo; Sociedades por quotas [podem ser unipessoais ou pluripessoais]; Sociedades anónimas; Sociedades em comandita [podem ser simples ou por ações].
o Das duas uma:
OU a sociedade constituída se subsume a um destes tipos taxativos de sociedade comercial previstos no Código e é uma sociedade comercial.
OU não se subsume e é um tipo societário criado pelos sócios e não é uma sociedade comercial, mas civil – sociedade de tipo inominado, à qual se aplica o regime das sociedades civis e à qual não se aplicam as regras do CSC.
o O que é que nos interessa ter agora presente nesta primeira aproximação aos diferentes tipos societários? Que os tipos societários são taxativos e são típicos. Taxativos no sentido em que só existem aqueles e não existem mais nenhuns, a não ser alguns tipos especiais como, por exemplo, as empresas intermunicipais que são consideradas pela doutrina como sociedades comerciais, alguns tipos de empresas públicas são sociedades comerciais. Se são estes os tipos referidos pela lei, a previsão dos tipos societários é taxativa. E mais do que taxativos, são típicos, ou seja: à previsão de cada tipo societário corresponde tendencialmente um conjunto de regras às quais os sócios ou candidatos a sócios têm que se conformar. Quem constituir uma sociedade por quotas, sabe de antemão, se essa sociedade for pluripessoal e se os sócios não cumprirem imediatamente a sua obrigação de entrada sabem que podem vir a ser responsabilizados pelo incumprimento da obrigação de entrada de outro sócio, porquê? Porque isto consta do regime típico das sociedades por quotas, FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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é uma norma imperativa que os sócios não podem revogar pelo contrato de sociedade e, portanto, é uma norma caracterizadora deste tipo societário que não está na disponibilidade de os sócios alterarem. Nota importante: Se uma sociedade se constituir por uma das formas taxativas do CSC, que tenha por objeto a prática de atos não comerciais fica na mesma sujeita ao regime do Código, com a única diferença de não ser comerciante, de não ser uma sociedade comercial – são as chamadas sociedades civis sob forma comercial previstas no art. 1.º/4 do CSC. Aplicase para todos os efeitos a estrutura organizatória, o regime deliberativo, regras de vinculação, de capital social – em relação a tudo isto aplicam-se as regras do CSC, a única diferença é que não são comerciantes porque não têm por objeto a prática de atos de comércio; os atos que elas praticam não são subjetivamente comerciais e não ficam sujeitos ao regime próprio dos atos de comércio. o Estamos a referir-nos agora à maior ou menor margem de liberdade que os sócios têm ao nível da escolha de tipo de sociedade que querem adotar e depois da conformação das regras de funcionamento dessa sociedade dentro da margem de liberdade que o legislador lhes confere. Ora, esta margem de liberdade varia de tipo societário para tipo societário e varia por uma razão muito fácil de entender e que tem a ver com as causas, com os fundamentos deste princípio de tipicidade das sociedades comerciais. Porque é que o regime é típico? Porque é que não é permitido aos sócios criarem os tipos de sociedades que bem entenderem ou dentro dos tipos de sociedades que a lei prevê não poderem conformar de uma forma muito ampla o regime interno da sociedade? Porque as sociedades comerciais conferem aos sócios um privilégio muito grande, que é o privilégio de acautelarem o seu património pessoal dos riscos empresariais inerentes à atividade económica em geral e só o património da sociedade é que vai responder pelas dívidas contraídas no exercício da atividade empresarial/societária. Com isto os sócios transferem o risco de incumprimento de eles próprios para os credores, para a capacidade que o património societário tenha de se desfazer de todas as obrigações contraídas pela sociedade/pelos sócios no desenvolvimento daquela atividade empresarial. Se isto é assim, se os sócios têm este privilégio, então, por contrapartida, também têm obrigações e são várias, uma delas é a de contribuírem com bens e de arriscarem esses bens com que entram para a sociedade (obrigação de entrada). Outra contrapartida que eles têm de dar é prescindir da sua autonomia privada, da sua liberdade contratual e prescindir para garantir que quem contrata com a sociedade, que os terceiros que contratam com a sociedade
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já conheçam de antemão um conjunto, pelo menos imperativo de regras às quais os sócios não podem fugir – têm a ver, por exemplo, com: i. ii. iii. iv. v. vi. vii. viii.
A própria responsabilidade dos sócios por algumas obrigações sociais; Com a responsabilidade dos administradores perante terceiros; Com a garantia de consistência do património social; Com a constituição de reservas; Com a validade das deliberações; Com a forma de vinculação; Com a nomenclatura dos órgãos societários; Com a competência imperativa de alguns órgãos, etc.
Isto para que quem contrate com a sociedade não seja de repente apanhado de surpresa pelos sócios. Tratam-se de exemplos de obrigações imperativas impostas pela lei a quaisquer sócios e diferentes tipos societários e que têm o principal objetivo/fundamento a proteção de quem contrata com a sociedade; a previsibilidade das regras aplicáveis às futuras relações contratuais entre esse terceiro e uma pessoa jurídica cujo património é a única garantia que esses terceiros têm de cumprimento dos contratos. Assim sendo: os princípios da taxatividade e tipicidade societária conformam e limitam o princípio da autonomia contratual das partes (quando a sociedade seja constituída por contrato), não lhes permitindo escolher de forma totalmente livre as cláusulas a incluir no contrato. Ora, tudo isto não significa que os sócios não tenham, ainda assim, alguma margem de liberdade contratual, porque têm: desde logo, esta tipicidade/taxatividade só se aplica ao conteúdo do contrato, ou seja, os sócios podem sempre escolher se querem ou não constituir uma sociedade, podem sempre escolher quando querem constituir a sociedade, com quem querem constituir a sociedade. Podem escolher o tipo societário que melhor se adequa à sua empresa, que tem uma série de regras imperativas que não podem ser contornadas. - Essa liberdade aplica-se ao se, ao quando e ao com quem, mas não há liberdade plena quanto ao como, ou seja quanto às cláusulas ou conteúdo do contrato que eles vão celebrar. Mas podem: a) Escolher o número de sócios e o montante do capital social, desde que respeitados os mínimos que a lei eventualmente fixa.
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b) Optar por aceitar as normas regras legais supletivas, suprimi-las ou alterálas mediante cláusula inserida no ato constitutivo ou em certos casos mediante deliberação social aprovada em assembleia geral por maioria qualificada. Em regra é por contrato.
Podem aceitá-las não inserindo no contrato nenhuma cláusula que a derrogue OU mediante deliberação dos sócios podem derrogar uma norma legal supletiva.
A propósito da garantia do direito ao lucro foram referidos na aula passada dois artigos que são iguais para as sociedades anónimas e por quotas que têm a ver com a distribuição de lucros. O que o art 217.º/1 do CSC nos diz? “Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”. O que é que isto quer dizer? Em princípio, se nada for dito por contrato ou deliberação em contrário, os sócios têm um direito potestativo a que em Assembleia Geral seja distribuído metade do lucro que for distribuível. Esta é uma regra legal supletiva. Esta regra pode ser alterada por cláusula contratual no ato constitutivo da sociedade que diga que os sócios podem livremente deliberar por maioria simples ou não distribuir lucros ou distribuir menos de metade dos lucros do exercício ou podem neste caso, excecionalmente, por uma deliberação aprovada por maioria qualificada (qualificadíssima, neste caso), de ¾ dos votos correspondentes ao capital social; podem excecionalmente mesmo não existindo cláusula contratual derrogarem esta regra legal supletiva através de uma deliberação social, de uma deliberação aprovada em Assembleia Geral – neste caso, temos regra legal supletiva que pode ser derrogada quer por contrato, quer por deliberação: caso relativamente raro no nosso Código, normalmente as regras legais supletivas só podem ser derrogadas por contrato e não por Assembleia Geral.
c) Para além disso, podem os sócios obviamente fazer tudo aquilo que não for proibido, ou seja, podem os sócios incluir qualquer cláusula que não viole uma norma legal imperativa, que conste no CSC ou noutro diploma qualquer. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Por exemplo, voltando à matéria de Direito da Concorrência, imaginem que num contrato de sociedade se diz expressamente que essa sociedade tomará as suas decisões em conjunto com outra sociedade concorrente. Isto será uma cláusula que formaliza a constituição de um cartel, o qual é proibido e qualquer acordo tendente à formação de um cartel é nulo (por força do art. 9.º da Lei da Concorrência) – essa cláusula considerar-se-ia nula, não escrita, não por força do CSC, mas por força de um outro diploma legal que também contém normas imperativas para qualquer sociedade comercial. Portanto, tudo isto para dizer que este tal princípio da tipicidade e da taxatividade são, digamos, obrigações que os sócios não podem deixar de assumir. Obrigações no sentido de renúncia à sua autonomia contratual, à sua autonomia privada, sobretudo em favor de terceiros. Os principais interessados nesta tipicidade são, deste modo, terceiros que contratam com a sociedade a quem interessa aquela pré determinação das condições em que ela pode funcionar; daí que quanto menor for a responsabilidade pessoal dos sócios menor seja também a sua margem de liberdade na conformação do contrato. Mas atenção: não é só em favor de terceiros, porque os próprios sócios, sobretudo, os sócios minoritários e os chamados sócios investidores [= sócios que não têm uma intenção efetiva de exercer o comércio e não têm propriamente um projeto empresarial mas têm apenas capital para investir. São pessoas que apenas procuram aplicar as suas poupanças, sem intenção de efetivamente exercerem o comércio]. Estes sócios investidores não vão fazer parte da gerência da sociedade, não vão estar constantemente por dentro dos negócios da sociedade, vão estar distanciados da gestão corrente da sociedade. Daí que precisem que a lei lhes confiram algumas salvaguardas. O afastamento da gerência não significa que o seu contributo não seja importante, a sociedade é precisamente uma forma de se combinar o espirito empreendedor, as ideias, o jeito para o negócio, a capacidade de gestão, etc. com financiamento. Assim, há quem tenha dinheiro, mas não tenha jeito para investir e, por sua vez, há quem tenha muito jeito para os negócios e não tem dinheiro para investir. Ora, através de uma sociedade pode-se combinar estes dois elementos. Quanto a este sócio que investe, vamos sobretudo pensar no caso das sociedades anónimas. Há uma substituição do lucro por capital, em que milhares de pessoas compram ações dessa sociedade e com isso financiam a atividade da sociedade, juntando para o efeito uma quantia considerável. Estas pessoas vão estar distanciadas da gestão da sociedade. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Os acionistas que investiram x, não votam em Assembleias Gerais, não vão estar a controlar e a fiscalizar a atuação dos órgãos de administração, não vão estar a estudar os contratos que a Administração se propõe fazer, não vão estar a eleger administradores e, por isso, precisam de alguma proteção por parte da lei. Ora, essa proteção também lhes é conferida pelo facto do regime das sociedades ser um regime típico, ser um regime que consagra algumas garantias para a generalidade dos sócios. Conclusão quanto aos sócios investidores: a medida dos direitos e do seu exercício efetivo tem uma salvaguarda garantida por lei, que não sendo de alguma forma infalível, constitui um núcleo mais difícil de desrespeitar por quem eventualmente detenha poder decisório dentro da sociedade; desta forma, mais dificilmente aqueles sócios podem ser apanhados de surpresa por cláusulas do contrato ou deliberações que limitem aqueles direitos. o Portanto, este princípio da taxatividade/tipicidade destina-se: 1. A proteger os credores. 2. A proteger os sócios, sobretudo os minoritários da atuação dos outros sócios e da atuação dos órgãos de administração da sociedade. 3. E há quem diga que se destina, ainda também, a proteger o interesse público do bom funcionamento da economia, pois as sociedades comerciais são, hoje em dia, o veículo quase exclusivo de exercício da atividade empresarial. Cada vez existem menos empresários em nome individual e cada vez mais eles se constituem como sociedades comerciais, nem que sejam sociedades unipessoais por quotas. Ora bem, se isto é assim significa que a atividade empresarial depende do bom funcionamento das sociedades comerciais. E, por sua vez, o bom funcionamento das sociedades comerciais depende de existir um quadro legal não demasiado rígido mas suficientemente rígido para que as sociedades não descarrilem, não sejam, digamos assim, mal conduzidas e para que os interesses quer dos terceiros quer dos próprios sócios não sejam desprotegidos. Assim, existe um interesse público neste princípio de tipicidade. Esta não é uma ideia que consigamos encontrar na maioria da doutrina. O Dr. Pedro Maia fala deste interesse público no livro “Estudos de Direito das Sociedades” e, parece ao Dr. José Reis, com alguma razão.
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Os tipos de sociedade comercial: algumas notas distintivas o Vamos, agora, entrar no estudo dos diferentes tipos legais de sociedades, a forma como cada um deles regula alguns aspetos especialmente importantes/característicos da vida societária. Nós vamos comparar os tipos societários atendendo a alguns tópicos, como: i. ii. iii. iv. v.
Responsabilidade dos sócios; Capital social mínimo; Número de sócios; Transmissão das participações; Estrutura organizatória das sociedades.
o Mas olhando de forma fragmentada para estes aspetos não ficamos com o quadro geral completo e, por isso mesmo, vou-vos falar primeiramente de uma classificação doutrinal que divide sociedades de pessoas e sociedades de capitais. Assim sendo, os diferentes tipos de sociedade distinguem-se por uma série de características, sendo que os tipos legais nem sempre deixam perceber a “bigger picture” que transparece melhor da classificação doutrinal entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais, consoante a tónica da regulação de cada tipo seja colocada no elemento que foi mais determinante na constituição daquela sociedade. Nota: não encontramos esta distinção na lei, sendo que esta apenas distingue entre sociedades por quotas, sociedades em nome coletivo, sociedades anónimas e sociedades em comandita. Ora, e porque é que vamos falar desta distinção, se é uma classificação que nem sequer tem correspondência legal e tem efeitos práticos limitados? Os efeitos práticos desta distinção são sobretudo o de enquadrar cada tipo societário numa ou noutra categoria e de interpretar quer a lei quer o contrato de sociedade em consonância com aquelas que são as notas caracterizadoras das categorias, se é mais uma sociedade de pessoas ou se é mais uma sociedade de capitais. SOCIEDADE DE PESSOAS VS. SOCIEDADE DE CAPITAIS:
a) Se for uma sociedade que tenha como principal fundamento a confiança dos sócios entre si, a salvaguarda dessa confiança nas relações interpessoais entre os sócios será uma sociedade de pessoas. b) Por outro lado, se for uma sociedade que tem sobretudo o objetivo de constituir lucro para servir como veículo de financiamento do projeto empresarial em que o fundamental não é exatamente a confiança entre os sócios, mas sim a capacidade destes para angariar o financiamento suficiente para iniciar o projeto será uma sociedade de capitais. Portanto, ao passo que a primeira privilegia as relações pessoais, a segunda privilegia as relações financeiras, patrimoniais.
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o E, agora, vamos ver uma série de pontos sem entrar em grandes pormenores porque é uma matéria que vai ser aprofundada ao longo do semestre, em que podemos encontrar uma distinção mais ou menos demarcada dos diferentes tipos societários entre a salvaguarda das relações interpessoais e a salvaguarda das relações patrimoniais.
Quais são os modelos que temos? ▬ As sociedades em nome coletivo são o modelo das sociedades de pessoas. ▬ As sociedades anónimas são o modelo das sociedades de capitais. ▬ As sociedades em comandita misturam as duas coisas, têm sócios de responsabilidade ilimitada e alguns traços capitalísticos. ▬ As sociedades por quotas estão numa encruzilhada entre uma e outra classificação. Há opiniões diferentes na doutrina:
O Dr. Paulo Tarso considera-as mais próximas do modelo das sociedades de capitais. O Dr. Pedro Maia considera-as mais próximas do modelo das sociedades de pessoas.
Algumas notas que distinguem estes dois tipos:
1. Maior ou menor responsabilidade pessoal dos sócios: Art. 175.º vs. Art. 197.º/1 vs. Art. 271.º do CSC Quanto à responsabilidade pessoal dos sócios, evidentemente que uma sociedade que privilegia as relações pessoais, é uma sociedade que privilegia uma maior responsabilização pessoal dos sócios. Por isso mesmo, numa sociedade em nome coletivo, os sócios são todos eles solidariamente, pessoalmente e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações pessoais. Nós só aceitaríamos participar numa empresa com estas características se tivéssemos confiança nos sócios; só iriamos pôr em risco o nosso património pessoal se tivéssemos a certeza que não iriamos ser enganados, que a sociedade não iria ser mal administrada, que não iriam ser tomadas decisões sem sermos consultados, etc. Com efeito, só com um grau elevado de confiança entre os sócios é que algum deles aceitará assumir a responsabilidade pessoal perante terceiros. Pelo contrário, nas sociedades anónimas, a responsabilidade do sócio é rigorosamente limitada ao valor das ações que ele subscrever. Ele escolhe comprar €1.000 de ações e tudo aquilo que ele arrisca são esses €1.000 de ações e mais nada, nem mais um tostão.
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Numa sociedade por quotas, normalmente a responsabilidade do sócio é apenas interna e não é perante terceiros. Mas o sócio pode ter que vir a responder pelo incumprimento da obrigação de entrada dos outros sócios. Conclusão: Quanto maior o grau de confiança nos sócios, quanto mais demarcado for o caráter pessoal de uma sociedade, maior a responsabilidade pessoal e patrimonial desses mesmos sócios. Ao invés, quantas mais características tiver de uma sociedade de capitais menor será a responsabilidade pessoal desses sócios, porque os sócios apenas arriscam o capital com que entram para a sociedade, arriscam apenas o património com que escolhem entrar para a sociedade, traduzido no valor das suas participações.
2. Regime da transmissão das participações: Quanto mais confiança houver nos sócios e quanto mais essa sociedade se basear nessa confiança, mais difícil será transmitir as participações a um terceiro, porquê? Porque os sócios não querem estranhos. Eles aceitaram aquele projeto de negócio que é o projeto de empresa com base na confiança que têm em todos os sócios; ora, se isto é assim, não podem aceitar facilmente que um deles resolva abandonar o projeto e ceda a sua parte a um terceiro que eles não conhecem de lado nenhum e que pode ser um vigarista, um incompetente, um quase insolvente, etc. Portanto, quanto mais difícil for transmitir a participação mais nos aproximaremos do quadro das sociedades de pessoas. E, por outro lado, quanto mais fácil for transmitir a participação mais nos aproximamos do quadro das sociedades de capitais. O que interessa nas sociedades de capitais é a entrada, aquilo que o sócio traz; tanto faz ser o sócio A, B ou C, à sociedade não interessa a identidade dos sócios, o que lhe interessa é a entrada, o dinheiro, os bens que tragam para a sociedade.
3. A forma como se vota numa sociedade – voto personalístico/capitalístico: Art. 190.º vs. Art. 250.º/1 + Art. 384.º/1 do CSC Numa sociedade de pessoas, em geral, vota-se por cabeça. Cada sócio tem um voto. É assim nas sociedades em nome coletivo, como podemos ver no art. 190.º/1 do CSC, que nos diz precisamente isso: “A cada sócio pertence um voto, salvo se outro critério for determinado no contrato de sociedade, sem, contudo, o direito de voto poder ser suprimido” – a não ser que o contrato disponha de outra forma, cada sócio tem um voto. Nas sociedades de capitais, as coisas são diferentes. O número de votos depende do valor da participação. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Nas sociedades por quotas, a cada cêntimo de quota corresponde um voto. Melhor dizendo: a cada cêntimo do valor nominal da quota corresponde 1 voto (art. 250.º/1). Nas sociedades anónimas, a cada ação corresponde um voto, ou seja, quanto mais capital nós tivermos, mais votos teremos. A nossa capacidade de conformar a vontade da sociedade, tal como expressa pelos sócios na Assembleia Geral, depende da nossa participação, que por sua vez, depende da contribuição patrimonial que trouxemos para a sociedade. Como veremos, a nossa participação de capital nunca pode ser superior ao valor da contribuição que trouxemos – nunca podemos, por exemplo, entrar com €5.000 para a sociedade e ter uma participação de €6.000 de capital (art. 25.º/1 do CSC – norma muito importante: o valor nominal da participação nunca pode ser superior ao valor da entrada). Isto a propósito do voto personalístico/capitalístico. Mais: nas sociedades anónimas que são o paradigma/o protótipo das sociedades de capitais até pode acontecer uma outra coisa: podem os sócios prescindir do seu direito ao voto, trocando-o por um direito privilegiado ao lucro. Nas sociedades anónimas está prevista a existência de uma categoria especial de ações, chamadas ações preferenciais sem voto. Isto quer dizer que um sócio que seja um pequeno investidor, o que é que pretende da sociedade? Pretende, por exemplo, votar em Assembleia? Não. Normalmente este tipo de sócios não tem motivação nem tempo nem sequer conhecimento para votar e, como tal, não lhe custa prescindir do direito ao voto. Para a sociedade o convencer a prescindir do direito ao voto, o que faz? Dá-lhe um direito preferencial ao lucro, ou seja, dá-lhe um direito a ser pago pelos lucros e dividendos distribuídos nesse exercício com preferência aos outros sócios que não tenham ações deste tipo, que não tenham o tal direito preferencial. Depois veremos melhor como isto funciona quando estudarmos o direito ao lucro, mas ficamos já com a seguinte ideia: numa sociedade de capitais o voto é de tal forma capitalístico que pode ser substituído (por vontade do sócio) por um direito acrescido ao lucro; o sócio pode prescindir de votar, tendo um direito preferencial a ser pago pelos lucros do exercício.
4. Exigência de maiorias mais exigentes ou até unanimidade: Art. 194.º vs. Art. 265.º/1 vs. Art. 383.º/2 + Art. 386.º/3 e 4 do CSC Quanto à exigência de maiorias mais exigentes ou até unanimidade, obviamente que isto é uma característica das sociedades de pessoas. Quanto maior for a confiança entre os sócios, quanto mais importante for a relação de confiança entre os sócios, mais a lei deve reforçar que todos estejam de acordo para que não hajam decisões aprovadas contra a vontade um número significativo de sócios, sobretudo quanto a decisões estruturantes, e não de decisões do dia-a-dia, de uma gestão corrente de uma sociedade.
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Relativamente a decisões estruturantes, devemos pensar, por exemplo, na alteração do contrato de sociedade – a alteração do contrato de sociedade é a alteração dos pressupostos contratuais em que os sócios basearam a sua vontade de constituírem aquela sociedade; a sua vontade baseou-se naquelas cláusulas contidas no contrato de sociedade que são a base de tudo – ora bem, se o contrato de sociedade puder ser facilmente alterado, os seus pressupostos podem ser facilmente alterados e a confiança de quem acreditou na permanência daqueles pressupostos vai ser, de algum modo, traída; se 50% + 1 dos sócios for suficiente para alterar esses pressupostos, isto significa que 49,9% dos sócios podem de repente ver as suas expetativas frustradas e aquele projeto em que eles acreditaram afinal vai mudar radicalmente. Portanto, numa sociedade de pessoas esta confiança é mais protegida e se é mais protegida, as maiorias necessárias à alteração do capital social ou as maiorias necessárias à alteração do contrato de sociedade ou de uma grande decisão como a dissolução da sociedade, fusão com outra sociedade, transformação noutro tipo de sociedade têm que ser tomadas ou por uma maioria muito exigente ou, normalmente, por unanimidade para que os sócios não vejam a sua confiança a ser traída. É assim que acontece nas sociedades em nome coletivo – art. 194.º do CSC: “Só por unanimidade podem ser introduzidas quaisquer alterações no contrato de sociedade ou pode ser deliberada a fusão, a cisão, a transformação e a dissolução da sociedade, a não ser que o contrato autorize a deliberação por maioria, que não pode ser inferior a três quartos dos votos de todos os sócios”. Com efeito, a regra nas sociedades em nome coletivo é a unanimidade. Por sua vez, a regra nas sociedades por quotas está prevista no art. 265.º/1 do CSC: “As deliberações de alteração do contrato só podem ser tomadas por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade”. Finalmente, quanto às sociedades anónimas temos que atender aos seguintes artigos: Art. 383.º/2 + Art. 386.º/3 e 4. A deliberação deve ser aprovada por dois terços dos votos, mas dos votos expressos em Assembleia. Numa sociedade anónima podem tomar-se este tipo de deliberações estruturantes com uma pequena participação dos sócios – mas isto normalmente não acontece porque os sócios têm de ser informados dos assuntos que vão ser discutidos em assembleia geral mediante convocação e se se tratarem de assuntos estruturantes, em princípio, os sócios comparecerão à reunião. Se são informados e optam por não comparecer à reunião, a culpa será deles; se a sociedade for dissolvida, alterada, fundida, transformada, etc. e esses sócios não concordarem, aí não há nada que possam fazer, pois a culpa é deles, é de quem não foi à reunião votar; se não votaram não participaram obviamente na escolha do rumo da sociedade. A democracia societária também se faz pela participação.
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5. Gerência/administração constituída, em regra, pelos sócios: Art. 191.º vs. Art. 252.º vs. Art. 390.º/3 do CSC Nas sociedades de pessoas, de uma maneira geral, a gerência, a administração é tendencialmente constituída pelos sócios. Os sócios escolhem-se uns aos outros com base na confiança pessoal, seriedade, capacidade, etc. Assim sendo, a condição de gerente é, de alguma forma, inerente à condição de sócio. Isto é uma regra tendencial e é uma regra que pode ser afastada também em geral pelo contrato. Se virmos, mais uma vez, quanto às sociedades em nome coletivo, aquilo que nos diz o art. 191.º do CSC é precisamente isso: não havendo estipulação em contrário, salvo o disposto no nº3, são gerentes todos os sócios quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente, assim, salvo cláusula do contrato em contrário qualquer sócio ou todos os sócios são gerentes – ora, não é isto que diz a lei para as sociedades por quotas e para as sociedades anónimas; para estes dois tipos societários a posição é neutra por assim dizer: quanto às sociedades por quotas devemos atender ao art. 252.º do CSC e para as sociedades anónimas devemos ter em conta o art. 390.º/3 do CSC – nota: as duas regras são muito semelhantes. Portanto, num caso temos digamos assim a tendência para que todos os sócios sejam gerentes, e no outro caso, temos a indicação clara de que os sócios podem não ser gerentes.
6. Qual é o órgão que tem mais peso tendencial? O órgão deliberativo ou o administrador? O maior peso tendencial que o órgão deliberativo tem relativamente ao órgão de administração verifica-se nas sociedades de pessoas, porque os sócios quando escolhem fazer sociedade querem ser eles a mandar no destino da sociedade e não, eventualmente, os tais gerentes que podem não ser sócios. Daí que numa sociedade de pessoas a Assembleia Geral tenha um peso superior à que tem uma sociedade de capitais – podem ver isto, mais uma vez, no art. 189.º do CSC para as sociedades em nome coletivo que remete para o regime das sociedades por quotas e este, por sua vez, como já vos referi, reserva uma série de competências exclusivas dos sócios, algumas absolutas outras relativas, ou algumas que o contrato não pode sequer atribuir à gerência ou algumas que o contrato pode delegar à gerência. Nota: é uma regra supletiva que só pode ser afastada pelo contrato, nunca por deliberação social, e deliberação social que regule esta matéria é uma deliberação inválida, porque estará a regular aquilo que não pode regular. Ao contrário, nas sociedades de capitais, nas sociedades anónimas, é ao Conselho de Administração, ao órgão de administração que compete, nos termos do art. 406.º/al. a) a n) do CSC, o essencial das competências/tarefas de gestão. Mais: o art. 273.º/3 diz expressamente que se for uma matéria de gestão da sociedade, os acionistas (portanto, a assembleia geral) só podem deliberar a pedido do órgão de administração – ora, os acionistas estão excluídos de deliberar sobre matérias de gestão a não ser que isso lhes seja expressamente requisitado pelo órgão de administração.
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Por conseguinte, quanto mais próximo estivermos de um modelo de sociedade de pessoas maior o peso dos sócios, por comparação com o peso dos administradores.
7. Obrigações de não concorrência: Art. 180.º vs. Art. 254.º + Art. 398.º/3 do CSC Quanto às obrigações de não concorrência, estas são mais pesadas nas sociedades de pessoas do que nas sociedades de capitais, porque nas sociedades de pessoas, normalmente elas estendem-se a todos os sócios – é o que acontece nas sociedades em nome coletivo (art. 180.º - nenhum sócio pode exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente com a da sociedade nem ser sócio de responsabilidade ilimitada noutra sociedade, salvo expresso entendimento por todos os outros sócios). Por sua vez, para as sociedades por quotas e anónimas a regra é bastante diferente: art 254.º do CSC - só os gerentes é que estão impedidos e não os sócios de concorrer com a sociedade, ou seja, isto aplica-se quer aos sócios gerentes quer aos gerentes não sócios e não se aplica aos sócios não gerentes. Se for uma sociedade por quotas, eu posso concorrer com essa sociedade, não posso é utilizar informações a que tenha tido acesso durante o exercício dos direitos do sócio para prejudicar os interesses da sociedade, todavia posso concorrer lealmente no mercado com uma sociedade relativamente à qual eu sou sócio; eu posso ter uma atividade por conta própria que concorra com a atividade da sociedade de que eu sou sócio. O mesmo acontece com as sociedades anónimas e também em termos muito semelhantes – art. 398.º/3: “Na falta de autorização da assembleia geral, os administradores não podem exercer por conta própria ou alheia atividade concorrente da sociedade nem exercer funções em sociedade concorrente ou ser designados por conta ou em representação desta”. Portanto: nas sociedades de capitais só os administradores/gerentes estão impedidos de concorrer. Nas sociedades de pessoas também os sócios estão impedidos de concorrer.
8. Possibilidade de exclusão dos sócios Art. 186.º vs. Art. 241.º + 242.º do CSC Evidentemente que numa sociedade baseada na confiança esta possibilidade de exclusão há-de ser mais aberta ou mais ampla do que num tipo societário apenas baseado nas contribuições financeiras dos sócios. Quanto às sociedades de pessoas, se eu concorro deslealmente com a sociedade, se eu tenho um comportamento incorreto do ponto de vista judicial ou de alguma forma possa por em causa a imagem da sociedade, eu estou também aqui a trair a confiança que os outros sócios depositaram em mim. Por isso mesmo, o art. 186.º/1 do CSC prevê, em termos relativamente amplos, essas causas de exclusão, dizendo que a sociedade pode excluir um sócio nos casos previstos na lei e no contrato e ainda nas circunstâncias elencadas nas alíneas
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a) a c), nomeadamente quando lhe seja imputável violação grave das suas obrigações para com a sociedade. Isto nas sociedades por quotas só é permitido, esta exclusão genérica só é permitida por via judicial, nos termos do art. 241.º e 242.º do CSC – 241.º: apenas nos casos previstos na lei bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato, só nestes casos em que haja uma violação da lei ou violação de uma obrigação contratual, de um padrão de comportamento fixado no contrato é que os sócios podem deliberar a exclusão. Nos outros casos, em que esteja em causa um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, ou que tenha causado ou possa vir a causar prejuízos relevantes à sociedade, só o tribunal é que pode decidir da exclusão – art. 242.º. Há aqui uma salvaguarda maior dos sócios, pois o que está aqui em causa não é a confiança, mas o investimento financeiro que o sócio fez para a sociedade. Nas sociedades anónimas não está previsto um regime de exclusão, embora se entenda que, por analogia, devam ser aplicadas as regras das sociedades por quotas – art. 241.º e art. 242.º do CSC.
9. Direito de informação Art. 181.º vs. Art. 214.º vs. Art. 288.º + 291.º do CSC O direito de informação é mais amplo nas sociedades de pessoas do que nas sociedades de capitais. Nas sociedades em nome coletivo os sócios têm tendencialmente direito a requererem as informações que entenderem sobre a vida da sociedade, dos gerentes ou de quem tiver concretamente participado num determinado negócio. Nas sociedades anónimas, por contraposição, este direito está muitas vezes reservado a uma minoria de capital, a uma quantidade mínima de ações. Só os sócios com pelo menos 1% de capital podem exercer determinados direitos.
10. Firma-nome Art. 177.º vs. Art. 200.º + 275.º do CSC Finalmente, as sociedades de pessoas têm geralmente firma-nome. As sociedades em nome coletivo têm de identificar pelo menos um dos sócios. Porquê? Porque sendo a responsabilidade dos sócios, uma responsabilidade grande e pessoal perante credores sociais, interessa aos credores sociais conhecerem a identidade dos sócios ou, pelo menos, de alguns daqueles sócios; para poderem avaliar a consistência patrimonial, a garantia que a sociedade e os sócios oferecem relativamente ao cumprimento das obrigações assumidas – ora, isto não é a regra para as sociedades por quotas nem para as sociedades anónimas: os sócios podem optar por uma firma-nome, mas nada os obriga a fazê-lo. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Portanto, uma sociedade em nome coletivo deve ter firma-nome e o art. 177.º do CSC diznos expressamente isto: “A firma da sociedade em nome coletivo deve, quando não individualizar todos os sócios, conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles” – algum deles terá de ser nominalmente identificado.
Ora visto isto vamos olhar atentamente para as SOCIEDADES POR QUOTAS: Neste tipo concreto de sociedade que corresponde à esmagadora maioria das sociedades comerciais sediadas em Portugal (cerca de 90%) vamos olhar para os traços mais personalísticos e capitalísticos das sociedades por quotas. Como vimos, as sociedades por quotas estão encravadas entre os dois tipos referidos (sociedade de pessoas e sociedade de capitais), contendo, portanto: I.
TRAÇOS PERSONALÍSTICOS:
Responsabilidade subsidiária pelas entradas: art. 197.º do CSC. Ou seja, o facto de alguns sócios ou de algum sócio poder vir a ter que responder pelas obrigações de entrada de outros. A necessidade de consentimento da sociedade, por via de regra (atenção que isto pode ser afastado pelo contrato) para a transmissão da participação social: art. 228.º/2 do CSC. Ou seja, não existe um direito (pelo menos por via de lei, porque o contrato pode atribuir esse direito) à partida de livremente transmitir a participação a terceiros, a não ser em três casos específicos: transmissão entre sócios, ao cônjuge ou a ascendentes/descendentes. A não ser nestes casos, em que a lei supletivamente dispensa o consentimento permitindo transmissão livre, qualquer transmissão só é eficaz perante a sociedade se for por esta consentida. Os sócios têm de deliberar em Assembleia Geral, autorizar uma proposta de transmissão que algum desses sócios apresente, para salvaguardar a entrada de desconhecidos na sociedade, para que os sócios não estejam sujeitos a que de repente apareça um outro sócio que eles não conhecem de lado nenhum e que pode ser desonesto, incompetente, quase insolvente; que pode não trazer nada de novo ou a sua vinda ser nociva à sociedade – daí que esteja consagrada a possibilidade de autorizarem ou não esta transmissão. Mas atenção: esta regra é supletiva, podendo ser afastada pelo contrato. Direito de preferência na venda em execução: art. 239.º/5 do CSC. Se uma quota de um sócio for executada (supor por hipótese que esse sócio está insolvente) quer a sociedade, quer qualquer dos sócios têm direito de preferência na venda judicial, para evitar a entrada de estranhos na sociedade. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Gerência sempre subordinada à assembleia geral: art. 259.º do CSC. Ou seja, tal como acontece nas sociedades de pessoas, os sócios são quem mandam na sociedade – esta é uma regra absoluta das sociedades por quotas, nos termos do art. 259.º do CSC: “Os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios”. Contudo isto não significa que os gerentes não possam validamente vincular a sociedade a terceiros, sem ou contra a vontade dos sócios de assuntos em que os sócios devessem ter deliberado mas não deliberaram ou inclusivamente contra uma deliberação expressamente adotada pela Assembleia Geral. Isto pode acontecer porque a sociedade fica vinculada a terceiros e pode ter obviamente prejuízos patrimoniais com isso. O que acontece nestes casos? Os gerentes podem ser destituídos com justa causa e podem ser obrigados a indemnizar a sociedade, pois fugiram aos seus deveres legais e contratuais e, por isso mesmo, podem vir a ser pessoalmente responsabilizados pelos prejuízos que causarem à sociedade, além de eventualmente serem destituídos, perderem o direito ao lugar e à remuneração que tiverem enquanto gerentes. Portanto a regra é esta: a da subordinação da gerência à assembleia geral. Direito de informação relativamente amplo: art. 214.º e ss do CSC. Depois será visto em que termos isto se processa, em que termos se diferencia o direito de informação dos sócios para o direito de informação dos acionistas. Grande número de normas supletivas, que permite aos sócios conformar em grande medida o conteúdo do contrato à sua vontade. Isto não está especificamente previsto na lei, encontrando-se espalhado pelo Título III. Existe um grande número de normas supletivas no regime das sociedades por quotas. Este é um traço personalístico que permite aos sócios no momento em que redigem o contrato de sociedade ou o ato constitutivo, conformarem o regime daquela sociedade, o modo de funcionamento interno da sociedade (exemplos: a quota dos sócios com a sociedade e com terceiros, a forma de vinculação, as regras de deliberação, as regras de transmissão de participações, etc.) – permite-lhes conformar tudo isto com ampla liberdade. Ou seja, atribui sobretudo aos sócios fundadores (= estão encarregados de redigir o contrato de sociedade) um grande poder de conformarem esse contrato, de conformarem a sociedade à sua ideia de negócio, de empresa, à forma como eles querem que as coisas funcionem, FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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que pode ser mais baseada na confiança entre os sócios restringindo, por exemplo, a liberdade de transmissão de participações, limitando os poderes da gerência, obrigando a que os gerentes sejam sócios, etc. OU pode ser mais virada para um tipo mais capitalístico de sociedade, permitindo a livre transmissão de participações, permitindo gerentes não sócios, dando amplos poderes de decisão à gerência, etc. Para o Dr. José Reis (opinião pessoal, pois tal depende da perspetiva que cada um tiver sobre a lei) este traço personalístico é muito importante, sendo decisivo na aproximação das sociedades por quotas ao tipo de sociedades de pessoas, mais do que as sociedades de capitais. II.
TRAÇOS CAPITALÍSTICOS:
Inexistência, em regra, de responsabilidade dos sócios perante credores sociais: artigos 197.º/3, 198.º do CSC. Por regra os sócios não respondem com o seu património pessoal perante credores sociais, só respondem se quiserem, se assumirem expressamente essa responsabilidade no contrato de sociedade e nos termos do art. 198.º do CSC é que isso acontece: “É lícito estipular no contrato que um ou mais sócios, além de responderem para com a sociedade (…) respondem também perante os credores sociais até determinado montante”, se não vale a regra geral do art. 197.º/3 do CSC: “Só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade”. Voto capitalístico, dependente do valor da quota: art. 250.º do CSC. Tem-se tantos mais votos, quanto maior for a participação no capital social, quanto maior for o valor da quota. Deliberações sempre aprovadas por maioria (ainda que qualificada, nunca por unanimidade). Inexigência da unanimidade para qualquer deliberação. As deliberações, mesmo as mais gravosas, as mais estruturais para a vida da sociedade podem sempre ser adotadas (a não ser que o contrato disponha diferentemente) contra a vontade de alguns sócios. Por exemplo, uma deliberação de alteração do contrato de sociedade, que é altamente estruturante da vida da sociedade, pode, em regra, ser adotada por ¾ dos votos correspondentes ao capital social, ou seja, um sócio que tem 24,9% do capital social pode ver o contrato alterado contra os seus interesses e contra as suas expetativas, ao não ser que esteja salvaguardado contra isso através de um acordo parassocial que celebrou com outros sócios – por exemplo celebrou com um sócio que tinha 10% um acordo no qual esse se compromete a nunca votar contra a vontade desse sócio numa FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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deliberação de alteração do contrato de sociedade. Isto não impede que o contrato seja alterado na mesma, mas isto confere-lhe o direito a ser indemnizado por essa outra parte do acordo parassocial caso ele venha a desrespeitar esse contrato, digamos, marginal à vida da sociedade, ou seja, relacionado com a vida da sociedade mas estranho às relações intra societárias. Gerentes podem ser estranhos à sociedade.
Portanto, estes são os traços que aproximam ou afastam as sociedades por quotas ao modelo das sociedades de pessoas ou ao modelo das sociedades de capitais. Relevo da distinção entre sociedade de pessoas e de capitais: i. Interpretação da lei ii. Interpretação do contrato de sociedade …Em pontos que sejam mais obscuros e que careçam, inclusive, de integração por falta de decisão legal. Essa interpretação e essa integração hão-se de fazer para cada tipo societário, mais de acordo com o interesse de manutenção das relações pessoais ou, diversamente, das relações patrimoniais.
o Paralelamente a esta classificação a lei distingue entre Sociedades fechadas vs. Sociedades abertas: Não é uma classificação doutrinal, mas sim legal. É uma classificação que já tem correspondência na nossa lei ao contrário da distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais. É uma classificação que só faz sentido no seio das sociedades anónimas, porque todas as outras são fechadas. Tudo que seja uma sociedade em nome coletivo ou por quotas é uma sociedade fechada, no sentido de não ser uma sociedade aberta a estranhos, é uma sociedade onde os sócios têm sempre controlo sobre quem entra, quem sai e como as coisas se processam. As sociedades anónimas são tendencialmente abertas. Mas há, obviamente, umas mais abertas do que outras, daí que o art. 13.º do Código dos Valores Mobiliários estabeleça uma série de critérios e que têm a ver com a disseminação de capital e com a forma como as ações estão colocadas à venda, como são transacionadas, etc. O Código dos Valores Mobiliários estabelece que qualquer sociedade que preencha estas características é considerada uma sociedade aberta e sendo uma sociedade aberta está sujeita a um regime especial, nomeadamente em termos de FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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deveres especiais de comunicação que ela tem de fazer à CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (art. 16.º, 19.º do CVM), por exemplo, relativamente a participações qualificadas ou quando existir um acordo parassocial que implique a junção de votos de acionistas que detenham x % do capital social esse acordo tem que ser comunicado à CMVM sob pena de invalidade das deliberações em que esses votos tenham sido utilizados. As regras de deliberação são diferentes consoante seja uma sociedade aberta ou uma sociedade fechada (art. 22.º a 26.º do CVM).
o Agora sim vamos olhar para algumas características do regime das sociedades comerciais: 1
A responsabilidade dos sócios
Temos de começar por separar a responsabilidade interna e externa dos sócios, ou seja, a sua responsabilidade perante a própria sociedade OU perante terceiros/credores sociais, respetivamente.
A. Responsabilidade das relações internas: 1. Sociedades em nome coletivo: art. 175.º + art. 179.º do CSC. Nas sociedades em nome coletivo essa responsabilidade não existe, ou seja, por regra, cada sócio só responde pela sua própria entrada, nos termos do art. 175.º: nas sociedades em nome coletivo, o sócio responde individualmente pela sua entrada, responde por si não responde pelo cumprimento das obrigações de entrada dos outros sócios, no entanto há aqui uma precisão que é preciso fazer quanto ao art. 179.º - quando um sócio entra para uma sociedade comercial com bens que não sejam dinheiro ou bens diferentes de dinheiro, esses bens têm que ser avaliados pelo oficial de contas que lhes atribui um determinado valor e é esse valor que vai ser contabilizado para efeitos, nomeadamente, do valor da participação do sócio e da sua participação de capital social; ora, para calcular o valor nominal da participação do sócio temos que saber o valor da sua entrada, sendo que o valor nominal da participação nunca pode ser superior ao valor da entrada. Este regime de avaliação vem previsto no art. 28.º do CSC e pode ser dispensado no caso das sociedades em nome coletivo. O art. 179.º diz-nos o seguinte: “A verificação das entradas em espécie, determinada no artigo 28.º, pode ser substituída por expressa assunção pelos sócios, no contrato de sociedade, de responsabilidade solidária, mas não subsidiária, pelo valor atribuído aos bens”, ou seja, numa sociedade em nome coletivo eu entro com um imóvel e digo “este imóvel vale €250.000”; os outros sócios acreditam, escusam de proceder a uma avaliação por um perito independente; no contrato é atribuído o valor de €250.000 ao imóvel e o que acontece é que os outros sócios ao aceitarem isto expressamente estão a assumir solidariamente comigo a responsabilidade por aquele valor – o que é que isto quer dizer? Se afinal aquele imóvel não valer €250.000 e valer apenas €150.000, se o património da sociedade for inferior, os outros sócios vão ter que responder por esse valor e vão ter que
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indemnizar a sociedade, vão ter que recompor perante a sociedade o valor em falta, porque têm uma responsabilidade interna que decorre da dispensa de avaliação por via desta norma especial do art. 179.º do CSC.
2. Sociedades por Quotas: art. 197.º e artigos 209.º e 210.º do CSC. Os sócios respondem pela totalidade das entradas. Saliente-se que há aqui alguns aspetos que não têm a ver com a obrigação de entrada, mas que são também eles formas de responsabilidade interna, ou melhor, são formas ou mecanismos pelos quais os sócios podem ter que entregar bens, dinheiro ou outro tipo de prestações à sociedade para além da sua obrigação de entrada, como as prestações acessórias e as suplementares que têm de estar expressamente previstas no contrato de sociedade e podem no caso das prestações suplementares determinar, inclusivamente, a exclusão do sócio da sociedade. Mas atenção que os seus termos têm que estar previstos no contrato de sociedade, o montante máximo que pode vir a ser exigido tem que estar lá previsto. Portanto, o sócio quando entra para uma sociedade já sabe com o que pode contar, já sabe que eventualmente lhe pode vir a ser exigido mais do que aquilo com que já entrou, mais do que a entrada inicial. E atenção – vocês podem dizer: mas o contrato pode ser alterado. Sim, mas essa obrigação nunca pode ser exigida a um sócio que não a tenha expressamente aceite, que não tenha votado favoravelmente essa alteração de contrato. Explicando melhor: imaginem que entram para uma sociedade por quotas com 5 sócios em que não existe qualquer obrigação adicional para além de uma obrigação de entrada. Não existe nenhuma obrigação de prestação suplementar. Vocês obviamente não estão a contar com ela. Passados uns anos, os negócios não estão a correr assim tão bem e os vossos sócios deliberam por uma maioria de 80% em alterar o contrato de sociedade no sentido de que pode ser deliberado pelos sócios exigirem uma prestação suplementar imaginem de €5.000 a cada um. Ora, se vocês não tiverem votado favoravelmente essa deliberação, a vocês nada vos pode ser exigido; vocês não podem ser chamados à responsabilidade perante a sociedade, se não tiverem expressamente aceite esta alteração do contrato. Isto é uma responsabilidade adicional e posterior à celebração do contrato que os sócios nas sociedades por quotas podem eventualmente ter.
3. Sociedades Anónimas: art. 271.º + artigos 287.º e 210.º do CSC (por analogia). Nas sociedades anónimas não existe responsabilidade interna para além do valor das participações subscritas, ou seja, cada sócio responde única e exclusivamente pelo valor das ações que queira subscrever, nunca pelo incumprimento dessa obrigação por parte dos outros sócios - art. 271.º.
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Também existe aqui a possibilidade por analogia de serem criadas prestações acessórias e suplementares – um sócio pode vir a ser excluído por não realizar essas prestações em termos semelhantes ao previsto para as sociedades por quotas.
4. Sociedades em Comandita: art. 465.º + 474.º + 478.º do CSC. Temos de distinguir os dois tipos de sócios porque a responsabilidade de uns e de outros não é rigorosamente igual. O que nos dizem os artigos relevantes neste tipo societário? Art. 465.º: “Na sociedade em comandita cada um dos sócios comanditários responde apenas pela sua entrada; os sócios comanditados respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos que os sócios da sociedade em nome coletivo” – ou seja, estes dois tipos de sócios respondem uns em termos semelhantes ao dos sócios das sociedades anónimas [sócios comanditários], outros em termos semelhantes aos dos sócios das sociedades em nome coletivo [sócios comanditados]. Os artigos 474.º e 478.º dizem respetivamente que “Às sociedades em comandita simples aplicam-se (não variando agora em função do tipo de sócio, mas em função do tipo de sociedade) as disposições relativas às sociedades em nome coletivo, na medida em que forem compatíveis com as normas do capítulo anterior e do presente” e que “Às sociedades em comandita por ações aplicam-se as disposições relativas às sociedades anónimas, na medida em que forem compatíveis com as normas do capítulo I e do presente”. Ora, o que é que isto quer dizer em termos de relações internas? Quer dizer que os sócios comanditados respondem como os sócios das sociedades em nome coletivo, só respondem pela sua participação social, a não ser que outros sócios comanditados tenham entrado para a sociedade com bens não avaliados por um revisor oficial de contas e que estes sócios assumam expressamente a responsabilidade por esse valor. Por outro lado, os sócios comanditários respondem única e exclusivamente pela sua própria participação, ou seja, nunca pelas participações dos outros, tal como os sócios das sociedades anónimas.
B. Responsabilidade das relações externas: 1.
Sociedades em nome coletivo: art. 175.º do CSC. Os sócios respondem diretamente perante os credores sociais, mas subsidiaramente em relação ao património da sociedade. Os credores sociais têm primeiro que esgotar todo o património da sociedade e só depois disso podem atacar o património pessoal de algum dos sócios. Mas a responsabilidade é solidária, ou seja, existe direito de regresso de um dos sócios em relação aos outros quando este tiver satisfeito uma dívida da sociedade perante credores.
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2.
Sociedades por quotas: art. 197.º/3 + 198.º do CSC. O sócio só responde quando assumir expressamente no contrato de sociedade essa obrigação para com terceiros. Caso contrário, só o património da sociedade responde.
3.
Sociedades anónimas: art. 271.º do CSC Só o património da sociedade é que responde perante credores sociais. Não existe nunca a responsabilidade externa, a não ser nos casos excecionais (vão ser vistos de seguida).
4.
Sociedades em comandita: art. 465.º do CSC Os sócios comanditados respondem tal como os sócios das sociedades em nome coletivo, ou seja, pessoal e ilimitadamente perante credores sociais. Por sua vez, os sócios comanditários respondem tal como os sócios das sociedades anónimas, ou seja, nunca respondem perante os credores sociais.
C. Casos especiais: Vamos ver agora alguns casos especiais, particulares de possível responsabilidade pessoal dos sócios perante terceiros para além daqueles casos que já vimos. Estamos só a falar de responsabilidade dos sócios. Não confundir responsabilidade dos sócios com a responsabilidade dos gerentes ou administradores (acontece ao nível da insolvência). Vamos aqui só falar dos casos em que a lei ou, eventualmente, os tribunais entendam que os próprios sócios podem vir a ter que responder. 1º caso: art. 83.º do CSC – responsabilidade solidária do sócio: Responsabilidade solidária com um membro do órgão de administração ou de fiscalização do sócio que tenha o direito especial a nomear esse membro, que tenha votos suficientes de capital social e os tenha utilizado para nomear esse membro ou ainda tenha a possibilidade de destituir (seja por direito especial ou pelo número de votos que tenha), e que com base nesta possibilidade de destituição tenha exercido algum tipo de chantagem ou de influência determinante sobre o comportamento desse membro e que essa influência tenha sido decisiva pelo incumprimento de alguma obrigação legal ou contratual por parte dessa pessoa que esteja na origem do dever de indemnizar. Vamos só aqui balizar as situações de que estamos a falar: estamos a falar de situações em que um membro do órgão de administração ou de fiscalização tem de responder perante terceiros pelo incumprimento dos seus deveres legais ou contratuais. Só que nestes casos o sócio porque foi responsável pela sua nomeação ou porque foi responsável pelo seu comportamento, o sócio foi especialmente responsável, foi corresponsável pelo menos pelos factos que levaram ao dever de indemnização por FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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parte do administrador ou do órgão de fiscalização, o sócio aqui é solidariamente responsável como ele e estas situações vêm todas previstas no art. 83.º para todos os tipos societários. É uma regra que ainda está incluída na parte geral em que salvo indicação expressa se aplica a todos os tipos de sociedades e os vários números do art. 83.º têm a previsão de cada uma destas situações.
26/02/2019
Vamos prosseguir hoje com a vista geral dos diferentes tipos societários portugueses, continuando a falar da responsabilidade dos sócios e das situações em que excecionalmente os sócios podem responder perante terceiros, sendo que já tínhamos visto o primeiro caso, o do art. 83.º do CSC, o caso das sociedades em que um sócio tenha o direito de nomear ou o direito de destituir um membro do órgão de administração, desse membro do órgão de administração ser responsabilizado nos termos gerais do art. 72.º por algum ato culposo que tenha praticado com desrespeito pelos deveres legais ou contratuais e que tenha causado com isso prejuízos à sociedade. Ora, o sócio que sozinho ou por direito especial ou por ter o número de votos suficientes ou pode nomear ou pode destituir e ao poder destituí-lo, pode exercer pressão sobre ele e é desses casos que estamos a falar. Em sequência disto, o sócio pode ser responsabilizado solidariamente com esse administrador. ----------------------------------------------------------------» Recapitulando, quanto ao art. 83.º do CSC: Verifica-se responsabilidade solidária do sócio que tenha:
Direito especial a nomear membro do órgão de administração ou fiscalização;
Votos suficientes para nomear membro do órgão de administração ou fiscalização;
Possibilidade de fazer destituir membro do órgão de administração ou fiscalização e uso de influência indevida sobre esse membro. 2.º caso: art. 84.º do CSC – responsabilidade do sócio único: responsabilidade perante terceiros do sócio único em caso de insolvência quando não tenha respeitado a separação patrimonial entre o seu património e o património societário. Íamos, então, passar para o caso expressamente previsto no art. 84.º do CSC e que se refere em exclusivo às sociedades unipessoais por quotas – ora, o que nos diz o art. 84.º? Diz-nos que havendo insolvência de uma sociedade unipessoal por quotas, que “se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio [no sentido de transformação de uma sociedade pluripessoal numa sociedade unipessoal ou por qualquer tipo de situação, o sócio esteja reduzido a um], este responde ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das quotas ou das ações, contanto que se prove que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afetação do património da sociedade ao cumprimento das respetivas obrigações”.
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O que é que isto quer dizer? Quer dizer que neste caso a responsabilidade do sócio está limitada àquelas situações e não são raras infelizmente, em que o sócio não observou a separação patrimonial entre o património societário e o seu próprio património pessoal, ou seja, o sócio serviu-se do património da sociedade em proveito próprio, para seu próprio benefício e com isso aumentou os encargos da sociedade, prejudicou o património da sociedade e uma vez que esses prejuízos acumulados acabaram por conduzir à insolvência da sociedade, por conseguinte prejudicou os credores da sociedade, os quais devido à situação de insolvência não vão ser pagos pela totalidade dos seus créditos e isto, pelo menos, parcialmente, por ação culposa de sócio único que ao misturar patrimónios, piorou a situação patrimonial da sociedade, pelo que tem de haver sanção para quem não respeita este princípio base, tem de ser a contrapartida ao grande benefício que é a irresponsabilidade pessoal do património do sócio pelas dívidas sociais, pois se o património pessoal do sócio vai ficar isento de responsabilidade o mínimo que se lhe pode exigir é que respeite a separação entre esse património pessoal e o património societário e se não o fizer terá que ficar sujeito a sanções patrimoniais, neste caso: a sua responsabilização perante os credores sociais. Este regime do art. 84.º é exclusivo para sociedades reduzidas a um único sócio, mas atenção: podemos estender este regime a outras situações, mas tal depende de despoletarmos um mecanismo, que é um mecanismo de interpretação da lei, da integração da lei e que, portanto, depende da interpretação dos factos que fizer o tribunal que decidir o caso – é o mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica societária.
Em alguns pontos do regime do arrendamento para comércio, a própria lei desconsidera a personalidade jurídica societária. Por exemplo, quando há não um trespasse de estabelecimento, mas, ao invés, uma transmissão das participações de uma sociedade que seja a proprietária desse estabelecimento, a lei do arrendamento, para alguns efeitos, equipara uma coisa à outra, equipara a cessão de participações à transmissão da própria empresa, sendo elas duas coisas distintas. Faz de conta que a personalidade jurídica da sociedade não existe e que aquilo que aconteceu foi uma transmissão de empresa. Imaginem que a sociedade A que é dona da empresa X está dividida em 3 quotas pertencentes a b, c e d. Ora bem, se a sociedade A vende a sua empresa a Z (a empresa passa para Z), há um trespasse, pois a propriedade do estabelecimento comercial foi transmitida de uma para a outra. Mas se a sociedade Z, em vez de adquirir a empresa X, adquire participações de b, c e d e passa a ser titular a 100% do capital social da empresa A não há um trespasse, porque esta empresa não foi transmitida, a
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empresa continua a ser propriedade da sociedade A, só que as participações da sociedade A deixaram de caber a b, c e d e passaram a caber a Z. É o chamado trespasse por asset deal, ou seja, negócio sobre o bem ou share deal, negócio sobre as participações que dão a propriedade da sociedade, que é, por sua vez, proprietária da empresa. Ora, nestes casos, a nossa lei para algumas situações específicas (a lei do arrendamento) faz de conta que A não existe e que de facto aquilo que b, c e d quiseram fazer foi transmitir a empresa X para Z, não quiseram transmitir participações sobre uma sociedade que é por sua vez proprietária de uma empresa, quiseram sim transmitir a propriedade da empresa. Aquilo que economicamente conta é esta empresa que é explorada pela sociedade A porque, por exemplo, até é o único património da sociedade A e a sociedade A não faz mais nada a não ser explorar a empresa. Aquilo que interessa é esta propriedade, aquilo que existiu economicamente, de facto, foi um trespasse, embora juridicamente tenha havido uma cessão de quotas. Isto é desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade e a lei às vezes diz isto expressamente, a lei diz-nos: façam de conta que a sociedade não existe, façam de conta que o negócio foi sobre um bem e não sobre a sociedade, façam de conta que o ato foi praticado pelo administrador pessoalmente e não pela sociedade, etc. Esta desconsideração da personalidade jurídica também nos pode servir, como veremos, em certos casos, para imputar aos sócios atos e obrigações que normalmente incumbiriam à sociedade. Isto é um mecanismo não legal, ou seja, são situações que a lei não prevê expressamente, mas que o tribunal pode entender que configuram uma conduta culposa dos sócios, que exige a sua responsabilização para lá do que vem expressamente previsto na lei. O tribunal pode, então, fazer de conta que a sociedade não existe, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade e imputar diretamente aos sócios algumas obrigações que apenas incidiriam sobre o património social, que apenas responsabilizariam o património da sociedade. Este é um caminho perigoso, que às vezes se tem que fazer, mas que se tem de fazer com muita cautela, pois põe em causa o princípio fundamental da exigência das sociedades comerciais que é o da limitação da responsabilidade dos sócios: não podemos responsabilizar os sócios por tudo e por nada, senão as pessoas têm medo de constituir sociedades, começar negócios, de arriscar. Nota: Se não houvesse limitação da responsabilidade das sociedades comerciais o mundo dos negócios teria avançado muito menos e, por conseguinte, a investigação teria avançado muito menos, e significaria FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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também que a humanidade teria evoluído um pouco menos se as pessoas tivessem mais medo de arriscar, de criarem empresas, de criarem negócios, se não tivessem incentivo económico para arriscar, para criar negócios, para criar empresas. Evidentemente que tudo isto é uma ficção que o Direito criou para proteger quem quer arriscar, é uma ficção que tem de ser protegida e é com base nela que os negócios se têm feito, com base na ficção da separação do risco entre os sócios e a sociedade, com base na certeza de quem contrata com a sociedade sabe que só o património da sociedade é que vai responder pelas obrigações da sociedade. Só em casos limite é que podemos ir para além do que a lei expressamente configura como exceções a este princípio da limitação da responsabilidade dos sócios. E que casos são esses, que têm sido mais ou menos apontados pela doutrina? Reconduzem-se, em geral, a três categorias de casos: i.
Descapitalização material da sociedade: O que é que significa descapitalização material? Significa que os sócios retiram à sociedade ou não dão à sociedade meios financeiros e económicos suficientes, que não transferem para a sociedade meios produtivos suficientes para ela poder fazer aquilo a que se propõe fazer, para que ela possa cumprir as suas obrigações e, desta forma, defraudem os credores sociais e aqueles que contratam com a sociedade.
ii.
Mistura de patrimónios: Que já vimos para o caso do sócio único, expressamente previsto no art. 84.º, mas que pode acontecer em sociedades pluripessoais. Muitas vezes uma sociedade por quotas com dois sócios na prática funciona apenas com um: é só um que gere a sociedade e que trata dos negócios da sociedade e o outro está lá apenas para dar nome; quando a sociedade foi criada não havia sociedades unipessoais, por exemplo e nunca mais foi transformada em sociedade unipessoal; numa sociedade constituída entre marido e mulher, entre irmãos, isto é muito frequente. Também é perfeitamente possível que haja aqui uma mistura de patrimónios muito semelhante à que existe nas situações do 84.º, daí que se justifique, até por analogia, a responsabilização pessoal do património desses sócios por dívidas da sociedade, caso a sociedade venha a ser declarada insolvente.
Ora, estes casos em que a sociedade não dispõe de meios suficientes para fazer aquilo a que se propõe fazer, nos casos em que os sócios misturam patrimónios são os que têm vindo a ser apontados mais frequentemente pela jurisprudência sobretudo estrangeira. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Em Portugal ainda é muito pouco frequente os tribunais aceitarem este tipo de responsabilidade. Temos que olhar para isto com bastante cautela. Atenção: estas soluções não decorrem diretamente da letra da lei e só podem resultar de uma interpretação judicial muito ampla das obrigações dos sócios. iii.
Grupos de sociedades:
Finalmente, um último caso de responsabilização pessoal dos sócios tem a ver com os grupos de sociedades, ou seja, quando uma sociedade tem o controlo absoluto de uma outra sociedade, isto: a.
pode acontecer por contrato de subordinação através do qual uma sociedade atribui o seu controlo e direção a uma outra sociedade; OU b. pode acontecer porque uma sociedade adquiriu completamente o controlo de uma outra, de uma sociedade anónima neste caso necessariamente. Portanto, verifica-se que uma sociedade adquire 100% do capital de uma sociedade anónima. Um grupo societário é isto, é formado por um contrato de subordinação ou por um contrato de grupo paritário (espécie muito pouco comum de grupo) - relações de domínio total onde tem que ser 100% do capital social, sendo que depois de adquirir 100%, de constituir grupo pode ser eliminado até 10% do capital social, mas tem que em algum momento chegar a 100% para que o grupo se constitua, senão é apenas uma relação de domínio total mas que não chega a constituir um grupo. Para que é que isto nos interessa? Porque a lei nos diz expressamente que a sociedade diretora ou dominante consoante estejamos a falar de um contrato de subordinação (temos uma sociedade diretora e sociedade dirigida) ou de uma relação de domínio (onde há uma sociedade dominante e uma sociedade dominada). Nos termos do art. 501.º do CSC, desde logo, a sociedade dominante/diretora responde perante os credores da sociedade dominada; aqui a sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste – portanto, responde pelas obrigações da sociedade subordinada. E diz-nos o art. 502.º do CSC que a sociedade subordinada ou dominada tem o direito de exigir que a sociedade diretora ou dominante compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período – ou seja, as perdas de exploração anual são da responsabilidade da sociedade dominante ou diretora - portanto, mais uma vez temos aqui a responsabilidade de um sócio com a particularidade neste caso de o sócio ser também ele uma sociedade, ser necessariamente uma sociedade. E atenção, nos termos do art. 481.º que é o primeiro artigo do título VI sobre as sociedades coligadas, sobre as relações de domínio ou de grupo, o seu nº1 diz-nos que “o presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por ações”, ou seja, nos termos do art. 481.º/1 nada deste título se aplica quando estiver em causa uma sociedade em nome coletivo ou uma sociedade em comandita simples (cada vez se encontram menos no nosso Direito) Apesar da responsabilidade da sociedade diretora/dominante perante os credores da sociedade subordinada/dominada (art. 501.º) e perante a própria sociedade subordinada pelas perdas verificadas durante a vigência do contrato de subordinação (art. 502.º) estarem previstas expressamente para o contrato de subordinação também se aplica nos termos do art. 491.º do CSC, às relações de domínio total. 2
Exigência de capital social, mais especificamente de capital social mínimo
Vamos passar ao segundo traço caracterizador do regime societário, do regime das sociedades comerciais, dos diferentes tipos de sociedades comerciais que é a exigência de capital social, mais especificamente de capital social mínimo. Ora, isto coloca-nos aqui uma primeira questão que é a de saber com algum rigor em que é que consiste exatamente o capital social e porquê? Porque a noção de capital é utilizada em vários sentidos pelo próprio CSC; às vezes utiliza a expressão capital social num sentido de património próprio – o capital social não é isso. O capital social é uma cifra abstrata que pode ter ou não cobertura do património societário. Explicando isto melhor: o capital social é uma cifra abstrata que vem prevista no contrato de sociedade, que os sócios com ou sem algum constrangimento legal (dependendo do tipo societário) estando ou não obrigados a fazê-lo, escolheram para representar o total/ a soma do valor nominal das suas participações sociais: a. o conjunto das ações (no caso de uma sociedade anónima e de uma sociedade em comandita por ações), b. o conjunto das quotas (no caso de uma sociedade por quotas), c. o conjunto das partes sociais dos sócios comanditários (numa sociedade em comandita simples) ou
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d. conjunto das parte sociais dos sócios que não tenham entrada em indústria (no caso de uma sociedade em nome coletivo). O capital social sendo apenas um número, não representa bens, património, dinheiro, representa apenas aquilo que os sócios entenderam ser o valor nominal das suas participações sociais, o que pode não corresponder (muitas vezes não corresponde) ao valor real. Como já vos disse, a entrada de um sócio para a sociedade, a contribuição inicial que trás para a sociedade e que é a contrapartida da participação social, pode ter um valor superior ao valor nominal dessa participação. Dizendo de outra forma: eu posso entrar para uma sociedade por quotas, entregando €50.000 e receber uma quota de €10, não pode é acontecer o contrário: não posso entrar com €10 e receber uma quota de €50.000 – isso nunca pode acontecer: art. 25.º/1 do CSC: o valor nominal nunca pode ser superior ao valor da entrada, nunca pode ser superior à contrapartida que o sócio oferece à sociedade pela sua participação social; isto significa, então, que o património da sociedade mesmo no momento da sua constituição pode ser superior ao valor do capital social. Imaginem uma sociedade por quotas com 4 quotas: a, b, c e d e que cada uma vale €5.000. Portanto, o capital social é de €20.000, mas cada sócio entrou com €10.000, pelo que o património social é de €40.000. Na verdade, cada um destes sócios tem uma parte que corresponde a 25% do capital social. Correspondendo a 25% do capital social, no final do ano, em princípio, se o contrato não disser nada em contrário, dar-lhes-á direito a 25% dos lucros que a sociedade gerar. Na Assembleia Geral, se o contrato não disser nada em contrário, eles terão direito a 25% dos votos cada um. E se amanhã os sócios resolverem dissolver a sociedade eles vão dividir por 4 o património que sobrar depois da liquidação. Portanto, o valor nominal da sua quota não interessa muito; de facto aquilo que interessa é a percentagem que eles têm de capital social, porque é isso que nos dá a indicação do poder relativo de cada sócio na sociedade e do peso relativo dos direitos que cada um deles tem dentro da sociedade, sobretudo o direito ao lucro - é o direito que todos os sócios querem em última instância exercer; é o direito a exigir o pagamento de dividendos no final do exercício, até porque é dessa maneira que eles poderão mais tarde realizar mais-valias com a transmissão da sua participação. Se a sociedade distribuir os dividendos, pagar bem aos seus sócios, a sua quota vai valorizar-se no mercado e esta quota pela qual pagou hoje €10.000 (com valor nominal de €5.000), amanhã ele poderá vender por €50.000, porque mesmo com o valor nominal de €5.000 ela pode gerar benefícios económicos muito superiores a estes €5.000 a título de dividendos ou a título de mais-valias.
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Portanto, aquilo que interessa, recapitulando, é o peso relativo que cada sócio tem de capital social porque é isso que nos dá a medida dos direitos dos sócios dentro da sociedade. Voltando à noção de capital social, este peso relativo afere-se, pelo menos, nas sociedades que tiverem capital social (que são quase todas), em função da cifra abstrata que está expressa obrigatoriamente no capital social, em euros, e que é uma cifra tendencialmente estável, embora não seja imutável - o capital social pode ser alterado: a. Pode ser reduzido se por força de alguns constrangimentos legais, os sócios perceberem que talvez foram longe de mais, ou seja, quiseram criar uma sociedade demasiado grande para aquilo que são capazes de fazer. b. Pode ser aumentado, se os negócios começarem a correr muito bem, se eles quiserem expandir a sua atividade, se quiserem trazer novos sócios para a sociedade ou criar novas participações sociais que correspondem a novas entradas em dinheiro que corresponde a financiamento da sociedade, etc. O que nos interessa agora é perceber que o capital social (cifra abstrata do contrato de sociedade tendencialmente estável) corresponde, então, à soma do valor nominal de todas as participações sociais a que não correspondam entradas em indústria as quais não podem ser contabilizadas no capital social (artigos 9.º/1/f) + 87.º ss + 25.º/1 + 178.º + 468.º). Essas, diz a lei, não podem ser contabilizadas na cifra de capital social, porque uma das funções do capital social é servir de alguma forma de aviso ou indicação aos credores sociais, aos que contratam com a sociedade relativamente à solidez financeira da sociedade, ao património que a sociedade possivelmente terá – ora, para isto, a lei limita as entradas contabilizáveis do capital social àquelas que são suscetíveis de avaliação económica e quais são? O dinheiro, quaisquer bens que os sócios tragam para a sociedade, bem como direitos reais ou obrigacionais (direito de usufruto de um imóvel do qual um dos sócios seja proprietário, o direito obrigacional de uso desse imóvel). Tudo isto são entradas economicamente avaliáveis e o resultado dessa avaliação, o número que resultar dessa avaliação é o valor que lhes vai ser atribuído e que serve de medida ao valor nominal máximo da sua participação social, ou seja, a sua participação social nunca poderá ter um valor superior a essa avaliação. Imaginem que o sócio cede à sociedade pelo período de 10 anos o gozo de um imóvel, de prédio de que é proprietário a título obrigacional. O avaliador, tendo em conta vários aspetos (dimensão, renda), avalia o valor anual daquele prédio em €10.000 por exemplo e portanto não valia em
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€100.000 a entrada do sócio – valor que constitui o valor mínimo nominal da participação social. Tudo isto para dizer que o capital social é muito importante na conformação da vida societária, uma vez que é por referência ao capital social que medimos o direito ao lucro, o direito ao voto, o direito de eleger (vai depender do número de votos) os membros dos órgãos de administração e fiscalização da sociedade, etc. Atenção que participações sociais e detenção de uma dada percentagem de capital social pode, por exemplo, permitir a um sócio proceder ou impedir a alteração do contrato de sociedade, aprovar ou não aprovar certo tipo de deliberações sociais, etc. Por isso ou também por isso para alguns tipos societários a lei impõe um capital social mínimo: os sócios só podem constituir este tipo de sociedades com um mínimo x. Isto na prática só acontece para as sociedades anónimas e para as sociedades em comandita por ações (o regime das sociedades em comandita por ações é por defeito o regime das sociedades anónimas). Para as sociedades em nome coletivo isto não existe, aliás neste tipo de sociedades pode acontecer que todos os sócios entrem apenas com indústria, que nenhum traga bens, direitos ou dinheiro, podem todos apenas combinar entrar com o seu trabalho - ora se isso acontecer, obviamente que a sociedade não tem capital social porque nenhuma destas entradas pode ser contabilizada como capital social. Isso acontece também com as entradas dos sócios comanditados, isso acontece ou pode acontecer nas sociedades em comandita: os sócios comanditados podem entrar apenas com indústria, ao contrário dos sócios comanditários e as suas participações não serem levadas ao capital social. No entanto uma coisa é existir capital social e outra muito diferente é haver a exigência de um capital social mínimo: I.
Sociedades em nome coletivo: não há regra nenhuma na lei que nos fale de capital social mínimo. Podem não ter capital social ou podem ser constituídas com o capital social que os sócios entenderem, se eles entrarem para a sociedade com bens suscetíveis de avaliação económica.
II.
Sociedades por quotas: existe um capital social mínimo mas que é economicamente insignificante. O capital social mínimo existe apenas porque todos os sócios têm que ter uma quota, sendo que o valor mínimo da quota é de €1 (art. 219.º/3 do CSC) – o que significa que cada sócio tem de trazer para a sociedade pelo menos €1; isto economicamente não é nada como é evidente, mas é aquilo que a lei dispõe para as sociedades por quotas. Nota: até 2011, o capital social mínimo das sociedades por quotas era de €5.000.
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III.
Sociedades anónimas: Para as sociedades anónimas é que as coisas são diferentes. Para as sociedades anónimas o capital social mínimo é de €50.000 (art. 276.º/5 do CSC). A nossa lei, em 2011, fez uma diferenciação muito grande entre aquilo que é uma pequena empresa que pode funcionar sem qualquer capital ou com capital social de €1 por sócio e aquilo que é uma sociedade que tem algumas aspirações a ser uma empresa mais do que de pequena dimensão, porque para começar a entrar no negócio tem que entrar logo com €50.000. Para se constituir uma sociedade anónima, para além de se exigir um maior número de sócios, o capital reunido de início, o capital com o qual os sócios têm de começar a trabalhar é logo de €50.000. Como veremos, este capital não tem de estar todo ele realizado no momento da constituição da sociedade, a sua realização pode ser diferida no tempo; eles têm é que se comprometer a num determinado prazo entrarem para a sociedade em conjunto com €50.000, sendo que cada um deles pode diferir até 70% desse valor por um período até 5 anos. Seja como for, ainda que se proceda a esse deferimento, a sociedade tem sempre um crédito sobre o sócio – imaginem que o sócio A se compromete a entrar com €10.000 para a sociedade e de entre esses €10.000, paga diretamente €3.000 e difere a realização do pagamento de €7.000, o património da sociedade por relação ao sócio é de €10.000: €3.000 já entregues e €7.000 enquanto crédito que se vencerá no prazo previsto no contrato de sociedade ou que se vencerá antes em algumas situações excecionais, no caso, por exemplo, da sociedade não dispor de património suficiente para pagar aos seus credores, os credores podem exigir o vencimento antecipado dessa obrigação. As sociedades anónimas estão divididas em ações, sendo que o valor mínimo de ação é de 1 cêntimo (art. 276.º/3 do CSC).
IV.
Sociedades em comandita simples: tem que haver capital social, ao contrário do que acontece para as sociedades em nome coletivo, porque tem que ter pelo menos um sócio comanditário e o sócio comanditário não pode entrar com indústria nos termos da lei. Art. 474.º do CSC. Este tipo de sociedade tem sempre que ter capital social, mas não tem que ter capital social mínimo, pode entrar com €1.
V.
Sociedades em comandita por ações: Como se aplicam subsidiariamente as regras das sociedades anónimas, o capital social mínimo é também ele de €50.000. A regra do art. 276.º/5 do CSC aplica-se por remissão do art. 478.º do CSC.
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27/02/2019
Vamos continuar a comparar alguns aspetos de regulação dos diferentes tipos de sociedades comerciais. Aquilo que vamos abordar é a estrutura organizatória dos diferentes tipos de sociedades. 3
Estrutura organizatória dos diferentes tipos societários
Tipologia dos órgãos que podemos encontrar em qualquer tipo legal de sociedade comercial: De uma maneira geral (mas isto não tem que ser sempre assim), encontramos quase sempre 3 competências distribuídas por órgãos diferentes e que correspondem um pouco, se quiserem, à separação de poderes que conhecemos do Constitucional e da Revolução Francesa, assim:
a. Temos o povo que são os sócios, que deliberam e legislam. b. Temos a administração que é uma espécie de governo. O poder de administrarem a sociedade é um poder que é delegado pelos sócios que os elegem. c. E temos, normalmente, um órgão de fiscalização que corresponde ao poder judicial. Fiscaliza a atividade da sociedade, a legalidade da atividade da sociedade, a legalidade da atuação dos seus órgãos, sobretudo a legalidade da administração e que tem a obrigação de agir em conformidade sempre que encontrar irregularidades, ilegalidades. O que acontece é que nem todos estes órgãos existem necessariamente em todos os tipos sociais, já veremos que, por exemplo, as sociedades em nome coletivo não têm que ter esta tripartição funcional, esta tripartição de órgãos, nem as sociedades em comandita simples; nem eles têm sempre o mesmo nome ou são necessariamente os mesmos. Portanto, a existência dos órgãos, a extensão dos seus poderes vai variar consoante o tipo societário em questão, consoante a dimensão da sociedade em questão – sociedades maiores, com capital maior vão ter de ter, por vezes, órgãos mais densos, mesmo em termos de número de membros OU sociedade unipessoal não vai ter assembleia geral, normalmente temos um sócio que acumula as funções de sócio único e funções de gerente único OU uma sociedade maior cotada em bolsa com milhares de acionistas tem que ter outro tipo de representatividade, tem que ter um outro tipo de relacionamento entre os sócios e os administradores. Portanto, há nas sociedades comerciais três grandes tipos de órgãos cuja denominação, extensão de poderes e inclusivamente obrigatoriedade de existência podem variar consoante:
O tipo societário em causa;
A dimensão da concreta sociedade;
A vontade dos sócios, expressa no contrato.
Em função destes parâmetros tudo isto pode mudar de sociedade para sociedade.
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Temos sempre:
1. Um órgão deliberativo interno que é composto pelos sócios (embora não necessariamente por todos os sócios). Normalmente, consoante o tipo societário, a Assembleia Geral tem algumas competências exclusivas, algumas competências que não podem sequer ser delegadas nos gerentes. E essas competências abrangem, por exemplo:
Alteração do contrato de sociedade (art. 85.º/1 do CSC): para alterar aquilo que foi a vontade expressa inicialmente pelos sócios ou por sócio único aquando da constituição da sociedade, têm de ser os sócios a pronunciarem-se novamente. O artigo 85.º diz isto expressamente e atenção é um artigo que está na parte geral do Código e estando na parte geral aplica-se a todos os tipos societários, a não ser que haja alguma ressalva, ora: “A alteração do contrato de sociedade, quer por modificação ou supressão de alguma das suas cláusulas quer por introdução de nova cláusula, só pode ser deliberada pelos sócios, salvo quando a lei permita atribuir cumulativamente essa competência a algum outro órgão” – como é natural, a alteração do contrato de sociedade só pode ser deliberada pelos sócios.
A mudança da sede para o estrangeiro: se os sócios estão sediados no Porto e, de repente, por exemplo, por razões fiscais/operacionais/logísticas, etc. resolvem mudar a sede para Roterdão, isto vai implicar uma série de limitações, por exemplo, de acesso à documentação, à participação nas reuniões de assembleia geral, etc. por parte dos outros sócios - nota: hoje em dia isto é mitigado pelas tecnologias de informação, pois pode haver a realização de assembleias gerais por videoconferência, mas ainda assim entende-se que esta decisão de transferir a sede para o estrangeiro tem outras implicações, como ao nível do regime legal aplicável, pode mexer com os direitos dos sócios. Daí que seja uma decisão que implica não apenas uma deliberação dos sócios, mas uma decisão tem que ser tomada por uma maioria elevadíssima, de acordo com o art. 3.º/5: por ¾ dos votos correspondentes ao capital social, tem que haver uma vontade muito firme e inequívoca da maior parte dos sócios, de ¾ dos sócios que compõem a sociedade. Curiosamente para alterar a sede dentro do território nacional já não é preciso sequer deliberação dos sócios. Esta alteração está prevista nos termos do art. 12.º/2: “Salvo disposição em contrário no contrato da sociedade, a administração pode deslocar a sede da sociedade dentro do território nacional”. Assim, não é necessária a intervenção dos sócios para isto.
Fusão, cisão ou transformação da sociedade: art. 103.º + 120.º + 133.º do CSC. a. Fusão: decisão de fundir uma sociedade com outra que já existe. Os sócios entendem que têm a ganhar se a sociedade se fundir com outra que tem um objeto parecido ou complementar.
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Por exemplo, uma fábrica de garrafas funde-se com uma fábrica de rolhas; estas duas vão constituir uma nova sociedade que vai fabricar garrafas e rolhas. Esta decisão de fusão por ser também uma decisão estrutural só pode ser deliberada pelos sócios. 5
b. Cisão: na sequência do exemplo anterior, passamos a entender que a nossa empresa, a nossa sociedade que fabrica garrafas se deve dividir entre duas sociedades diferentes, uma que fabrica garrafas de 0,33 e uma outra que fabrica de um litro. Divide-se o capital em duas sociedades diferentes. A cisão só pode ser deliberada por vontade dos sócios. c. Transformação: consiste em alterarmos o tipo legal de sociedade - por exemplo, transformar uma sociedade por quotas numa sociedade anónima. Como tem implicações a todos os níveis, só pode ser feita por vontade dos sócios.
Dissolução da sociedade: art. 142.º do CSC. A não ser no quadro da dissolução judicial ou de uma dissolução administrativa, só os sócios é que podem determinar o fim daquela atividade empresarial enquadrada por uma sociedade. Trata-se de uma competência exclusiva dos sócios, quando não possa ser deliberada por um órgão de administração ou pelo tribunal.
Aprovação do relatório de contas anuais: art. 189.º/3, 246.º/1/e), 376.º/1/a) do CSC. A administração ou gerência gere o dia-a-dia da sociedade, faz negócios em nome da sociedade, representa a sociedade para com terceiros; paga, compra, negoceia, etc., logo, no final de cada exercício tem que apresentar contas aos sócios, porque os sócios os nomearam gerentes e administradores e para poderem avaliar o seu desempenho do seu exercício económico têm de lhes ser prestadas contas. A aprovação das contas só pode ser uma competência dos sócios, têm a competência de avaliação do trabalho desempenhado do órgão de administração durante esse exercício; é uma avaliação quantitativa, vão-lhes ser apresentados os lucros ou as perdas a que a sociedade ficou sujeita. São competências que competem, de uma maneira geral e quase sempre, em qualquer tipo societário, quase sempre aos sócios. Mas os sócios não sempre gerem a sociedade.
2. Órgão de administração: O órgão de administração pode, por regra (embora não absoluta), incluir estranhos à sociedade: gerência, Conselho de Administração (ou CA executiva).
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Tem essencialmente duas competências: (i) a de gerir a sociedade e exercer, com maior ou menor subordinação relativamente à vontade dos sócios, as competências de gestão, administração quotidiana da sociedade e (2) a de representar a sociedade perante o exterior. Ainda que os gerentes atuem para lá das suas competências, se essa limitação de poder e competências resultar do contrato de sociedade ou de deliberações dos sócios, ainda assim, por regra, a sociedade fica vinculada a essa representação. O excesso de poderes por parte dos gerentes não desculpa a sociedade, não desvincula a sociedade dos atos, das obrigações a que possa a sociedade ficar sujeita em virtude dessa representação. Contudo, o gerente ou administrador pode ter que vir a responder perante a sociedade pelos prejuízos que eventualmente lhe causar com esse abuso de representação e pode ser destituído com justa causa e perder o direito ao lugar e perder a remuneração que normalmente vem associada ao exercício dessas funções. Por regra estes lugares, cargos de gerência e de administração podem ser desempenhados por não sócios. Não é necessário que exista uma confusão de estatutos, digamos assim. Para ser gerente não tenho que ser sócio e eu sendo sócio não tenho que ser gerente – isto é assim em todos os tipos societários.
3. Órgão (eventual) de fiscalização: Conselho Fiscal, Fiscal único, Comissão de Auditoria, Conselho Geral de Supervisão, Revisor Oficial de Contas. A grande questão que se coloca aqui é relativa à forma como o contrato distribui os poderes, dentro daquilo que a lei lhe permite fazer, entre o órgão de administração e o órgão deliberativo; a forma como distribui as competências para decidir não apenas os destinos da sociedade, mas também para decidir a vida corrente da sociedade. Isto é uma matéria que a lei trata diferentemente para os diferentes tipos societários e que não é propriamente flexível no sentido em que contém várias normas imperativas, as quais os sócios não podem contornar. Como já vimos a propósito da distinção entre as sociedades de pessoas e as sociedades de capitais, a regra geral é a de que o peso relativo do órgão deliberativo relativamente ao de administração é tendencialmente tanto maior quanto mais vincado for o caráter/cunho personalístico da sociedade (implica uma valorização do elemento pessoal, de confiança, de importância dos sócios dentro da sociedade). Quanto mais próximo estiver de um modelo de sociedade de capitais (interessa o contributo patrimonial – dinheiro, bens, direitos - que os sócios trazem para a sociedade), maior será normalmente o peso do órgão de administração por relação à vontade dos sócios. A razão desta diferenciação é simples: a. Numa sociedade personalística, tipicamente, os sócios têm mais responsabilidades patrimoniais, quer perante a sociedade, quer perante terceiros; nas sociedades de pessoas (sociedades em nome coletivo), os sócios respondem pessoalmente perante os credores sociais.
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b. Numa sociedade por quotas, num modelo intermédio, os sócios respondem perante a sociedade pelo conjunto da realização das entradas – se algum dos sócios falhar, os outros sócios vão ter que responder por ele; se algum dos sócios diferir o pagamento da sua entrada para um momento posterior e falhar, são os outros sócios que vão responder por ele, estão obrigados a entrar para a sociedade com um excesso de contribuição para cobrir a entrada em falta. c. Numa sociedade anónima, numa sociedade de capitais pura, o sócio responde única e exclusivamente pelas entradas a que se obrigou no contrato, pelo pagamento das ações que se comprometeu a comprar, não responde por ações alheias, nunca responde perante terceiros, a não ser obviamente naqueles casos excecionais referidos na aula passada: grupos de sociedades, mistura de patrimónios, etc. – a não ser nesses casos que são “exceções muitíssimo excecionais” os sócios nunca respondem perante os credores sociais nem perante a própria sociedade. Ora, por isso mesmo, se os sócios numa sociedade de pessoas respondem perante terceiros e nas sociedades de capitais não respondem, evidentemente que os sócios têm que ter mais controlo sobre a atividade da sociedade numa sociedade de pessoas do que numa sociedade de capitais. Se eu sou sócio de uma sociedade em nome coletivo e estou a arriscar a minha casa, o meu carro, os meus bens pessoais com a atividade de sociedade, eu não estou normalmente predisposto a entregar completamente os destinos dessa sociedade a um estranho, pois se tudo correr mal será o meu património pessoal que eventualmente vai ser responsabilizado. Daí que o sócio tenha que exercer um controlo apertado. Se eu sócio não tenho nenhuma responsabilidade pessoal, então, estou muito mais predisposto a entregar a um administrador estranho à sociedade poderes suficientes para ele poder gerir a sociedade e se as coisas correrem mal, aquilo que eu perco é apenas aquilo com que entrei para a sociedade. O risco é muito menor, é muito mais limitado, está muito mais circunscrito. Daí que o peso relativo do órgão de administração vai crescendo à medida que nos aproximamos de um modelo das sociedade de capitais. Assim: a. Numa sociedade anónima, em que a responsabilidade do sócio nunca excede o capital subscrito, é o Conselho de Administração quem gere a sociedade. b. Numa sociedade em nome coletivo, os sócios são quase sempre gerentes, a não ser que o contrato disponha de forma
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diferente – ou seja, os sócios acumulam a sua qualidade de sócio, com a sua qualidade de gerente/administrador; eles estão completamente por dentro de todos os assuntos da sociedade, eles participam na administração da sociedade e, por isso, é evidente que as competências do órgão deliberativo e do órgão de administração praticamente se confundam. São as mesmas pessoas que estão presentes na gerência e na assembleia geral. ▬ Vamos, agora, então olhar em particular para cada um dos tipos legais de sociedades e ver como elas se estruturam:
1) SOCIEDADES EM NOME COLETIVO (quase extintas) a) Assembleia geral: A assembleia geral, nos termos do art. 189.º do CSC, funciona nos termos das assembleias gerais das sociedades por quotas, que, por sua vez, funcionam nos termos previstos para as sociedades anónimas. O primeiro aspeto que temos que reter relativamente ao procedimento de assembleias gerais é que o modelo por defeito é sempre o modelo das sociedades anónimas (exceto para tudo aquilo que vem especialmente previsto para os outros tipos societários, exceto quando a lei dispõe de forma diversa ou quando a lei dê abertura aos sócios para definirem no contrato regras diferentes), o modelo supletivo de funcionamento de todas as assembleias gerais de qualquer tipo societário é sempre o modelo legal das sociedades anónimas. As assembleias gerais das sociedades em nome coletivo funcionam por remissão tal como as assembleias das sociedades por quotas, como as assembleias das sociedades anónimas. As competências exclusivas dos sócios são menos extensas que as competências dos sócios das sociedades por quotas. MAS as competências reservadas são apenas as descritas no art. 189.º/3 e não todas as mencionadas no art. 246.º. Este 189.º/3 reserva competências para a assembleia geral. Se comparamos com o elenco do art. 246.º (competências exclusivas dos sócios das sociedades por quotas) é muito menos extenso. Estando especialmente previsto, é este o elenco de competências que prevalece. O voto é personalístico e não capitalístico: cada sócio tem direito a um voto. Art. 190.º. O voto não depende da dimensão da participação social.
b) Gerência: O órgão de administração das sociedades em nome coletivo chama-se gerência.
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Quanto à gerência o princípio geral expresso no art. 191.º é o de que todos os sócios são gerentes e apenas os sócios podem ser gerentes – confusão personalística entre a qualidade de sócio e a qualidade de gerente. Algumas especificações desta regra – em princípio são gerentes todos os sócios e apenas os sócios, mas: i.
Só pode haver gerentes de pessoas singulares e não pode haver gerentes de pessoas coletivas (art. 191.º/3), embora possa haver sócios de pessoas coletivas (uma sociedade após o registo definitivo do seu contrato de constituição pode ser sócia de qualquer outra sociedade, mas não pode ser gerente). Não obstante não poder ser gerente, pode nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio e não por conta e por nome da pessoa coletiva que a nomeou, embora possa ter que lhe prestar contas se houver uma espécie de acordo parassocial entre ambas.
ii.
Nos termos do art. 191.º/1, só o contrato de sociedade é que pode excluir um sócio da gerência. Ora, quando o código nos diz salvo estipulação em contrário quer-nos dizer que tem de ser o contrato a estipular em contrário ou que os sócios podem deliberar em contrário – daí a ressalva para o art. 9.º/3 e o que nos diz este artigo? “Os preceitos dispositivos desta lei só podem ser derrogados pelo contrato de sociedade, a não ser que este expressamente admita a derrogação por deliberação dos sócios” - portanto, só o contrato é que pode revogar ou autorizar os sócios a fazê-lo; não havendo nada no contrato que atribua essa possibilidade aos sócios, só o contrato é que pode prever que algum sócio não seja gerente. Apenas por deliberação unanime dos sócios (art. 191.º/2) é que um estranho pode ser nomeado gerente, porque os sócios estão a arriscar o seu património pessoal e sendo assim não vão confiar facilmente num estranho à sociedade.
c) Fiscalização: Quanto à fiscalização nem sempre a lei prevê para todos os tipos sociais um órgão de fiscalização. No caso das sociedades em nome coletivo, não prevê nem conselho fiscal, nem a existência necessária de um fiscal único ou de um revisor oficial de contas, não prevê coisa nenhuma – porquê? Porque a garantia do património dos sócios é considerada suficiente por parte do legislador, ou seja, se os sócios respondem com o seu património pessoal por todas as obrigações da sociedade, se os sócios muitas vezes se confundem com os gerentes, se participam simultaneamente em todos os atos de gestão corrente e dos atos de decisão estrutural sobre a sociedade, isso é considerado suficiente por parte do legislador, não sendo necessária a existência de um órgão de fiscalização, embora seja aconselhável sempre haver um órgão externo que verifique a legalidade das contas, dos atos, etc.
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2) SOCIEDADES POR QUOTAS a) Assembleia Geral: Art. 246.º e ss: remete para o regime das sociedades anónimas (regime supletivo) em tudo o que não estiver especialmente regulado (248.º/1) e que é, no essencial, o seguinte:
A competência própria muito mais alargada das assembleias gerais das sociedades por quotas. Art. 246.º - temos um elenco onde há uma diferenciação entre competências imperativas e supletivas; no nº1 há 9 alíneas [a) a i)], onde são definidas competências exclusivas e imperativas dos sócios que não podem ser delegadas no órgão de administração nem sequer por contrato de sociedade e temos no nº2 [a) a d)], 4 competências supletivas que no silêncio do contrato pertencem aos sócios, mas que o contrato pode atribuir aos gerentes. Com efeito, temos um leque de competências mais alargado do que o das sociedades anónimas.
Existe uma modalidade de deliberação que é exclusiva das sociedades por quotas, que é a deliberação por voto escrito. Art. 247.º do CSC. É uma deliberação que se vem a acrescentar às deliberações genéricas previstas na parte geral, sendo de referir que as deliberações tomadas em assembleia geral são as deliberações regra.
Os direitos dos sócios minoritários (art. 248.º/2 e 5 do CSC) são mais amplos nas sociedades por quotas do que nas sociedades anónimas, indo ao encontro da ideia de que o peso do órgão deliberativo das sociedades mais personalísticas é superior ao peso do órgão deliberativo das sociedades mais capitalísticas; nas sociedades por quotas, salvaguardam-se mais fortemente os direitos dos sócios que têm uma percentagem pequena de capital social, mais do que nas sociedades anónimas porquê? Atender ao art. 248.º/2 e 5 – diz o nº2: “Os direitos atribuídos nas sociedades anónimas a uma minoria de acionistas quanto à convocação e à inclusão de assuntos na ordem do dia podem ser sempre exercidos por qualquer sócio de sociedades por quotas”, independentemente da participação que tenha no capital, ou seja, enquanto nas sociedades anónimas pode ser necessária ter uma determinada participação para exercer alguns destes direitos, qualquer sócio de uma sociedades por quotas tem, por ser sócio, esses direitos. E mais, nº5: “Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto” – ora, como veremos há situações em que um sócio até por conflito de interesses possa não votar – um sócio que seja gerente estará impedido de votar uma deliberação sobre a destituição dele próprio enquanto gerente, pois está em conflito de interesses com a sociedade nesse caso; mesmo assim, não pode ser impedido de participar na assembleia (nas sociedades anónimas isto não é assim: o contrato pode estipular a não participação ou a exclusão de alguns sócios da assembleia geral; há sócios que podem não ter direito a voto, por várias circunstâncias).
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A forma de convocação é diferente: art. 248.º/3 do CSC – nas sociedades por quotas a forma típica de convocação é, ainda, por carta registada, ao contrário das sociedades anónimas.
Pode haver, embora limitadamente, um direito especial de voto: art. 250.º/2 do CSC. Note-se que um direito especial é um direito que não é geral – o que é que isto quer dizer? Quer dizer que os direitos gerais vêm previstos na lei para todos os sócios embora com algumas limitações eventualmente relativamente à dimensão da sua participação social, são direitos que qualquer sócio pode exercer; ao passo que um direito especial tem que estar especialmente previsto no contrato para existir, não existindo se o contrato não o previr e por regra só é atribuído a alguns sócios e não a todos, embora possam existir direitos especiais atribuídos a todos os sócios e que posteriormente são estendidos aos sócios que venham ingressar na sociedade.
Impedimentos de voto ligeiramente diferentes das sociedades anónimas: art. 251.º do CSC.
b) Gerência: O órgão de administração chama-se gerência, tal como nas sociedades em nome coletivo e que tem, nos termos do art. 259.º do CSC, competência para praticar todos os atos necessários ou convenientes para a realização do objeto social com respeito pelas deliberações dos sócios. Nota: objeto social é a atividade concreta que aquela sociedade se propõe a exercer. Objeto social é diferente de fim social, este último é comum aos tipos societários e corresponde à obtenção de lucro e posterior distribuição pelos sócios. O objeto social varia de sociedade para sociedade, é a atividade económica que cada sociedade, em concreto, se propõe a fazer e que está descrito no contrato de sociedade. O fim está descrito na lei – art. 980.º/p. final do CC. Quem tem competência para praticar os atos materiais que vão concretizar essa atividade para comprar e para vender, para fazer encomendas, etc. é a gerência, são os gerentes, portanto é aos gerentes que compete gerir a sociedade e vincular a sociedade perante o exterior, terceiros. Nas sociedades por quotas, ao contrário do que acontece nas sociedades anónimas, a gerência está sempre subordinada à vontade dos sócios.
c) Fiscalização: A fiscalização, nas sociedades por quotas, não tem que ser feita por um órgão especialmente criado para esse efeito no contrato de sociedade, dizendo o art. 262.º do CSC o
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seguinte: “O contrato de sociedade pode determinar que a sociedade tenha um conselho fiscal, que se rege pelo disposto a esse respeito para as sociedades anónimas”. A sociedade pode ter conselho fiscal, mas apenas se o contrato o previr - é um órgão facultativo neste tipo de sociedades: se existir, são-lhes aplicáveis as regras previstas para o conselho fiscal das sociedades anónimas. Se a sociedade não tiver conselho fiscal, se o contrato for omisso quanto a esse ponto, a sociedade só fica, ainda assim, obrigada a ter uma fiscalização externa em certos casos e que casos são esses? São os casos das sociedades que tenham uma dimensão em termos pessoal de negócios que a faça cair durante dois anos consecutivos em dois dos três parâmetros previstos no art. 262.º/2/al. a), b) e c) do CSC: Al. a) Total do balanço: 1500000 euros; Al. b) Total das vendas líquidas e outros proveitos: 3000000 euros; Al. c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício: 50.
Se dois destes três parâmetros previstos nas alíneas forem ultrapassados em dois exercícios consecutivos, a sociedade que não tenha conselho fiscal, órgão de fiscalização fica obrigada a designar um revisor de contas por imposição legal. E isto deixa de ser obrigatório se dois dos três requisitos se deixarem de verificar em dois anos consecutivos. Assim, a sociedade deixa de estar obrigada a pagar ao revisor oficial de contas para proceder à sua revisão externa e independente das suas contas. Pode sempre a sociedade no contrato prever a criação, desde o início, de um conselho fiscal, o que lhe resolve o problema, mas aumenta-lhe as despesas.
3) SOCIEDADES ANÓNIMAS Agora vamos falar da organização das sociedades anónimas, sendo de referir que há 3 modelos diferentes de organização pelos quais os sócios podem livremente optar no contrato de sociedade, cada um deles com características próprias, com um com uma distribuição diferente de competências, sobretudo em termos do órgão de administração e do órgão de fiscalização (as competências estão distribuídas de forma diferente para cada um dos modelos), porque para a assembleia geral as regras são sempre as mesmas.
a) Assembleia Geral: Vamos começar pelo órgão deliberativo, pela assembleia geral. Há um regime-regra e há um regime supletivo para todas as assembleias gerais. Apesar de ser o órgão correspondente ao parlamento de uma sociedade comercial, o órgão que representa o povo, ou seja, os sócios de uma sociedade anónima, o povo, nas sociedades anónimas, não tem muito poder. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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E não tem muito poder porque está arredado nas matérias de gestão, está legalmente indevido de se pronunciar sobre as matérias de gestão, a não ser que isso lhes seja expressamente solicitado/requerido pelo governo, ou seja, pelo órgão de administração, que tem competência exclusiva naquelas matérias: o art. 373.º/3 do CSC diz-nos exatamente isso, diz-nos que “Sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração” – se deliberarem sobre uma matéria de gestão sem ser a pedido do órgão de administração, essa deliberação é inválida. Esta ideia é reforçada mais à frente no art. 406.º do CSC onde diz que compete ao conselho de administração deliberar sobre qualquer assunto de administração da sociedade, nomeadamente sobre uma série de matérias que estão elencadas nas alíneas a) a n), por exemplo, aquisição, alienação e oneração de bens imóveis; modificações importantes na organização da empresa; extensões ou reduções importantes da atividade da sociedade – tudo isto compete exclusivamente ao conselho de administração ou a um qualquer outro órgão de administração que exista em vez do conselho de administração. Portanto, isto para reforçar a ideia de que quanto mais capitalística é a sociedade menos poderes têm os sócios e mais poderes tem o órgão de administração. IMPORTANTE: ao contrário do que acontece nas sociedades em nome coletivo ou nas sociedades por quotas aqui pode haver sócios: A. Privados do direito de voto: i.
Contrariamente aquilo que acontece nos outros tipos societários, em que em geral, todos os sócios, a não ser em situações excecionais (por exemplo: conflitos de interesses ou outros), têm direito de voto, têm direito de participar nas assembleias, etc.; nas sociedades anónimas este direito pode ser limitado e pode nem sequer existir por vontade do próprio sócio [os sócios estão inibidos de se pronunciarem a menos que seja solicitado pelo órgão de administração. Os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração, e se o fizerem a deliberação é inválida], porque no art. 341.º e ss se prevê a existência se o contrato assim o determinar de um tipo de ações chamadas ações preferenciais sem voto, que dando um direito preferencial ao lucro (que é aquilo que mais interessa ao sócio) lhe retiram poder de voto, ou seja, permitem ao sócio optar por privilegiar o seu direito ao lucro em detrimento do seu direto ao voto. Ora, para um pequeno sócio que tenha investido €10.000 de ações numa sociedade, aquilo que lhe interessa é só o direito ao lucro direto e proporcionado por aquelas ações. Se em vez de €10.000, ele tenha investido €10.000.000 as coisas são diferentes, pois o seu direito ao lucro não é um direito ao lucro em pequena escala, ele efetivamente quer exercer controlo sobre a empresa, quer lucrar em grande escala, quer votar em assembleia geral, logo, este sócio já não vai prescindir do direito ao voto. Com efeito, as ações preferenciais sem voto são direcionadas, são pensadas para os pequenos investidores que não se querem dar ao trabalho de ir à assembleia geral, de estudar
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os assuntos discutidos em assembleia geral, de participar ou votar em assembleia geral; querem é exclusivamente receber no final do exercício o seu dividendo – pelo que este tipo de sócios não se importa de não votar e, por isso, se prevê a possibilidade de no contrato de sociedade se criar esta categoria de ações. Em geral, os direitos especiais de voto, lucro, de nomeação para a gerência etc. são atribuídos pelo contrato a um ou mais sócios dizendo-se que o sócio A, B ou C têm esse direito especial, nas sociedades anónimas isto não pode ser feito assim, não se pode identificar o sócio e os direitos especiais são atribuídos a categorias de ações – as ações preferenciais sem voto são uma categoria especial de ação que dão um direito especial/privilegiado ao lucro, mas em contrapartida retira o direito ao voto. Nas sociedades anónimas os direitos especiais só podem ser atribuídos a categorias de ações e transmitem-se com estas – se eu vendo as minhas ações quem mas comprar em bolsa sabe que está a comprar uma ação que não confere direito ao voto, mas que confere o direito preferencial ao lucro do exercício. Portanto, estes sócios são a primeira categoria de sócios que não podem votar. ii.
Art. 384.º/2/a) do CSC: nem todas as ações têm necessariamente de conferir direito ao voto, porque nos termos deste artigo 384.º, começa por dizer no nº1, que na falta de diferente cláusula contratual a cada ação corresponde um voto – o princípio geral é este. Se o contrato nada disser em contrário uma ação é um voto, mas o contrato pode alterar esta regra com ampla liberdade. O nº2 diz o contrato de sociedade pode: a) fazer corresponder um só voto a um certo número de ações, contanto que sejam abrangidas todas as ações emitidas pela sociedade e fique cabendo um voto, pelo menos, a cada €1.000 de capital. Aquilo que o contrato pode dizer é: só tem um voto quem tiver (imaginem que o valor nominal de cada ação é de €1) 500 ações, €500 de capital; ora, um sócio que tenha comprado 10 ações ou 20 ou 50 ou 100 ou 300 não tem direito a voto, porque não reúne as ações suficientes, o capital suficiente para nos termos do contrato poder votar em assembleia.
iii.
Art. 384.º/4 do CSC: os sócios em mora não podem votar – “A partir da mora na realização de entradas de capital e enquanto esta durar, o acionista não pode exercer o direito de voto”. Numa sociedade anónima, os sócios podem diferir até 70% da sua entrada. Vamos imaginar que o sócio paga x inicialmente, mas que difere o pagamento de 70% do total do que se comprometeu a entregar para a sociedade para daqui a 2 anos. Ora, se esse prazo inicialmente estipulado passar e não o fizer, depois de ter sido interpelado pela sociedade para pagar, esse sócio entra em mora. Ele só entra em mora após esses dois anos – note-se que o período de diferimento não é o período de mora. Enquanto este incumprimento durar, o sócio não pode exercer o direito de voto. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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B. Privados do direito de participar na assembleia geral: Para além disto, para além destas situações em que o sócio não pode votar, este impedimento pode abranger não apenas o direito de voto em sentido técnico ou propriamente dito, abrange também o direito de participar na assembleia geral, o direito de estar presente, de fazer perguntas à mesa da assembleia ou aos sócios que propuseram uma determinada deliberação, de requerem informações sobre essa deliberação, de pedir para incluir assuntos na ordem do dia, etc. Nem todos os sócios de uma sociedade anónima, ao contrário do que acontece nas sociedades por quotas, têm este direito. É preciso estabelecer limites de capital para o exercício destes direitos de participação no processo deliberativo. Mais uma vez, as ações preferenciais sem voto podem não conferir o direito de participar na assembleia - art. 343.º/1 do CSC: “Se o contrato de sociedade não permitir que os acionistas sem direito de voto participem na assembleia geral, os titulares de ações preferenciais sem direito de voto de uma mesma emissão são representados na assembleia por um deles” – portanto: as APSV além de retirarem o direito a votar, podem também retirar o direito de participar na assembleia geral. Art. 379.º/2 do CSC: o contrato pode também determinar que qualquer acionista privado do direito de voto (porque por exemplo está em mora) que eles não possam participar. O que nos diz o artigo? “Os acionistas sem direito de voto e os obrigacionistas podem assistir às assembleias gerais e participar na discussão dos assuntos indicados na ordem do dia, se o contrato de sociedade não determinar o contrário” – se o contrato de sociedade nada disser sobre isto, eles mesmo sem direito a votar, podem participar na assembleia.
A parte em que isto complica em termos de organização das SA é ao nível do relacionamento entre o órgão de administração e o órgão de fiscalização. O que acontece é que contrariamente aos outros tipos sociais, nas sociedades anónimas, os sócios podem escolher entre 3 modelos diferentes de administração e fiscalização, que vêm elencados no art. 278.º e depois desenvolvidos nos artigos 390.º a 446.º do CSC. Diz-nos, então, o art. 278.º: 1 - A administração e a fiscalização da sociedade podem ser estruturadas segundo uma de três modalidades: a) Conselho de administração e conselho fiscal – é o chamado modelo tradicional. b) Conselho de administração, compreendendo uma comissão de auditoria, e revisor oficial de contas – é o chamado modelo anglo-saxónico. c) Conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor oficial de contas – é o chamado modelo germânico.
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Vamos olhar para cada um destes casos, separando a administração e a fiscalização:
b) Administração: i.
Estrutura tradicional, a que também se chama latina ou monista, consoante os autores. Atenção que há quem chame à mesma coisa modelos diferentes. Nós vamos designar esta estrutura de tradicional, para seguir o manual de base. Esta estrutura é a mais antiga e é a mais enraizada na nossa prática societária. É também a estrutura mais linear. É a estrutura em que a organização do nosso código assenta e que entrega os poderes de administração a um Conselho de Administração que é o órgão de administração de referência de organização do nosso CSC. Aqui a administração é entregue a um único órgão que pode ser:
ii.
Conselho de Administração: é o único órgão de administração, é o único órgão competente para administrar a sociedade; é um órgão plural, tem que ter obrigatoriamente dois ou mais membros, sempre pessoas singulares e que podem ser sócios ou não. Desde há alguns anos que já não é obrigatório que o conselho de administração e que a generalidade dos órgãos coletivos tenham número ímpar – antes era obrigatório terem um número impar para resolver problemas de empate de votos; com a atribuição de voto de qualidade ao presidente esta regra deixa de existir: podem ser pares ou ímpares, têm é que haver pelo menos dois para haver conselho. ou Nas sociedades cujo capital não seja superior a €200.000, pode não haver um Conselho de Administração, mas sim um administrador único. Art. 390.º/2. Estamos perante uma sociedade em que as responsabilidades perante terceiros não serão tão grandes que exijam a presença de várias cabeças a pensar, a ponderar os interesses da sociedade, os interesses de terceiros, o destino que a sociedade vai tomar e, portanto, nas sociedades com esse capital não tão elevado, bastará um administrador. Por sua vez, em todas as sociedades com capital superior a €200.000 tem que haver Conselho por força da lei.
Estrutura germânica/dualista: Aqui, a administração é entregue a um órgão a que se chama Conselho de Administração Executivo (ou Administrador Executivo único), em sociedades com capital não superior a €200.000. No entanto, porque precisamente se trata de um modelo diferente de ordenação entre o órgão de administração e o de supervisão/fiscalização, as competências não são exatamente as mesmas. O regime do Conselho de Administração Executivo vem previsto no art. 424.º e ss do CSC, é feito, no essencial, por remissão para o FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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regime do Conselho de Administração, mas em função da especial relação que este órgão vai ter com um outro órgão que é o Conselho Geral de Supervisão (órgão de superintendência da sociedade), as suas competências são diferentes.
iii.
Estrutura monística/anglo-saxónica: O órgão de administração, tal como acontece no modelo tradicional, é o Conselho de Administração, só que com uma pequena nuance: é a de que no modelo tradicional o conselho de administração tem que ter dois ou mais elementos, mas neste caso, ele terá que ter, pelo menos, quatro membros porque dentro do conselho de administração deste modelo existe um sub-órgão que tem que ter, pelo menos, 3 membros e que não pode ocupar a totalidade do órgão - art. 423.º-B/1 e 2 do CSC.
c) Fiscalização: Antes de mais há aqui normas específicas no Código que regulam quer a atividade do Conselho Fiscal, quer a atividade do Revisor Oficial de Contas e que são aplicadas a qualquer um dos modelos. E que normas são essas? Art. 413.º e ss para o Conselho Fiscal e art. 446.º para o Revisor Oficial de Contas. i.
Estrutura tradicional/latina/monista: - Pode seguir 2 modelos diferentes consoante as características da sociedade:
Modelo mais complicado previsto no art. 413.º/2/a) do CSC. As sociedades que caiam nas circunstâncias previstas no artigo estão obrigadas a ter um Conselho Fiscal (órgão interno), e para além desse Conselho Fiscal, estão obrigados a ter um Revisor Oficial de Contas (ou SROC – sociedade de revisores oficiais de contas) externo. E que sociedades são essas? Sociedades que sejam emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado e a sociedades que, não sendo totalmente dominadas por outra sociedade que adote este modelo, durante dois anos consecutivos, ultrapassem dois dos seguintes limites: i) Total do balanço: 20 000 000 euros; ii) Volume de negócios líquido: 40 000 000 euros; iii) Número médio de empregados durante o período: 250. São sociedades de grande dimensão, com muitas responsabilidades perante os seus trabalhadores, terceiros, dai que sejam necessárias cautelas acrescidas com sociedades desta dimensão que mexem com muita gente, com muitos negócios, com muitas empresas; sendo que a insolvência de sociedades como estas terá grandes consequências, pelo que não basta um controlo interno, sendo necessário um controlo externo. OU
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ii.
Em todas as outras sociedades, basta um Conselho Fiscal ou um Fiscal único que tem de incluir ou ser (consoante os casos), Revisor Oficial de Contas ou SROC – art. 413.º/1/a) + 414.º/2) do CSC. Este revisor funciona como controlo interno e não como controlo adicional ao controlo interno proporcionado pelo Conselho Fiscal. Isto para todas as sociedades que não caiam naqueles limites referidos acima e em relação aos quais não seja necessário um duplo grau de fiscalização. Aqui basta um controlo interno que tem de contar também com um Revisor Oficial de Contas.
Estrutura germânica/dualista: Nesta estrutura temos a par de um Conselho de Administração Executivo, um órgão que compreende apenas administradores executivos e não como pode acontecer com o Conselho de Administração compreender administradores não executivos, administradores sem competência para gerir a sociedade mas que estejam presentes apenas pelo seu peso institucional, para representar outras sociedades, etc., um órgão de supervisão que se chama Conselho Geral e de Supervisão. Aqui temos, então, um Conselho Geral e de Supervisão (art. 434.º e ss do CSC), onde o número de membros (sócios ou não) tem que ser sempre superior ao do Conselho de Administração Executivo – única restrição à sua composição. As competências estão definidas no art. 441.º do CSC, as quais não são inteiramente coincidentes com as do Conselho Fiscal, porque para além do Conselho Geral e de Supervisão, é necessário um segundo grau de fiscalização exercido por um Revisor Oficial de Contas ou por uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, nos termos gerais, externamente à sociedade. Se quiserem, o Conselho Geral e de Supervisão substitui, de alguma forma, as competências do Conselho Fiscal do modelo tradicional, exercendo também algumas competências de supervisão que no modelo tradicional competiriam normalmente ao Conselho de Administração, porque aqui não temos administradores não executivos, temos apenas administradores executivos e as competências de supervisão do Conselho de Administração são transferidas para este Conselho Geral e de Supervisão – daí que se chame a esta estrutura de estrutura dualista, porque algumas das competências exclusivas dos administradores no modelo tradicional são repartidas entre administradores e conselheiros neste modelo germânico.
iii.
Estrutura monística ou anglo-saxónica: Aqui é que as coisas se complicam, porque existe um sub-órgão do Conselho de Administração que é a Comissão de Auditoria. Sendo o órgão de administração, neste modelo, o Conselho de Administração, parte dos administradores, parte dos membros
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do Conselho de Administradores, pelo menos, três membros do Conselho de Administração são, simultaneamente, auditores internos da sociedade, auditores no sentido de pessoas responsáveis por auditar, por fiscalizar, por controlar a atividade dos órgãos de administração. Parece, então, que temos aqui um conflito quase insanável de competências, porque temos o fiscalizador a fiscalizar-se a si próprio, temos auditores que são simultaneamente administradores e que portanto estão a fiscalizar a atividade do órgão a que pertencem numa qualidade ligeiramente diferente – a nossa lei é muito pouco clara nesta matéria porque resolveu importar este modelo dos regimes anglo-saxónicos e enxertá-lo no nosso CSC partindo do modelo tradicional e resolveu que dentro desse modelo tradicional iria criar este tal órgão de fiscalização que sai do Conselho de Administração em que os administradores que são simultaneamente auditores têm competências conflituantes. Ora, isto só se resolve se entendermos, segundo o Dr. José Reis, retirando a esses administradores/auditores todas as competências executivas, nomeadamente o direito de voto no Conselho de Administração – atenção que esta não é uma posição unânime. Este modelo, em Portugal, não sendo novo, não está ainda consolidado, porque quem cria uma sociedade e se confronta com os diferentes modelos, acha este muito complicado, confuso, daí que seja um modelo muito pouco aplicado na prática. Parece ao Dr. José Reis que não podemos conceber que um administrador vote uma deliberação enquanto membro do Conselho de Administração e que depois venha fiscalizar essa mesma deliberação enquanto membro da Comissão de Auditoria sendo ele membro de ambos os órgãos, a sua independência é colocada em causa. Atenção: A lei diz expressamente que os membros do Conselho de Administração não podem exercer funções executivas: que consequências devemos extrair disto, exatamente? Parece que a melhor doutrina é a que defende que não podem fazer nada que possa interfir com a gestão da sociedade – principalmente votar deliberações do Conselho de Administração ou representá-la externamente, uma vez que isso iria comprometer a sua independência enquanto órgão de fiscalização. A sua inclusão no Conselho de Administração tem como finalidade permitir aos membros do órgão de fiscalização um acesso mais facilitado aos processos de gestão e de tomada de decisões Por fim, temos aqui um Revisor Oficial de Contas ou Sociedade de Revisores Oficiais de Contas nos termos gerais.
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6/03/2019
C. SOCIEDADES EM COMANDITA Hoje vamos ver a estrutura das sociedades em comandita. Como sabem, as sociedades em comandita têm um regime que é feito em grande parte por remissão para outros tipos societários. Assim temos que ter em atenção o direito subsidiário para cada um dos tipos de sociedades em comandita: a. Quanto ao regime das sociedades em comandita simples, em alguns casos, remete para o regime das sociedades em nome coletivo, noutros casos, para o regime das sociedades por quotas. Art. 474.º do CSC. b. Quanto ao regime das sociedades em comandita por ações, remete, em regra, para o regime das sociedades anónimas. Art. 478.º do CSC.
a) Assembleia geral: Quanto ao regime das assembleias gerais nas sociedades em comandita é preciso referir que tem uma regra especial prevista no art. 472.º/2/2ª parte do CSC prevista para ambos os tipos de sociedades em comandita. O que nos diz a regra? “O contrato de sociedade deve regular, em função do capital, a atribuição de votos aos sócios, mas os sócios comanditados, em conjunto, não podem ter menos de metade dos votos pertencentes aos sócios comanditários, também em conjunto”. Aquilo que resulta desta regra é que a repartição de votos há-de ser pelo menos 1/3 para os sócios comanditados. O conjunto dos sócios comanditados não pode ter menos do que 33,3% do total dos votos. Então apesar da lei dizer “menos de metade”: a proporção é esta: 1/3 para os comanditados e 2/3 para os comanditários, para impedir que certas deliberações para as quais se exigem maioria qualificada possam vir a ser tomadas contra ou sem a vontade dos sócios comanditados.
b) Gerência: Nestas sociedades temos dois tipos diferentes de sócios, com responsabilidades diferentes, nomeadamente responsabilidade patrimonial perante credores sociais, os sócios comanditados respondem pessoalmente pelas dívidas da sociedade da mesma forma que os sócios de uma sociedade em nome coletivo, e como respondem perante credores sociais têm também especiais responsabilidades de gestão (se o meu património vai responder pelas dívidas daquele entidade, eu quero estar no órgão de gestão daquela entidade, eu quero participar sempre na tomada de decisão) – onde é que isto nos leva? Leva-nos ao facto de nas sociedades em comandita sejam elas simples ou por ações, os sócios comanditados, os sócios comanditados com responsabilidade pessoal integrarem sempre a gerência. Nos termos da lei, do art. 470.º/1 do CSC: “Só os sócios comanditados podem ser gerentes, salvo se o contrato de sociedade permitir a atribuição da gerência a sócios comanditários”.
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Quanto às sociedades em comandita por ações, temos uma diferença substancial relativamente às sociedades anónimas: é a de que nestas sociedades, apesar do regime das sociedades em comandita por ações remeter em bloco para o das sociedades anónimas, a nomenclatura do órgão é diferente e sendo a nomenclatura diferente, ela vai funcionar de maneira diferente. E se a lei impõe a entrada dos sócios comanditados (salvo cláusula do contrato que diga uma coisa diferente), se a lei impõe a entrada de certas pessoas daquele órgão, isso também significa uma diminuição da liberdade quanto à composição e à constituição desse órgão (aqueles três modelos alternativos não valem para aqui). Aliás, a nomenclatura dos órgãos sociais é imperativa. Não podem os sócios de uma sociedade por quotas resolverem chamar conselho de administração ao órgão de administração, não podem os sócios de uma sociedade anónima resolver chamar gerência ao órgão de administração. A nomenclatura prevista na lei é imperativa por uma questão de segurança de quem contrata com a sociedade, para saberem com quem estão a falar, para terem a certeza que aquele órgão corresponde, em termos de competência, em termos de poderes que aquele órgão corresponde ao modelo previsto na lei. Apesar de a lei não o dizer expressamente é um entendimento assente na doutrina e nos poucos acórdãos que falam sobre isto refere-se que a nomenclatura é imperativa. Voltando ao funcionamento do órgão de administração, da gerência das sociedades em comandita… existe alguma consequência ou virtualidade pelo facto de a lei impor a presença de algumas pessoas na administração de uma sociedade deste tipo? Perguntando de outra forma: a forma como está imposta pela lei a estrutura do órgão de administração de uma sociedade em comandita, este facto, esta imposição da atribuição da gerência aos sócios comanditados o que é que permite? Permite um resultado que tem sido pouco explorado pelas nossas sociedades. O que acontece, sobretudo, nas grandes sociedades comerciais, das sociedades cotadas em bolsa, é que, muitas vezes, o controlo dessas sociedades é cobiçado por outras sociedades e, às vezes, acontece aquilo que conhecemos por aquisições hostis, ou seja, aquisições de controlo de sociedades tomadas contra a vontade da maior parte dos sócios controladores – e como é que isto acontece? Através de uma oferta pública de aquisição de participações. Se o capital estiver bastante disperso, isso pode levar que o capital se transfira, que a posse do capital, que a posse do controlo da sociedade se transfira para um estranho. Isto só funciona assim se a posse do capital, se a titularidade das ações oferecer acesso ao poder societário, só funciona se quem adquire as ações, se quem adquire participações em bolsa através de uma aquisição hostil, tiver garantia de que adquirindo essas ações, pode nomear os administradores que quiser, pode tomar as decisões que quiser relativamente à vida da sociedade.
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Se, como acontece nas sociedades em comandita por ações, o controlo da administração estiver separada da titularidade das ações, isto deixa de ser possível. Ou seja, não adianta a ninguém adquirir a maioria do capital de uma sociedade deste tipo se souber de antemão que isso não lhe vai permitir nomear administradores e os administradores são quem? Os sócios comanditados e as participações dos sócios comanditados não podem ser sujeitas a este tipo de negociações e, portanto, estão imunes a este tipo de aquisições hostis. Claro que há aqui uma contrapartida: o sócio comanditado também tem responsabilidade pessoal. Para criar uma sociedade deste tipo é preciso que alguém assuma responsabilidade pessoal pelas dívidas sociais, pelas dívidas das sociedades em comandita. Mas atenção: nada obriga na lei a que o sócio comanditado seja uma pessoa singular, pode ser uma outra sociedade comercial com um património circunscrito, por exemplo numa sociedade por quotas que tenha o seu património de €50.000 e só esse património societário é que vai responder pessoalmente pelas dívidas desta sociedade em comandita de que ela é, porventura, a única sócia comanditada e, portanto, a única gerente. Nota: esta estrutura mais ou menos bizarra da administração das sociedades em comandita são uma importação do Direito Alemão que é, digamos assim, o sítio onde as sociedades em comandita sempre tiveram uma grande expressão.
c) Fiscalização: Relativamente ao órgão de fiscalização aplica-se o direito subsidiário, tal como resulta das remissões feitas pelo código. Não existe para as sociedades em comandita simples, porque o regime subsidiário é o das sociedades em nome coletivo. Para as sociedades em comandita por ações, temos uma situação que não é muito clara, porque o regime remete em bloco para o regime das sociedades anónimas, mas no caso específico da estrutura do órgão de administração como vos disse, temos gerência e não temos conselho de administração, aquelas diferentes relações que podem haver entre o órgão de administração e o órgão de fiscalização consoante o modelo adotado nas SA não são aqui aplicáveis – portanto, normalmente, existirá um Conselho Fiscal ou um Fiscal único aplicando-se, por analogia, as regras da gerência que estão mais pensadas para as sociedades por quotas do que para as SA. 4
Transmissão de partes sociais
Vistas as diferentes formas como o código pensa a estrutura de cada um dos tipos societários, falta-nos falar, para concluirmos esta primeira parte, da transmissão de partes sociais. Vamos estudar separadamente o regime da transmissão por morte e o inter vivos. FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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Nota: a transmissão de participações sociais coloca-se de forma mais nítida na transmissão inter vivos, temos um ato de vontade de um sócio que quer transmitir a sua participação na sociedade a um terceiro. Aqui, na transmissão por morte, isso não acontece. A morte gera consequências que é preciso resolver. Em que é que uma participação social é distinta de um outro elemento do património do de cujus? É que uma participação social implica um conjunto de direitos sobre a sociedade e para com a sociedade, implica uma relação contínua entre o de cujus e a sociedade que com a transmissão poderão passar para um terceiro e que pode implicar duas coisas: a saída da sociedade do de cujus, mas pode implicar a entrada para a sociedade de um terceiro que porventura seja indesejado – imaginem, por exemplo, que o herdeiro do de cujus era uma pessoa com quem os outros sócios não têm relações pessoais, que pode, por exemplo, boicotar a sociedade – daí que a lei preveja alguns mecanismos para controlar a transmissão de participações nestas duas vertentes: para evitar ou dificultar, em alguns casos, a saída/a desvinculação do sócio, porque o sócio é fundamental para a sociedade e, por outro lado, para evitar a entrada de estranhos para a sociedade. Atenção que há mecanismos que evitam que o sócio fique vinculado à sociedade para sempre, mas um sócio também tem de ter algum sentido de responsabilidade quando resolve constituir uma sociedade com terceiros de que está a criar não só expetativas de um relacionamento negocial/contratual com continuidade; a sociedade não é um contrato que se executa e termina ali, é um contrato que dá início a uma relação duradoura, a uma pessoa coletiva nova que se vai relacionar com terceiros e que, portanto, não deve ser feita de ânimo leve e não sendo feita de ânimo leve, o sócio tem que ter a noção que pode não conseguir desvincular-se imediatamente, pode não ser tão simples como os sócios poderiam pensar, mas evidentemente que isto se tem que equilibrar com o interesse legítimo de qualquer sócio, de qualquer pessoa em realizar o valor monetário/financeiro inerente a uma participação social. Imaginar que são sócios de uma sociedade que é muito bem-sucedida e que a vossa participação valorizou-se muito, o valor de mercado da participação é hoje muito superior ao investimento inicial que fizeram. Entraram, por exemplo, com €10.000 para a sociedade e hoje podem tranquilamente vender a vossa participação por €100.000. Por alguma razão, querem sair da sociedade e querem realizar o valor inerente à vossa participação social. Ora, o direito de realizar o valor de uma participação, o direito a vender a empresa é um direito inerente a constituir a empresa e à liberdade de empresa – portanto, este interesse pessoal de um sócio em realizar o valor inerente à sua participação social tem de ser conjugado/equilibrado com os direitos dos outros sócios que querem que ele se mantenha, de interesses terceiros e da própria sociedade, que pode não sobreviver com a saída daquele sócio. Por isso mesmo, é que o regime da transmissão de participações sociais é diferente de tipo societário para tipo societário e é tanto mais exigente quanto mais personalístico seja o tipo societário; há-de ser mais exigente nas sociedades em nome coletivo em que em princípio os sócios são gerentes e respondem perante terceiros e em que a identidade dos sócios é mais importante do que numa sociedade anónima, em que é pouco importante sabermos quem é o FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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sócio, o que interessa é que ele entre para a sociedade com x, é esse capital que interessa para a sociedade e não a sua pessoa. Portanto, postos todos estes considerandos iniciais, vamos ver como a lei resolve as questões levantadas pela transmissão, quer por morte, quer inter vivos, de participações sociais. 1) TRANSMISSÃO POR MORTE: a) Sociedades em nome coletivo: Atendendo as características deste tipo societário não faria sentido:
Impor aos sócios a entrada dos sucessores do sócio falecido, do de cujus, que podem ser pessoas sem qualquer interesse ou jeito para a vida empresarial, para a vida da sociedade, que podem ser pessoas insolventes, que não tenham capacidade patrimonial para responder pelas obrigações da sociedade e, nessa medida, venham impor aos outros sócios a distribuição excessiva dos encargos originados pela atividade da sociedade.
Impor aos sucessores a sua entrada para a sociedade. Ninguém pode obrigar o sucessor de um sócio de uma sociedade em nome coletivo a assumir a sua posição, porque esta implica uma responsabilidade patrimonial pessoal perante credores.
Assim, podem os sócios ou a sociedade devem fazer uma de 3 coisas, nos termos do art. 184.º do CSC: i.
Art. 184.º/1/1ª parte: Liquidar a parte do sócio falecido, entregando aos sucessores o respetivo valor real da sua participação. Na sistemática da nossa lei esta é a primeira e a mais natural solução, porque os sócios não vão querer mais ninguém na sociedade e aquele sucessor não quer entrar para a sociedade.
ii.
Art. 184.º/1/2ª parte: Dissolver a sociedade e respetiva comunicação ao sucessor, dentro de 90 dias a contar da data em que tomaram conhecimento daquele facto. Os sócios podem entender que a saída do sócio falecido representa um golpe duro na vida da sociedade e, que portanto, ela não pode continuar a sua atividade.
iii.
Art. 184.º/2: os sócios sobrevivos podem continuar a exploração da sociedade com os sucessores, se estes aceitarem. O sucessor do sócio falecido sucede na posição de sócio na sociedade e a sociedade continua com um novo sócio, isto evidentemente se os sócios assim o entenderem e se os sucessores do sócio falecido der o respetivo consentimento.
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b) Sociedades por quotas: Neste tipo de sociedades, a importância do relacionamento pessoal é menor, os elementos personalísticos são menores e mais do que serem menores, são mais moldáveis pelos sócios no contrato de sociedade, logo, as regras vão ser ligeiramente diferentes. E o que nos diz a lei? O art. 225.º/1 do CSC diz que: “O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes”. No silêncio do contrato, transmitese a quota e transmitem-se todos os direitos inerentes à quota. Atenção: nem todos os direitos inerentes à quota são, por natureza, transmissíveis, porque há direitos e direitos; há direitos gerais e há direitos especiais. Os direitos gerais transmitem-se todos (direito ao lucro, direito ao voto, direito a ser eleito para os órgãos de administração). Mas o contrato pode prever direitos especiais, que não se transmitem sem mais – art. 24.º/3 do CSC: “Nas sociedades por quotas, e salvo estipulação em contrário, os direitos especiais de natureza patrimonial são transmissíveis com a quota respectiva, sendo intransmissíveis os restantes direitos”. Ou seja, um direito especial de natureza não patrimonial ao que parece não se transmite por morte (a maioria da doutrina vai nesse sentido: não transmissão em vida, nem por morte). Contudo, o contrato pode prever a não transmissão da quota, ou o condicionamento a requisitos que os sucessores não aceitem. Nesse caso, fica obrigada, nos termos do art. 225.º/2 do CSC a: i.
Amortizá-la. Significa extinguir a quota, sendo depois o capital redistribuído. Quando se amortiza uma quota, é necessário entregar ao sócio que era dono dessa quota a sua contrapartida monetária.
ii.
Adquiri-la.
iii.
Ou fazê-la adquirir por sócio terceiro.
Art. 225.º/2: “Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os sucessores do sócio falecido, deve a sociedade amortizála, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro; se nenhuma destas medidas for efetivada nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por algum dos gerentes, a quota considera-se transmitida”. O que é que isto significa? Significa que é preciso compatibilizar interesses e neste caso temos um interesse da sociedade em que a quota não se transmita ou se transmita mediante o preenchimento de certas condições destinadas a salvaguardar o interesse da sociedade e dos sócios que permanecem e temos o interesse do sucessor do sócio falecido em adquirir a quota para poder realizar o seu valor, para a poder explorar ou transmitir.
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Ora bem, para compatibilizarmos estes interesses, permite-se aos sócios que no contrato imponham condições ou proibiam a transmissão, mas se o fizerem ficam também obrigados a fazer uma destas três coisas, ou amortizar a quota, ou adquirir a quota (a própria sociedade ficar sócia de si própria – só pode acontecer em situações muito excecionais), ou fazer com que um terceiro, por exemplo, algum sócio adquira a quota. c) Sociedades anónimas: Não existem regras no nosso CSC relativas à transmissão por morte de ações, ou seja, aplicam-se as regras gerais do direito sucessório. d) Sociedades em comandita: Aqui é preciso distinguir 3 casos em função dos diferentes sócios e dos interesses que essa qualidade de sócio pode justificar: i.
Sócios comanditados de qualquer subtipo de comandita (sejam de uma simples ou por ações), aplica-se o regime das sociedades em nome coletivo art. 469.º/2 do CSC. Ou seja, falecendo um sócio comanditado de uma sociedade em comandita podem os sócios dissolver a sociedade, propor a amortização ou podem continuar a exploração nos termos que vimos.
ii.
Sócios comanditários de uma sociedade em comandita simples: aplica-se o regime das sociedades por quotas – art. 475.º do CSC. Em princípio, a parte social transmite-se, mas o contrato pode, no entanto, impedir essa transmissão ou impor condições a essa transmissão.
iii.
Sócios comanditários de uma sociedade em comandita por ações: aplica-se o não regime das sociedades anónimas – art. 478.º do CSC. A transmissão de ações dos sócios comanditários segue o regime geral do direito sucessório, não havendo nenhumas regras especiais a terem em consideração.
2) TRANSMISSÃO INTER VIVOS: É necessário compor o conflito que pode surgir entre a sociedade e os sócios que ficam e o sócio que quer sair, que quer realizar o valor inerente à sua participação social, que quer transformar em dinheiro, vendendo a sua quota, a sua ação, a sua parte a um terceiro. Neste caso, por maioria de razão, é necessário que existam regras para compor este conflito, que permitam, por um lado, ao sócio realizar esse valor, mas que também salvaguardem a sociedade e os outros sócios contra a entrada de terceiros ou contra alguém que se comprometeu a realizar uma dada atividade durante um determinado período de tempo e que, de repente, resolve sair.
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a) Sociedades em nome coletivo: Uma vez que os sócios integram, em princípio, a gerência (são gerentes) e sendo imperativamente responsáveis perante terceiros, pelas dívidas sociais, a substituição daquele sócio por alguém que os outros sócios não conhecem, que pode não apresentar garantias, competência enquanto futuro gerente e, sobretudo, pode não apresentar garantias patrimoniais que permitam uma correta distribuição da responsabilidade patrimonial pelos sócios, é claro que esta transmissão tem que ser encarada com muitas cautelas pela lei e, por isso, o código prevê expressamente, no art. 182.º/1, que a transmissão tem de ser consentida por todos. Se um sócio pretende sair de uma sociedade em nome coletivo devia, desde logo, nunca ter entrado numa sociedade em que responde pessoalmente pelas dívidas sociais. Se quer sair, vai ter que se sujeitar ao consentimento dos outros sócios. Ou seja, qualquer sócio pode opor-se à entrada de um estranho na sociedade; não pode entrar um estranho sem a vontade de algum sócio, é preciso o consentimento expresso, o silêncio aqui não tem valor declarativo; a ausência de um sócio numa reunião em que este assunto vai ser discutido, onde o consentimento vai ser expressado, não pode servir como consentimento. Mas também um sócio não pode ficar preso toda a vida a uma sociedade. Não faz sentido que os compromissos sejam necessariamente para toda a vida e, não sendo, significa que a lei há-de prever algumas razões pelas quais seja justificado que o sócio se desvincule da sociedade. Então, como pode, então, um sócio desvincular-se? Apenas quando se possa exonerar nos termos do art. 185.º do CSC: “Todo o sócio tem o direito de se exonerar da sociedade nos casos previstos na lei ou no contrato e ainda: a) Se não estiver fixada no contrato a duração da sociedade ou se esta tiver sido constituída por toda a vida de um sócio ou por período superior a 30 anos, desde que aquele que se exonerar seja sócio há, pelo menos, dez anos; b) Quando ocorra justa causa”. Exoneração = saída de um sócio da sociedade por sua própria vontade e normalmente o efeito da exoneração é a amortização da sua participação. Se os sócios não consentirem, então, se se verificar as condições do art. 185.º ele pode exonerar-se, pedir a entrega do valor da sua participação. b) Sociedades por quotas: Nas cessões de quotas levantam-se problemas ao nível do registo da transmissão e da eficácia dessa mesma transmissão. Mas temos, sobretudo, muitas possibilidades de o contrato regular a forma com essa transmissão pode ou não ser feita, pode ser feita com maior ou menor interferência da sociedade ou dos sócios. Vamos começar pela regra, ou seja, pela regra de transmissão no silêncio do contrato e a regra é a que vem no art. 228.º do CSC - Transmissão entre vivos e cessão de quotas 1 - A transmissão de quotas entre vivos deve ser reduzida a escrito.
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2 - A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta (não pelos sócios), a não ser que se trate de cessão: a. Entre cônjuges, b. Entre ascendentes e descendentes c. Ou entre sócios. Portanto, qual é que é a regra? É a regra de que a não ser nas cessões entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios, a sociedade tem de ser chamada a consentir na cessão. Isto levanta-nos problemas que temos que refletir: A lei entendeu separar estas categorias de pessoas como sobrepondo-se aos interesses da sociedade. Nas relações pessoais entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou nas relações pessoais ou patrimoniais entre pessoas que já pertencem ao grupo societário, que já lá estão, nessas transmissões, a sociedade não pode interfir – estamos a falar no silêncio do contrato. Portanto, na perspetiva do legislador nestes três casos, o interesse pessoal do transmitente sobrepõe-se ao interesse societário, ao interesse dos sócios que permanecem na sociedade. Em todas as outras transmissões, tem de ser a sociedade a consentir. Ora, diferenças em relação às sociedades em nome coletivo: nestas têm de ser todos os sócios a consentir, aqui não, tem de ser a sociedade e como é que a sociedade consente? Por deliberação aprovada em assembleia geral. Isto significa que todos os sócios que votarem em assembleia geral, metade pode aprovar, logo, pode entrar um estranho para a sociedade contra uma grande parte dos sócios, contra uma grande parte do capital social (no limite: sócios que representarem 49.9% do capital social). Mas com uma ressalva: o sócio que pretende transmitir a sua participação está impedido de votar aqui, porque está em situação de conflito de interesses com a sociedade. A lei, no art. 251.º do CSC, diz-nos que “o sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando se tratar de deliberação que recaia sobre (…)” – mas não refere expressamente esta hipótese de deliberação relativa à transmissão, ao consentimento para a transmissão da participação, no entanto, não há dúvidas que existe um conflito de interesses entre o sócio e a sociedade. Com efeito a regra é esta: a sociedade tem de consentir, salvo naquelas três situações.
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Uma questão importante é a questão da EFICÁCIA: a partir de que momento é que se tem por eficaz a transmissão? Ora, em relação a isto, a nossa lei não é especialmente clara. O que nos diz o art. 228.º/3 do CSC? Diz-nos uma coisa simples e que parece fazer sentido: “A transmissão de quota entre vivos torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe for comunicada por escrito ou por ela reconhecida, expressa ou tacitamente” - para lá da existência do consentimento é necessário que depois do negócio concretizado, haja uma comunicação efetiva da transmissão. *Note-se que é a partir da data do registo que o senhor x vai passar exercer os direitos inerentes à qualidade de sócio – a participar em assembleias gerais, eventualmente a assumir funções de gerência, etc. Mas qual é o problema? O problema tem a ver com o registo de transmissão – atender ao art. 242.º-A: “Os factos relativos a quotas são ineficazes perante a sociedade enquanto não for solicitada, quando necessária, a promoção do respetivo registo”. Ou seja, parece que já não basta a simples comunicação de transmissão, é necessário também o registo de transmissão da quota. Ora, o que se tem entendido? Autores como o Dr. Pedro Maia têm entendido que, nestes casos, por uma questão de celeridade e, até para de alguma forma, não dar à sociedade motivos para levar à entrada de um novo sócio, que a comunicação da transmissão deve ser equiparada à solicitação do registo, deve produzir os efeitos que o art. 242.º-A atribui à solicitação do registo – se eu comunico à sociedade que transmiti a minha quota, estou implicitamente, estou tacitamente a solicitar à sociedade que proceda ao registo dessa mesma transmissão. Portanto, a partir da comunicação produzem-se efeitos atribuídos à solicitação do registo quando necessário.
No que respeita à transmissão os sócios têm uma ampla liberdade para estabelecer no contrato regras diferentes das regras supletivamente previstas na lei. As regras referidas são regras que valem no silêncio do contrato, são regras supletivas que os sócios podem alterar e podem alterar quer nos sentidos do art. 229.º do CSC, quer noutros. - O contrato pode, então (art. 229.º):
i.
Proibir a cessão sem prejuízo do direito à exoneração (como nas sociedades em nome coletivo). O art. 229.º diz-nos que, por exemplo, o contrato de sociedade pode prever a proibição de transmissão de participações, os sócios podem ficar impedidos de ceder a terceiros as suas quotas. Levanta-se aqui um problema que se levantou para as SNC: o sócio fica preso à sociedade para toda a vida? Não, os sócios têm direito à exoneração decorridos 10 anos do seu ingresso na sociedade limite de 10 anos representativo da seriedade da participação.
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ii.
Dispensar o consentimento da sociedade para a generalidade das transmissões. Se o contrato pode proibir a cessão de participações ou impor condições, também pode, por outro lado, facilitá-la, ou seja, pode, por exemplo, dispensar o consentimento da sociedade para a generalidade das transmissões, pode estabelecer um regime de livre transmissão. Os obstáculos que a lei coloca supletivamente destinam-se a proteger os interesses da sociedade e dos sócios que ficam; se os sócios no contrato prescindem deste direito a colocar entraves à entrada de terceiros, se prestam esse consentimento antecipadamente, a lei não tem de se meter, não tem de proibir essa dispensa. Há aqui uma regra importante: art. 229.º/4 do CSC: “A eficácia da deliberação de alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a cessão de quotas depende do consentimento de todos os sócios por ela afetados” – esta regra significa que não podem os sócios alterar as regras do jogo a meio, não podem os sócios pela maioria que a lei exige para a alteração do contrato de sociedade (que são ¾ dos votos correspondentes ao capital social), não podem por exemplo 80% dos sócios decidir numa determinada altura que passa a ser proibida a transmissão de quotas. É preciso proteger a minoria dos outros sócios que tenham votado contra esta deliberação e que vêm de repente ser prejudicado o seu direito a realizar o valor da sua participação social. Nenhum sócio pode contra a sua vontade deixar de repente de poder transmitir a sua participação para lá dos casos previstos na lei. Isto, porventura, já resultaria das regras gerais, de uma interpretação pelo menos extensiva do art. 86.º/2: “Se a alteração envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato aos sócios, esse aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham consentido”. Ora, este artigo está pensado para prestações pecuniárias, para situações em que os sócios resolvem introduzir uma nova obrigação de caráter financeiro que não existia inicialmente (para além da obrigação de entrada ou da obrigação de prestações acessórias). Evidentemente que pode haver sócios que não estejam dispostos a contribuir com mais dinheiro, com mais bens para a sociedade e que por força do art. 86.º/2 essa deliberação de alteração do contrato não lhes seja oponível, seja ineficaz relativamente a esses sócios. Não parece despropositado ao Dr. José Reis que interpretando extensivamente este artigo, isto pudesse ser aplicado também a uma alteração do contrato que venha proibir a transmissão de participações, todavia isso não é necessário porque o art. 229.º/4 prevê expressamente essa circunstância.
iii.
Para além de poder proibir e de poder dispensar o consentimento, pode também a sociedade exigir o consentimento para todos os sócios, nomeadamente para
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cônjuges, ascendentes e descendentes e entre sócios; pode o contrato sobreporse aquele juízo feito pelo legislador que naquelas categorias de pessoas se deve prevalecer o interesse pessoal do transmitente ao interesse dos outros sócios ou ao interesse societário.
iv.
Pode exigir, ainda, uma maioria qualificada para a deliberação de aprovação de consentimento. Tudo isto tem de ser feito com respeito pelo nº5, esta liberdade que o código fornece aos sócios para conformarem o contrato de sociedade, as regras relativas à transmissão da quota, tem limites estabelecidos no nº5: “O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, mas pode condicionar esse consentimento a requisitos específicos, contanto que a cessão não fique dependente (…)”. O que é que não pode ser imposto por esse consentimento, à prestação desse consentimento?
A vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoa estranha, salvo tratando-se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a permanência de certos sócios O que é que isto significa? Significa que o contrato não pode dizer, por exemplo, que a transmissão de uma participação, que a cessão de uma quota tem de ser consentida pela sociedade e especialmente pelo sócio x; ainda que a sociedade aprove por ¾ de votos essa transmissão, se o sócio x não der o seu voto favorável, ela fica sem efeito – ora isto não pode estar previsto, não se pode atribuir a nenhum sócio em especial o direito de veto (nota: mas pode o contrato prever a necessidade de consentimento unânime - direito de veto atribuído a todos).
O contrato não pode prever quaisquer prestações a efetuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da sociedade ou de sócios - se o sócio entrar para a sociedade com mais x, se o sócio se abster de concorrer com a sociedade, se o sócio prestar ou deixar de prestar isto ou aquilo.
Assunção pelo cessionário de obrigações não previstas para a generalidade dos sócios - se quem vai adquirir a participação, por exemplo, tiver uma obrigação especial FDUP | Direito Comercial II – aulas teóricas
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de prestar serviços à sociedade num determinado período como contrapartida da transmissão. Nada impede que o sócio esteja obrigado pelo contrato a prestações acessórias, ou seja, nada impede que no contrato se diga que o sócio z fique obrigado a prestar à sociedade, por exemplo, serviços de consultoria financeira, ou serviços de informática – isto é permitido pela lei. Aquilo que não pode é o contrato prever a dependência da transmissão da assunção pelo cessionário de uma prestação acessória. O que acontece quando a sociedade recusa o consentimento? Já vimos que se houver uma cláusula que proíba a transmissão e se o sócio estiver na sociedade há mais de 10 anos, ele pode exonerar-se. Mas se o sócio tiver uma proposta para vender a sua participação e a sociedade lhe recusar esse consentimento, não havendo nenhuma cláusula do contrato que proíba a cessão, nesse caso o sócio cuja transmissão seja recusada tem o direito a que a sua quota seja amortizada, que a sua quota seja extinta, lhe seja entregue o seu contravalor. Aliás, isto está previsto no art. 231.º/1: “Se a sociedade recusar o consentimento, a respectiva comunicação dirigida ao sócio incluirá uma proposta de amortização ou de aquisição da quota; se o cedente não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, fica esta sem efeito, mantendo-se a recusa do consentimento”. Se a sociedade não fizer isto, a transmissão passa a ser livre, ou seja, a não comunicação de uma proposta de amortização ou de aquisição da quota equivale ao consentimento na prática. Atender ao seu nº2: a cessão para a qual o consentimento foi pedido torna-se livre se se verificassem as condições referidas nas alíneas.
12/03/2019
c) Sociedades anónimas: Durante muito tempo houve no nosso direito um regime duplo para a transmissão de ações consoante essas ações fossem nominativas ou ações ao portador, ou seja, consoante a transmissão das ações implicasse um registo e uma inscrição da titularidade do seu proprietário – ações nominativas, em que a sociedade tinha conhecimento da identidade do sócio e podia facilmente identificá-lo; e no caso das ações ao portador, estas transmitiam-se por simples compra e venda, sem qualquer indicação para a sociedade da identidade do sócio.
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Por razões que se prendem com o branqueamento de capitais e que envolveram uma série de outras medidas, nomeadamente medidas relativas aos casinos, as ações ao portador foram abolidas em 2017. O diploma veio determinar que hoje em dia e nos termos do art. 299.º do CSC todas as ações são nominativas. E diz-se no art. 272.º/d) do CSC que do contrato de sociedade deve especialmente constar a natureza nominativa das ações. Portanto todas as ações são nominativas, hoje é possível identificar todos os sócios de uma SA e deixou de existir o entrave jurídico e prático a que se pudessem criar limites no contrato à transmissão de ações – ou seja, passou a estender-se à totalidade de capital social, à totalidade das participações sociais uma limitação que já estava prevista nos artigos 328.º e 329.º apenas para uma parte dessas ações que eram as ações nominativas que hoje abrangem a totalidade do capital social das SA. Isto significa que o contrato de sociedade anónima pode prever limitações à transmissão de qualquer ação, mas atenção: são apenas limitações e nunca exclusões, ou seja, o contrato de sociedade não pode nem proibir nem de facto impedir a transmissão de ações, não pode sequer criar exclusões meramente temporárias – por exemplo: só podem transmitir ações, dois anos depois da constituição da sociedade (isto é proibido). Aquilo que o código permite é precisamente que as transmissões sejam condicionadas e condicionadas pelas formas previstas no 328.º. *As limitações têm de constar, de estarem expressas no contrato. E que limitações podem ser essas?
i.
Necessidade de consentimento da sociedade, a prestar nos termos do 329.º art. 328.º/2/a) do CSC. - A sociedade pode ser chamada a pronunciar-se sobre a intenção do sócio em transmitir a terceiros a sua participação social. A forma normal de a sociedade demonstrar a sua vontade é através de deliberação social aprovada pela assembleia geral. Portanto, em princípio, salvo cláusula do contrato que estipule de forma diferente, é a assembleia geral que é chamada a deliberar. Normalmente o contrato não dirá nada, só se referir que esta limitação existe, que a sociedade é chamada a dar o seu consentimento, só ai é que se presume, salvo cláusula em contrário, que é a assembleia geral que deliberará sobre esse mesmo consentimento e não, por exemplo, o conselho de administração. Numa SA quem toma as deliberações correntes sobre a gestão da sociedade é o conselho de administração e não a assembleia geral – art. 406.º e 373.º/3: os sócios não podem em geral deliberar sobre matérias de gestão da sociedade, é uma competência exclusiva do conselho de administração. Ora, é duvidoso que numa SA a transmissão de ações seja mais do que um mero ato de administração, de gestão corrente. É normalmente todos os dias transacionarem-se ações numa SA.
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Isto será um ato de gestão corrente, cuja competência pertence nos termos da lei, salvo cláusula do contrato em contrário, à assembleia geral. - Por outro lado, ainda relativamente ao consentimento que o contrato exija para a transmissão de ações, diga-se que ele tem de ser fundamentado. No silêncio do contrato pode ser recusado com fundamento em qualquer interesse relevante da sociedade. A lei não especifica as razões que podem conduzir à recusa do consentimento, deixando isso à apreciação dos sócios, se o contrato não tiver especificado os motivos para a recusa. - A sociedade tem de pronunciar-se sobre o pedido de transmissão do sócio no prazo fixado no contrato (máximo de 60 dias), sob pena de a transmissão passar a ser livre. Imaginem que o contrato prevê a necessidade de consentimento da sociedade para a transmissão, mas não prevê um prazo de resposta – será que se aplica o prazo supletivo de 60 dias previsto na lei ou será que a cláusula é nula? Se o contrato previr a necessidade de consentimento sem fixar um prazo de resposta, a cláusula é nula e, portanto, a transmissão é livre. Se a sociedade tem esse prazo para responder ao sócio, não o fazendo no prazo da lei, a transmissão passa a ser livre. O consentimento deixa de ser um obstáculo à transmissão. - A sociedade obriga-se, caso recuse o consentimento (invocando interesse relevante), a fazer adquirir as ações por terceiro ou por si própria, dentro dos limites que a lei permite (no art. 316.º e ss). Obriga-se a garantir ao sócio o encaixe financeiro que se preparava para fazer. Art. 329.º do CSC: a sociedade fica obrigada a adquirir por aquele preço e naquelas condições, a menos que suspeite de simulação e que demonstre que a proposta é uma proposta simulada, caso em que a sociedade pode adquirir as participações pelo seu valor real.
ii.
Estabelecimento de um direito de preferência, a favor dos outros acionistas Art. 328.º/2/b) do CSC. Aqui não se limita propriamente a possibilidade do sócio vender a sua participação, porque a sociedade compromete-se sempre a encontrar um comprador. O sócio sabe que querendo consegue vender aquelas ações. Mas há o estabelecimento de um direito de preferência a favor dos outros acionistas, ou seja, a sociedade diz que quem quiser vender tem que dar preferência a quem já lá está, não pode escolher livremente a contraparte e mesmo podendo escolher a contraparte, os outros sócios podem sobrepor-se a essa escolha.
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iii.
Requisitos subjetivos ou objetivos que estejam de acordo com o interesse social - art. 328.º/2/c) do CSC É uma formulação demasiado vaga, que requer algumas considerações:
Os requisitos já têm de constar no contrato de sociedade antes da proposta de transmissão e da recusa ou não ser feita (podem constar desde o momento em que a sociedade é criada, podem resultar de uma alteração subsequente do contrato de sociedade, etc.), não podendo deixar-se essa determinação para momento posterior (por exemplo, para a deliberação da assembleia geral). A sociedade não pode invocar requisitos subjetivos e objetivos que não constem já claramente no contrato antes de a transmissão ser proposta.
Podem ser positivos ou negativos, pode exigir-se, por exemplo, a pertença do adquirente das ações a uma determinada categoria ou pode-se exigir a sua não pertença a uma determinada categoria (por exemplo: não ser concorrente da sociedade, para impedir que concorrentes passem a ter direito de informação relativamente aos negócios da sociedade).
Podem respeitar à pessoa do transmitente ou do adquirente (embora interesse mais à sociedade estabelecer restrições quanto à pessoa do adquirente, porque o adquirente vai entrar para a sociedade e não vai sair). Pode o contrato, por exemplo exigir requisitos de qualificação profissional, de residência - tudo isto é legítimo desde que conste no contrato de sociedade, desde que as pessoas quando criam a sociedade saibam só podem transmitir as ações naquelas condições. Aquilo que não pode acontecer é estabelecer-se limitações subjetivas à transmissão que violem princípios constitucionais ou comunitários, nomeadamente princípios que discriminem em função da nacionalidade e que possam limitar a liberdade de estabelecimento, como não podem estabelecer-se limitações subjetivas que limitem o art. 13.º da CRP em função do sexo, da religião, da raça – não há nenhuma razão que possa ser fundada no interesse social, no interesse da sociedade que justifique uma restrição subjetiva desse género. E por isso mesmo, não pode ser tida como uma cláusula valida do contrato de sociedade e ter-se-á como não escrita.
Podem ser objetivos, muito embora, seja muito difícil concretizar o que isto possa significar: a maior parte da doutrina identifica este requisito com a existência de motivos graves que a sociedade possa invocar para impedir a transmissão das ações; no entanto, isso acaba por se confundir muito com o requisito seguinte.
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Concordância com o interesse social: porque se trata de uma exceção à regra geral da livre transmissibilidade, os requisitos têm de ser suscetíveis de satisfazer o interesse social tal como perspetivado no momento em que o contrato é redigido. Isto significa que a razão pela qual a transmissão não é permitida, a razão pela qual o contrato prevê aquelas restrições não é um capricho, não é uma vontade ridícula dos sócios, é algo que faça sentido para a sociedade. Têm de ser condições estabelecidas previamente, têm de ser condições estabelecidas quando a sociedade é criada, portanto não é fácil a sociedade estabelecer condições objetivas em que anteveja o interesse social. O Dr. José Reis tem dificuldades em reconhecer isto e não conhece contrato em que se prevejam condições objetivas deste tipo e em que se preveja alguma razão, algum tipo de interesse social que impeça a transmissão de ações.
d) Sociedades em comandita: O regime das sociedades em comandita é feito por remissões para outros tipos societários. i.
Os sócios comanditados: salvo cláusula do contrato que disponha de forma diversa, só podem transmitir a sua participação mediante o consentimento da sociedade, prestado por meio de deliberação (art. 469.º/1 do CSC), sendo que a assembleia geral funciona de forma ligeiramente diferente nas sociedades em comandita relativamente aos outros tipos societários.
ii.
Os sócios comanditários:
Sociedades em comandita simples: regime das sociedades por quotas (art. 475.º do CSC).
Sociedades em comandita por ações: regime das sociedades anónimas (art. 478.º do CSC).
O processo constitutivo das sociedades comerciais Vamos analisar os diferentes tipos de constituição das sociedades para depois entrarmos na análise do contrato de sociedade. Como já vimos no início do semestre, o contrato de sociedade tem algumas características particulares. O contrato de sociedade é um contrato de organização, ou de fim comum, no sentido em que cria uma nova entidade orientada para a prossecução em comum da finalidade partilhada por todos: a obtenção de um lucro e a sua distribuição pelos sócios.
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É um contrato em que as partes não gozam de plena autonomia contratual. É uma das facetas em que essa limitação da autonomia privada se revela e é precisamente nas formalidades e modos de constituição da sociedade.
Os diferentes modos de constituição das sociedades comerciais: 1) Processo tradicional: assenta na sucessão de três atos, atribuindo a lei a cada um deles um determinado significado e valor:
Elaboração do contrato (ou ato constitutivo) necessariamente reduzido a escrito com reconhecimento presencial das assinaturas dos sócios;
Registo definitivo do contrato (só a partir daqui é que a sociedade está plenamente constituída e passa a gozar de personalidade jurídica); Publicação (tem efeitos relativamente a terceiros).
2) Constituição com registo provisório do contrato: art. 18.º do CSC. Apesar de ter sido uma inovação do nosso direito, não se pode dizer que tenha tido grande sucesso, sendo uma complicação desnecessária do modelo tradicional. Acrescenta àquele modelo um registo provisório e uma formalização do projeto registado com custos acrescidos e efeitos práticos quase inexistentes; por isso mesmo, tem sido amplamente ignorado. 3) Constituição com apelo à subscrição pública: art. 279.º CSC; art. 108.º ss CVM. Reservado a grandes projetos de sociedades de capitais. Modelo exclusivo para sociedades anónimas e para sociedades em comandita por ações, em que alguns promotores pretendem garantir imediatamente um grande encaixe financeiro. O processo é bastante complexo, moroso e dispendioso do que a tradicional, envolvendo, sumariamente, os passos seguintes:
Subscrição e imediata realização pelos promotores de ações correspondentes a pelo menos €50.000 (o capital social mínimo). Elaboração e registo provisório de um projeto completo de pacto social.
Elaboração de prospeto da oferta publica de subscrição, onde se definam pormenorizadamente toda a informação pedida pela CVVM.
Colocação dessas ações, lançamento da OPS e subscrição das ações pelos destinatários.
Assembleia constitutiva, que reúne promotores e subscritores, e onde se delibera a constituição nos termos do projeto previamente registado.
Celebração do contrato, por 2 promotores e pelos subscritores que entrem com bens em espécie.
Registo definitivo do contrato.
Publicação.
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Mesmo tendo em conta que é um processo reservado a grandes investimentos, a sua complexidade e custos têm feito com que seja pouco utilizado. Na opinião do Dr. Coutinho de Abreu isto acontece porque há, ainda, assim, alternativas mais simples e baratas: Constituição pelo processo tradicional, seguido de aumento de capital em que se proceda a uma oferta pública de subscrição.
Constituição pelo processo tradicional mas integrando na sociedade entidades financeiras, que irão subscrever uma parte substancial do capital comprometendose a posteriormente a assegurar a subscrição junto dos seus próprios clientes.
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