Controle Judicial Dos Atos Dos Tribunais De Contas

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LIMITES AO CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS1

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu2

Com a modernização do Estado e conseqüente incremento na complexidade de suas relações, surge cada vez mais premente a necessidade de orientação e fiscalização das atividades estatais, com vistas ao bom desempenho de suas finalidades básicas estatuídas em sede constitucional, e notadamente a prestação de serviços públicos à população. No desempenho de suas funções, deve a administração pública desenvolver aquilo que se convencionou chamar de atividade financeira do Estado,

por

um

lado

angariando

recursos

financeiros

pelas

vias

constitucionalmente autorizadas e, por outro, canalizando e direcionando seu efetivo emprego na satisfação das necessidades públicas, equilíbrio e garantia da paz social: objetivos supremos do Estado juridicamente organizado. Diante da complexidade sempre presente no gerenciamento das contas públicas, são traçadas, em sede constitucional, estruturas de controle da atividade administrativo-financeira do Estado, de modo que a fiscalização a ser exercida sobre os atos administrativos (com repercussão no erário) encontre, pelo menos, duas fases próprias e relativamente independentes (coordenadas e sincronizadas) de exame. É nesse contexto que podemos falar em controle interno e controle externo das contas públicas. Nos termos do art. 70, da Constituição Federal, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades 1 2

Última atualização: setembro/2005.

Mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em direito fiscal e tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Juiz federal substituto na Paraíba. Professor de direito penal do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).

da administração direta e indireta será exercida, relativamente aos critérios por ela definidos, pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Do controle interno não trataremos no presente trabalho, sendo suficiente referir que certos entes estatais criam, no âmbito de suas estruturas organizacionais, secretarias, controladorias, auditorias etc., no afã de bem desempenhar a atividade de fiscalização e controle da aplicação das rendas e verbas públicas, em perfeita sincronia com a atividade de controle externo, de que trataremos adiante. O controle externo, de sua parte, consoante observamos a partir da dicção constitucional acima citada, é exercido pelo Congresso Nacional, o qual conta, nos termos do artigo 71 da CF/88, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, a quem compete o desempenho de todas as atribuições delineadas ao longo dos onze incisos e quatro parágrafos do precitado artigo 71 da Carta Magna. Tratando-se, outrossim, de norma constitucional de caráter federal a ser aplicada em conjunção ao princípio da simetria constitucional, predispõe-se como modelo de adoção obrigatória pelas demais esferas estatais, o que, por outras palavras, significa caber às assembléias legislativas o exercício do controle externo nos estados da federação, sempre com o auxílio dos tribunais de contas dos estados. A enorme gama de atribuições outorgadas aos tribunais de contas, bem como sua insofismável importância na efetividade do exercício do controle externo como delineado no texto constitucional, conferem a estes órgãos um status ímpar no cenário político-institucional nacional, sendo notável o interesse hoje revelado pela doutrina no estudo da natureza destas funções que desempenham os TC’s, nem sempre muito bem compreendidas até por experientes advogados, juízes e promotores de justiça. Dentre as variadas dúvidas e questionamentos suscitados acerca das atribuições do Tribunal de Contas e seu exercício, sobressaem em importância

as relativas ao cotejo entre suas competências constitucionais e as funções judicantes do Poder Judiciário, bem como, e principalmente, a natureza jurídica e os limites constitucionais dos atos e decisões proferidas pelos TC’s para o efetivo desempenho do controle externo da administração em sua relevante vertente da fiscalização das contas prestadas pelos gestores públicos. Esclareçamos, pois, em breves linhas, as dúvidas incidentes sobre a questão do plexo de competências atribuídas ao Tribunal de Contas para apreciar as contas dos chefes do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores

e

Prefeitos),

bem

como

para

julgar

as

contas

dos

administradores de bens e rendas públicas, ou seja, dos ordenadores de despesas. Com efeito, a competência constitucional que detém o Tribunal de Contas para apreciar as contas prestadas pelos chefes do Poder Executivo encontra seu fundamento no artigo 71, I, da Magna Carta, no exercício da qual lavra a corte de contas um parecer prévio que será posteriormente julgado pelo Poder Legislativo. Considerando o procedimento administrativo em seu aspecto global (do início da instrução probatória a seu ápice, com o respectivo ato decisório), podemos com propriedade afirmar que se trata de um julgamento (ato) complexo, em que apenas as contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito) receberão a análise do Tribunal de Contas com vistas à formulação de uma opinião (pelo TC) derivada da apreciação da atividade político-administrativa desempenhada no respectivo exercício financeiro. Tudo, ressalte-se, sob uma ótica essencialmente técnica. O efetivo julgamento, considerando o ingrediente político necessário de tal decisão, será do Poder Legislativo respectivo e, assim, as sanções decorrentes terão apenas este caráter. No entanto, possui igualmente o Tribunal de Contas a competência para julgar (não apenas opinar) as contas de pessoas (sejam ou não chefes do Poder Executivo) que assumam efetivamente a função de ordenadores de despesas. Tais pessoas, lidando direta e pessoalmente com bens, rendas e

patrimônio públicos, praticando atos de que derivam mutações patrimoniais contabilmente sensíveis (despesas), tornam-se responsáveis pela sua correta utilização,

emprego

e

destinação.

Podem,

desta

maneira,

ser

responsabilizadas na hipótese de causarem a perda ou dilapidação desse patrimônio estatal. Tais agentes públicos também prestam contas ao Tribunal de Contas e, considerando que, neste caso, não estamos perquirindo elementos de ordem política, mas de ordem exclusivamente técnica, torna-se o Tribunal de Contas o órgão constitucionalmente competente, nos termos, agora, do artigo 71, II, da Constituição Federal, para julgar tais contas prestadas e, constatando tecnicamente a ocorrência de prejuízo ao erário, assume o TC a função de responsabilizá-los pela devida recomposição do patrimônio público lesado pelo ato administrativo praticado. A decisão administrativa em tal hipótese é formalizada através de um acórdão. No primeiro caso (art. 71, I, CF/88) tem-se uma atuação do Tribunal de Contas voltada à análise global da prestação de contas, perquirindo acerca da boa administração, da legitimidade, da economicidade, da lealdade às instituições, da moralidade administrativa etc., de modo que vem a oferecer um parecer prévio a ser posteriormente apreciado e definitivamente julgado pelo Poder Legislativo, órgão constitucionalmente competente para o julgamento político do chefe do Poder Executivo. Sem perder de vista a natureza eminentemente política do critério de julgamento adotado, atribui a Carta Magna a um órgão político (Poder Legislativo) a competência para o respectivo julgamento, podendo, v.g., a Câmara de Vereadores rejeitar as conclusões de eventual parecer prévio que se posicionasse pela rejeição das contas prestadas por determinado Prefeito, desde que assim deliberasse pelo voto de dois terços de seus membros (art. 31, § 2.º, CF/88). Interessante notar que o exame do Tribunal de Contas encara a administração no seu todo e, considerando a natureza política do cargo, condensa suas conclusões em um parecer que, posteriormente, será remetido ao Poder Legislativo para julgamento do parecer e, ao mesmo tempo, das contas do respectivo chefe do Poder Executivo. A diferença de critérios parece

justificar decisões díspares, muito freqüentes: opinando o Tribunal de Contas pela rejeição das contas prestadas pelo Prefeito do município X, em razão de diversas irregularidades constatadas (critério técnico), decide a Câmara de Vereadores do mesmo município por rejeitar o parecer, aprovando as contas e, assim, a gestão política do Prefeito (critério político). No segundo caso (art. 71, II, CF/88), examinando o Tribunal de Contas, pelo critério técnico da lesão ou não aos cofres públicos — através de uma análise estritamente pericial contábil, financeira e patrimonial —, as contas prestadas, cabe-lhe o próprio julgamento de tal prestação de contas, eis que, adotados os critérios exclusivamente técnicos, atribui-se a um órgão igualmente técnico a competência constitucional para seu julgamento. Salientamos que, neste caso, não tratando o apontado art. 71, II, da Constituição Federal, sobre a prestação de contas (global) de um chefe do Poder Executivo, adquire o TC competência constitucional para o julgamento direto das contas, não havendo parecer a ser lavrado, mas acórdão em que a Corte julga aprovadas, aprovadas com ressalvas ou reprovadas as contas e, verificando lesão ao patrimônio público, imputa ao agente lesivo a responsabilidade pelo ressarcimento ao erário. Por força do art. 71, § 3.º, da Carta Federal, tais decisões (formalizadas através de acórdãos) possuem eficácia de título executivo extrajudicial, dispensando ação judicial de conhecimento a ser manejada em juízo. Diante das considerações acima formuladas, e considerando-se que o controle judicial dos atos administrativos se limita à apreciação da legalidade e formalidade, não sendo permitido ao Poder Judiciário, no exercício de tal controle, adentrar no mérito do ato para pesquisar-lhe a chamada justiça da decisão, fácil visualizar-se estarem completamente excluídas, por absoluta incompetência

constitucional

do

poder

judicante

(consagrando-se

a

competência constitucional dos Tribunais de Contas), quaisquer ataques ao mérito do julgamento realizado pelo Tribunal de Contas, ou seja, ao mérito do ato administrativo decisório.

A aceitação da tese oposta viria inevitavelmente desprestigiar a função dos tribunais de contas, os quais haurem seu complexo arcabouço de competências diretamente da Constituição Federal, exatamente o mesmo diploma que estabelece os limites da competência constitucional do Poder Judiciário para o desempenho do chamado controle judicial dos atos administrativos. Proíbe-se ao Poder Judiciário substituir, pela sua, a discricionariedade regrada, legal e legítima do gestor público a quem compete proferir determinado ato ou decisão administrativa. Salvaguarda-se, com isso, o princípio constitucional da independência e harmonia entre os poderes (art. 2.º, CF/88). Neste diapasão, devemos concluir que o objeto a ser examinado (e decidido) pelo Poder Judiciário será, tão somente — obedecendo-se à salientada restrição quanto à abrangência do controle aos critérios de legalidade e forma —, a argüição de nulidades do procedimento administrativo em razão de, v.g., cerceamento de defesa, defeitos na comunicação oficial de atos procedimentais (intimações), defeitos formais no procedimento de defesa, de instrução ou de julgamento pelos TC’s, além de outros em que se tenha a violação de garantias constitucionais pertinentes ao contraditório, à ampla defesa,

e

ao

devido

processo

legal no

âmbito

dos procedimentos

administrativos. Duas situações que ocorrem na prática são as seguintes: apreciadas as contas do Prefeito municipal, emite o TCE parecer prévio através do qual opina pelo julgamento, a ser realizado pelo Poder Legislativo, de sua rejeição. Em sua

fundamentação,

considera

o

TCE

que

houve

manifesta

incúria

administrativa e a comprovada prática de ilícitos financeiros, com infração às disposições orçamentárias e normas gerais sobre finanças públicas. Contestando a conclusão do TCE, ingressa o referido Prefeito com ação judicial declaratória de nulidade do parecer prévio, visando demonstrar o equívoco em que teria incorrido o órgão auxiliar do controle externo, apresentando supostas provas da regularidade técnico-contábil das contas por ele prestadas. Qual seria, pois, a decisão adequada? Em nossa opinião, caso julgasse procedente o pedido, estaria o juiz se substituindo não apenas ao TCE

como também ao Poder Legislativo municipal no julgamento das contas prestadas pelo requerente, o que violaria o princípio esculpido no artigo 2.º da Constituição Federal. Não possui ele, desse modo, competência para tal exame, sendo esta atribuída, em sede constitucional, ao Poder Legislativo auxiliado pelo Tribunal de Contas. Uma segunda hipótese bastante freqüente, e que comporta solução absolutamente similar, encontramos no caso em que um gestor público (que não seja chefe de Poder Executivo mas que tenha atribuições de ordenador de despesa, a exemplo de um secretário municipal), tendo sua prestação de contas julgada, mediante acórdão, pelo Tribunal de Contas, contesta em juízo tais

conclusões,

apresentando

supostas

provas

técnico-contábeis

da

regularidade de suas contas. Temos que, nesta hipótese, diferentemente da anterior (onde o julgamento seria um ato complexo em duas fases, culminando em uma decisão política por parte do Poder Legislativo), a competência para julgamento das contas prestadas pelo gestor público em questão já pertence ao Tribunal de Contas por força do citado art. 71, II, da CF/88. Entretanto, similarmente ao caso acima descrito, pertencendo ao TCE tal competência, jamais poderia o Poder Judiciário, substituindo-se à corte de contas, analisar as provas técnicocontábeis da pretensa regularidade das contas para declarar a nulidade da decisão administrativa que as teria julgado irregulares. Assim agindo, estaria o Judiciário frontalmente violando o princípio constitucional da independência e harmonia entre os poderes (art. 2.º, CF/88). O que se deve distinguir na análise do assunto é o exato cerne da questão suscitada na ação judicial intentada pelo administrador, ou seja, a natureza do mérito do pedido em cotejo com seus fundamentos de fato e de direito, procurando-se identificar, quanto possível, quais pontos estão afetos ao Tribunal de Contas e quais seriam pertinentes ao Poder Judiciário. Imaginemos que um certo Prefeito, prestando contas ao TCE, houvesse recebido, sem chance para apresentação de defesa, parecer prévio contrário à aprovação das contas. Semelhante procedimento, independentemente da

correção ou não do exame empreendido pela auditoria do Tribunal, já seria fatalmente nulo por franca violação ao art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal, o qual assegura a todos os litigantes, em qualquer processo judicial ou administrativo, os direitos à ampla defesa e ao contraditório. Traduz-se a garantia, no plano prático, na efetiva e real concessão ao defendente da oportunidade

de

manifestar

suas

alegações

e

apresentar

elementos

probatórios de molde a demonstrar o acerto de sua tese. Verificada a eiva, legítima seria a atuação do Poder Judiciário em declarar nulo o procedimento, o próprio parecer prévio e, até mesmo, o julgamento realizado pelo Poder Legislativo, impondo ao Tribunal de Contas o dever de reexaminar as contas. Poderíamos dizer que a chave para a resolução das questões ligadas aos limites do controle judicial estará na conciliação entre três ordens de normas constitucionais. À primeira, relacionada às disposições que prevêem as atribuições inerentes ao controle externo a ser exercido pelo Tribunal de Contas, opõe-se a segunda, relacionada às normas sobre competência do Poder Judiciário. Veja-se que a CF/88 identifica com alguma precisão o que seria da competência dos TC’s, sem atribuir ao Poder Judiciário o poder de revisão do mérito administrativo da decisão. Não se pode ver no Judiciário uma instância revisora ou recursal das decisões do Tribunal de Contas. Sendo suas competências outorgadas por normas constitucionais e não havendo hierarquia entre elas, devemos compreendê-las como respectivamente privativas, agindo os órgãos, dentro dos limites da legalidade, com total independência, protegidos que estão de interferências ilegítimas pela norma-princípio esculpida no art. 2.º, da CF/88. A terceira e última ordem de dispositivos constitucionais que nos devem nortear a investigação e a procura de soluções para os conflitos surgidos acerca dos limites ao controle judicial dos atos e decisões emanados dos Tribunais de Contas, aparecendo como um conciliador entre as duas ordens acima citadas, é aquela representada pelas normas constitucionais que prevêem os direitos e garantias fundamentais, especialmente as relacionadas

ao princípio da isonomia, do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Cremos que a justa composição de todas essas normas deverá nortear a atividade do julgador no momento em que se deparar com a intrincada questão dos limites do controle judicial aos atos do TC. São, de fato, garantias constitucionais gerais de legalidade e obediência aos superiores princípios nacionais de liberdade e isonomia, que devem ser respeitados por todos os órgãos e entidades que compõem a administração pública. Daí a conclusão a que chegam jurisprudência e doutrina, restringindo o limite de apreciação do controle judicial ao critério de legalidade, denominando-o de controle judicial de legalidade, abrangendo, desse modo, a regularidade do procedimento e o respeito às garantias materiais e processuais de liberdade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CITADINI, Antônio Roque. O controle externo da administração pública. São Paulo : Max Limonad, 1995. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2003. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo : Malheiros, 2000. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo : Atlas, 2003. OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 5. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. São Paulo : Malheiros, 1995. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo : Malheiros, 1998. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2003.

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