Classificação das normas constitucionais Inicialmente, cabe ressaltar que o fato de se estabelecer uma divisão das normas constitucionais segundo sua eficácia e aplicabilidade não implica afirmar que há normas constitucionais eficazes e normas constitucionais destituídas de eficácia e aplicabilidade. Isso porque não há norma constitucional de valor meramente moral ou de conselho, avisos ou lições. Todas elas possuem juridicidade e valor normativo, e, portanto, irradiam efeitos, inovando a ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da Constituição a que aderem. O que se admite é que a eficácia de certas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte enquanto não se elaborar uma outra norma jurídica ordinária ou complementar, ao passo que outras são imediata e plenamente eficazes com a entrada em vigor da Constituição. Em suma: todas as normas constitucionais possuem eficácia, mas é certo que se diferenciam quanto ao grau de seus efeitos jurídicos; têm aplicabilidade e valor jurídico diverso umas das outras, mas nenhuma é desprovida de eficácia. A doutrina apresenta distintas classificações para as normas constitucionais. A tradicional divisão, proposta pelo ilustre professor José Afonso da Silva, devido à sua inquestionável aceitação pelos mais diversos tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, é a mais adotada pela Fundação Carlos Chagas. Segundo essa classificação, as normas constitucionais, quanto ao grau de eficácia e aplicabilidade, dividem-se em: •
normas constitucionais de eficácia plena;
•
normas constitucionais de eficácia contida;
•
normas constitucionais de eficácia limitada.
As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular. Tais normas não exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados. Por isso, pode-se dizer que são normas de aplicabilidade direta, imediata e integral. As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados. Essas normas de eficácia contida, em regra, fazem expressa remissão a uma legislação futura, mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia; enquanto o legislador não expedir a norma regulamentar restritiva, sua eficácia será plena (nesse ponto diferem claramente das normas de eficácia limitada, de vez que nestas a interferência do legislador ordinário terá o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade – e não de restringir a eficácia, como aqui se cuida). Por isso, pode-se dizer que as normas constitucionais de eficácia contida são dotadas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições que limitem sua eficácia e aplicabilidade. Um dispositivo constitucional que facilita o entendimento acerca das normas de eficácia contida é o art. 5º, inciso XIII, da CF: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Trata-se de típica norma de eficácia contida. A princípio, dá a impressão de que a liberdade nela reconhecida fica na dependência da lei que deverá estabelecer as qualificações profissionais. Contudo, a interpretação aceitável é aquela que afirma
ser a liberdade profissional de aplicabilidade imediata. O legislador ordinário, não obstante, poderá estabelecer qualificações profissionais para o exercício da atividade escolhida. Em suma: a liberdade profissional está direta e imediatamente garantida; mas a lei poderá interferir para exigir certa habilitação para o exercício de uma ou outra profissão ou ofício; na ausência de lei restritiva, a liberdade ao exercício profissional é ampla, plena. As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor, os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. São normas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia. Requerem providências ulteriores para incidirem concretamente (muito embora tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais, não dirigidos aos valores fins da norma, mas apenas a certos valores-meios e condicionantes, como melhor se esclarecerá no parágrafo seguinte). O fato de tais normas dependerem de providências normativas posteriores, contudo, não quer dizer que não tenham eficácia alguma. Em verdade, possuem aplicabilidade imediata, dentre outros aspectos, no que tange à legislação anterior (revogando as normas jurídicas preexistentes, instituidoras de situações contrárias aos princípios nelas consubstanciados), bem como em relação à legislação futura (que a elas devem se conformar, sendo inconstitucionais as novas leis ou atos que as contrariarem). As normas constitucionais de eficácia limitada são de dois tipos: o
as definidoras de princípio institutivo ou organizativo;
o
as definidoras de princípio programático.
As normas constitucionais de princípio institutivo são aquelas (de eficácia limitada) pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. O constituinte incumbiu ao legislador ordinário a executoriedade de seus projetos organizativos. Vejamos os seguintes exemplos: “A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios” (art. 33); “A lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios” (art. 88); “A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de defesa Nacional” (art. 91, § 2º). As normas constitucionais de princípio programático são aquelas (de eficácia limitada) pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. Constituem programas a serem realizados pelo Poder Público, disciplinando os interesses econômico-sociais, tais como: realização da justiça social; valorização do trabalho; amparo à família; combate à ignorância etc. Em tais normas, o constituinte não remete simplesmente à lei o seu intento; estabelece uma finalidade, um princípio, mas não impõe propriamente ao legislador a tarefa de executá-los – requer, na verdade, uma política de seus órgãos, pertinente à satisfação dos fins propostos. São exemplos: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226); “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas” (art. 218); “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (art. 215). Uma outra classificação importante, também já adotada pela Fundação Carlos Chagas em alguns concursos, como o de Analista Judiciário do TRE-SP de 2006, é a
da eminente autora Maria Helena Diniz. Não se difere muito da classificação proposta por José Afonso, mas tem suas peculiaridades, observe: •
normas supereficazes ou com eficácia absoluta: são as cláusulas pétreas, normas constitucionais que não podem sequer ser objeto de deliberação em proposta de emenda constitucional tendente a abolí-las (art.60, §4º, CF/88).
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normas com eficácia plena: são plenamente eficazes, produzindo os efeitos previstos imediatamente, não dependendo de legislação infraconstitucional, assim como defende José Afonso da Silva.
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normas com eficácia relativa restringível: são as normas que, embora produzam seus efeitos previstos imediatamente, podem ter sua âmbito de alcance restringido por lei; correspondem às de “eficácia contida” de J.A.S.
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normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa: são aquelas que para produzirem seus principais efeitos necessitam de legislação posterior; correspondem às de “eficácia limitada” de J.A.S.