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Instituições de Direito Público e Privado Prof. Pauline Gomes
PESSOA JURÍDICA I – CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA Sendo o ser humano eminentemente social, para que possa atingir seus fins e objetivos une-se a outros homens formando agrupamentos. Ante a necessidade de personalizar tais grupos, para que participem da vida jurídica, com certa individualidade e em nome próprio, a própria norma de direito lhes confere personalidade e capacidade jurídica, tornando-os sujeitos de direitos e obrigações. Surgem assim as chamadas pessoas jurídicas, designadas como pessoas morais (no direito francês), como pessoas coletivas (no direito português), como pessoas civis, místicas, fictícias, abstratas, intelectuais, de existência ideal, universais, compostas, universidades de pessoas e de bens. Pessoa jurídica é a denominação dada pelo nosso Código Civil (e pelos Códigos alemão, italiano e espanhol). Sem ser perfeita, essa designação indica como vivem e agem essas agremiações, acentuando o ambiente jurídico que possibilita sua existência como sujeitos de direito, tornando-se, por estas razões, tradicional. Assim, a pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações. Três são seus requisitos: - organização de pessoas ou de bens; - liceidade de propósitos ou fins; - capacidade jurídica reconhecida por norma.
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II – CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA As pessoas jurídicas podem ser classificadas: 1) Quanto à sua nacionalidade, pois nesta categoria qualifica-se a pessoa jurídica como de direito interno ou direito externo. Pessoa jurídica de direito interno é aquela que possui sede no território nacional, e pessoa jurídica de direito externo é aquela que possui sede fora do território nacional. 2) Quanto à sua estrutura interna, pessoa jurídica de caráter pessoal e de caráter patrimonial. Pessoa jurídica de caráter pessoal (universitas personarum) é aquela estruturada a partir da união de vontades dos seus constituintes. É o caso da sociedade e da associação. Pessoa jurídica de caráter patrimonial (universitas bonorum) é aquela estruturada a partir da instituição de um patrimônio para a realização de um fim não econômico. É o que sucede com a fundação. 3) Quanto á natureza, as pessoas jurídicas são de direito público e de direito privado. Pessoa jurídica de direito público é aquela constituída para organização da administração pública. A pessoa jurídica de DIREITO PÚBLICO pode ser: a) De direito público interno, que é o caso da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, as autarquias e os demais entes de caráter público criados por lei (INSS, SUNAB, etc); b) De direito público externo, como é o caso da União, nas suas relações com outros países e dos organismos internacionais (ONU, OEA, UNESCO, etc.). Pessoa jurídica de direito privado é aquela constituída para a realização de interesses particulares de circulação de riquezas ou para desempenhar atividades sem qualquer finalidade econômica. A pessoa jurídica de DIREITO PRIVADO, instituídas por iniciativa de particulares, pode ser: a) pessoa jurídica de fins econômicos, como é o caso da sociedade simples e da sociedade empresarial; b) pessoa jurídica de fins não econômicos, que é o caso da associação e da fundação.
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Na distinção entre pessoa jurídica de direito público e de direito privado, há algumas entidades cuja natureza jurídica é discutível, ou simplesmente, fixada por força de lei. São elas: a) A cooperativa, que é entidade constituída por determinada classe de pessoas, mediante a conjugação de esforços pessoais e o ingresso de patrimônio, objetivando a aquisição de bens em melhores condições negociais. Por força de lei, a cooperativa é sociedade simples. b) A igreja, que é entidade constituída para reunião organizada de pessoas, com fins religiosos. Por natureza, a igreja é associação, dado o objetivo referido. c) O sindicato de classe, que é entidade de uma categoria profissional cujo objetivo é a defesa dos interesses trabalhistas de todos que a integram, e não apenas de seus filiados. É associação e, portanto, pessoa jurídica de direito privado. d) e outras.
FUNDAÇÃO. São universalidades de bens, personalizadas pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor. (É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei a capacidade jurídica para realizar as finalidades pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus estatutos). Sua natureza consiste na disposição de certos bens em vista de determinados fins especiais, logo esses bens são inalienáveis; uma vez que assegura a concretização dos objetivos colimados pelo fundador, embora, em certos casos, comprovada a necessidade da venda, esta possa ser autorizada pelo magistrado, ouvido o Ministério Público, que a tutela, para oportuna aplicação do produto em outros bens destinados ao mesmo fim. A fundação somente pode ser constituída para os fins não econômicos: religiosos, morais, culturais ou de assistência. Portanto, tem como requisito integrante o patrimônio e sua destinação a um fim.
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ASSOCIAÇÃO quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais, etc. Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócio para manter ou aumentar seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados, p. ex., associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes, etc., embora isso traga, como conseqüência, lucro para a entidade.
SOCIEDADE SIMPLES, por sua vez, é a que visa fim econômico ou lucrativo, que deve ser repartido entre os sócios, sendo alcançado pelo exercício de certas profissões ou pela prestação de serviços técnicos. P. ex.: uma sociedade imobiliária; uma sociedade que presta serviços de pintura; que explora o ramo hospitalar ou escolar; que presta serviços e terraplanagem. Mesmo que uma sociedade simples venha a participar, eventualmente, de atos de comércio, tal fato não a desnatura, pois o que importa para identificação da natureza da sociedade é a atividade principal por ela exercida. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS, que visam lucro, mediante exercício de atividade mercantil, assumindo as formas de: sociedade em nome coletivo; sociedade em comandita simples; sociedade limitada; sociedade anônima; sociedade em comandita por ações. Assim, para se saber se dada sociedade é civil ou mercantil, basta considerar-se a natureza das operações habituais: se estas tiverem por objeto atividade própria de empresário, a sociedade será empresarial, caso contrário, simples, mesmo que adote firma comercial, exceto se for anônima, que, por força de lei, será sempre mercantil.
O Novo Código Civil preservou a figura do pequeno empresário e reconheceu a atividade do profissional intelectual, do empresário rural e da sociedade simples ou civil.
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III – INÍCIO DE EXISTÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA Enquanto a pessoa natural surge com um fato biológico, o nascimento, a pessoa jurídica tem seu início, em regra, com um ato jurídico ou com normas. Há uma diferença essencial entre a verificação existencial das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público iniciam-se em razão de fatos históricos, de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais, quando se trata de pessoa jurídica de direito público externo. Realmente, “o Estado, p. ex., surge, espontaneamente, da elaboração da vida social quando afirma a sua existência em face dos outros. As suas divisões políticas começam a existir, desde que são estabelecidas por normas constitucionais e de acordo com elas se organizam”. Os Estados-membros da federação brasileira têm o reconhecimento de sua existência na Constituição Federal, art. 1º, organizando-se e regendo-se pelas constituições e leis que adotarem, respeitando os princípios constitucionais; os Municípios têm sua autonomia assegurada pela Constituição Federal, tendo seu início no provimento que os criou, sendo regidos por normas das Constituições estaduais e pelas municipais, que as regulamentam. Logo, todas as pessoas jurídicas de direito público são organizadas por leis públicas, que estabelecem todas “as condições de aquisição e exercício de direitos e a instituição de seus deveres”. A gênese das pessoas jurídicas de direito privado é diferente. O fato que lhes dá origem é a vontade humana, sem necessidade de qualquer ato administrativo de concessão ou autorização, salvo os casos especiais do Código Civil, porém a sua personalidade jurídica permanece em estado potencial, adquirindo status jurídico, quando preencher as formalidades ou exigências legais. O processo genético da pessoa jurídica de direito privado apresenta duas fases: a) Ato constitutivo. Nesta fase tem-se a constituição da pessoa jurídica pela manifestação de vontade, observados os requisitos do art. 104 do Código Civil, para que o ato jurídico seja perfeito é imprescindível: agente capaz, objeto lícito, de modo que seriam nulas as sociedades que tivessem por objeto a fabricação de moedas falsas, e forma prescrita em lei, logo, devem ser contratadas por escrito e, se for o caso, obter prévia autorização governamental para funcionarem (as sociedades estrangeiras; as empresas petroquímicas; as agências ou estabelecimentos de seguros; caixas econômicas e bolsas de valores).
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b) Registro público, pois para que a pessoa jurídica de direito privado exista legalmente é necessário ter a sua ata constitutiva devidamente registrada, juntamente com o contrato social ou o estatuto associativo (art. 45 CC), observando-se: - da sociedade simples e da associação, junto ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas; - o empresário e a sociedade empresária na Junta Comercial. Os dados mínimos, que devem estar inseridos na ata constitutiva e no contrato social, ou no estatuto associativo da pessoa jurídica, são os seguintes: denominação, sede, objeto, prazo de existência, regras sobre reforma do ato constitutivo e do contrato ou estatuto, modo pelo qual deixará de existir, e neste caso, a destinação do patrimônio. O registro tem força constitutiva pois além de servir de prova possibilita a aquisição da capacidade jurídica.
Situação jurídica: - a pessoa jurídica possui personalidade distinta da de seus membros; - a pessoa jurídica tem patrimônio distinto; - a pessoa jurídica tem vida própria, distinta da de seus membros. Assim a pessoa jurídica é titular de direitos da personalidade: direito à honra, direito à liberdade, direito à obra intelectual, direito de identidade, direito ao desenvolvimento de sua atividade (equivalente ao direito à vida da pessoa física). “As pessoas jurídicas podem adquirir os direitos e assumir as obrigações que, por sua natureza, não sejam privativos da pessoa humana.” (Orlando Gomes)
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IV – FUNCIONAMENTO DA PESSOA JURÍDICA. O funcionamento da pessoa jurídica se dá mediante a representação indireta para agir em seu nome, decorrente do contrato social ou do estatuto associativo respectivo. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo (art. 47 NCC). Cumpre não confundir essa representação com a inerente aos incapazes. Quanto a estes, a vontade do representante substitui a do representado; nas pessoas jurídicas, a vontade reside no próprio ente, sendo o representante o meio de exteriorizar essa vontade. Referentemente à representação das pessoas jurídicas de direito público interno, dispõe o Código de Processo Civil, no art. 12, I, que “serão representados em juízo, ativa e passivamente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores.” É manifesto que a quem quer que entre em relação de negócio com pessoa jurídica toca o dever elementar de perquirir de antemão quem tem qualidade para representá-la e qual a extensão dos poderes de seu representante. V - RESPONSABILIDADE CIVIL. A pessoa jurídica, por ser dotada de personalidade própria e de patrimônio distinto daquele de seus constituintes, pode ser responsabilizada por danos causados a terceiros, em face do princípio da reparação por danos causados à vítima. É certo que os atos externos da pessoa jurídica são praticados pelos seus representantes legais, ou mediante presentação. Se tais atos vierem a ser realizados, no regular exercício de suas funções, a entidade moral deverá ressarcir a vítima pelos prejuízos sofridos. A pessoa jurídica pode ser responsabilizada por força de contrato ou de lei. A responsabilidade contratual decorre do descumprimento das obrigações pactuadas. A responsabilidade extracontratual decorre da prática de atos ilícitos, cometidos por seu representante ou pelo seu preposto.
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Assim, a pessoa jurídica responde tanto por atos e negócios ilícitos, como por danos extracontratuais causados às pessoas, por reconhecimento de que a reparação do prejuízo causado á vitima deve ser facilitada. Mas somente se imputará a responsabilidade em desfavor da pessoa jurídica, se os atos realizados por seu representante ou preposto sucederem em face de culpa. Nas relações de consumo, todavia, a pessoa jurídica responde pelos danos causados aos consumidores, independente de culpa. Entretanto, as pessoas jurídicas, quer de direito privado, quer de direito público não podem ter imputabilidade criminal, não estando sujeitas à responsabilidade penal, embora possam exercer as ações penais. A responsabilidade pelos crimes é pessoal de cada representante. VI - DOMICÍLIO. As pessoas jurídicas também têm seu domicílio, que é a sede ou o local de centralização de sua administração. As pessoas jurídicas de direito público interno têm por domicílio a sede de seu governo (CC. Art. 35, I, II e III). De modo que a União aforará as causas na capital do Estado ou Territórios em que tiver domicílio à outra parte (CPC, art. 99, I) e será demandada, à escolha do autor, no Distrito Federal ou na capital do Estado em que se deu o ato que deu origem à demanda, ou em que se situe o bem (CF, art. 109, §§ 1º a 4º). Os Estados e Territórios têm por sede jurídica as suas capitais (CPC, art. 99, II), e os Município, o lugar da administração municipal. Às autarquias, como são entes descentralizados criados por lei, aplicam-se as normas sobre o domicílio da pessoa jurídica de direito público interno, de que são desmembramento. As pessoas jurídicas de direito privado têm por domicílio o lugar onde funcionarem sua diretoria e administração ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos, devidamente registrados. A Súmula 363 do STF estabelece que “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato”. Admite-se a pluralidade de domicílio dessas pessoas jurídicas, desde que tenham diversos estabelecimentos, p. ex., agências, escritórios de representação, departamentos, departamentos, filiais, situados em comarcas diferentes, caso em que poderão ser demandadas no foro em que tiverem praticado o ato.
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De forma que o local de cada estabelecimento dotado de autonomia será considerado domicílio para os atos ou negócios nele efetivados, com o intuito de beneficiar os indivíduos que contratarem com a pessoa jurídica. Se a sede da administração se acha no estrangeiro, ter-seão por domicílio os estabelecimentos situados no Brasil onde as obrigações foram contraídas pelos respectivos agentes. Portanto, as pessoas jurídicas estrangeiras têm por domicílio, no que concerne às obrigações contraídas por suas filiais, o que em que elas estiverem, protegendo assim as pessoas que com elas contrataram, evitando que tenham de acioná-las no estrangeiro, onde se encontra sua administração. VII - EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Os mesmos fatores que dão origem a uma pessoa jurídica de direito público acarretam seu término. Logo, extinguem-se pela ocorrência de fatos históricos, por norma constitucional, lei especial ou tratados internacionais. Assim como a pessoa jurídica somente passa a ter existência a partir do seu registro, o que denota um ato solene, ela apenas deixará de existir através de outro ato formal – a baixa de seu registro. Por isso pode-se afirmar que a personalidade da pessoa jurídica pode ultrapassar o término de suas atividades, caso em que continuará até a sua extinção formal. Extingue-se a pessoa jurídica, com a baixa do seu registro, por: a) Dissolução voluntária ou convencional, nos casos de: - término de prazo previsto no contrato; - cumprimento do objetivo social ou associativo ou a impossibilidade de sua realização; - distrato (negócio jurídico que põe fim ao contrato ou estatuto). b) Dissolução oficial ou governamental, que pode ocorrer: - mediante a cassação da autorização para funcionamento quando ela for necessária; c) Determinação legal, por: incapacidade ou morte de um dos sócios; insolvência ou falência de um dos sócios, e extinção do capital social.
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d) Dissolução judicial, quando a entidade se mostra nociva aos interesses da coletividade, caso em que o Ministério Público poderá propor a ação. A dissolução judicial da sociedade simples pode se verificar em decorrência de sua insolvência civil. A sociedade empresarial pode ser dissolvida mediante falência (também denominada bancarrota ou quebra). Em qualquer caso de extinção da pessoa jurídica, os seus bens remanescentes serão destinados de acordo com a previsão contratual ou estatutária. Porém se houver bens de seu patrimônio e dívidas a resgatar, ela continuará em fase de liquidação, durante a qual subsiste para a realização do ativo e pagamento de débitos, cessando, de uma vez, quando se der ao acervo econômico o destino próprio. Não havendo qualquer previsão contratual ou estatutária a respeito da destinação dos bens, a legislação estabelece que: a) em se tratando de ente sem finalidade econômica, o patrimônio remanescente será distribuído a uma entidade de direito público, de objetivos similares; b) em se tratando de ente com finalidade econômica, o patrimônio remanescente será partilhado entre os sócios ou seus herdeiros, conforme a contribuição econômica de cada qual para a constituição do capital.