Conto Sobre Nada

  • October 2019
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  • Words: 1,740
  • Pages: 5
Conto sobre nada. . Ele,este pronome com cara de bolacha amolecida, está com jeito de quem comeu e não gostou daquilo que comeu.Está assim deste jeito meio sem jeito em jeito algum.Está meio barro meio tijolo ou mesmo qualquer coisa em coisa alguma.Está com a tal cara triste, um tanto cabisbaixo, um tanto esquisito, um tanto de alguma coisa e tanto mais.Ele está estranho em estranho em cara estranha em expressão meio estranha e tanto mais. Ele decide que vai comer o que encontrar pela frente.Começa pelas tais geléias de morango que invadem a sua boca vermelha de sangue castelhano.Ele se imagina frente a frente com um touro imenso.Ele está na iminência de ser atirado pelos ares.Ele e aquele touro impiedoso frente a frente em qualquer que seja o lugar.Ele pensa no Minotauro. Ele,que sabe que surgiu do coito entre Parsifae e aquele animal , agora o olha daquele jeito. Ele quer agora correr,mas não consegue.Quer ficar,mas não consegue.Ele fecha os olhos e as cortinas daquele quarto.Fecha as portas e as janelas e a caixa repleta de moedas fora de circulação.Fecha o álbum de fotografias e dirige-se à cozinha indiferente daquele flat. Ele come e mastiga e come mais e mais e mais e mais.Come os sanduíches de mortadela importada, come tantas muitas latas de sardinha portuguesa, come os chuviscos feitos por uma avó qualquer, come o resto de salada que estava na geladeira,come,do verbo comer, a rabanada fria que foi feita em voz passiva por sua tia.Come, do verbo comer, os chuviscos que vieram de algum lugar encantado. Come os tais chuviscos que são feitos por aquelas centenárias senhoras.Come, do verbo comer, a massa italiana que esteve a descansar por dois dias seguidos. Ele come e come o tal bife mal passado e se transforma na gordura da borda deste tal bife com gosto de coisa morta.Ele é agora a gordura a ser consumida por aquele nédio professor de línguas extintas naquele dia cinzento, naquele dia qualquer..Ele está agora entrando no esôfago calejado daquele indivíduo com hérnia de hiato. Ele nada mais é do que esta gordura sem cor e sem vida.Ele agora a gordura que vai destruindo o que resta daquele vegetal ambulante.Ele agora o cheiro sufocante que emana daquela frigideira vencida pelo tempo na cozinha.Ele agora a cozinha em tons claros e distantes como alguém que já se foi. Ele come e se transforma agora em macarrão instantâneo.Ele agora sorvido ou sugado por aqueles lábios e por aquela boca carnuda daquela mulherzinha qualquer.Ela que compra batons baratos e usa perfume pirata.Ele que suga aquele macarrão amarelo frio com o sorriso plástico das bonecas

americanas.Ele agora cheira a molho de churrasco jogado no chão daquela cozinha caindo aos pedaços.Ele agora pisado por alguém que seduz a tal mulher ali mesmo no chão, no chão imundo daquela cozinha imunda. Ele agora no prato misturado ao arroz e ao feijão e ao resto de ovo caipira.Ele agora entre o branco da clara e do arroz sem redenção alguma naquela ocasião.Ele agora naquele encontro de línguas com gosto preponderante de chocolate e salmão fresco.Ele agora entranhado nas fezes contaminadas de um doente terminal.Ele agora cuspido por aquela tosse intermitente daquele tuberculoso no hospital público.Ele carregado pela chuva numa quentinha rejeitada por um paladar mais exigente.Ele sorvido ou sugado por um cão que furta rapidamente a comida deixada por sobre a mesa.Ele gordura e macarrão instantâneo.Ele perdido naquelas embalagens sem vida dos supermercados. Ele, apenas agora restos de cabelos de qualquer anjo morto, na lixeira mais próxima, naquele purgatório. Ele que sobe e desce as escadas do final dos tempos.Ele que desce e sobe as escadas do final dos tempos.Ele macarrão de péssima qualidade e nada mais.Ele gordura saturada e ponto final. Ele agora amarelado e combalido no intestino de qualquer um, prestes a ser eliminado como um pesadelo por aquela descarga automática. Ele agora canudo, copo,miasma de cerveja choca, cadeira,chave da porta,pedaço de barra de ferro, aparador de mesa, jogo americano, jarra, bule, pote e tudo mais. Ele que troca o dia pela noite.Ele que troca os dias pelos dias.Ele que troca o correr das horas pelo tempo.Ele que se perde no tempo ao se desconhecer infinito.Ele um rasgo qualquer na perene irritação do universo.Ele agora nada,fossa,vazio. Ele agora vazio, fossa, nada.

Conto Destituído. Ele perdeu a vontade de sair. Ele perdeu a vontade de ter vontade. Ele perdeu o verbo perder em segunda conjugação. Ele se perdeu no interior de toda e qualquer conjugação. Ele se perdeu no interior da palavra conjugação. Ele se perdeu no interior do interior da palavra interior. Ele perdeu a vontade de sair no verbo sair. Ele perdeu a vontade de sair em terceira conjugação ir. Ele agora definitivamente infinitivo em ir. Ele começou na semana passada a andar pela casa inquieto. Ele começou a conversar com este tal adjetivo inquieto. Ele começou a achar que devia dizer algo a este tal adjetivo inquieto. Ele começou a lamber a orelha deste tal adjetivo inquieto. Ele começou a aranhar a pele deste tal adjetivo inquieto.Ele começou a se sentir mal no interior deste tal adjetivo inquieto. Ele foi internado no interior da palavra inquieto. Ele respirava com dificuldade no interior da palavra inquieto. Ele se mexia com dificuldade no interior da palavra inquieto. Ele gosta de estar como estar. Ele gosta deste tal verbo estar. Ele sempre soube estar sem estar. Ele sempre soube que esteve sem nunca haver estado. Ele gosta de se esconder no além. Ele agora mais e mais próximo da palavra além. Ele começou a suar e disse aos parentes que precisava beber um copo de qualquer coisa. Ele disse o que disse como quem diz o que não diz. Ele bebe qualquer coisa para relaxar a mente. Ele gosta desta tal palavra mente. Ele sabe fechar bem os olhos no interior da palavra mente. Ele sabe ignorar muito bem o caminho no ventre da palavra caminho. Ele, este pronome qualquer sem maiores prerrogativas, viu no espelho a tal palavra coisa. Ele lavou o rosto duas ou sete ou mais de dez vezes. Ele gostava de lavar o rosto no interior do verbo lavar. Ele lavou em primeira conjugação aquele seu rosto sem rosto. Ele viu a tal palavra coisa tomando a forma de coisa alguma no espelho. Ele sempre gostou dos tais pronomes indefinidos. Ele não viu mais o seu reflexo no tal espelho no interior da palavra nenhum. Ele nunca gostou de lavar o rosto. Seus dentes esburacados apontavam para o fato de que ele não gostava de escovar os dentes. Ele mordeu os lábios na tentativa de encontrar o seu reflexo, a sua imagem no tal espelho.

Ele mordeu os lábios e ousou separar as sílabas da palavra espelho. Ele enfiou a mão na boca e não mais encontrou o seu reflexo no tal espelho. Ele mordeu, enfiou, engoliu e urinou fora do vaso na tentativa de encontrar o próprio rosto. Ele gostava desta tal palavra espelho. Gostava de estar como estava sem reflexo no interior da palavra espelho. Ele não gostava da palavra reflexo. Ele não gostava da palavra imagem. Ele pensou em retalhar o tal espelho. Ele pensou em retalhar o verbo retalhar. Ele pensou em retalhar a sua face sem face. Ele foi perdendo aos poucos a noção das coisas no ventre do verbo perder. Ele então passou a ouvir o que ouvia. Ele então passou a tocar no indizível das coisas. Ele então passou a cheirar o sem cheiro das coisas. Ele passou a ver aquilo que escurece nas coisas. A palavra coisa surgia no outro lado do lado algum. Ele então pensou em retalhar o interior da palavra coisa. Ele pegou a tesoura e cortou o ar de forma alucinada. Ele pegou a faca e dilacerou o ar de forma desesperada. Ele pegou a espada e dizimou populções inteiras como se não fosse o que não fosse. Ele agora defeca ao lado de seu cachorro na tentativa de encontrar seu próprio rosto. Ele ousa separar as sílabas da palavra rosto. Ele separa as ranhuras de sua alma nas sílabas da palavra rosto. Ele sobe e desce escadas. Ele abre a porta do armário. Ele fecha a porta do armário. Ele abre a porta do quarto. Ele fecha a porta do quarto. Ele abra a tal janela no ventre da palavra rosto. Ele deglute as entranhas da palavra rosto. Ele fecha a janela sem rosto na palavra rosto. Ele coça os testículos. Ele enlouquece lentamente no interior deste tal verbo coçar. Ele coça o pênis no interior da palavra pênis. Ele encosta a palavra pênis no sem rosto da palavra rosto. Ele urina novamente no sem rosto da palavra rosto. Ele defeca novamente no sem rosto da palavra rosto. Ele suja os dedos ao pegar a tal coxa daquela galinha gordurosa. Ele vai até o tal banheiro e se masturba lentamente na tentativa de encontrar o próprio rosto. Ele agora deixa que o nada invada o que resta de sua existência em frangalhos. Ele ousa separar as sílabas da palavra desterro. Ele gosta de comer sem nada na boca. Ele gosta de comer saliva ao molho de qualquer coisa vencida. Ele gosta desta tal palavra vencida. Ele sabe que não presta para nada. Ele agora mais e mais íntimo da palavra nada. Ele agora aprisionado no interior da palavra espelho. Ele agora aprisionado no interior da palavra rosto. Ele sem lado algum no frio da palavra frio. Ele

ausente como nunca no desespero da palavra nunca. Ele que se masturba lentamente na tentativa de encontrar o tal verbo encontrar. Ele agora com o crânio esfacelado no interior da palavra esquina. Ele gosta desta tal palavra esquina. Ele gosta da possibilidade de se perder na esquina. Ele gosta de sair para comprar cigarros na esquina. Ele gosta de se perder no interior da palavra fumaça. Ele gosta de circular pela vida no interior da palavra fumaça. Ele gosta de repetir em voz baixa a tal palavra fumaça. Ele gosta do tal adjetivo esfumaçado. Ele gosta de se sentir esfumaçado. Ele gosta de andar pelo entre esfumaçado das ruas esfumaçadas. Ele gosta de procurar o seu rosto no entre do entre de toda e qualquer rua esfumaçada. Ele gosta desta tal palavra rua. Ele se lembra desta tal rua no interior da tal palavra rua. Ele perdeu a vontade de sair. Ele definitivamente indefinido em ir.

Sabe-se que ele perdeu o rosto no interior da palavra ninguém.

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