Como Vivemos O Tempo

  • June 2020
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COMO VIVEMOS O TEMPO A passagem do tempo é um fato natural, contínuo e independente da vontade humana. Embora estas características sejam inerentes e permanentes ao tempo, a forma como os homens percebem e reagem à sua passagem não é a mesma para todas as sociedades. Embora predominantes antes da Modernidade, ainda há hoje em dia pessoas que vivem em um “tempo cíclico, que se repete dia após dia, ano após ano, vivido pelas sociedades agrárias, como o Tibete.” (BAUMAN, 2009) Estas sociedades vivem de acordo com a passagem das estações, com o momento de plantio e colheita. Vêem a passagem do tempo da forma como o marcam, ciclicamente. Em contrapartida, a sociedade em que nos encontramos é estruturada e vivida em cidades e centros urbanos. Neste tipo de sociedade, segundo Bauman (2009), o tempo marcha linearmente em direção ao futuro, expressando esta idéia de modernidade e progresso. Isso porque, com a Revolução Industrial, conquistou-se independência dos limites cíclicos da natureza. À medida que há progresso nas ciências e tecnologia, nos tornamos mais livres de esperar o momento natural, ou mesmo as estações do ano, para ter acesso a determinados produtos específicos ou sazonais. Além disso, este desenvolvimento permite-nos locomover e comunicar cada vez mais rápido. Toda esta velocidade é inserida em nosso ritmo de vida. Procuramos fazer tudo ao mesmo tempo, de forma a espremer o máximo de resultado em um período mínimo. “Na hipermodernidade, não há escolha, não há alternativa, senão evoluir, acelerar para não ser ultrapassado pela ‘evolução’.” (LIPOVETSKY, 2004, p.57). Tal aceleração chega ao ponto de nos encontrarmos em “um tempo sem seta, sem direção, dissipado numa infinidade de momentos, cada um deles episódico, fechado e curto, apenas frouxamente conectado com o momento anterior ou o seguinte, numa sucessão caótica.” (BAUMAN, 2009). Assim, podemos caracterizar nossa percepção de tempo hoje de maneira condensada, onde o passado e o futuro de aproximam, tornando os acontecimentos uma seqüência de episódios instantâneos, e que ocorrem de maneira simultânea.

SIMULTANEIDADE A respeito da simultaneidade, Frei Betto (2000, p. 43) levanta uma questão importante ao afirmar que esta sabota a dimensão de historicidade. Quando assistimos a uma notícia de um cantor famoso que morreu, ao mesmo tempo nos é mostrado um clipe dele cantando na televisão. Desta forma, presenciamos um enterro e um show, da mesma pessoa, ao mesmo tempo. Isso nos faz perder a sensação de continuidade dos fatos, de começo-meio-fim da história, transformando-a em acontecimentos isolados, conectados de maneira atemporal. A simultaneidade também carrega a liberdade de escolha que temos para vivermos de acordo com nosso próprio desejo, e de maneira idealizada, de acordo com o nosso próprio ritmo. Hoje, encontramos características temporais hipermodernas próprias como: “Horário flexível, tempo livre, tempo dos jovens, tempo da terceira e da quarta idade: a hipermodernidade multiplicou as temporalidades divergentes. Às desregulamentações do neocapitalismo corresponde uma imensa desregulação e individualização do tempo.”

(LIPOVETSKY, 2004, p. ) Assim, temos à escolha uma grande variedade de opções, possibilidades, e uso de nossos tempos individualizados, que também são condensados e misturados. Isso faz com que se torne difícil construir, manter e repassar valores. É possível dizer que em nosso estilo de vida estamos à deriva, imersos em uma “simultaneidade desagregadora de valores, porque os valores têm que ser construídos na temporalidade. [...] As pessoas já não sabem fazer projetos, vivem uma ansiedade terrível.” (BETTO, 2000, p. 44). Esta ansiedade, que é explicada por Bauman (2009), provém da abundância de sensações e possibilidades que nos são oferecidas, de forma a sermos constantemente estimulados a nos colocar em um estado de vigilância, para conter a sensação de estar perdendo algo. “Não importa o quanto tentamos, nunca estaremos em dia com o que aparentemente nos é oferecido. Vivemos um tempo em que estamos constantemente correndo atrás.” Ainda pode-se afirmar que “quando se privilegia o futuro, tem-se a sensação de passar ao largo da ‘verdadeira’ vida. [...] O que privilegiar? E como não lamentar esta ou aquela opção quando o tempo é destradicionalizado, entregue à escolha dos indivíduos?” (LIPOVETSKY, 2004, p.76).

O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO A tecnologia nos permite realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, armazenar e obter diversos tipos de informação diferentes em um único aparelho, que também possui diversas funções distintas. Podemos programar máquinas para ligarem ou desligarem sem estarmos presentes fisicamente e nem participando ativamente de seu funcionamento. Um exemplo da tecnologia incorporada ao nosso dia-a-dia é a explosão do uso do aparelho celular, que é capaz de nos conectar a outro ser humano por voz, texto ou imagens, à Internet, registrar momentos e acontecimentos, guardar e reproduzir vídeos, música ou jogos. A capa da Revista Época de 30 de junho de 2008, resume bem estas funções na frase “Toda sua vida cabe aqui” e ainda oferece um estudo dos melhores aparelhos celular para que se possa “fotografar, ouvir música, ver TV – ou só para impressionar”. Além de entreter, este tipo de aparelho também é capaz de fornecer informação para o usuário, assim, podemos tomar decisões e resolver problemas importantes, sem precisarmos esperar ou deslocar-nos para qualquer parte que seja.

INSTANTANEIDADE Talvez a característica hipermoderna mais

YOU MOVE

forte no que se refere ao tempo e como o vivemos seja a instantaneidade. A “temporalidade necessária para se construir valores” de que fala Frei Betto está cada vez mais espremida no ritmo de vida, que se acelera cada vez mais. Para uma explicação de como chegamos a

Na vida das grandes cidades,

este comportamento, Lipovetsky (2004, p.61)

temos a impressão de que estamos sempre

aponta que não foi a falta de referências ou valores

atrasados, procurando resolver o que é

que teríamos encontrado em dado momento

urgente ao invés de privilegiar o que é mais

histórico, mas sim o estímulo excessivo de oferta

importante. Esta característica pode ser

de bens e imagens, de solicitações hedonistas, de

observada no comercial de lançamento do curso de inglês “You Move”, em uma cena

satisfação imediata das necessidades e urgência dos

em que um rapaz está subindo em uma

prazeres. Ele afirma ainda ter sido “o poder dos

escada rolante, consultando uma pasta com

dispositivos sub-políticos do consumismo e da

papéis. Então, ele é surpreendido por um

moda generalizada o que provocou a derrota do

grupo de jovens que sobem a mesma

heroísmo ideológico-político da modernidade.” De fato, ao observamos o tipo de informação a que

escada correndo, enquanto o narrador fala com o telexpectador: “Para você que sabe que ficar parado é ficar para trás”.

estamos constantemente submetidos, é possível detectar a exploração deste tipo de filosofia. Para Lipovetsky (2004, p.59) ocorreu um deslocamento do centro de gravidade temporal, que nos colocou em um regime presentista. Segundo o filósofo (2004, p.77), uma de suas conseqüências mais perceptíveis é o clima de pressão que pesa sobre a vida das pessoas. Na hipermodernidade, os resultados em curto prazo, o cumprimento de tarefas no menor tempo possível e a urgência em detrimento da importância promovem uma atmosfera estressante. Nos queixamos mais da falta de tempo do que da falta de dinheiro ou de liberdade. Também comparando a modernidade aos tempos de hoje, Bauman (2001) mostra a mudança de perspectiva sobre o tempo. Se em uma modernidade sólida o principal

motivador para a ação está em buscar a durabilidade, o longo prazo, o resultado conquistado e futuro; por outro lado, hoje não se ganha muito em considerações em longo prazo, pois o tempo é instantâneo, servindo para ser usado no ato e descartado imediatamente. Ainda complementa Bauman (2001) que “a modernidade ‘fluida’ não tem função para a duração eterna. O ‘curto prazo’ substituiu o ‘longo prazo’ e fez da instantaneidade seu ideal último”. Com relação à forma como consumimos, nossa visão hipermoderna é oposta à solidez da modernidade, pois “manter as coisas por longo tempo, além de seu prazo de ‘descarte’ e além do momento em que seus ‘substitutos novos e aperfeiçoados’ estiverem em oferta é, ao contrário, sintoma de privação.” (BAUMAN, 2001) Assim, apresentamos um comportamento neófilo, impulsionados a consumir o novo, atualizar a tecnologia de que dispomos, substituir as coisas, renovar. Para isso precisamos estar sempre conectados às novas informações, novas idéias e novas tendências. Esta sensação é resultado da revolução informática e da globalização neoliberal. Para Lipovetsky (2004, p.61) trata-se de um presentismo já em sua segunda geração.

SEDEX O Serviço de Encomenda Expressa, dos Correios apresenta o slogan instantâneo: “Sedex. Mandou, chegou”.

A MEMÓRIA Um fenômeno que podemos observar ocorrer tem sido a revalorização de conceitos e atitudes de épocas anteriores, que permeiam desde o mundo da moda ao comportamento sexual das pessoas. Este retorno de valores, diz Lipovetsky (2004, p.86), é um “sintoma tipicamente pós-moderno”, em que observamos uma explosão de museus e datas comemorativas, como um movimento de retorno ao passado, pela negação de valores contemporâneos. Na hipermodernidade, o que temos de fato é uma obsessão comemorativa e um turismo cultural que vai além da busca por se conhecer efetivamente os acontecimentos e objetos de valor histórico. Hoje, mais acentuadamente na Europa, os museus não possuem aquele ar antigo e de preservação do silêncio, mas estão se transformando em pontos turísticos revitalizados, com a finalidade de atrair e entreter turistas, que chegam a ameaçar o patrimônio histórico-cultural que guardam. Em resumo, na hipermodernidade, passou-se “da memória à hipermemória: na neomodernidade, o excesso de lógicas presentistas segue em conformidade com a inflação proliferante da memória.” (LIPOVETSKY, 2004, p.87) Este fenômeno está associado à nossa cultura consumista. Isso pode ser deduzido a partir da forma como são apresentados e repassados os acontecimentos históricos, através de organizações de shows e eventos locais representativos dos fatos, da oferta de souvenirs e registros dos momentos referentes à visitação do turista; e evidentemente,

HORTIFRUTI “EXPOSIÇÃO HORTIFRUTI

da maneira como todo o comércio e a

– O Caminho natural de um

mídia evocam as datas comemorativas

sucesso”.

no momento de realizarem a oferta de

19/11/09, a Hortifruti promove

seus produtos às pessoas. Na lógica consumista

em

que

vivemos,

a

De

19/10/09

a

um evento de “retrospectiva do trabalho que transformou a natureza em estrela”, ao longo

valorização da data ou local histórico

dos 20 anos da marca. Na

não está no momento ou lugar em si,

programação

mas da forma como vamos representá-

comerciais

lo, guardá-lo, consumi-lo.

outdoors. Entrada franca.

há e

palestras,

exibição

de

O VALOR DO TEMPO Em 1748, Benjamin Franklin escreveu, dentre outros conselhos, a memorável relação “Tempo é dinheiro”. Elogios, críticas e estudos sobre sua vida e obra à parte, é inegável a consolidação desta idéia nos tempos modernos e após. Por exemplo, sob o título “Ganhe mais tempo e mais dinheiro” foi publicada a matéria de capa da revista Você S/A de agosto de 2009. Herança e aprendizado da relação entre tempo e dinheiro de Franklin (1748), é possível dizer que esta busca reflete a acentuação do momento em que vivemos. A compressão do tempo não se restringe apenas às nossas relações com o trabalho e a produtividade. Segundo Lipovetsky (2004, p.75), este comportamento se apossou de todos os aspectos da vida, de forma que além de reduzirmos o nosso tempo social, também desenvolvemos atividades complementares, provocando o surgimento de “temporalidades heterogêneas (tempo livre, consumo, férias, saúde, educação, horários de trabalho variáveis, aposentadoria).” De fato, são desenvolvidos métodos de organização não apenas no campo de trabalho específico, mas também no que o circunda, de forma a haver meios de “Como organizar as finanças, a agenda, os e-mails e as tarefas em 4 passos”. E vai além, extrapolando este tipo de comportamento para acompanhamentos de como “Duas famílias encaram o desafio de colocar a vida em ordem”, mostrando uma busca coletiva por obter mais tempo. E para o campo pessoal, é possível realizar um “Teste: Frustração, Sobrevivência ou Prosperidade. Onde você está?”. (VOCÊ S/A, 2009, capa, grifo nosso). Estamos vivendo uma era de simultaneidade e de instantaneidade, em que o “centro de gravidade temporal de nossas sociedades se deslocou do futuro para o presente” (LIPOVETSKY, 2004, p.59) e um momento onde “as oportunidades são imprevisíveis e incontroláveis. [...] a vigilância sem trégua parece imprescindível.” (BAUMAN, 2009). Todo este fenômeno de urgência em que estamos imersos está mudando a expressão e o valor do tempo.

A expressão “Tempo é luxo” vem ganhando adeptos, críticos e usuários. Um

exemplo de difusão e marca desta expressão foi ter sido utilizada para divulgação ampla do CEO – Corporate Executive Offices, um conjunto de salas comerciais de altíssimo nível na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, previsto para entrega em abril de 2011, e cuja campanha foi lançada sob o slogan “Tempo é luxo. O CEO vai amplificar sua vida.” Lipovetsky (2004, p.63) observa que “por toda a parte, as palavras-chaves das organizações são flexibilidade, rentabilidade, just in time, ‘concorrência temporal’, atrasozero - tantas orientações que são testemunho de uma modernização exacerbada que contrai o tempo numa lógica urgentista.” Esta postura hipermoderna provoca a migração do tempo para uma categoria de artigo de luxo. No material de divulgação, inclusive, podemos observar a oferta de uma possibilidade de solução para um dos conflitos sociais gerados pela escassez do tempo, na medida em que este se torna um problema. É o pai que agora passa a dispor melhor de seu tempo, e poderá compartilhá-lo com o filho. Independentemente da forma como utilizamos – ou pelo menos desejamos utilizar – o tempo de que dispomos, não se pode

discutir

que

na

hiper-

modernidade sentimos que o tempo se rarefaz. Quanto a isso, cabe-nos observar que “quanto mais depressa se vai, menos tempo se tem.” (LIPOVETSKY, 2004, p.78)

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