SOCESP
ISSN 0103-8559
REVISTA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO Volume 16 — No 3 — Jul/Ago/Set de 2006
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO EDITOR CONVIDADO: NELSON KASINSKI
Figura 2 (página 167)
INFLAMAÇÃO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES EDITOR CONVIDADO: CARLOS VICENTE SERRANO JR. Figura 2 (página 217)
www.socesp.org.br
REVISTA SOCIEDADE
DE
CARDIOLOGIA
DA
DO
ESTADO
DE
SÃO PAULO
Presidentes Regionais
Diretoria da SOCESP Biênio 2006/2007 Bráulio Luna Filho Ari Timerman Ibraim Masciarelli Pinto Ieda Biscegli Jatene João Nelson Rodrigues Branco Miguel Antonio Moretti Edson Stefanini Márcio Jansen de O. Figueiredo Fernando Nobre
ABCDM: Araçatuba: Araraquara: Araras: Bauru: Botucatu: Campinas: Franca: Jundiaí: Marília: Piracicaba: Presidente Prudente: Ribeirão Preto: Santos: São Carlos: São José do Rio Preto: Sorocaba: Vale do Paraíba:
José Luiz Aziz Celso Biagi José Geraldo Bonfá Daniel Izzet Potério Christiano Roberto Campos Beatriz Bojikian Matsubara Alexander Braun Carlos Alves Pereira Alberando Gennari Filho Carlos Benedito A. Pimentel Humberto Magno Passos Luis Carlos Pontes Brasil Salim Melis Carlos Alberto Cyrillo Sellera José César Briganti Luis Antonio Gubolino Luiz Miguel Gaspar Henriques Maurício Garcia Lima
Presidente: Vice-Presidente: Primeiro-Secretário: Segunda-Secretária: Primeiro-Tesoureiro: Segundo-Tesoureiro: Diretor de Publicações: Diretor de Regionais: Diretor Científico: Assessor de Infra-estrutura: Assessor de Informática: Assessor de Defesa Profissional:
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Conselho Editorial Arritmias e Eletrofisiologia: Angelo Amato Vicenzo de Paola, Maurício Ibrahim Scanavacca Cardiomiopatia: Beatriz Bojikian Matsubara, Dirceu de Almeida Cardiopatias Congênitas: Ieda Biscegli Jatene, Ulisses Alexandre Croti, Maria Virgínia Tavares Santana Circulação Pulmonar: Antonio Augusto Lopes, Nelson Kasinski Cirurgia Cardiovascular: Luiz Felipe P. Moreira, Paulo M. Pego Fernandes, João Nelson Rodrigues Branco Doença Arterial Coronária: Edson Stefanini, Carlos V. Serrano Jr., Luiz Antonio Machado Cesar, Otávio Rizzi Coelho Doença Valvar: Flávio Tarasoutchi, Valdir Ambrosio Moisés, Auristela Ramos Ecocardiografia: Benedito Carlos Maciel, Henry Abensur, José Lazaro S. de Andrade
Emergências Cardiovasculares: Ari Timerman, Miguel Moretti Ergometria e Reabilitação: Romeu Sergio Meneghelo, Willian Azem Chalela, Luiz Eduardo Mastrocolla Experimental: Alexandre da Costa Pereira, Kleber Franchini Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista: Amanda Guerra Moraes Rego Sousa, Expedito Ribeiro da Silva, Valter Correia Lima Hipertensão Arterial: Dante Marcelo Artigas Giorgi, Fernando Nobre, Rui Póvoa Insuficiência Cardíaca Congestiva: Fernando Bacal, João Manoel Rossi Neto, Marcus Vinicius Simões Medicina Nuclear: Paola Smanio, José Soares Jr., Carlos Buchpiguel Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada: Carlos Eduardo Rochitte, Ibraim Masciarelli Pinto
A Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (ISSN 0103-8559) é editada trimestralmente pela Diretoria de Publicações da SOCESP, Avenida Paulista, 2073 — Horsa I, 15 º andar, cj. 1512 — CEP 01311-300 — Cerqueira César — São Paulo — SP / Tel.: (11) 3179-0044 / E-mail:
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JUL/AGO/SET 2006
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo Publicação Trimestral / Published Quarterly Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP) Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 Inclui suplementos e números especiais. Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91. 1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A) 1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B), 5 (supl A), 6 (supl A) 1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A) 2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 5 (supl B), 6 (supl A) 2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A)
CDD16 616.105 NLM W1 WG100 CDU 616.1(05)
ISSN 0103-8559 RSCESP 72594
Associação Paulista de Bibliotecários / Grupo de Bibliotecários Biomédicos Normas para catalogação de publicações nas bibliotecas especializadas. São Paulo, Ed. Polígono, 1972.
ii RSCESP JUL/AGO /SET 2006
Indexada no INDEX MEDICUS Latino Americano Impressa no Brasil Tiragem: 6.500 exemplares
Nelson Kasinski
SUMÁRIO iv v
Carta do Editor Convidado Nelson Kasinski Carta do Editor Convidado Carlos V. Serrano Jr.
vi viii
Comunicado Importante Eventos
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
INFLAMAÇÃO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES
EDITOR CONVIDADO: NELSON KASINSKI
EDITOR CONVIDADO: CARLOS VICENTE SERRANO JR.
127 “Check-up” cardiológico: avaliação clínica
178 Síndromes coronárias agudas e inflamação
e fatores de risco Heart check-up: clinical examination and risk factors João Lourenço Villari Herrmann José Augusto Marcondes de Souza
138 Eletrocardiografia e teste ergométrico no “check-up” cardiológico Electrocardiography and stress test in routine cardiovascular evaluation (check-up) Luiz Eduardo Mastrocolla João Manoel Rossi Susimeire Buglia
154 A ecocardiografia no “check-up” cardiológico Role of echocardiography in routine cardiovascular evaluation (check-up) Orlando Campos Filho Wercules A. Alves Oliveira Adriana Cordovil
Acute coronary syndromes and inflammation Juliano Lara Fernandes Alexandre Soeiro César Biselli Ferreira Carlos V. Serrano Jr.
187 Aterosclerose e inflamação Atherosclerosis and inflammation Carlos M. C. Monteiro Francisco A. H. Fonseca
193 Fatores de risco e inflamação vascular Risk factors and vascular inflammation Dikran Armaganijan Luciana Vidal Armaganijan Mauricio Rodrigues Jordão
202 Inflamação e insuficiência cardíaca Inflammation and congestive heart failure Fernando Bacal Christiano P. Silva Victor Sarli Issa
163 Estratificação de risco coronário pela tomografia computadorizada Coronary risk stratification by computed tomography Ibraim Masciarelli F. Pinto Walther Ishikawa Roberto Sasdelli Neto Amanda G. M. R. Sousa
172 Análise crítica dos métodos não-invasivos para avaliação cardiológica Critical analysis of noninvasive methods in cardiologic evaluation Fausto Haruki Hironaka Gustavo Ken Hironaka
213 Células-tronco e inflamação Stem cells and inflammation Paulo Ferreira Leite
Edição Anterior: Hipertensão Pulmonar Editor Convidado: Antonio Augusto Lopes Próxima Edição: Atualização em Perioperatório de Cardiopatas Submetidos a Cirurgia Não-Cardíaca Editores Convidados: Bruno Caramelli/Cláudio Pinho Anticoagulação para o Cardiologista Editor Convidado: Cyrillo Cavalheiro Filho
iii RSCESP JUL/AGO/SET 2006
CARTA DO EDITOR CONVIDADO
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO Antes prevenir do que remediar. Esse antigo ditado expressa a importância da prevenção primária em Cardiologia, com ênfase especial à doença arterial coronária, já que algumas conseqüências dela advindas podem ser catastróficas no momento de sua instalação clínica. A verdadeira prevenção demanda aferição de sua eficácia. Para tanto, são importantes as informações obtidas do paciente nas esferas epidemiológica e clínica. Essa avaliação se completa com os dados objetivos oriundos de exames subsidiários, que compõem, assim, o verdadeiro “check-up” cardiológico. As avaliações que pretendiam afastar problemas cardiocirculatórios sofreram inicialmente numerosas críticas por sua baixa sensibilidade e baixa especificidade. Entretanto, essas limitações foram desaparecendo com a rápida evolução de métodos diagnósticos não-invasivos, determinando o desenho de uma programação com elevados índices de acerto no que tange ao conceito de coração normal. Nesse contexto, para esta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo foram escolhidos temas descritos por especialistas proeminentes e experientes, que analisam com cuidado, critério e crítica o conjunto de exames que devem compor em diferentes circunstâncias o “check-up” do coração. A escolha de procedimentos como a eletrocardiografia convencional, o teste de esforço, a ecocardiografia nas suas diferentes modalidades e a sofisticada utilização da medicina nuclear, da angiotomografia e da ressonância magnética não foi casual, tendo como objetivo trazer ao conhecimento do cardiologista as verdadeiras aplicações e limitações desses procedimentos. Dessa forma, acredito que as informações contidas nesta edição possam servir de guia para a realização e a interpretação das avaliações daqueles que buscam conhecer a saúde dos corações.
Nelson Kasinski Editor Convidado
iv RSCESP JUL/AGO /SET 2006
CARTA DO EDITOR CONVIDADO
INFLAMAÇÃO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, “Inflamação e Doenças Cardiovasculares” é o segundo tema abordado, cuja organização contou com a colaboração de colegas de renome de várias instituições do Estado de São Paulo. São cinco capítulos ao todo, em que vários aspectos relevantes são analisados, como dados epidemiológicos e pesquisa básica, além de métodos diagnósticos e terapêuticos. O ponto de vista sobre os mecanismos fisiopatológicos das doenças cardiovasculares tem se desviado de modo marcante nesta última década. No passado, acreditava-se que tanto as estenoses arteriais, com repercussão no fluxo sanguíneo, como os índices funcionais de isquemia de órgãos poderiam direcionar nossas terapias. Culpávamos as estenoses críticas como sendo responsáveis pelas complicações isquêmicas da aterosclerose. Achados clínicos recentes importantes têm nos obrigado a reconsiderar esses conceitos. As evidências atuais têm estabelecido a importância dos aspectos qualitativos das placas como determinantes na propensão a levar a complicações agudas. Entre as características funcionais das placas, em associação à vulnerabilidade, a inflamação tem surgido como mecanismo fisiopatológico fundamental, oferecendo alvos terapêuticos potenciais e novas estratégias de estratificação de risco. É nessa linha de raciocínio que os tópicos aterosclerose, fatores de risco coronário e síndromes coronárias agudas foram baseados. Por outro lado, dentro da fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a inflamação exerce papel importante, principalmente, na fase avançada da falência cardíaca, em que o estado de hipercatabolismo está predominando, assunto que também é discutido. A resposta inflamatória vascular desencadeada pelos fatores de risco induz disfunção endotelial, caracterizada por apoptose e perda da integridade endotelial. Esse cenário facilita a entrada de lipoproteínas aterogênicas e a migração de leucócitos para o espaço endotelial. Evidências recentes sugerem que as células progenitoras circulantes têm papel regenerador importante no endotélio na presença de fatores de risco aterosclerótico. Dentro desse raciocínio, esperamos ter cumprido nosso objetivo de abordar a atualização dos avanços dessa interação “inflamação” e “doenças cardiovasculares”.
Carlos Vicente Serrano Jr. Editor Convidado
v RSCESP JUL/AGO/SET 2006
COMUNICADO IMPORTANTE Estamos republicando, nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, as figuras que ilustraram o artigo "Aspectos fisiopatológicos e estruturais da vasculopatia pulmonar", de autoria da Dra. Vera Demarchi Aiello, veiculado no trimestre Abril/Maio/Junho de 2006, Volume 16, No 2, às páginas 71 a 78. Na época, por problemas técnicos com as figuras originais, a qualidade final de impressão saiu prejudicada. Nestas páginas, as figuras estão publicadas corretamente, em cores.
Figura 2. Artérias pré-acinares com proliferação intimal oclusiva e alargamento adventicial. Coloração pela hematoxilina-eosina, objetiva 20X.
Figura 3. Fotomicrografia de lesão complexa (plexiforme) em artéria pulmonar periférica. Coloração pela hematoxilina-eosina, objetiva 20X.
vi RSCESP JUL/AGO /SET 2006
Figura 4. Veia pulmonar ocluída por fibrose intimal, mostrando desorganização e proliferação de fibras elásticas (em preto). Coloração pela técnica de Muller para fibras elásticas, objetiva 40X.
Figura 5. Múltiplos pequenos vasos infiltrando o parênquima pulmonar e a parede de um bronquíolo (metade direita e canto superior direito), em caso de microvasculopatia pulmonar. Coloração pela hematoxilina-eosina, objetiva 40X.
Figura 6. Fotomicrografia de artéria intra-acinar com inflamação na parede. O corte histológico foi submetido a reação de imuno-histoquímica para marcação de macrófagos. Objetiva 40X.
vii RSCESP JUL/AGO/SET 2006
EVENTOS SOCESP 2007 28, 29 e 30 de Abril XXVIII Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo São Paulo — SP
Eventos sujeitos a alterações. Confirmar data e local no “website” da SOCESP: www.socesp.org.br Informações: SOCESP EVENTOS www.socesp.org.br
[email protected] Tel.: (11) 3179-0044 — ramal 2
viii RSCESP JUL/AGO /SET 2006
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO: AVALIAÇÃO CLÍNICA E FATORES DE RISCO
HERRMANN JLV e col. “Check-up” cardiológico: avaliação clínica e fatores de risco
JOÃO LOURENÇO VILLARI HERRMANN JOSÉ AUGUSTO MARCONDES DE SOUZA
Universidade Federal de São Paulo – EPM Endereço para correspondência: Rua Castro Alves, 806 – ap. 31 – CEP 01532-000 – São Paulo – SP
A importância crescente das doenças cardiovasculares como principal causa de morbidade e mortalidade é conhecida. A manifestação inicial da doença pode ser devastadora. O conhecimento de alguns fatores de risco, que, quando presentes, tornam a pessoa mais vulnerável à aquisição da doença, constitui os alicerces da profilaxia das doenças cardiovasculares. O exame clínico é parte essencial do “check-up” cardiológico e aliado à análise dos fatores de risco seleciona os exames complementares adequados. A partir do exame clínico e dos fatores de risco presentes utiliza-se o modelo de previsão de eventos de Framingham; para aqueles mais vulneráveis, adota-se uma atitude mais enérgica sobre os fatores de risco, devendo, quando necessário, ser indicada terapêutica medicamentosa. Palavras-chave: doenças cardiovasculares, exame clínico, fatores de risco, previsão de eventos. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:127-37) RSCESP (72594)-1606
INTRODUÇÃO As doenças cardiovasculares se tornarão, em breve, a principal causa de morte em todo o mundo.1 No Brasil, as doenças cardiovasculares representam atualmente a causa principal de morte em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal. A mortalidade por doença cardiovascular deve ser medida pelo que ela representa proporcionalmente ao total de óbitos. Assim, no biênio 19801981, correspondeu a 33,3% do total de óbitos, enquanto no biênio 1999-2000 representou 34,8% dos óbitos. No biênio 1980-1981, o número de óbitos por doença cardiovascular foi de 190.743, passando para 258.867 no biênio 1999-2000 (Tab. 1), ou seja, aumento de 35,7%. Houve aumento do número ab-
soluto de óbitos por doenças cardiovasculares, o que é, em parte, resultado do crescimento populacional, e, em parte, decorrente da redução da mortalidade por outras causas, particularmente por doenças infecciosas.2 O “check-up” cardiológico é um procedimento que permite fazer diagnóstico das condições momentâneas de funcionamento do coração, além de avaliar a presença de risco para cardiopatia isquêmica. Nos pacientes que apresentam risco elevado para doença coronariana, a mudança enérgica do estilo de vida e o controle rigoroso dos fatores de risco podem modificar o prognóstico da doença. Para justificar a procura de uma doença antes da fase sintomática, algumas condições devem ser satisfeitas: a doença a ser investigada deve ser importante, em relação tanto ao risco de morbida-
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Tabela 1. Mortes por doença cardiovascular no Brasil. 1980-1981
1999-2000
Doença
n
%
n
%
Doença reumática crônica Doença hipertensiva Doença isquêmica do coração Acidente vascular cerebral Outras Total
1.521 12.830 53.486 63.154 59.752 190.743
0,8 6,7 28 33,1 31,3 100
1.869 22.917 77.540 84.082 72.459 258.867
0,7 8,9 30,0 32,5 28,0 100,0
de e mortalidade como ao impacto sobre a qualidade de vida; o método empregado para seu diagnóstico deve ser eficaz; e, acima de tudo, o tratamento precoce, na fase pré-sintomática da doença, deve diminuir sua morbidade e mortalidade.3 As duas doenças cardiovasculares responsáveis pelo maior número de internações hospitalares e de óbitos são a cardiopatia isquêmica e a insuficiência cardíaca. O “West of Scotland Coronary Prevention Study” (WOSCOPS” – Estudo de Prevenção Primária) demonstrou que pacientes com hiperlipidemia moderada sem antecedente de infarto agudo do miocárdio, quando recebiam pravastatina, apresentavam redução da incidência de infarto e de morte cardiovascular, quando comparados a pacientes nas mesmas condições que não usaram estatina. A pravastatina reduziu em 20% o nível de colesterol plasmático e em 26% o nível de colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDLcolesterol). Acompanhando essa redução, foi observada diminuição de 31% na ocorrência de infarto agudo do miocárdio não-fatal ou morte cardiovascular. Em conclusão, em homens com hipercolesterolemia moderada, sem infarto agudo do miocárdio prévio, o tratamento com pravastatina reduziu, de maneira significativa, a ocorrência de infarto e de morte cardiovascular.4 O “Air Force/Texas Coronary Atherosclerosis Prevention Study” (AFCAPS/TexCAPS) analisou os possíveis benefícios da prevenção primária, estendida a homens e mulheres com níveis normais de LDL-colesterol e níveis baixos de colesterol ligado à lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol) submetidos a tratamento prolongado com 20 mg/dia a 40 mg/dia de lovastatina. Após período médio de 5,2 anos, o grupo tratado apresentou redução do risco de evento coronariano agudo, sem produzir aumento do risco de morte não-cardiovascular ou câncer.5 Os dois estudos citados anteriormente demonstraram de maneira inequívoca que o tratamento
de determinados grupos de indivíduos assintomáticos previne a cardiopatia isquêmica. O tratamento de pacientes assintomáticos com comprometimento da contração ventricular sempre mereceu muito descrédito por parte dos cardiologistas. Com o objetivo de elucidar essa dúvida, pacientes assintomáticos com fração de ejeção igual ou inferior a 0,35 foram randomizados para receber maleato de enalapril ou placebo. O objetivo era verificar se a droga poderia diminuir o número de mortes ou o desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Após acompanhamento médio de 37,4 meses, o grupo que recebeu enalapril apresentou redução de 29% no objetivo composto (morte e insuficiência cardíaca). Em conclusão, em assintomáticos com disfunção sistólica ventricular, o inibidor da enzima conversora da angiotensina (enalapril) reduziu significantemente a incidência de insuficiência cardíaca. Houve também tendência a menor número de mortes nesse grupo.6 Como demonstrado até agora, a importância do exame cardiológico preventivo periódico é enorme. Além das razões mencionadas, a doença cardíaca pode ter como primeira apresentação morte súbita ou infarto agudo do miocárdio, eventos que podem ser acompanhados de grande morbidade. A detecção de indivíduos suscetíveis de serem vítimas desses eventos e a atuação enérgica sobre os fatores de risco podem atenuar o número de casos. A doença isquêmica do coração é isoladamente a maior causa de morte de homens e mulheres nos Estados Unidos: 50% dos homens e 64% das mulheres vítimas de morte súbita não apresentavam sintomas prévios da doença. Entre 70% e 89% das mortes cardíacas súbitas ocorrem em homens e a incidência anual é três a quatro vezes mais alta em homens que em mulheres.7 O “check-up” cardiológico é composto do exame clínico, da investigação dos fatores de risco, da solicitação de exames complementares baseados nos dados encontrados nos dois primeiros, e
na recomendação de intervenções preventivas. EXAME CLÍNICO O exame clínico é composto de história clínica e exame físico. História clínica A história clínica tem sido subestimada e sua realização muitas vezes é delegada, pelo cardiologista, a um assistente, a uma técnica em enfermagem ou a um questionário previamente preparado e aplicado igualmente a todos os pacientes. Essa prática é desaconselhada, pois a anamnese diligente e interessada representa um elo importante na relação médico-paciente, que deve ser amigável e impregnada de confiança bilateral. Estão bastante difundidas no universo da prática médica as diretrizes brasileiras e internacionais, os consensos e as forças-tarefa, que padronizam o atendimento médico e preconizam a aplicação prática da medicina baseada em evidências. Estudantes, estagiários, residentes, pós-graduandos e médicos fazem uso de recursos de informática que lhes permitem acesso instantâneo a biblioteca médica atualizada. As diretrizes têm como preocupação principal o tratamento, usando, via de regra, alguns resultados de exames para orientar as diversas opções terapêuticas. Assim, por exemplo, na síndrome coronariana aguda, o resultado eletrocardiográfico norteia as diferentes opções terapêuticas. O atendimento ambulatorial de especialidade no sistema público é precário, de tal maneira que os pacientes cardiopatas são atendidos com freqüência nos serviços de emergência. Os socorristas, pela necessidade de decisões imediatas, são objetivos no atendimento, fazendo anamnese curta e dirigida e um exame físico rápido. Essa conjuntura assistencial faz com que o exame clínico seja desvalorizado. A subutilização costumeira da história clínica faz com que o médico comece a perder a técnica para sua realização. Cada médico, em geral, desenvolve sua própria técnica de anamnese, permitindo aos pacientes a exposição espontânea de seus problemas, para, a seguir, com perguntas pertinentes, aprofundar as características de suas queixas. As queixas mais comuns na anamnese cardiológica são dor torácica, dispnéia, síncope, edema, palpitação, tosse, cianose e dor abdominal. A dor torácica é o sintoma mais importante da cardiopatia isquêmica. A dor anginosa possui características bem definidas, que, quando investigadas cuidadosamente, permitem o diagnóstico. Localiza-se na região precordial ou retroesternal e é desencadeada por esforço físico ou estresse
emocional. Apresenta caráter de aperto ou queimação e dura em geral de 2 a 5 minutos, mas pode ter a duração de segundos ou estender-se por até 15 a 20 minutos. Pode ter outras localizações, além de apresentar irradiação e melhora com o repouso ou com o uso de nitratos sublinguais. Outras afecções cardíacas e extracardíacas podem produzir dor torácica, porém as características em geral são diferentes. A dispnéia é definida como a percepção de desconforto ou dificuldade para respirar. É um dos principais sintomas das doenças cardíacas e pulmonares. Quando ocasionada por cardiopatia, resulta de congestão pulmonar secundária ao aumento da pressão de enchimento ventricular ou do átrio esquerdo. Em alguns portadores de insuficiência coronariana, principalmente idosos e diabéticos, o episódio de isquemia miocárdica se exterioriza clinicamente por dispnéia sem dor precordial (equivalente isquêmico). A síncope, definida como perda de consciência, resulta, com freqüência, da redução abrupta da perfusão cerebral. Pode decorrer de bloqueio atrioventricular (Stokes-Adams), de taquicardia ventricular e de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (estenose aórtica ou cardiomiopatia hipertrófica). A anamnese é muito importante para diagnosticar a causa da síncope, inclusive para excluir episódio convulsivo. Os outros achados são menos comuns, porém devem ser interrogados. O interrogatório complementar, parte importante da história clínica no “check-up” cardiológico, compreende os seguintes itens: – Hábitos e antecedentes epidemiológicos: local de nascimento – se é zona rural ou urbana; tipo de moradia – se pode haver epidemiologia positiva para doença de Chagas; tabagismo – nãofumante, ex-fumante ou fumante (em caso positivo, número de cigarros e há quanto tempo faz uso da droga); uso de drogas mais pesadas – como, por exemplo, cocaína; hábito alcoólico – com informação sobre quantidade e tipo ingeridos, diariamente ou semanalmente. – Antecedentes pessoais: é parte importante da anamnese, particularmente doenças pregressas que podem ter relação com eventuais afecções cardíacas futuras. – Fatores de risco de aterosclerose: questionar sobre a presença de diabetes e hipertensão arterial, sobre a realização de exames periódicos, e sobre os valores da pressão arterial – se já fez uso de hipotensores. Questionar também: conhecimento dos valores dos lípides plasmáticos, inatividade física, atividade profissional, nível de estresse compatível com o desempenho da atividade profissional, e presença de
HERRMANN JLV e col. “Check-up” cardiológico: avaliação clínica e fatores de risco
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HERRMANN JLV e col. “Check-up” cardiológico: avaliação clínica e fatores de risco
obesidade e de síndrome metabólica. – História familiar: interrogar sobre manifestações de cardiopatias em familiares – existência de cardiopatias congênitas em familiares (é conhecida a incidência familiar da comunicação interatrial). Sabe-se que a complicação mais temível da cardiomiopatia hipertrófica é a morte súbita. Dois fatores são considerados de risco para esse evento: aparecimento da doença na juventude e antecedente de morte súbita em parente jovem de primeiro grau. As informações sobre antecedentes familiares e seus fatores de risco devem ser habitualmente mais detalhadas: valores do colesterol plasmático, existência de diabetes, hipertensão arterial e outras manifestações ateroscleróticas nos parentes, e existência de outros casos de cardiopatia isquêmica na família. São mais importantes as doenças que acometem os parentes de primeiro grau, principalmente homens com menos de 55 anos de idade e mulheres com menos de 65 anos. Exame físico Deve ser dividido em exame geral, exame cardiovascular e pesquisa de outras manifestações de doença aterosclerótica. O exame geral é feito como em todo paciente, com análise de cabeça-pescoço, tórax e abdômen. Devem ser preocupação de todo cardiologista o peso e a altura do paciente, para estimativa do índice de massa corporal e da medida da cintura abdominal. O exame cardiovascular inicia-se com a determinação da pressão e do pulso. A seguir, deve ser realizado exame do sistema cardiovascular, com palpação do icto, pesquisa de frêmitos e ausculta cardíaca, para detecção de sopros, arritmias e presença de 3a e 4a bulhas, estalidos de abertura de valvas ou estalido mesossistólico característico de prolapso da valva mitral. O exame de outras manifestações de aterosclerose deve ser uma preocupação do “check-up” cardiológico, compreendendo: características do pulso arterial, endurecimento das artérias, presença de xantelasma e xantomas, sopro carotídeo, pulsos palpáveis nas artérias dos membros inferiores e palpação da aorta abdominal para diagnóstico de aneurisma da aorta abdominal. FATORES DE RISCO
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Em relato sobre o estudo de Framingham, Kannel e colaboradores usaram pela primeira vez o termo “fator de risco” associado ao aparecimento da cardiopatia isquêmica.8 O termo fator de risco geralmente aplica-se a
um parâmetro que pode prever um evento cardiovascular futuro. O importante a respeito de um fator de risco é sua capacidade preditiva, a facilidade de obtê-lo e o custo para sua obtenção. Os fatores de risco para doença coronária são classificados em tratáveis e não-tratáveis. Os tratáveis compreendem: tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, LDL-colesterol alto, HDL-colesterol baixo, e diabetes melito. Os não-tratáveis compreendem: sexo masculino, sexo feminino após a menopausa, história familiar de doença aterosclerótica prematura em parentes de primeiro grau (homem < 55 anos; mulher < 65 anos), e idade (homem > 45 anos; mulher > 55 anos). A estimativa do risco cardiovascular em pacientes sem cardiopatia conhecida é ferramenta importante na avaliação de pacientes assintomáticos, definindo estratégia para abordagem diagnóstica nessa população e possível implementação de medidas terapêuticas e mudança de estilo de vida. Sabe-se que 90% dos pacientes com doença aterosclerótica apresentam pelo menos um fator de risco para essa condição, e a associação de um ou mais fatores tem efeito aditivo. Por outro lado, a presença de doença aterosclerótica é muito menos freqüente em pacientes sem fatores de risco.9 O escore de risco de Framingham (Tab. 2) é um dos mais antigos e mais utilizados na prática médica. Incorpora variáveis como idade, sexo, níveis de colesterol, pressão arterial, tabagismo e presença de diabetes no cálculo estimado do risco de desenvolvimento de doença coronária aterosclerótica em 10 anos. Uma revisão desse escore pelo “National Cholesterol Education Program Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults” recomendou a retirada do diabetes do escore e elevou sua condição a equivalente de doença coronária. Com base na presença desses fatores, os indivíduos são classificados em: a) baixo risco (< 10% de incidência de doença coronária em 10 anos); b) risco intermediário (10% a 20% de incidência de doença coronária em 10 anos); c) risco elevado (> 20% de incidência de doença coronária em 10 anos). Outros escores de risco existem e foram desenvolvidos com o propósito de melhorar sua acurácia e, especialmente, para ser aplicados em determinadas populações. A despeito de suas limitações, sabe-se que a implementação de medidas agressivas para controle dos fatores de risco tem importante impacto prognóstico. Tabagismo Vários são os estudos que relacionam o taba-
gismo ao aumento da incidência de doença vascular aterosclerótica, nos quais observa-se risco relativo de morte por doença coronária de 1,7.10 Muitas são as evidências de que o abandono do hábito de fumar tem efeito contrário, diminuindo o risco pela metade após um ano, e caindo a níveis próximos aos dos não-fumantes após vários anos sem fumar.11, 12 Por tudo isso os tabagistas deveriam ser incentivados a abandonar esse vício. Hipertensão arterial sistêmica É importante fator de risco para doença coronária, para doença cerebrovascular e para insuficiência cardíaca. A hipertensão tanto sistólica como diastólica contribui para esse aumento de incidência. Vários são os estudos que demonstram o benefício da redução da pressão arterial na diminuição de eventos cerebrovasculares e na incidência de insuficiência cardíaca.13 O benefício com relação à diminuição de eventos coronários não é tão claro.14 Segundo as recomendações do “Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure” (JNC 7), a terapêutica da hipertensão arterial deve levar em conta os níveis pressóricos e a presença de outros fatores de risco. Mesmo pacientes com hipertensão arterial leve e sem outros fatores de risco se beneficiam da normalização da pressão arterial.14 A introdução do tratamento farmacológico deve ser uma continuidade das medidas não-farmacológicas de controle da hipertensão arterial. Perda de peso e estímulo à atividade física regular devem ser as recomendações iniciais na abordagem de todo paciente hipertenso. Pacientes considerados portadores de pressão normal a elevada com diabetes melito ou presença de lesão em órgão-alvo devem ser considerados para tratamento farmacológico, dando-se preferência aos inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou aos bloqueadores dos receptores da angiotensina II. Dislipidemia Vários são os estudos que demonstram que a redução dos níveis de colesterol é benéfica na prevenção primária da doença aterosclerótica. O estudo WOSCOPS demonstrou diminuição de eventos cardiovasculares em homens de meia-idade tratados com estatinas e que apresentavam LDLcolesterol médio de 155 mg/dl.4 Vários outros estudos demonstraram o mesmo achado, como o AFCAPS/TexCAPS e o “Anglo-Scandinavian Cardiac Outcomes Trial-Lipid Lowering Arm” (ASCOT-LLA).15, 16
Inatividade física Estudos observacionais demonstram relação inversa entre nível de atividade física e risco de doença coronária, e ainda parece haver um gradiente no qual quanto maior o nível de atividade física menor esse risco. No que tange à prevenção primária, deve-se recomendar um mínimo de 20 minutos de atividade física, como caminhar, de quatro a seis vezes por semana. A realização de uma prova isquêmica, como o teste ergométrico, deve ser recomendada para todos os sedentários que planejam se engajar em uma atividade física mais vigorosa.17
HERRMANN JLV e col. “Check-up” cardiológico: avaliação clínica e fatores de risco
Obesidade Está associada a vários dos fatores relacionados à doença cardiovascular, como hipercolesterolemia, resistência à insulina, baixos níveis de HDL-colesterol e hipertrigliceridemia, entre outros. Segundo o estudo de Framingham, existe associação positiva entre peso ponderal e presença de coronariopatia, assim como sua distribuição, estando os pacientes com obesidade predominantemente abdominal com o maior risco.18, 19 A presença de obesidade também eleva o risco de insuficiência cardíaca e de acidente vascular cerebral. Todos os indivíduos obesos devem ser esclarecidos quanto aos benefícios da redução de peso. Diabetes melito É importante fator de risco para o desenvolvimento de coronariopatia e doença oclusiva cerebrovascular. No entanto, se o controle glicêmico rigoroso parece ser importante na diminuição das microangiopatias, o mesmo não parece ser tão óbvio com relação às macroangiopatias, como angina instável, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Por outro lado, o controle de outros fatores de risco, como hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo, a perda de peso e o consumo diário de baixas doses de ácido acetilsalicílico em pacientes diabéticos parecem ter grande influência sobre a redução da mortalidade cardiovascular.20, 21 SÍNDROME METABÓLICA Reaven, em 1988, introduziu o conceito de síndrome X, que atualmente passou a ser chamada de síndrome metabólica. A síndrome metabólica, cuja prevalência é estimada em 20% a 25% da população geral, aumenta com o avançar da idade, chegando a 42% em indivíduos com mais de 60 anos de idade.22 A gordura visceral é avaliada pela medida da circunferência da cintura, e é o método mais usado na literatura para avaliar adiposidade visceral.
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Tabela 2. Escore de risco de Framingham. Idade
H
M
20-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79
-9 -4 0 3 6 8 10 11 12 13
-7 -3 0 3 6 8 10 12 14 16
Colesterol total (mg/dl)
20-39 H M
40-49 H M
Idade 50-59 H M
60-69 H M
70-79 H M
< 160 160-199 200-239 240-279 > 280
0 4 7 9 11
0 3 5 6 8
0 2 3 4 5
0 1 1 2 3
0 0 0 1 1
Cigarros
20-39 H M
40-49 H M
Idade 50-59 H M
60-69 H M
70-79 H M
Não Sim
0 8
0 5
0 3
0 1
0 1
HDL-colesterol (mg/dl)
H
0 4 8 11 13
0 9
> 60 -1 50-59 0 40-49 1 < 40 2 H = homens; M = mulheres.
0 3 6 8 10
0 7
0 3 6 8 10
0 4
0 1 2 3 4
0 2
0 1 1 2 2
0 1
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Valores acima de 88 cm para mulheres e de 102 cm para homens estão associados à presença de risco cardiovascular muito aumentado.23 Esses valores integram os critérios do “National Cholesterol Education Program” (NCEP-ATPIII). Diversos fatores agrupados sob o denominador comum de resistência à insulina são componentes dessa síndrome: obesidade visceral, intolerância à glicose, hipertensão arterial sistêmica, hipertrigliceridemia, e níveis baixos de HDL. Embora o valor do LDL-colesterol não faça
parte dos critérios utilizados para o diagnóstico de síndrome metabólica, analisando mais profundamente as alterações lipídicas nos estados de resistência à insulina observa-se aumento do número de partículas pequenas e densas dessa lipoproteína, reconhecidamente mais aterogênicas que as partículas maiores.24 ASPIRINA Vários são os estudos que demonstram o be-
Tabela 2. Escore de risco de Framingham (continuação). Pressão arterial sistólica (mmHg)
Não-tratada H M
Tratada H M
< 120 120-129 130-139 140-159 > 160
0 0 1 1 2
0 1 2 2 3
0 1 2 3 4
Total de pontos
Risco absoluto – 10 anos (%) H M
<0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 > 25
<1 1 1 1 1 1 2 2 3 4 5 6 8 10 12 16 20 25 > 30
0 3 4 5 6
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<1 1 1 1 1 2 2 3 4 5 6 8 11 14 17 22 27 > 30
H = homens; M = mulheres. nefício da aspirina na prevenção de eventos vasculares coronários. A redução de eventos vasculares cerebrais é menos consistente e o efeito protetor parece ser mais claro em homens que em mulheres. Outro ponto a ser levado em conta é que o benefício deve superar as possíveis complicações, como o risco de sangramento. Por esse motivo, devem ser identificados indivíduos com risco suficiente para que se justifique seu emprego. Em geral, as principais sociedades médicas recomendam que a aspirina seja prescri-
ta para indivíduos que apresentem risco de evento cardiovascular superior a 10% em 10 anos.25, 26 A dose recomendada varia entre 75 mg e 160 mg por dia. TESTES NÃO-INVASIVOS PARA AVALIAÇÃO DE ISQUEMIA SILENCIOSA Eletrocardiografia de esforço Poucos são os dados a respeito desse exame em pacientes assintomáticos. Apenas a positivi-
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dade desse teste com carga baixa teria valor prognóstico relevante, eventualidade bastante rara nessa população. Sua realização nesse subgrupo parece só ser justificável na presença de pelo menos um fator de risco para coronariopatia.27, 28 Ecocardiografia com estresse (farmacológico ou esforço) Baseia-se na premissa de que a isquemia miocárdica induz alteração da contratilidade miocárdica. Não existem dados que justifiquem seu emprego em indivíduos assintomáticos de risco baixo ou de risco intermediário. Pode ter algum valor em pacientes do sexo feminino e idosos (> 75 anos) com risco intermediário.29 Cintilografia miocárdica de perfusão (farmacológico ou esforço) Seu emprego parece não ser justificado em pacientes de baixo risco. Da mesma forma que a ecocardiografia com estresse, pode ter alguma utilidade em mulheres na menopausa e idosos (> 75 anos) de risco intermediário.30 Monitorização ambulatorial da eletrocardiografia É recomendação classe III (não deve ser indicada) para pacientes assintomáticos na tentativa de estimar o risco de eventos maiores, como infarto agudo do miocárdio ou morte súbita, por não fornecer informação prognóstica.31 Tomografia por emissão de pósitrons Além de procedimento diagnóstico de alto custo, não oferece vantagem sobre outros testes mais simples, como eletrocardiografia de esforço.32 Avaliação do escore de cálcio A presença de calcificação coronária é excelente marcador da presença de processo aterosclerótico e pode ser detectada com precisão pela tomografia helicoidal. No entanto, não existem dados de longo prazo determinando a utilidade de sua detecção e o desenvolvimento de eventos coronários. A presença de baixo escore de cálcio está ligada a baixa probabilidade de eventos coronários. Proteína C-reativa ultra-sensível Marcador sanguíneo com alta sensibilidade na detecção de processos inflamatórios, em especial a inflamação vascular. Pode ter valor na detecção de eventos coronários futuros.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no exame clínico e nos fatores de
risco, são recomendados os exames complementares necessários. Quando há suspeita de cardiopatia solicita-se o exame apropriado. A eletrocardiografia faz parte da avaliação cardiológica inicial. Caso haja suspeita de valvopatia, insuficiência cardíaca ou cardiomiopatia, a ecocardiografia é o exame que mais pode auxiliar o cardiologista. Quando a queixa é de arritmia, o Holter de 24 horas auxilia no diagnóstico do tipo de arritmia. Finalmente, quando há suspeita de cardiopatia isquêmica, a ergometria e os testes não-invasivos de imagem são os recomendados. A maior parte dos pacientes submetidos a “checkup” cardiológico não apresenta evidências de doença cardíaca estrutural. É para esse grupo que a conduta é mais controversa. Em pacientes assintomáticos de baixo risco para doença coronariana (< 10% de doença coronária em 10 anos), o teste ergométrico positivo tem grande possibilidade de ser um falso positivo, levando a condutas inadequadas, como menor investigação e exposição do paciente a exames invasivos, que se acompanham da possibilidade de complicações, podendo acarretar estigma psicológico e conduzir a tratamentos desnecessários. No extremo oposto, a rigidez na indicação de exames pode não detectar o portador de obstrução grave, cuja primeira manifestação pode ser a morte súbita. Os diabéticos constituem um grupo particularmente importante. Considerando a elevada incidência de doença cardiovascular como causa de óbito (75%) e a freqüência e a importância da isquemia silenciosa nos diabéticos, a investigação de assintomáticos é desafiadora. O estudo “Detecção de Isquemia em Pacientes Diabéticos Assintomáticos” (DIAD) relatou imagens de perfusão miocárdica alteradas em 16% dos pacientes, porém apenas 1% apresentavam defeito grande.33 Outros estudos não apresentaram dados tão benignos em assintomáticos. A síndrome metabólica é outra condição que parece acarretar grande risco cardiovascular. A abordagem dos assintomáticos nessas duas situações ainda não é satisfatória e constitui motivo de grande controvérsia. A utilização de exames não-invasivos que detectam isquemia miocárdica deve ser mais liberal nessas duas situações. O resultado do teste isquêmico indicativo de mau prognóstico deve ser acompanhado da cinecoronariografia. No “check-up” cardiológico, a arte médica consiste no encontro do equilíbrio que traga segurança ao paciente e tranqüilidade ao médico.
HEART CHECK-UP: CLINICAL EXAMINATION AND RISK FACTORS
HERRMANN JLV e col. “Check-up” cardiológico: avaliação clínica e fatores de risco
JOÃO LOURENÇO VILLARI HERRMANN JOSÉ AUGUSTO MARCONDES DE SOUZA
The increasing importance of heart diseases as a major factor for morbidity and mortality is well known. The onset of the disease may be devastating. The knowledge of the risk factors presented by some patients is the basis for prophylaxis of heart diseases. Clinical examination is essential to heart check-up and together with risk factors for coronary atherosclerosis analysis, suggest suitable additional examination. Through clinical examination and presented risk factors, we’ve used the Framingham risk model and for those patients more vulnerable, strong measures on the risk factors and medication when necessary. Key words: heart disease, clinical examination, risk factors, event prediction. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:127-37) RSCESP (72594)-1606
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MASTROCOLLA LE e cols. Eletrocardiografia e teste ergométrico no “check-up” cardiológico
ELETROCARDIOGRAFIA E TESTE ERGOMÉTRICO NO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA JOÃO MANOEL ROSSI SUSIMEIRE BUGLIA
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP
Não existe estudo epidemiológico, até o momento, avaliando diretamente quando a eletrocardiografia deveria ser usada como ferramenta de triagem para doenças cardiovasculares em grandes populações. Em jovens atletas e pacientes de alto risco ou com suspeita de cardiopatia, porém, a eletrocardiografia deve ser parte integrante da avaliação inicial. O teste ergométrico em pacientes assintomáticos não encontra aceitação consensual e tem relação custo-efetividade questionável. No entanto, diretrizes destacam o sugestivo valor da ergometria em pacientes diabéticos que planejam se exercitar, em pacientes com múltiplos fatores de risco que necessitam orientação médica para a prevenção secundária, em homens com mais de 45 anos de idade e em mulheres com idade superior a 55 anos que pretendem iniciar programa de atividades físicas intensas, e naqueles envolvidos em ocupações de alto risco e que envolvam a coletividade ou com elevado risco para doença arterial coronária em decorrência de co-morbidades como insuficiência renal crônica e doença vascular periférica. Adicionalmente ao conhecimento das limitações da análise do infradesnível do segmento ST à população assintomática, variáveis não-eletrocardiográficas aplicadas nessa população têm sido incorporadas e comprobatórias na valorização prognóstica dos testes de esforço, como: a) capacidade funcional; b) incapacidade de a freqüência cardíaca elevar-se normalmente durante o exercício ou incompetência cronotrópica; c) retorno ou recuperação lenta da freqüência cardíaca após a interrupção do esforço; e d) arritmia ventricular na fase de recuperação do teste ergométrico. Com o objetivo de detecção e tratamento da aterosclerose subclínica, recentemente tem-se levado em consideração a avaliação de pacientes assintomáticos com métodos de imagem e a inclusão do teste ergométrico como parte desse processo de triagem nos homens de 45 a 75 anos e nas mulheres de 55 a 75 anos. Palavras-chave: eletrocardiografia, teste ergométrico, assintomáticos, triagem. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:138-53) RSCESP (72594)-1607
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INTRODUÇÃO Tem sido considerada normal a prática comum de incluir a eletrocardiografia como parte de exa-
mes de rotina, antes de procedimentos cirúrgicos e em admissões hospitalares de pacientes sem evidências de doença cardíaca e sem fatores de risco maiores. Esses exames podem ser importantes na
detecção de anormalidades desconhecidas, apresentando valor para eventos cardiovasculares futuros, prestando-se também à análise evolutiva quando traçados anteriores são disponíveis1. Não há evidências científicas comprobatórias de tal prática, e a sensibilidade da eletrocardiografia clássica de 12 derivações para identificar doentes com afecções específicas que desencadearão eventos ou que sofrerão modificações diagnósticas e terapêuticas é habitualmente limitada e não poderia reforçar a aplicação universal do método como triagem2-4. Em diretriz recente publicada5 objetivando a avaliação de atletas jovens, destaca-se a necessidade da pré-participação médica na liberação para atividades esportivas competitivas, tendo como base: a) eficácia comprovada da triagem sistemática pela eletrocardiografia de 12 derivações (associada à história e ao exame físico) para identificar hipertrofia ventricular e cardiomiopatia, principais causas de morte súbita relacionada ao esporte; e b) potencial de triagem na detecção de outras doenças cardiovasculares letais associadas a anormalidades do eletrocardiograma. Da mesma forma, a realização da eletrocardiografia na rotina pré-operatória de cirurgias de pequeno porte é questionável, considerando-se o menor poder de estratificação de risco e a pequena chance de adequações decorrentes nos procedimentos pré, intra e pós-operatórios. Nessas situações, a indicação torna-se vinculada mais ao julgamento clínico que baseada em diretrizes médicas ou protocolos estabelecidos. Por outro lado, quando na presença de doença cardíaca conhecida, há indicação formal para seu emprego como parte do exame clínico inicial, após terapêutica que produza modificações eletrocardiográficas que estejam relacionadas aos efeitos do tratamento, à progressão da doença ou a efeitos adversos. Adicionalmente, é apropriada no seguimento de modificações dos sinais ou sintomas ou, ainda, diante de achados laboratoriais pertinentes, por vezes mesmo sem alterações clínicas. Em pacientes considerados de alto risco ou com suspeita de cardiopatia, a eletrocardiografia encontra também aplicação consensual, sendo integrante da avaliação inicial6. Nesse contexto, incluem-se, além dos portadores de fatores de risco como tabagismo, diabetes, doença vascular periférica, hipertensão arterial, história familiar de doença cardíaca (síndrome do QT longo, pré-excitação, etc.) ou de morte súbita prematura de causa desconhecida, os pacientes em uso de medicações cardíacas específicas, durante “follow-up” de eventos clínicos ou em intervalos prolongados (habitualmente iguais ou superiores a um ano), e diante de estabilidade clínica como pré-operatório de intervenções maiores, etc.
Ressalta-se, finalmente, a ampla variedade de situações para a aplicação da eletrocardiografia, considerando-se sua simplicidade de realização e baixo custo, embora sempre deva ser dependente da avaliação conjunta pelo médico, baseada em dados como idade, sexo, história clínica e exame físico.
MASTROCOLLA LE e cols. Eletrocardiografia e teste ergométrico no “check-up” cardiológico
TESTE ERGOMÉTRICO Entre os portadores de doença arterial coronária, principal causa de morte nos países desenvolvidos e em crescente e alarmante freqüência nos países em desenvolvimento, muitos dos que apresentam implicações prognósticas importantes são assintomáticos7. No entanto, a investigação clínica complementar por provas não-invasivas nesse grupo de indivíduos não encontra aceitação consensual e de relação custo-efetividade questionável, existindo recomendações recentes contrárias à aplicação dos testes de esforço como ferramenta de “screening”8. Entre as evidências para a justificativa de tais posturas ressaltam-se as limitações das alterações do segmento ST desencadeadas durante e após o esforço para o diagnóstico de doença arterial coronária, especialmente em mulheres, resultando em investigação e tratamentos considerados não apropriados (classe III de indicação)7. Adicionalmente, a ausência de estudos randomizados com número elevado de adultos assintomáticos, na tentativa de demonstrar benefícios clínicos da aplicação de tais provas, reforça as recomendações, além do conhecimento de que fatores metodológicos como modificações da interpretação do segmento ST, análise de outras variáveis e avaliação preferencial prognóstica possam ter subestimado o poder prognóstico dos testes de “check-up”9. No entanto, diretrizes destacam o sugestivo valor da ergometria em diabéticos assintomáticos que planejam se exercitar (classe IIa), em pacientes com múltiplos fatores de risco que necessitam orientação médica para a prevenção secundária (classe IIb), em homens com mais de 45 anos e mulheres com idade superior a 55 anos que pretendem iniciar programa de atividades físicas intensas, naqueles envolvidos em ocupações de alto risco e que envolvam a coletividade ou com elevado risco para doença arterial coronária em decorrência de co-morbidades como insuficiência renal crônica e doença vascular periférica (classe IIb), entre outros10. Estudos recentes11 recomendam que indivíduos classificados como de baixo risco de eventos após avaliação global de risco cardiovascular pelo escore de Framingham ou chance inferior a 0,6% por ano não necessitam avaliação complementar, ao passo que aqueles com possibilidade estabelecida superior a
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2% demandam investigação e tratamento agressivo12, 13. Para as avaliações intermediárias de risco, entre 0,6% e 2,0% de chance de eventos no seguimento de um ano, provas como eletrocardiografia de esforço, ultra-som de carótida, detecção de cálcio nas coronárias e índice tornozelo-braquial (razão entre a maior pressão obtida por técnica de Doppler em artérias tibiais posteriores ou pediosas e artéria braquial) destacaram-se como de valor incremental nessas populações11. ANÁLISE BAYESIANA E MULTIVARIADA NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS DO TESTE ERGOMÉTRICO
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A capacidade diagnóstica de um teste de esforço é relacionada ao tipo de população selecionada, podendo-se criar vícios ou vieses, como, por exemplo, quando seletivamente se encaminham pacientes com resultados “positivos”, “alterados” ou “isquêmicos” para estudo cinecoronariográfico, o que poderá diminuir a especificidade ou a capacidade do método em selecionar os indivíduos sadios de uma população (aumentará a chance de ser um falso positivo)14, 15. Por outro lado, a especificidade será extremamente elevada se a população caracterizar-se por mínima probabilidade pré-teste de doença ou, ao contrário, a sensibilidade será expressivamente elevada naqueles encaminhados com alta prevalência de sintomas. Em estudo que incluiu 814 pacientes com história de dor torácica, os quais concordaram com a realização de teste ergométrico e cinecoronariografia de modo independente dos resultados e conseqüentemente com redução de vieses metodológicos, foram evidenciadas menor sensibilidade e maior especificidade (45% e 84%, respectivamente)16, comparativamente a publicações prévias. Adicionalmente observou-se que a análise computadorizada do segmento ST foi similar à análise visual para a caracterização de isquemia, e o emprego de equações incorporando variáveis não-eletrocardiográficas aumentou o poder diagnóstico. Reafirma-se, portanto, a importante participação do teorema de probabilidades condicionais ou de Bayes, segundo o qual um teste diagnóstico não pode ser adequadamente interpretado sem a referência da prevalência da doença na população avaliada, estabelecendo-se que a probabilidade pós-teste é função também, além da prevalência pré-teste, da sensibilidade e da especificidade. A partir da demonstração da prevalência angiográfica de coronariopatia aterosclerótica obstrutiva em estudo clássico de 4.952 pacientes17, 18, demonstrou-se que a probabilidade pré-teste pode ser determinada a partir da idade, do sexo e dos sintomas (Tabs. 1 e 2) e utilizada no manuseio clínico depois de co-
nhecidos os resultados do teste aplicado. Pode-se, ainda, estabelecer a máxima eficiência do teste de esforço em indivíduos com probabilidade intermediária de doença, beneficiados de modo mais apropriado e após reavaliação clínica das provas associadas à cintilografia miocárdica de perfusão19-21. Tais populações incluem também indivíduos assintomáticos com teste de esforço “isquêmicos”, com dois ou mais fatores de risco considerados maiores, como, por exemplo, diabetes e hipercolesterolemia. Outros métodos de medida de probabilidade pré-teste de doença também têm sido descritos, incorporando dados como idade, sexo e fatores de risco22. Torna-se, portanto, dedutiva a informação de que nenhum teste diagnóstico é perfeitamente sensível e/ou específico, de que os resultados são afetados pela probabilidade pré-teste de doença, e de que a interpretação das alterações de ST/T deve ser feita à luz da análise multifatorial, combinando respostas clínicas e hemodinâmicas. Além de melhora da acurácia diagnóstica, nitidamente adiciona valor prognóstico à prova23 que resgata, de modo racional, o teste de esforço dentro de algoritmos de decisão clínica24, 25. No entanto, na prática, faz-se mister o conhecimento de que a sensibilidade e a especificidade de vários testes diagnósticos variam entre os diferentes centros, sob a influência de fatores como população analisada, controle de qualidade, técnica empregada, experiência e conhecimento médicos. Adicionalmente, as limitações da cineangiografia coronária como padrão de comparação tornam claras as possibilidades da prova e otimizam a análise dos resultados (Tab. 3). Finalmente, além da análise bayesiana, as técnicas estatísticas que empregam a análise multivariada para a estimativa de risco pós-teste também podem fornecer informações diagnósticas de importância, com a vantagem de não requerer que os testes sejam independentes entre si ou que os índices diagnósticos (sensibilidade e especificidade) sejam mantidos constantes em populações com diferentes prevalências de doença26. PARTICIPAÇÃO DO TESTE ERGOMÉTRICO NO PROCESSO DE DECISÃO CLÍNICA Considerando-se as evidências disponíveis na literatura, as publicações que documentam a acurácia diagnóstica do teste ergométrico para doença arterial coronária incluem, de modo predominante, estudos de meta-análise27, naturalmente não isentos de vícios ou vieses28. Esses estudos, embora evidenciando larga variabilidade de resultados, quando reunidos englobam uma população de 24.074 indivíduos (147 trabalhos), submetidos
a testes ergométricos e cinecoronariografia, tornando os resultados de credibilidade aceitável na tomada de decisão. A sensibilidade foi de 68%, com variação de 23% a 100% (desvio padrão de 16%), e a especificidade foi de 77%, com variação de 17% a 100% (desvio padrão de 17%). Cumpre ressaltar que quando são excluídos pacientes com infarto prévio, respeitando-se, de modo mais
apropriado, as exigências para se analisar testes diagnósticos, a sensibilidade média foi de 67% e a especificidade, de 72%. Também devem estar incluídos, na análise dos resultados, fatores que interferem no desempenho dos testes diagnósticos, como utilização de fármacos (digital e betabloqueadores), presença de hipertrofia ventricular esquerda, alterações eletrocardiográficas de ST/
MASTROCOLLA LE e cols. Eletrocardiografia e teste ergométrico no “check-up” cardiológico
Tabela 1. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo masculino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%; baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.
Idade
Assintomáticos
Dor incaracterística
Dor atípica/ provável angina
Angina
30-39 40-49 50-59 60-69
Mínima Baixa Baixa Baixa
Baixa Intermediária Intermediária Intermediária
Intermediária Intermediária Intermediária Intermediária
Intermediária Elevada Elevada Elevada
Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilidade clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)
Tabela 2. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo feminino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%; baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.
Idade
Assintomáticos
Dor incaracterística
Dor atípica/ provável angina
Angina
30-39 40-49 50-59 60-69
Mínima Mínima Mínima Baixa
Mínima Mínima Baixa Intermediária
Mínima Baixa Intermediária Intermediária
Intermediária Intermediária Intermediária Elevada
Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilidade clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)
Tabela 3. Algumas limitações da cinecoronariografia convencional como padrão de comparação. – Disparidade entre anatomia e função. – Dificuldade de interpretação tanto qualitativa como quantitativa entre observadores. – Impossibilidade de visibilização da microcirculação. – Avaliação da reserva coronária, especialmente em vasos pequenos. – Detecção de isquemia oriunda de espasmos ou de constrição de pontes miocárdicas, induzidas pelo exercício.
T em repouso, tipos de protocolos e sistemas de monitorização e registro empregados, quantidade de trabalho total realizado, porcentual alcançado de frequência cardíaca, etc. Uma vez que todos esses fatores sejam de conhecimento do médico assistente, bem como a tríade fundamental de informações obtidas pelos testes ergométricos (diagnósticas, prognósticas e funcionais), algoritmos clínicos podem ser sugeridos e implementados, de acordo com as características da população estudada. Na população assintomática encaminhada para “check-up” e considerada inicialmente como classe IIB de indicação para pesquisa de doença coronária naqueles indivíduos com múltiplos fa-
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tores de risco, a prevalência de teste de esforço alterado varia de 5% a 12%29 em homens a partir da quarta década e de 20% a 30% em mulheres, exteriorizando-se por si só a limitação do método na avaliação diagnóstica quando são empregados critérios isolados como análise morfológica e infradesnível de segmento ST. A despeito de o risco relativo de aparecimento de angina na evolução ser cerca de nove vezes maior nos indivíduos com resultados anormais, o valor preditivo positivo em cinco anos de seguimento é baixo (em torno de 25%). Este é ligeiramente mais elevado quando o valor de corte considerado para infradesnível de segmento ST foi > 2 mm ou de ocorrência dentro dos seis minutos iniciais de exercício ou, ainda, em freqüência cardíaca alcançada durante o esforço menor ou igual a 163 – 0,66 x idade30. Entretanto, para alguns subgrupos assintomáticos, aparentemente saudáveis, obesos e com idade superior a 45 anos, a análise do segmento ST e do consumo máximo de oxigênio foi discriminante, ao final de sete anos de seguimento, para eventos como angina, revascularização do miocárdio, angioplastia transluminal coronária, infarto do miocárdio e morte31. De forma geral, o manuseio clínico dessa população deve levar em consideração os fatores interferentes, como: a impossibilidade de se estabelecer a acurácia da prova (população assintomática não é encaminhada a estudo cinecoronariográfico); a larga variação de valores preditivos positivos; a limitação do método para lesões “não-significativas”, considerando-se que muitos eventos coronários ocorrem por rotura de placas em lesões menores; além da necessidade de avaliar os resultados com o envolvimento de outros parâmetros clínicos e hemodinâmicos obtidos no teste. Além disso, diante das considerações prognósticas de grandes estudos32 evidenciando risco relativo de eventos até 30 vezes maior somente em pacientes com um ou mais fatores de risco e alterações específicas ao teste de esforço (dor torácica, tempo de exercício menor que dois estágios no protocolo de Bruce, freqüência cardíaca alcançada menor que 90% do valor predito ou infradesnível de segmento ST) e que a modificação dos fatores de risco pode ganhar maior adesão após o resultado positivo de um teste, otimiza-se, de modo racional, a aplicação do teste de esforço e o manuseio clínico desses indivíduos33 (Fig. 1). O conhecimento de novas evidências de aterosclerose subclínica, como a detecção de cálcio nas coronárias, em indivíduos assintomáticos, coincidente com outros fatores de risco convencionais e testes ergométricos isquêmicos, associase com risco aumentado para eventos, tornando a intervenção clínica obrigatória.
VARIÁVEIS NÃO-ELETROCARDIOGRÁFICAS APLICADAS À POPULAÇÃO ASSINTOMÁTICA Adicionalmente, ao lado do conhecimento das limitações da análise do infradesnível do segmento ST nessa população (inabilidade em refletir a carga e a intensidade da isquemia miocárdica)34, presença de vícios de seleção nos estudos de literatura35, utilização de padrão de referência inadequado, etc., outras variáveis têm sido incorporadas e comprobatórias na valorização prognóstica dos testes de esforço, como: a) capacidade funcional36; b) incapacidade de a freqüência cardíaca se elevar normalmente durante exercício ou incompetência cronotrópica37; c) retorno ou recuperação lenta da freqüência cardíaca após a interrupção do esforço38, 39; e d) arritmia ventricular na fase de recuperação do teste ergométrico40. CAPACIDADE FUNCIONAL Destaca-se provavelmente como a de maior importância para a classificação de risco cardiovascular e para a previsão de mortalidade, especialmente em indivíduos assintomáticos e sobrepujando fatores de risco demográficos e clássicos41, 42. Estudo envolvendo grande número de homens verificou que a aparente associação entre obesidade e risco aumentado poderia ser justificada pela inerente limitação funcional dessa população43. Adicionalmente e com base em avaliações populacionais incorpora-se também como forte preditora independente de risco em mulheres44. Da abordagem de 5.721 indivíduos do sexo feminino submetidos a teste de esforço limitados por sintomas e/ou máximos com a avaliação da capacidade funcional em unidades metabólicas (MET), estabeleceu-se um nomograma para permitir estimar os valores porcentuais da capacidade de exercício predita baseando-se na idade e na capacidade alcançada de esforço. O nomograma foi aplicado tanto na coorte inicial de mulheres como em uma população encaminhada composta por 4.471 mulheres com sintomas cardiovasculares igualmente submetidas a teste de esforço limitadas por sinais e/ou sintomas. A equação de regressão linear para a capacidade de exercício (em MET) em relação à idade nas mulheres assintomáticas foi: MET predito = 14,7 - (0,13 x idade), sendo o risco de morte para aquelas cuja capacidade alcançou menos de 85% do valor predito o dobro em relação às que atingiram ou ultrapassaram o valor estabelecido45 (Fig. 2 A/B/C/D/E). A despeito da não aceitação consensual de valores de corte de gasto metabólico ou consumo de oxigênio alcançado em
MET (estimado de acordo com o protocolo aplicado) para indivíduos assintomáticos, sugerem-se limites < 5 MET, entre 5 e 8 MET e > 8 MET, considerados respectivamente como estratificadores de risco alto, médio e baixo46. Outros estudos utilizam valores anormais derivados de idade e sexo43, 47. INCOMPETÊNCIA CRONOTRÓPICA Em indivíduos normais, a elevação da freqüência cardíaca durante o exercício é resultado da descarga adrenérgica por aumento do tônus simpático e inibição concomitante da atividade parassimpática. Já em portadores de diferentes graus de insuficiência cardíaca pode ocorrer menor aumento da freqüência cardíaca diante de estímulos habituais por sensibilidade diminuída do nó sinusal à estimulação simpática48. O comportamento diante do esforço obedece relação linear com o au-
mento do consumo de oxigênio em função do tempo e das cargas aplicadas dentro de determinados limites, sendo inversamente proporcional à idade e os valores máximos estimados derivados de equações de regressão estabelecidas. São várias as maneiras empregadas para a caracterização da insuficiência cardíaca, como o porcentual alcançado da freqüência cardíaca máxima estimada, o porcentual utilizado da reserva de freqüência cardíaca e a observação simples do pico da freqüência cardíaca, todas de valor prognóstico estabelecido37, 49 (Tab. 4). Finalmente, e à semelhança da capacidade funcional determinada pelo teste ergométrico, estudos de populações com indivíduos assintomáticos têm evidenciado que a incompetência cronotrópica se associa a taxas mais elevadas de eventos cardíacos maiores, incluindo morte, mesmo após abordagens pelo escore de Framingham42.
Figura 1. Manuseio clínico em indivíduos assintomáticos, com pelo menos dois fatores maiores de risco. FR = fatores de risco; masc = masculino; TE = teste de esforço; CVAS = cardiovascular; ECG = eletrocardiografia; GATED-SPECT = cintilografia tomográfica de perfusão e função sincronizada com o ciclo cardíaco (intervalo RR); Intermed = intermediário.
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MASTROCOLLA LE e cols. Tabela 4. Métodos comuns para a avaliação da resposta cronotrópica7. Eletrocardiografia e 䊳 Valor atingido da freqüência cardíaca ou freqüência cardíaca de pico. teste ergométrico no “check-up” 䊳 Porcentual da reserva cardíaca utilizada < 80% = alto risco. cardiológico FC pico ou alcançada - FC repouso/(220 - idade) - FC repouso
x 100
䊳
Freqüência cardíaca alcançada em função da idade
䊳
Incapacidade de a freqüência cardíaca alcançar valores no esforço que se situem abaixo de dois desvios padrão da freqüência cardíaca máxima estimada, em torno de 24 batimentos.
< 0,85 (220 - idade)
FC = freqüência cardíaca.
RECUPERAÇÃO DA FREQÜÊNCIA CARDÍACA APÓS A INTERRUPÇÃO DO ESFORÇO É expressão da reativação vagal após a cessação da estimulação simpática predominante na fase de esforço, uma vez que a queda rápida da freqüência cardíaca na fase imediata de recuperação pode ser prevenida pela injeção de atropina50 em indivíduos assintomáticos normais e atletas. A partir do conhecimento da associação entre risco cardíaco e tônus vagal alterado, estudos objetivando a análise da recuperação da freqüência cardíaca na etapa de recuperação do teste ergométrico verificaram que a queda lenta nos minutos iniciais após o exercício se associou à maior incidência de morte no seguimento39, 51. Houve validação dos mesmos achados em vários estudos de coorte e epidemiológicos envolvendo indivíduos assintomáticos38. Os valores de corte para a queda da freqüência cardíaca no primeiro e segundo minutos da recuperação são relacionados ao protocolo empregado e a diferença é calculada a partir da freqüência cardíaca de pico. No que emprega a recuperação ativa (caminhando na velocidade de 1,5 mph) a diminuição > 12 batimentos no primeiro minuto é considerada normal, com poder discriminante para melhor evolução em relação ao risco de morte. ARRITMIA VENTRICULAR
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A prevalência de arritmia ventricular freqüente durante e após o exercício em assintomáticos é pequena, mas tem sido associada a risco aumentado de morte40, podendo representar instabilidade elétrica ou alterações do tônus autonômico. Em um grande estudo de coorte de população encaminhada a realização de teste de esforço, foi evidenciado que a atividade ectópica ventricular du-
rante a fase de recuperação foi maior preditora de risco que quando a arritmia predominou durante a fase de exercício. Foram avaliados 29.244 indivíduos, 70% do sexo masculino, com média de idade de 56 anos (desvio padrão 11), sendo considerada arritmia ventricular freqüente sete ou mais extra-sístoles por minuto, bigeminismo ou trigeminismo, episódios pareados, em salva, taquicardia ventricular, “flutter” ventricular, “torsade de pointes” ou fibrilação ventricular. Apenas 945 (3%) desenvolveram os episódios durante o exercício, 589 (2%) na fase de recuperação, e 491 (2%) em ambas as etapas. Houve 1.862 mortes na população total no período médio de seguimento de 5,3 anos, sendo a arritmia durante o exercício preditora de risco aumentado de morte quando comparada à ausência da arritmia (9% x 5%; p < 0,001), mas de maior poder quando exclusiva da etapa de recuperação (11% x 5%; p < 0,001), mesmo quando após correção de variáveis de confusão40 (Fig. 3 A/B/C). AVALIAÇÃO DE ASSINTOMÁTICOS CONSIDERANDO-SE MODALIDADES DE IMAGEM RECENTES E INCLUSÃO DO TESTE ERGOMÉTRICO COMO “CHECK-UP” Atualmente existem diretrizes para “screening” ou “check-up” cardiovascular por métodos nãoinvasivos na população assintomática considerada de alto risco, incluindo homens de 45 a 75 anos e mulheres de 55 a 75 anos, objetivando a detecção e o tratamento de aterosclerose subclínica52. Modificam inclusões e aplicações do teste ergométrico a populações com características específicas, justificadas pela tentativa do encontro de melhor relação custo-efetividade. Tal estratégia, considerada conservadora, advém da percepção que mais dados são necessários para a demonstração e a comprovação de que a investigação por
Figura 2 (A, B, C, D e E). NKN, 56 anos, sexo feminino, encaminhada em 12/4/2006 para a realização de teste ergométrico associado a cintilografia miocárdica de perfusão com 99mTc-MIBI, objetivando avaliação periódica e prática de atividades esportivas. Assintomática, com antecedentes pessoais de dislipidemia e hipertensão controladas, em uso de bloqueadores dos receptores da angiotensina e estatina. Antecedentes familiares para doença arterial coronária. Pratica exercícios físicos diariamente. Em conseqüência de teste ergométrico “alterado”, realizou cintilografia “normal” em 1999. Prova atual em uso da medicação. Realizou 10 minutos do protocolo de Ellestad (V estágio), freqüência cardíaca = 134 bpm (82% da freqüência cardíaca máxima), respostas clínica e hemodinâmica normais. 99m Tc-MIBI = 2 metoxi-isobutil-isonitrila marcada com tecnécio 99 meta-estável.
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2 A) Eletrocardiograma clássico de 12 derivações, com alterações inespecíficas da repolarização ventricular.
2 B) Eletrocardiograma clássico de 12 derivações na fase imediata de recuperação, evidenciando intensificação das alterações prévias.
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2 C) Derivações modificadas, apenas com alterações da repolarização ventricular discretas.
2 D) Derivações modificadas durante pico de exercício, evidenciando-se infradesnível do segmento ST até 2,5 mm medido após 80 ms do ponto J, nas derivações MC5 (I), II e aVL modificadas. MC5 = derivação bipolar utilizada em ergometria, com o eletrodo do braço direito (negativo) posicionado no manúbrio e o eletrodo do braço esquerdo (positivo), na posição original de V5.
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novos métodos sobrepujará a avaliação do risco por meio de fatores convencionais, como tabagismo, hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes melito, considerando ainda que não são ferramentas difundidas e implementadas na prática clínica diária. Ainda, no conhecimento de que as estratégias de prevenção primária, com a estratificação baseada nos fatores de risco, têm a capacidade de identificar de modo apropriado indivíduos de baixo ou elevado risco para eventos cardíacos maiores e acidente vascular cerebral no seguimento de 10 anos, e que a maior parte de uma população
pertence à classificação intermediária de risco, em que o poder preditivo dos fatores de risco é menor, torna-se dedutiva a limitação no estabelecimento de metas e tratamento para a orientação individual. Dessa forma, como muitos pacientes deixarão de ser classificados e investigados de modo adequado, recomenda-se o uso de testes nãoinvasivos que possam identificar estrutura e função arteriais anormais como opções para abordagem profunda e estratificação avançada de risco em indivíduos selecionados, especialmente aqueles pertencentes ao grupo intermediário ou inde-
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2 E) Imagens por cintilografia tomográfica de perfusão nos eixos menor, maior horizontal e maior vertical, com captação homogênea do radiofármaco.
terminado, com múltiplos fatores de risco. Indivíduos com testes negativos para aterosclerose subclínica, como escore de cálcio coronário avaliado por tomografia computadorizada = 0 ou espessura das camadas íntima/média da carótida por ultra-som distribuída abaixo do percentil 50%, sem placa carotídea, são considerados como de baixo risco, na ausência de fatores de risco. Na presença desses fatores, os indivíduos são reclassificados para moderado risco, devendo como metas de tratamento alcançar níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) < 130 mg/dl53. Os indivíduos com testes positivos traduzidos por escores de cálcio > 1 ou espessura das camadas íntima/média da carótida > percentil 50% ou presença de placa carotídea são reestratificados de acordo com a magnitude da carga de aterosclerose em subcategorias (Tab. 5). Dentro do cenário para a avaliação do grupo proposto à aplicação de testes não-invasivos de aterosclerose subclínica, considerado como “vulnerável” e candidato a tratamentos individualizados, testes de isquemia miocárdica, como o teste ergométrico, estariam indicados apenas para o grupo de risco muito elevado. Tais indivíduos, na pre-
sença de resposta isquêmica, têm indicação de estudo invasivo, objetivando o binômio revascularização/melhora da sobrevida ou qualidade de vida. Adicionalmente, algumas considerações merecem destaque no que concerne à prevenção primária e ao enfoque dos novos testes: a) A presença de diabetes não seria considerada equivalente de risco de doença arterial coronária na ausência de aterosclerose subclínica54. Dessa forma, o teste ergométrico como “check-up” nessa população não encontra indicação consensual, a não ser naqueles que pretendem ou estão em prática de atividades físicas. Na condição de provas comprobatórias de aterosclerose clínica, passam a ser considerados como de alto risco, seguindo a logística habitual de investigação. b) Outros testes podem ser considerados para aplicação opcional, como, por exemplo, proteína C-reativa elevada55. c) Provas adicionais para avaliação estrutural e funcional, como ressonância nuclear magnética de aorta e artérias carotídeas56, e abordagem da disfunção endotelial57 e da perda da elasticidade arterial, entre outras, têm se mostrado preditoras de eventos.
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Tabela 5. Categorias de risco baseadas na presença de aterosclerose subclínica52. Risco moderado/elevado – Escore de cálcio < 100 (mas > 1) e < percentil 75; ou CMIT < 1 mm e < percentil 75 (> 50), sem placa evidenciável em carótida. Risco elevado – Escore de cálcio entre 100 e 399 ou > percentil 75; ou CMIT > 1 mm; ou > percentil 75; ou placa evidenciável em carótida com lesão < 50%. Risco muito elevado – Escore de cálcio > 100 e > percentil 90; ou escore de cálcio > 400; ou estenose carotídea > 50%. CMIT = espessura das camadas íntima/média da carótida.
Figura 3 (A, B e C). MCT, 45 anos, do sexo masculino, encaminhado em 13/4/2006 para a realização de teste ergométrico, objetivando “check-up” e prática de atividades esportivas. Assintomático, com antecedentes familiares de insuficiência vascular cerebral. Peso = 85 kg; estatura = 1,82 m. Considerado como baixa probabilidade pré-teste de doença arterial coronária. Realizou 8,5 minutos do protocolo de Ellestad (IV estágio), com freqüência cardíaca de 175 bpm (100% da freqüência cardíaca máxima) e respostas clínica e hemodinâmica normais.
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3 A) Eletrocardiograma de 12 derivações modificadas, em que I corresponde à derivação MC5, não se verificando anormalidades morfológicas. MC5 = derivação bipolar utilizada em ergometria, com o eletrodo do braço direito (negativo) posicionado no manúbrio e o eletrodo do braço esquerdo (positivo), na posição original de V5.
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3 B) Registros durante exercício máximo, observando-se episódios de taquicardia ventricular não-sustentada.
3 C) Adicionalmente aos episódios de taquicardia ventricular não-sustentada, até 10 batimentos, infradesnível de pequena magnitude de segmento ST nas derivações aVL e V5 modificadas, imediatamente após o registro da arritmia. Ecocardiograma normal. Encaminhado pelo médico assistente a Holter, cintilografia de perfusão com radiofármacos e ressonância nuclear magnética, objetivando afastar cardiopatia estrutural.
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ELECTROCARDIOGRAPHY AND STRESS TEST IN ROUTINE CARDIOVASCULAR EVALUATION
(CHECK-UP) LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA JOÃO MANOEL ROSSI SUSIMEIRE BUGLIA
No epidemiologic study directly approached the question of whether the electrocardiogram should be used to screen large populations for cardiovascular disease. However, in young athletes, in high risk patients or in patients with suspicion of cardiopathy, the electrocardiogram must be part of the initial evaluation. The value of treadmill test in asymptomatic patients is not consensual and its cost-effectiveness is questionable. However, guidelines emphasize the value of the treadmill test in diabetic patients looking to start a fitness program, in patients with multiple risk factors that need medical orientation for secondary prevention, in men more than 45 years of age and in women more than 55 years of age beginning an intense fitness program, those involved in occupations responsible for people’s life, and those at high risk for coronary artery disease due to comorbidities as chronic renal failure and peripheral vascular disease. Additionally to the knowledge of the limitations of the analysis of the ST segment depression in the asymptomatic population, non-electrocardiographic variables applied in this population, have been incorporated and evidential in the prognostic value of the exercise test, as: a) functional capacity; b) incapacity of the heart rate to normally raise during the exercise or chronotropic incompetence; c) return or slow recovery of the heart rate after the interruption of the effort; d) ventricular arrhythmia in the recovery phase of the exercise test. With the aim to detect and treat sub-clinical atherosclerosis in asymptomatic men ranging from age 45 to 75 years and in women from 55 to 75 years, imaging methods and treadmill test have been recently incorporated to the screening evaluation. Key words: electrocardiography, treadmill test, stress test, asymptomatic, screening. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:138-53) RSCESP (72594)-1607
REFERÊNCIAS
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CAMPOS FILHO O e cols. A ecocardiografia no “check-up” cardiológico
A ECOCARDIOGRAFIA NO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
ORLANDO CAMPOS FILHO WERCULES A. ALVES OLIVEIRA ADRIANA CORDOVIL
Setor de Ecocardiografia – Escola Paulista de Medicina – UNIFESP Endereço para correspondência: Rua Maestro Cardim, 1251 – cj. 53 – CEP 01323-001 – São Paulo – SP
A versatilidade da ecocardiografia como ferramenta diagnóstica justifica seu uso na avaliação individual de pacientes assintomáticos expostos a fatores de risco para doença cardiovascular, embora não seja recomendado no rastreamento de cardiopatia na população geral. Subgrupos especiais de indivíduos assintomáticos que podem se beneficiar da avaliação ecocardiográfica incluem hipertensos, diabéticos, dislipidêmicos, obesos e os com antecedentes familiares de doença cardiovascular, na tentativa de se identificar possíveis alterações estruturais (dilatação e/ou hipertrofia ventricular/atrial) ou funcionais (disfunção sistólica global/regional, disfunção diastólica) sugestivas de comprometimento cardíaco subclínico passível de intervenções profiláticas. Outra área atual de interesse do uso da ecocardiografia em indivíduos assintomáticos é na complementação da avaliação cardiovascular para a prática de exercícios físicos, a fim de se excluir doenças miocárdicas incipientes, sobretudo naqueles com histórico de cardiopatia, aortopatia ou morte súbita na família. Por fim, este artigo avalia o papel diagnóstico e o valor prognóstico da ecocardiografia sob estresse com esforço na detecção da doença arterial coronariana latente, particularmente em mulheres e diabéticos assintomáticos. Palavras-chave: ecocardiografia, “check-up” cardiológico. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:154-62) RSCESP (72594)-1608
INTRODUÇÃO
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Qualquer processo de investigação diagnóstica envolve a relação custo-benefício do exame diante de determinada situação clínica. Particularmente no “check-up” cardiológico, a predisposição do paciente assintomático a certas cardiopatias (fatores de risco ou antecedentes familiares) constitui o principal determinante para a escolha individual dos métodos apropriados para detecção precoce de condições cardiológicas subclínicas.
Como método não-invasivo, a ecocardiografia é considerada segura, largamente disponível e altamente acurada no diagnóstico de alterações anatomofuncionais da maioria das doenças estruturais cardíacas. No entanto, seu custo impede que seja sistematicamente indicada no rastreamento em larga escala de possíveis cardiopatias na população geral assintomática, sem fatores de risco cardiovascular conhecidos1. Por outro lado, tem importante papel na avaliação individual de pacientes assintomáticos expostos a determinados fato-
res de risco (hipertensão arterial sistêmica, obesidade, dislipidemia, diabetes melito e história familiar de cardiopatia), visando à prevenção primária de cardiopatias a eles relacionadas2. A disfunção ventricular esquerda decorrente desses fatores de risco pode ser identificada pela ecocardiografia em seus estágios iniciais, com o paciente ainda assintomático. Geralmente, antes da disfunção se tornar clinicamente manifesta, ocorrem mudanças na morfologia e na geometria do ventrículo esquerdo, chamadas de remodelamento ventricular. Essa mudança estrutural, além de reduzir progressivamente o desempenho mecânico cardíaco, está fortemente relacionada ao aumento da mortalidade cardiovascular3. Na fase latente da disfunção ventricular, tais alterações refletem a expressão de mecanismos adaptativos que podem ser reconhecidos precocemente à ecocardiografia e envolvem a avaliação das dimensões cavitárias e da massa miocárdica, além das funções sistólica e diastólica globais ou regionais pelos índices tradicionais. Embora novos elementos de função regional venham sendo progressivamente agregados à análise ecocardiográfica convencional, como o Doppler tecidual e seus derivados (“strain”, “strain rate”), ainda não se conhece o significado diagnóstico e o valor prognóstico de alterações incipientes desses índices em uma população assintomática para doença cardiovascular. Dessa forma, a ecocardiografia pode ser potencialmente aplicável a uma série de situações clínicas em que se objetiva a identificação precoce de anormalidades cardíacas latentes em indivíduos assintomáticos, porém com maior probabili-
dade de desenvolvimento futuro de doença cardiovascular. Por outro lado, doenças estruturais, como certas cardiomiopatias na ausência de coronariopatia, podem ser definidas facilmente pela ecocardiografia. A Tabela 1 apresenta alguns exemplos de subgrupos especiais de indivíduos assintomáticos, com ou sem fatores de risco para doença cardiovascular, em que a ecocardiografia poderia ser útil. Neste artigo, serão discutidos aspectos particulares de cada subgrupo, avaliando implicações prognósticas da ecocardiografia e eventual impacto na modificação da história natural da doença cardiovascular latente assintomática. Cabe lembrar que, nessas circunstâncias, o ecocardiograma deve ser avaliado no contexto clínico, integrado a outras modalidades diagnósticas não-invasivas (eletrocardiografia, teste ergométrico, monitorização ambulatorial da pressão arterial, etc.) para uma análise mais abrangente.
CAMPOS FILHO O e cols. A ecocardiografia no “check-up” cardiológico
RASTREAMENTO DE DISFUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA EM INDIVÍDUOS ASSINTOMÁTICOS As atuais diretrizes para diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca crônica2 identificam quatro estágios na história natural dessa síndrome, sendo os dois primeiros (A e B) no paciente assintomático. O estágio A consiste no alto risco de desenvolvimento dessa afecção (diabetes melito, aterosclerose e hipertensão arterial sistêmica), porém sem alterações cardíacas estruturais. Já o estágio B é definido como presença de alteração estrutural cardíaca (remodelamento e disfun-
Tabela 1. Condições clínicas em indivíduos assintomáticos com potencial indicação de ecocardiografia. Avaliação cardiológica do adulto para prática esportiva - Rastreamento de cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica - Rastreamento de displasia arritmogênica do ventrículo direito - Rastreamento de miocárdio não compactado - Rastreamento de síndrome de Marfan Avaliação cardiológica de atleta profissional - Idem Avaliação de grupos de risco para doença cardiovascular - Familiar de primeiro grau com cardiomiopatia ou antecedente de morte súbita - Portadores de hipertensão arterial sistêmica - Pacientes com diabetes melito - Indivíduos com obesidade significativa - Pacientes com síndrome metabólica Condições especiais em valvopatias - Indivíduos jovens com sopro cardíaco supostamente inocente - Mulheres grávidas com sopros sistólicos funcionais - Idosos com discreto sopro ejetivo
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CAMPOS FILHO O e cols. A ecocardiografia no “check-up” cardiológico
ção sistólica) no paciente assintomático. Com base nessa nova classificação, a ecocardiografia tem papel fundamental na tomada da decisão clínica, já que pode detectar precocemente a cardiopatia estrutural em pacientes assintomáticos (estágio B), bem como identificar pacientes com alto risco de insuficiência cardíaca (estágio A) ainda sem cardiopatia. HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
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Na hipertensão arterial sistêmica, o remodelamento ventricular é, a princípio, uma forma útil de compensar a sobrecarga hemodinâmica anormal ao miocárdio. No entanto, é também o primeiro indício do desenvolvimento de síndromes clínicas, como insuficiência cardíaca, isquemia miocárdica e arritmias cardíacas. A identificação ecocardiográfica da hipertrofia ventricular esquerda em populações assintomáticas representa um forte preditor de mortalidade cardiovascular4, e a redução da massa ventricular dos pacientes hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda está associada à redução do risco de doenças cardiovasculares5. Dentre as principais informações a serem observadas pela ecocardiografia no paciente assintomático com hipertensão arterial estão o tipo e o grau de hipertrofia ventricular esquerda. Além disso, a ecocardiografia permite caracterizar a geometria ventricular a partir da relação entre a massa ventricular indexada pela superfície corpórea (índice de massa de ventrículo esquerdo) e a espessura relativa das paredes miocárdicas6. Assim, podem ser estabelecidos diferentes padrões geométricos com significado clínico diverso: hipertrofia ventricular esquerda (aumento do índice de massa de ventrículo esquerdo) concêntrica (espessura relativa das paredes > 0,42) ou excêntrica (espessura relativa das paredes < 0,42) e remodelamento concêntrico do ventrículo esquerdo (espessura relativa das paredes > 0,42 sem aumento do índice de massa de ventrículo esquerdo). Essa classificação tem relevância clínica na indicação da terapia medicamentosa nos pacientes com hipertensão arterial sistêmica limítrofe6, além de apresentar valor prognóstico, uma vez que maiores índices de morbidade e de mortalidade tardia foram observados em pacientes com geometria concêntrica (hipertrofia ou remodelamento) em relação àqueles com geometria excêntrica7. Outro elemento ecocardiográfico com relevância prognóstica no hipertenso assintomático é o volume atrial esquerdo, presente em cerca de 44% dos casos, mesmo em vigência de função diastólica normal8. Apesar de associar-se à hipertrofia ventricular esquerda, o aumento do volume atrial es-
querdo é considerado fator de risco independente para eventos cardiovasculares, especialmente fibrilação atrial e acidente vascular cerebral. Outra situação relacionada à hipertensão arterial sistêmica é a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo assintomática (fração de ejeção à ecocardiografia < 0,50) sem sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca. Desenvolve-se em cerca de 4% dos pacientes hipertensos sem doença arterial coronariana e correlaciona-se com o aumento da massa ventricular esquerda. É um fator preditor de eventos cardiovasculares nessa população e pode ser reversível com adequado tratamento antihipertensivo.9 Associada ou não à disfunção sistólica, a disfunção diastólica em seus diversos graus, sobretudo a de grau leve (alteração de relaxamento), está presente em aproximadamente 40% dos pacientes hipertensos assintomáticos. Embora a disfunção diastólica relacionada à hipertensão arterial, com ou sem hipertrofia ventricular esquerda, seja motivo de intensa investigação atual, seu valor prognóstico ainda não está totalmente esclarecido nessa população. DIABETES MELITO A freqüente associação entre diabetes melito e outros fatores de risco determina sabidamente maior prevalência de doença coronariana nesse subgrupo de pacientes, com distribuição difusa e evolução acelerada, mesmo com manifestações atípicas que incluem o infarto do miocárdio silencioso. Nessa situação, a ecocardiografia convencional pode ser útil na detecção de alterações contráteis segmentares sugestivas de comprometimento coronariano assintomático. Isso acontece amiúde nos pacientes com neuropatia diabética, nos quais é mais freqüente a isquemia miocárdica silenciosa10. O alto risco de eventos coronarianos nessa população justifica meios de investigação de doença coronariana latente, que incluem eletrocardiografia, teste ergométrico, Holter e até mesmo ecocardiografia sob estresse com esforço físico. Mesmo na ausência de hipertensão arterial sistêmica e coronariopatia associadas, o paciente portador de diabetes melito pode apresentar maior tendência a disfunção miocárdica, tanto sistólica como diastólica, resultantes dos efeitos diretos da doença sobre o coração, constituindo a assim chamada cardiomiopatia diabética. Possivelmente esse fenômeno decorra do acúmulo de produtos metabólicos no interstício miocárdico, com conseqüente aumento de sua espessura e diminuição de seu desempenho mecânico.11, 12 Ao se utilizar técnicas mais modernas (Dop-
pler tecidual e “color M-mode”), são descritas elevadas taxas de disfunção diastólica em até 75% dos portadores de diabetes do tipo 2 normotensos e sem coronariopatia.13 Essa anormalidade ocorre a despeito do controle glicêmico adequado e parece estar correlacionada à duração do diabetes e a outras microangiopatias diabéticas, tais como retinopatia e neuropatia13, 14. Portadores de diabetes do tipo 1, normotensos e assintomáticos do ponto de vista cardiovascular, apresentam aumento da massa miocárdica15, associado por alguns à albuminúria e à duração da doença16. Embora anormalidades na função sistólica de pacientes com diabetes do tipo 1 ocorram tardiamente, há consenso de que a disfunção diastólica nesses pacientes represente a manifestação cardíaca pré-clínica mais precoce da cardiomiopatia diabética, com função sistólica preservada17. Em pacientes com diabetes do tipo 1, a disfunção diastólica precoce (padrão de relaxamento anormal ao Doppler convencional) tem sido relacionada tanto a complicações microvasculares nãocardíacas (retinopatia, nefropatia e neuropatia diabéticas) como a duração da doença e controle metabólico inadequado17, 18, o que tem sido contestado por outros15. Mais recentemente, estudos com Doppler tecidual têm demonstrado alterações diastólicas em ambos os ventrículos17, sobretudo em adolescentes do sexo feminino sem sintomas cardiovasculares19. OBESIDADE Algumas particularidades são observadas no ecocardiograma de indivíduos obesos assintomáticos. Embora fisiologicamente os diâmetros das cavidades cardíacas aumentem conforme o índice de massa corporal, a obesidade é um fator de risco independente para o desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda caracterizada ao ecocardiograma. Isso ocorre, provavelmente, como conseqüência do aumento do volume intravascular, do aumento do débito cardíaco e do aumento do consumo global de oxigênio associados à maior massa adiposa. Somados ao risco de desenvolvimento de disfunção miocárdica inerente à hipertrofia ventricular, estão presentes também os fatores de risco que acompanham o paciente obeso, tais como hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, aterosclerose e diabetes, que podem concorrer para o desenvolvimento de doença arterial coronariana. As alterações morfológicas que acontecem no coração do paciente obeso podem estar relacionadas ao acúmulo de gordura entre as fibras cardíacas, com conseqüente degeneração miocelular e disfunção cardíaca. Todas essas alterações estruturais no miocárdio dos indivíduos obesos pare-
cem ser mais evidentes quanto maior o grau ou o tempo da obesidade.20 Estudos hemodinâmicos e ecocardiográficos demonstraram elevadas pressões de enchimento em ventrículo esquerdo associadas a índices de massa corporal aumentados, mesmo naqueles indivíduos com fração de ejeção normal no repouso. Isso decorre primordialmente da disfunção diastólica concomitante ao remodelamento ventricular nos pacientes obesos21. Por sua vez, tem sido demonstrado que a redução do peso em obesos de grau avançado pode resultar na normalização da disfunção diastólica prévia22. Nessa população de obesos graves, a disfunção sistólica assintomática foi observada em até 36% dos casos. Além das alterações miocárdicas nos obesos graves, também é descrito aumento da pressão média da artéria pulmonar estimada à ecodopplercardiografia, que pode estar associado à síndrome da apnéia obstrutiva do sono, muito freqüente no grupo obeso.20
CAMPOS FILHO O e cols. A ecocardiografia no “check-up” cardiológico
O CORAÇÃO DO ATLETA A doença cardiovascular, conhecida ou não, está entre as principais causas de eventos fatais durante atividade física. Assim, a avaliação cardiológica tem como objetivo identificar alterações estruturais e funcionais que poderiam aumentar o risco de morbidade e de mortalidade durante a prática esportiva, bem como analisar o impacto do treinamento sobre o sistema cardiovascular.23 Antes de analisar o ecocardiograma do atleta, é necessário conhecer os achados fisiológicos dessa condição. O “coração de atleta”, descrito há mais de dois séculos, caracteriza-se por inúmeras adaptações morfofuncionais de caráter benigno e transitório relacionadas à maior demanda energética. Em termos gerais, consiste no aumento da massa miocárdica a níveis que podem atingir aqueles dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica24. As alterações estruturais do coração do atleta dependem da intensidade, do tipo de esforço, da duração, da idade e da raça.24, 25 Ghorayeb e colaboradores24 demonstraram, em maratonistas profissionais, valores significantemente maiores da cavidade ventricular esquerda, da espessura diastólica do septo ventricular e da parede posterior, e da massa ventricular esquerda determinada ao ecocardiograma, quando comparados com um grupo controle de sedentários sadios. Os esportes, de forma geral, têm sido classificados em dois grandes grupos: esportes de força ou estáticos, em que predominam exercícios isométricos (como, por exemplo, halterofilismo), e os esportes de resistência, em que predominam as formas isotônicas de exercícios dinâmicos (como,
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por exemplo, maratonismo). Na maioria das vezes, no entanto, os dois componentes estão presentes no condicionamento físico. Há uma tendência de que o aumento da massa ventricular esquerda seja do tipo concêntrico nos atletas cujo esforço seja predominantemente isométrico e excêntrico nos esforços predominantemente isotônicos. A hipertrofia concêntrica tem sido considerada uma resposta à sobrecarga de pressão e a hipertrofia excêntrica, uma adaptação à sobrecarga de volume24, 25. A diferenciação entre cardiomiopatia hipertrófica e resposta fisiológica ao exercício físico é uma questão controversa na literatura. Entretanto, em termos práticos, pode ser feita pela análise das funções sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo, de forma que o encontro de disfunção ventricular, sistólica ou diastólica, concomitante com hipertrofia cardíaca deve levantar a suspeita de cardiomiopatia hipertrófica.24, 26 Técnicas ecocardiográficas recentes para o estudo da função miocárdica global e regional, envolvendo o Doppler tecidual e suas variantes (“strain” e “strain rate”), podem auxiliar na caracterização de disfunção ventricular nessa situação clínica. A ecocardiografia sob estresse com esforço físico pode ser útil na detecção de uma resposta anormal do miocárdio hipertrófico ao exercício26, seja por alterações da função sistólica ao esforço seja pelo desenvolvimento de obstrução subaórtica dinâmica com gradiente sistólico ausente em repouso, sugestivo de cardiomiopatia hipertrófica com obstrução latente. O CORAÇÃO NA GRAVIDEZ NORMAL A avaliação de sopros funcionais pela ecocardiografia na gestante assintomática pressupõe o conhecimento das adaptações fisiológicas cardíacas durante a gravidez. O aumento do débito cardíaco e da volemia determina discretos aumentos reversíveis das cavidades atriais e ventriculares, dentro dos limites da normalidade. A função sistodiastólica está preservada, e há maior prevalência de refluxos funcionais multivalvares (pulmonar, tricúspide e mitral, mas não aórtico) relacionados à dilatação ostial, sem repercussão clínica27. O CORAÇÃO DO IDOSO
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A ecocardiografia pode identificar facilmente elementos estruturais e funcionais muito prevalentes no idoso saudável, não necessariamente patológicos: septo interventricular sigmóide, esclerose valvar aórtica e calcificação focal do anel mitral associados a refluxos valvares discretos sem
repercussão hemodinâmica, disfunção diastólica leve (alteração do relaxamento ventricular) e ateromatose discreta do arco aórtico. Tais aspectos devem ser levados em consideração ao se utilizar a ecocardiografia no paciente idoso assintomático. HÁ LUGAR PARA A ECOCARDIOGRAFIA SOB ESFORÇO FÍSICO NO “CHECK-UP”? A ecocardiografia sob estresse com esforço físico constitui a integração de imagens ecocardiográficas ao teste ergométrico convencional, em indivíduos com capacidade física preservada. Além de custo-efetivo, a ecocardiografia sob estresse com esforço físico tem ótimo perfil de segurança28, equivalente ao teste ergométrico isolado na população geral. Estudos recentes confirmam a superioridade do teste ergométrico sobre a análise isolada dos fatores de risco na previsão de eventos cardíacos em indivíduos assintomáticos com baixa probabilidade para doença arterial coronária, justificando seu uso em “check-up” de rotina29. Entretanto, não há evidências atuais que suportem essa indicação para a ecocardiografia sob estresse com esforço físico. Ao contrário, as diretrizes vigentes da Sociedade Brasileira de Cardiologia consideram como classe III a indicação desse teste na avaliação inicial de indivíduos assintomáticos com baixa probabilidade de doença arterial coronária, ou seja, ecocardiografia sob estresse com esforço físico nesses indivíduos é desnecessária ou não aplicável1. É necessário enfatizar que a ecocardiografia sob estresse com esforço físico não substitui o teste ergométrico quando a análise eletrocardiográfica é adequada, mesmo em assintomáticos. Nossas diretrizes, porém, recomendam o uso da ecocardiografia sob estresse físico ou farmacológico em indivíduos assintomáticos quando o teste ergométrico é positivo ou duvidoso (classe IIa) ou, eventualmente, com bloqueio de ramo esquerdo, para reduzir a probabilidade de doença arterial coronária1. Os estudos sobre valor diagnóstico e prognóstico da ecocardiografia sob estresse com esforço físico na população geral avaliam uma ampla faixa de probabilidade pré-teste de doença arterial coronária, que incluem desde indivíduos assintomáticos com fatores de risco até pacientes com doença arterial coronária definitiva. Os resultados derivados desses pacientes, portanto, não podem ser extrapolados para uma população assintomática. Contudo, em uma grande série de pacientes de ambos os sexos (61% homens), de meia-idade (média de idade, 62 anos), na maioria assintomática ou com dor atípica (90%), porém com alguns
fatores de risco presentes, observou-se excelente prognóstico naqueles com ecocardiografia sob estresse com esforço físico negativa para isquemia miocárdica, independentemente da probabilidade pré-teste30. Já em pacientes com baixa probabilidade pré-teste de doença arterial coronária, os resultados da estratificação de risco de doença arterial coronária pela ecocardiografia sob estresse com esforço físico são controversos. Alguns acreditam que para pacientes com dor torácica atípica e baixa probabilidade de doença arterial coronária, a ecocardiografia sob estresse com esforço físico possa ser mais custo-efetiva que o teste ergométrico convencional31. Em outro estudo, porém, embora a ecocardiografia sob estresse com esforço físico tenha identificado alguns desses pacientes com risco de eventos futuros, não foi considerada custo-efetiva pela baixa taxa de desfechos clínicos32. Apesar dessas considerações, acredita-se que o exame sob esforço físico pode ser válido em subgrupos específicos de indivíduos assintomáticos. Assim, a ecocardiografia sob estresse com esforço físico pode ser útil no “check-up” cardiológico nas seguintes condições: presença de alterações eletrocardiográficas em repouso que possam prejudicar a interpretação do eletrocardiograma no esforço; indivíduos com história familiar de cardiomiopatia hipertrófica; pacientes com indicação de realizar ecocardiografia além do teste ergométrico (avaliação para academia, atletas, etc.), e, sobretudo, quando houver maior probabilidade de testes falsos positivos (mulheres) e em indivíduos assintomáticos com risco elevado para doença arterial coronária (diabéticos). Um estudo recente propõe um protocolo para avaliação cardiovascular em indivíduos normais que vão se submeter a treinamento físico aeróbico, que inclui a realização de ecocardiografia sob estresse com esforço físico além do teste cardiopulmonar para estabelecer a segurança da atividade física e me-
33
lhor orientar a prescrição do nível de exercício . Particularmente em mulheres, nas quais sabidamente o teste ergométrico apresenta menor acurácia diagnóstica em relação ao sexo masculino, as diretrizes das sociedades americanas de cardiologia sugerem que um teste de estresse com imagem pode ser uma alternativa inicial eficiente ao teste ergométrico34. A ecocardiografia sob estresse com esforço físico em mulheres é reconhecidamente mais sensível, mais acurada e mais custoefetiva que o teste ergométrico para o diagnóstico de doença arterial coronária35, além de apresentar valor prognóstico independente e adicional às informações clínicas e aos resultados do teste ergométrico36. O valor prognóstico do exame sob estresse em mulheres pode ser otimizado se, ao invés da simples análise dicotômica do resultado positivo ou negativo, for avaliada quantitativamente a resposta do teste pelo escore de motilidade parietal37. Mesmo não havendo estudos exclusivos de ecocardiografia sob estresse com esforço físico em mulheres assintomáticas, é possível que as vantagens desse exame possam também beneficiar esse subgrupo ao se submeter a “check-up” cardiológico. Em diabéticos, o uso de exames de imagem com estresse farmacológico ou físico para avaliação de isquemia tem sido recomendado pela “American Heart Association”. Nos diabéticos em geral, a ecocardiografia sob estresse com esforço físico tem valor prognóstico incremental aos dados clínicos e à eletrocardiografia de esforço, acrescentando informações para previsão de eventos cardiovasculares futuros, sobretudo quando o teste ergométrico for não-diagnóstico38. Embora derivados de um estudo com diabéticos sintomáticos e assintomáticos, esses dados reforçam a importância da avaliação ecocardiográfica tanto em repouso como ao esforço nesse subgrupo de pacientes, justificando, em nossa opinião, sua realização em diabéticos assintomáticos.
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ROLE OF ECHOCARDIOGRAPHY IN ROUTINE CARDIOVASCULAR EVALUATION (CHECK-UP) ORLANDO CAMPOS FILHO WERCULES A. ALVES OLIVEIRA ADRIANA CORDOVIL
Echocardiography is a versatile diagnostic noninvasive tool that can be applied in the cardiac evaluation of asymptomatic subjects with risk factors for cardiovascular diseases, although not recommended for routine screening in large populational studies. Special subgroups of asymptomatic individuals for echocardiographic evaluation includes hypertensive patients, diabetics, dislipidemic, obeses, in an attempt to identify structural or functional signs of subclinical cardiac abnormalities which can lead to profilatic proceedings. Cardiac evaluation of candidates to physical activities constitutes another application of echocardiography for asymptomatic subjects, mainly with familial story of cardiac disease or sudden death, in order to exclude latent myocardial or aortic diseases. Finally, this article discusses the diagnostic and prognostic role of exercise echocardiography in diagnosing latent artery coronary disease, particularly in asymptomatic women and diabetics. Key words: echocardiography, check-up. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:154-62) RSCESP (72594)-1608
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ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CORONÁRIO PELA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA
PINTO IMF e cols. Estratificação de risco coronário pela tomografia computadorizada
IBRAIM MASCIARELLI F. PINTO WALTHER ISHIKAWA ROBERTO SASDELLI NETO AMANDA G. M. R. SOUSA
Serviço de Tomografia Computadorizada Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Hospital do Coração (HCor) – Associação do Sanatório Sírio Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP
A tomografia computadorizada por múltiplos detectores pode ser empregada para a avaliação não-invasiva de indivíduos com suspeita de apresentar doença coronária, uma vez que ela possibilita calcular o escore de cálcio coronário e realizar a angiotomografia nãoinvasiva daqueles vasos. A experiência mundial revela que esse exame apresenta elevados valores preditivos negativo e positivo. O exame também logra revelar a presença de obstruções coronárias e pode ser utilizado para o acompanhamento não-invasivo de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio por possibilitar a estratificação de risco nesses casos. Palavras-chave: tomografia computadorizada, insuficiência coronária, prognóstico. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:163-71) RSCESP (72594)-1609
INTRODUÇÃO A tomografia computadorizada de múltiplos detectores vem ganhando grande aceitação como forma de avaliação não-invasiva das artérias coronárias. Uma de suas principais aplicações é a de identificar subgrupos de pacientes em maior risco para apresentar eventos cardíacos adversos, tais como procedimentos de revascularização, internação por angina, infarto e morte súbita cardíaca. Isso ocorre porque esse exame fornece dados sobre o índice de calcificação coronária, sobre a presença de placas não-calcificadas e, mais recentemente, sobre a função ventricular. O objetivo des-
te artigo é rever, de modo objetivo e crítico, o desempenho da tomografia computadorizada por múltiplos detectores na complementação da estratificação de risco não-invasiva. PRINCÍPIOS FÍSICOS, AVALIAÇÃO DO ESCORE DE CÁLCIO E ANGIOTOMOGRAFIA CORONÁRIA A tomografia por múltiplos detectores das artérias coronárias baseia-se na emissão de raios X por um tubo gerador que gira ao redor do paciente em velocidades de, pelo menos, 400 ms por ciclo. A radiação incide sobre múltiplas fileiras de de-
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tectores, que podem variar de 4 a 64, dependendo do modelo utilizado. Nesses detectores, então, a radiação incidente gera uma corrente elétrica que será submetida à conversão análogo-digital, dando lugar às imagens fontes.1, 2 Paralelamente, o traçado eletrocardiográfico do paciente é registrado durante todo o período de aquisição. Ao término da aquisição o operador realiza o pareamento entre as imagens e as diferentes fases do ciclo cardíaco. Desse modo, todas as estruturas cardíacas, inclusive as artérias coronárias, podem ser avaliadas em todas as etapas da movimentação do coração.1, 2 Uma forma alternativa de obter imagens do coração inclui o registro da anatomia cardíaca em fases predeterminadas do ciclo cardíaco, num modo conhecido como aquisição prospectiva. Essa opção tem a vantagem de expor o paciente a doses menores de radiação, mas, por outro lado, é mais sujeita à presença de artefatos de movimento, uma vez que a sincronização entre a fase do ciclo cardíaco e as imagens registradas pode não ser perfeita.3, 4 A dose de radiação incidente sobre o paciente tem sido alvo de controvérsia e pode variar de acordo com o fabricante, com o modelo de tomografia utilizado e com o protocolo de exame. Todos os envolvidos lançam mão de recursos eletrônicos para reduzir a dose total de radiação necessária para a realização do exame, mas esta é semelhante àquela necessária em outros exames de imagem, sendo muito baixa para a realização do escore de cálcio e algo mais elevada para a realização da angiotomografia.3 A determinação do índice de calcificação das artérias coronárias compreende uma etapa única, sem necessidade de procedimentos adicionais. Por outro lado, a realização da angiotomografia também exige a aquisição de imagens radiográficas simultaneamente à injeção de meio de contraste iodado, com a finalidade de opacificar aqueles vasos assim como as cavidades cardíacas e facultar a visibilização não-invasiva das estruturas do coração.3, 5-7 A análise das imagens exige que todas as estruturas sejam revistas em estações de trabalho computadorizadas que possibilitam a reconstrução das artérias coronárias e das cavidades cardíacas em diferentes planos, inclusive as tridimensionais. A primeira fase é o cálculo do escore de cálcio coronário, realizado de modo simples, em que o operador delimita a área das artérias coronárias nas quais pode haver calcificação e o computador determina automaticamente a taxa de cálcio naquela região.3, 5-7 Em seguida, são feitas reconstruções longitudinais e transversais das artérias coronárias e das cavidades cardíacas, para que
se possam localizar as obstruções, para que estas possam ser quantificadas e também para que se possa estimar a composição das placas. As reconstruções volumétricas, por sua vez, são úteis para a avaliação da função ventricular e para documentar a anatomia coronária (Fig. 1). Essas imagens são, por fim, documentadas para fornecer ao médico solicitante todas as informações necessárias para a estratificação de risco. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO: PAPEL DO ESCORE DE CÁLCIO A potencial contribuição do escore de cálcio para determinar a faixa de risco dos pacientes avaliados tem sido sugerida há mais de uma década8. Pesquisas nesse sentido foram realizadas a partir do conhecimento da relação clara que existe entre a presença de aterosclerose e a existência de cálcio8-11. Sabe-se que a presença de placas de ateroma na parede arterial é acompanhada da presença de diferentes graus de calcificação, que são facilmente identificáveis pela tomografia computadorizada. Assim, estabeleceu-se desde logo a associação entre o grau de cálcio na parede das artérias coronárias e a maior possibilidade de existir doença coronária9. Detrano e Molloi9 defendiam a aplicação do método de análise das tomografias das artérias coronárias desenvolvido por Agatston e colaboradores8, por entender que o depósito de fosfatos de cálcio nas placas de ateroma que se formam nas artérias coronárias é um fenômeno relativamente precoce e que poderia trazer implicações clínicas relevantes. Mais tarde, o mesmo grupo12 relatou os resultados da utilização desse método em 491 indivíduos assintomáticos e que foram submetidos a quantificação do escore de cálcio coronário e também a cinecoronariografia invasiva. Os autores definiram, arbitrariamente, o valor de 200 como o nível que caracterizava escore elevado. Eles relataram 13 óbitos cardíacos e 1 infarto nãofatal, chamando a atenção para o fato de que a quantidade de cálcio nas artérias coronárias foi um preditor de eventos mais significativo que o número de vasos comprometidos por estenoses. Contudo, os autores caracterizaram a relação entre o índice de calcificação e a incidência de eventos como sendo moderada, uma vez que houve a presença de eventos adversos mesmo em percentis de risco não muito elevados12. O interesse pelo uso desse método ampliou-se e o mesmo grupo confirmou a utilidade da realização do escore de cálcio em pacientes de altorisco, mesmo que assintomáticos13. Avaliando 1.461 pacientes, esses autores determinaram número de vasos calcificados, idade, colesterol to-
tal, diabetes e hipertrofia ventricular ao eletrocardiograma como preditores independentes de eventos coronários adversos. Kennedy e colaboradores14 acompanharam 366 casos em quatro centros e lograram demonstrar que o grau de calcificação nas artérias coronárias e o sexo masculino foram os únicos preditores independentes de eventos adversos. Além disso, de 71 pacientes que não demonstravam nenhum resquício de cálcio nas artérias coronárias, 64 apresentavam exames invasivos completamente normais, demonstrando, dessa forma, que a determinação de escore de cálcio
negativo tem elevado poder preditivo negativo (90%, na experiência dos autores)14. Um dos mais importantes trabalhos avaliando o impacto da mensuração do cálcio coronário foi o estudo de Shaw e colaboradores, que acompanharam 10.377 indivíduos assintomáticos submetidos a esse exame, com média de idade de 53 anos e com 60% desses indivíduos do sexo masculino15. Nesse trabalho foi utilizada a divisão, hoje aceita em quase todos os centros mundiais, dos valores do escore de cálcio como 10 ou menos, de 11 a 100, de 101 a 400, de 401 a 1.000, e maior
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A B
Figura 1. A) Imagens de tomografia computadorizada sem injeção de contraste, que servem para demonstrar a presença de cálcio (setas). Essa informação é a base para a determinação do escore de cálcio coronário. B) Reconstruções tridimensionais e longitudinais do coração e das artérias coronárias, que permitem a visibilização e a análise das artérias coronárias.
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que 1.00015. Os pacientes foram acompanhados por cinco anos e no final desse período a mortalidade ajustada foi de 1% para os casos de cálcio de 10 ou menos e de 5% quando o escore era maior que 1.000. Um importante achado foi o de que a incidência de eventos aumentava de acordo com a proporção do cálcio coronário (Tab. 1)15. Avançando na análise dos dados, os pacientes foram divididos em três subgrupos, de acordo com o escore de risco de Framingham, isto é, baixo com 1.302 casos, moderado com 5.876 indivíduos e alto com 3.194 pacientes. Em todos houve relação direta entre o maior escore de cálcio e a mortalidade por todas as causas. Os próprios autores reconhecem que o trabalho incluiu casos que apresentavam alguns fatores de risco por terem sido referidos por seus médicos e isso pode não refletir o desempenho do exame na população geral. Eles concluem, afirmando que o cálculo do índice de cálcio estaria indicado em especial nos indivíduos que mostrassem perfil de risco pré-teste intermediário. A relação entre presença de calcificação nas artérias coronárias e existência de insuficiência coronária foi confirmada em trabalho de Moser e co-
Anand e colaboradores17, que empregaram protocolo semelhante em 220 pacientes com média de idade de 61 anos e dos quais 85% eram homens. Com resultados semelhantes aos do estudo de Moser16 e colaboradores, os autores demonstraram que houve isquemia à cintilografia em 18% dos 119 pacientes que apresentavam índice de cálcio entre 101 e 400, incidência que aumentou para 45% nos 101 casos nos quais o escore de cálcio era maior que 40117. Greenland e colaboradores também abordaram a associação entre a determinação dos fatores de risco clássicos e o índice de cálcio coronário18. Eles avaliaram 1.461 pacientes assintomáticos e demonstraram que naqueles nos quais o escore de cálcio era superior a 330 a chance de ocorrência de eventos adversos aumentava 3,9 vezes. Contudo, ao subdividir os pacientes conforme o escore de risco de Framingham, os autores demonstraram que quando perfil de risco pré-teste era menor que 10% o índice de cálcio não apresentou nenhum impacto nos pacientes. O impacto da determinação do índice de cálcio coronário se apresentava em sua plenitude quando os pacientes apre-
Tabela 1. Mortalidade por todas as causas e taxa de risco relativo em cada uma das faixas de escore de cálcio, revelando que esse índice teve impacto em todos os subgrupos avaliados. (Adaptado de Shaw e cols.15)
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Escore de cálcio
Número de pacientes
Mortalidade por todas as causas (%)
Taxa de risco relativo
< 10 11-100 101-400 401-1.000 > 1.000
5.946 2.044 1.432 632 332
1,0 2,6 3,8 6,3 12,3
— 2,5 3,6 6,2 12,3
laboradores16. Esses autores estudaram 794 pacientes que também foram submetidos a cintilografia do miocárdio. Dos indivíduos incluídos no estudo, 422 apresentavam escore igual ou inferior a 100 e nestes não houve nenhum caso de defeito transitório ou fixo no exame de perfusão miocárdica. Por outro lado, dos 59 pacientes que apresentavam escore de cálcio entre 101 e 400 houve 6% de defeitos transitórios à cintilografia e nos 38 casos com índice de cálcio maior que 400 a proporção de casos de isquemia no teste de medicina nuclear aumentou para 35%16. A associação entre cálcio coronário e isquemia miocárdica foi confirmada no trabalho de
sentavam taxa de risco acima de 10%. Era neste último subgrupo que a prevalência de eventos aumentou 3,9 vezes (intervalo de confiança: 2,010,4). Embora com menor casuística, esse estudo confirma as impressões de Moser e colaboradores, que especularam que, embora taxas de cálcio elevado sejam elementos de pior prognóstico para todos os casos, o impacto desse parâmetro é mais importante nos indivíduos que apresentam perfil de risco pré-teste intermediário. Conclusões semelhantes foram recentemente relatadas por Hecht e colaboradores em revisão feita do tema19. É importante lembrar que em todos os trabalhos descritos houve grande destaque para o fato
de que com índices de cálcio reduzidos, em especial quando esse valor é zero, a possibilidade de existir doença coronária é reduzida20, 21. Por outro lado, existem limitações relacionadas à quantificação do índice de cálcio coronário, tais como o fato de que esse parâmetro não deve ser utilizado para o seguimento dos pacientes, além de que ele não se reduz ao longo da vida do paciente, por mais eficaz que seja o tratamento empregado, e, de modo muito importante, a avaliação do escore de cálcio não faculta a análise da parede do vaso ou a identificação de placas nãocalcificadas. Isso fez com que alguns centros passassem a realizar a complementação do exame utilizando para tanto a injeção de contraste iodado, a fim de realizar a angiotomografia das artérias coronárias.
tratificar o risco de eventos coronários. A experiência de nosso serviço demonstrou que o exame pode realizar, de modo efetivo, a estratificação de risco após a revascularização cirúrgica do miocárdio. O exame pode, com facilidade, demonstrar a patência de enxertos arteriais e venosos utilizados, além de identificar a presença de obstruções naqueles vasos (Fig. 2). Avaliando 136 pacientes submetidos a angiotomografia e a cinecoronariografia, encontramos sensibilidade de 91% e especificidade de 96% para encontrar obstruções nas artérias coronárias. Acompanhando esses pacientes por 14 meses, determinamos valor preditivo positivo de 94% para definir a incidência de eventos adversos.
PINTO IMF e cols. Estratificação de risco coronário pela tomografia computadorizada
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO: ANGIOTOMOGRAFIA DAS ARTÉRIAS CORONÁRIAS A angiotomografia das artérias coronárias é um exame não-invasivo, que utiliza a técnica dos exames de tomografia computadorizada por múltiplos detectores associada à injeção de meio de contraste iodado para revelar a anatomia das artérias coronárias, para identificar a presença de obstruções arteriais coronárias e também para permitir o estudo das placas de ateroma. Knez e colaboradores 6 demonstraram que, mesmo com os equipamentos de primeira geração, que adquiriam oito imagens por segundo, já era possível demonstrar a anatomia da árvore arterial coronária e detectar a presença de obstruções. Leber e colaboradores22 confirmaram os resultados favoráveis e o trabalho de Nieman e colaboradores23 revelou que a avaliação tridimensional do coração a partir das imagens da tomografia computadorizada de múltiplos detectores facultava a completa análise das artérias coronárias e a identificação da presença de obstruções. Os autores apontaram algumas limitações do exame, tais como a dificuldade em realizar a análise completa das artérias coronárias e alguma imprecisão na quantificação das obstruções intermediárias, mas concluíram que esse exame apresentava grande potencial. Tanto a sensibilidade como a especificidade do exame foram sendo aprimoradas conforme a técnica progredia; com o lançamento dos equipamentos de 64 imagens por rotação, a literatura passou a relatar valores de 83% e 97%, respectivamente, para identificar obstruções que diminuíssem em mais de 75% a luz dos vasos24. Tais resultados favoráveis estimularam o emprego mais amplo dessa técnica também para es-
Figura 2. Angiotomografia das artérias coronárias demonstrando a presença de uma anastomose de artéria torácica interna esquerda com a artéria descendente anterior e uma ponte de safena para a artéria marginal que se encontram pérvias.
A mesma estratégia pode ser empregada no estudo das artérias coronárias nativas. Nikolaou e colaboradores25 demonstraram que até 30% das placas encontradas nas artérias de pacientes com insuficiência coronária eram puramente não-calcificadas. Estudo posterior do mesmo grupo26 revelou que as imagens conseguidas pela tomografia computadorizada por múltiplos detectores poderia ser efetivamente empregada para determinar a carga total de aterosclerose que comprometia cada paciente em particular. A avaliação das artérias coronárias nativas com
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a tomografia computadorizada de múltiplos detectores demonstrou bons resultados conseguidos na avaliação dos enxertos (Fig. 3). Nossa experiência demonstra que temos sensibilidade de 89% e especificidade de 93%, além de valor preditivo positivo de 91%. Chama muito a atenção o fato de que o valor preditivo negativo do exame foi de 97%. Uma importante aplicação desse método surgiu com os trabalhos de Kunimasa e colaboradores27 e de Hoffmann e colaboradores28, que de-
os ateromas interagem com os raios X, permitia distinguir os portadores de síndromes instáveis. Nossa experiência também demonstrou que a determinação de placas não-calcificadas contribui para a estratificação de risco de pacientes com suspeita de insuficiência coronária. Acompanhamos 643 pacientes, calculando neles o índice de cálcio e a quantidade de placas não-calcificadas (Fig. 4). Ao final de 30 meses de evolução, foram observados eventos adversos em 54 pacientes.
Figura 3. Angiotomografia das artérias coronárias nativas demonstrando doença coronária extensa na artéria descendente anterior, na qual existem placas de ateroma significativas.
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monstraram a possibilidade de utilizar a angiotomografia das artérias coronárias para tipificar a composição das placas que comprometam esses vasos. Nossa experiência nesse sentido demonstra que é possível revelar diferenças entre síndromes coronárias utilizando a tomografia computadorizada de múltiplos detectores. Comparando 150 pacientes com síndromes coronárias agudas com 150 pacientes portadores de angina estável, demonstramos que o índice de cálcio era igualmente elevado nos dois subgrupos, mas que o coeficiente de atenuação das placas, isto é, o modo como
Nestes, o índice de cálcio era superior àquele encontrado nos indivíduos sem eventos (242 + 73 vs. 64 + 8; p < 0,001), havia mais diabéticos (18, 33% vs. 62, 10,5%; p < 0,05), e escore de placas não-calcificadas (258 + 57 vs. 42 + 21; p < 0,0001). A análise estatística multivariada demonstrou esses elementos como os únicos preditores independentes dos eventos adversos. CONCLUSÃO A tomografia computadorizada por múltiplos
PINTO IMF e cols. Estratificação de risco coronário pela tomografia computadorizada
Figura 4. Reconstrução longitudinal de angiotomografia mostrando a forma como se procede para determinar o escore de cálcio (áreas em bege) e o escore de placas lipídicas (áreas em azul) que comprometem as artérias coronárias.
detectores vem ocupando posição de destaque na estratificação de risco de pacientes com suspeita de apresentar doença coronária, assim como em indivíduos sintomáticos e após revascularização cirúrgica do miocárdio. A realização combinada do cálculo do índice de cálcio coronário e da angiotomografia dá ao exame valor preditivo nega-
tivo de 97% e mostra sensibilidade e especificidade acima de 90%. Naturalmente o exame apresenta ainda algumas limitações e exige que certos avanços sejam feitos, mas seu uso clínico pode identificar subgrupos de maior risco e contribuir de modo muito importante para a prática clínica da cardiologia.
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CORONARY RISK STRATIFICATION BY COMPUTED TOMOGRAPHY
IBRAIM MASCIARELLI F. PINTO WALTHER ISHIKAWA ROBERTO SASDELLI NETO AMANDA G. M. R. SOUSA
Multi slice computed tomography may be a useful tool to the non-invasive evaluation of patients with suspected coronary artery disease. It offers the possibility of calculating the coronary calcium score and to perform the non-invasive angiography of the coronary arteries. The medical literature reports high positive and, specially, negative predictive values. It is also possible to detect the presence of obstructions in the coronary arteries and may be used to the follow-up of patients undergoing surgical myocardial revascularization for it allows the risk stratification even in this subset of patients. Key words: computed tomography, coronary artery disease, prognosis. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:163-71) RSCESP (72594)-1609
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HIRONAKA H e col. Análise crítica dos métodos não-invasivos para avaliação cardiológica
ANÁLISE CRÍTICA DOS MÉTODOS NÃO-INVASIVOS PARA AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA
FAUSTO HARUKI HIRONAKA GUSTAVO KEN HIRONAKA
Departamento de Radiologia – Faculdade de Medicina – FMUSP Endereço para correspondência: Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, s/no – CEP 05430-010 – São Paulo – SP
Por conseqüência da importância da doença vascular aterosclerótica assintomática na morbidade e na mortalidade das doenças cardiovasculares, tornaram-se prioritários a identificação e o tratamento adequado dos pacientes de alto risco. A detecção desses pacientes de alto risco deve ser baseada em fatores de risco maiores. A utilização de métodos complementares de imagem em adição aos índices derivados de fatores de risco é discutida. Palavras-chave: aterosclerose, diagnóstico por imagem, doenças vasculares, fatores de risco, isquemia miocárdica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:172-7) RSCESP (72594)-1610
EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA ATEROSCLERÓTICA
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Aterosclerose é moléstia crônica que acomete de forma generalizada as artérias do corpo humano. O processo fisiopatológico tem componente genético mas é afecção predominantemente adquirida e evolui desde tenra idade de forma progressiva. Forma tardia de manifestação é a doença arterial clínica, com sintomas agudos de isquemia ou necrose da região irrigada. Entretanto, grande parcela da população portadora de aterosclerose evolui assintomática, chamada de fase pré-clínica, e a compreensão dessa fase da moléstia se faz por meio de estudos populacionais. O estudo de Framingham possibilitou acompanhar a história clínica da doença durante 50 anos na população geral, e estabelecer sem viés de seleção a real importância da doença coronariana aterosclerótica1. Constatou-se que: a) aos 40 anos, um em cada dois homens e uma em cada três mulheres desenvolverão a doença durante a existência2; b) dois terços
das mortes por doença arterial coronariana ocorrem fora do hospital, metade das mortes ocorre de forma súbita e inesperada, e metade das mortes súbitas ocorre sem história clínica de doença arterial coronariana3; c) um em cada seis síndromes isquêmicas agudas se manifesta por meio de morte súbita como primeiro, último e único sintoma1; d) um em cada três infartos agudos de miocárdio é silencioso ou não reconhecido, embora o prognóstico seja semelhante ao sintomático3, 4. Existe, portanto, na população geral, um contingente de portadores de doença arterial coronariana aterosclerótica cuja história natural pode ser modificada com identificação e tratamento.Como a aterosclerose se apresenta como um contínuo de intensidades de comprometimento e existem várias alternativas de tratamento, há necessidade de se adequar a intensidade do tratamento à do comprometimento, tornando possível maiores ganhos absolutos nos casos de maior gravidade. Assim, para a ação clínica, torna-se indispensável estratificar risco individual para evento coronariano grave. Define-se
como evento coronariano grave a morte súbita de origem coronariana e o infarto agudo do miocárdio. LIÇÕES DE ANATOMIA A trombose é o acontecimento determinante da instabilidade da doença arterial coronariana aterosclerótica e responsável pelo evento grave5, 6. Acontece por duas principais lesões na placa aterosclerótica, denominada de placa vulnerável: 1) Erosão endotelial – na superfície de capa fibrosa, que é a estrutura que separa o núcleo lipídico da luz vascular. Ocorre freqüentemente em artérias com estenoses significativas e artérias de menor calibre5. 2) Rotura da capa fibrosa – mais freqüente, independentemente do grau de estenose. A seguir estão descritos os fatores locais que predispõem à rotura: a) maior infiltração de monócitos, responsáveis pela produção de proteases, como as metaloproteinases, que destroem a matriz colágena (a lesão instável é caracterizada por intenso processo inflamatório, especialmente nas proximidades da linha de rotura)7; b) apoptose de fibra muscular lisa da capa fibrosa8; c) as lesões com rotura aguda de placa têm freqüentemente núcleo lipídico cujas dimensões ocupam área de 34% + 17% da área total da placa e medem em média 3,8 mm2 + 5,5 mm2 e 9 mm de comprimento9; d) capa fibrosa fina, definida como espessura menor que 65 micra quando está associada a 95% das roturas agudas de placa (para identificá-la por método de imagem, a capacidade de resolução espacial deve estar no mínimo em 50 micra)8, 9. CALCIFICAÇÃO DE PLACA A deposição de cálcio ocorre precocemente no núcleo lipídico e em região com presença de lípides extracelulares. A extensão da calcificação correlaciona-se com a soma dos estreitamentos maiores das artérias coronárias 10. Mas a fraca correlação com o grau de estenose não permite inferir a artéria de maior estenose em determinado coração. Não há achados que justifiquem a idéia de que a calcificação provoque instabilidade de placa, pois se trata de resposta orgânica secundária 8, 10. AVALIAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR Avaliação de risco cardiovascular inicial no consultório Consta de identificação e determinação da gravidade dos fatores de risco. Os fatores de risco maiores são independentes, tendo sido identifica-
dos no estudo de Framingham os seguintes fatores: tabagismo, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, diabetes melito, e baixa taxa de colesterol associado à lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol). Esses fatores de risco justificam 90% do excesso de risco dos portadores de doença arterial coronariana11. A idade é fator de risco por representar a somatória do tempo de exposição aos outros fatores de risco, aumentando a carga aterosclerótica e a probabilidade de rotura ou erosão de placa. São também fatores de risco inatividade física, história familiar de doença arterial coronariana e obesidade, denominados de predisponentes. Avaliação de risco global são modelos matemáticos em que se obtêm, por meio da ponderação de fatores de risco, números que representam a somatória total de risco. São derivados do estudo de Framingham, e é possível estimar o risco de evento coronariano grave em 10 anos. Para tanto, incorpora as seguintes variáveis: idade, sexo, colesterol total, HDL-colesterol, tabagismo, pressão arterial sistólica e tratamento de hipertensão12. Permite classificar os indivíduos em: baixo risco (6% de eventos em 10 anos), sem fatores de risco; médio risco (6% a 20% de eventos em 10 anos), com pelo menos um fator de risco; e alto risco (20% de eventos em 10 anos), que é o nível da doença arterial coronariana sintomática estável. No grupo de alto risco estão também os portadores de doença vascular em outra artéria que não as coronárias (aneurisma de aorta, doença vascular periférica, lesão carotídea sintomática)12. Estima-se que na população adulta americana 35% se enquadrem no grupo de baixo risco; 40%, no grupo de médio risco; e 25%, no grupo de alto risco13. Os doentes portadores de diabetes melito são considerados de alto risco. Métodos de imagem na avaliação de risco cardiovascular: o coração como alvo A importância da caracterização e da quantificação da aterosclerose pré-clínica em cada paciente decorre da premissa de que cada indivíduo apresenta, além da suscetibilidade genética, interação e potencializações específicas dos fatores de risco e tempo de exposição individualizado aos mesmos. Acrescente-se que o que não é mensurável certamente não pode ser ponderado, o que faz com que hábitos de vida não sejam comumente contabilizados em índices de riscos. Apesar de lógica e racional, a comprovação dessa idéia não é simples, pois a população com aterosclerose préclínica tem baixa ocorrência de eventos graves, o que implica o estudo de grande número de pacientes além de acompanhamento em longo período. Tem especial importância no grupo de médio risco quando a informação fundamenta a decisão
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de estabelecer tratamento intensivo apropriado para alto risco ou acompanhamento adequado para baixo risco. Eletrocardiografia A eletrocardiografia, apesar de ser o método complementar mais utilizado, não é método de rastreamento eficiente em indivíduos assintomáticos14, 15. Entretanto, no grupo de alto risco os achados positivos estabelecem diferentes patamares de gravidade. Teste de esforço O uso diagnóstico de teste de esforço e dos testes de indução de isquemia é limitado pela sensibilidade e pela especificidade imperfeita. Como se trata de população de baixa prevalência de situações com reserva coronariana comprometida, o fato repercute na baixa capacidade preditiva do teste positivo e, portanto, no elevado número de falsos positivos. Digno de nota são os estudos de sensibilidade, com exclusão do viés de verificação, em que a sensibilidade do teste de esforço foi de 45%16, o que tende a diminuir a acurácia preditiva. O uso prognóstico, porém, tem sido preconizado, por meio de mensurações não relacionadas ao segmento ST17. Tomografia computadorizada por meio de feixe de elétrons A calcificação está associada ao processo aterosclerótico e a tomografia computadorizada é método acurado para medir a quantidade de cálcio nas artérias coronárias. O índice de cálcio está relacionado à quantidade de aterosclerose coronariana, e é um possível marcador de instabilidade de placa18. Não é apropriado para rastreamento de doença arterial coronariana, e o valor aditivo à informação obtida por meio dos índices de risco é controvertida19, 20. Tomografia computadorizada e ressonância magnética A imagem do coração e das artérias coronárias requer do equipamento resolução tanto temporal como espacial. Como parâmetro de comparação, a cineangiocoronariografia tem resolução temporal de 4 ms a 7 ms e resolução espacial de 0,1 mm. Os tomógrafos com multidetectores têm resolução espacial de 0,4 mm e temporal de 60 ms a 300 ms21. Embora a possibilidade de estudar as alterações induzidas pela aterosclerose na parede das artérias coronárias em pacientes por meio de tomografia ou ressonância seja idéia atraente, hoje a resolutividade técnica dos métodos está abaixo do apropriado. Métodos de imagem na avaliação do risco cardiovascular: o sistema vascular como alvo A detecção de alterações decorrentes de aterosclerose em outros territórios vasculares tem im-
portância prognóstica para eventos cardiovasculares, pelo fato de ser afecção caracteristicamente sistêmica. A intensidade do comprometimento pode ser mensurada por meio de um contínuo de valores, e pode-se inferir que haja acometimento paralelo nas artérias coronárias. Índice de pressão sistólica tornozelo braço A relação das pressões sistólicas nos membros inferior e superior é método de detecção de obstrução vascular periférica de alta sensibilidade (90%) e alta especificidade (98%) para lesões estenótica maiores que 50%22. O índice tem valor prognóstico para mortalidade cardiovascular, mesmo após ajuste multivariado para fatores de risco23. Ultra-sonografia a) Espessura íntima média A espessura íntima média das carótidas, quando adequadamente sistematizada e padronizada, por ser segura e relativamente pouco onerosa, é extremamente apropriada para estudos epidemiológicos. Esses estudos demonstram relação com eventos cardiovasculares e incremento progressivo de risco com aumento de espessura. A associação com eventos permanece mesmo após ajustes para fatores de risco tradicionais24-27. A repetição da medida permite detectar progressão da espessura íntima média, e a eventual regressão após intervenções terapêuticas28. b) Estudos de função endotelial O ácido nítrico produzido pelas células endoteliais tem papel relevante na fisiopatologia da aterosclerose. Participa também da resposta vasodilatadora pós-isquêmica, estimada medindo-se a variação do diâmetro ultra-sonográfico das artérias. É método extremamente sensível, sendo influenciado por tabagismo recente, ingestão de refeição gordurosa e ciclo menstrual22. Necessita sistematização e padronização, mas é método promissor na avaliação de risco cardiovascular. A CARDIOPATIA ATEROSCLERÓTICA SUBCLÍNICA O estudo populacional “Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis” (MESA)29 demonstrou a presença de disfunção cardíaca em indivíduos assintomáticos. A função ventricular medida pelo encurtamento circunferencial, que decorre de torção (rotação inversa do ápice em relação à base), está global e regionalmente comprometida. Existe correlação inversa entre encurtamento circunferencial e espessura íntima media da carótida30. A reserva coronariana está diminuída nesses indivíduos e se correlaciona inversamente ao índice de Framing-
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ham . A reserva coronariana regional está também deprimida e se correlaciona inversamente ao índice de cálcio da artéria coronária correspondente32. A correlação direta da disfunção ventricular regional com a menor resposta vasodilatadora está igualmente sugerida no estudo MESA33. É possível, portanto, constatar que a doença coronariana subclínica não é distinta da sintomática, e que evolui paralelamente à arteriopatia sistêmica. A detecção de doença aterosclerótica subclínica é
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preditor independente de risco , mesmo em grupo de alto risco, como o dos portadores de diabetes melito35. O valor prognóstico da detecção da cardiopatia aterosclerótica subclínica ainda precisa ser definido. O método de diagnóstico por imagem, hoje, apesar das limitações apontadas, representa alternativa concreta para individualizar a investigação e o tratamento, paradigma da medicina exercida com qualidade e competência.
HIRONAKA H e col. Análise crítica dos métodos não-invasivos para avaliação cardiológica
CRITICAL ANALYSIS OF NONINVASIVE METHODS IN CARDIOLOGIC EVALUATION
FAUSTO HARUKI HIRONAKA GUSTAVO KEN HIRONAKA
As consequence of importance of asymptomatic atherosclerotic vascular disease related to morbility and mortality of cardiovascular disease, identification and adequate treatment of high risk patients became a priority. The detection of high risk patients must be performed based on major risk factors. The utilization of complementary imaging methods in addition to scores derived from risk factors is discussed. Key words: atherosclerosis, diagnostic imaging, myocardial infarction, risk factors, vascular diseases. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:172-7) RSCESP (72594)-1610
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SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS E INFLAMAÇÃO JULIANO LARA FERNANDES ALEXANDRE SOEIRO CÉSAR BISELLI FERREIRA CARLOS V. SERRANO JR. Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda − Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP
A ruptura abrupta da capa fibrótica de placas de aterosclerose, com conseqüente agregação plaquetária e trombose, é responsável por cerca de 75% dos casos de síndromes isquêmicas agudas, incluindo angina instável, infarto agudo do miocárdio e mortes súbitas. No entanto, a presença dessas placas não prediz totalmente um evento coronário agudo, de modo que os mecanismos responsáveis pelo enfraquecimento da capa fibrótica e ruptura subseqüente ainda precisam ser totalmente elucidados. Nesse contexto, grande número de trabalhos vem demonstrando que o processo inflamatório está intimamente ligado à fisiopatologia da ruptura da placa aterosclerótica e conseqüente expressão clínica das síndromes coronárias agudas. Nesta revisão serão apresentados os principais mecanismos que envolvem os processos inflamatórios e trombóticos nas síndromes coronárias agudas, além de ser demonstrado como o processo pode ser identificado clinicamente e seu possível manejo. Palavras-chave: síndrome coronária aguda, inflamação, trombose. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:178-86) RSCESP (72594)-1611
INTRODUÇÃO
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A ruptura abrupta da capa fibrótica de placas de aterosclerose, com conseqüente agregação plaquetária e trombose, é responsável por cerca de 75% dos casos de síndromes isquêmicas agudas, incluindo angina instável, infarto agudo do miocárdio e mortes súbitas1. Alguns tipos de placas são mais suscetíveis a rupturas, denominadas “placas vulneráveis” 2, usualmente caracterizadas por núcleo lipídico rico e capa fibrosa afilada, em geral com diâmetros inferiores a 65 µm. Entretanto, sabe-se que, em um dado paciente, ocorrem dezenas de placas com essas características ao mesmo tempo, embora a maioria delas permaneça intacta e nunca se rompa3. Assim, fica claro que a mera presença dessas placas não prediz totalmente um evento coronário agudo e que os mecanismos responsáveis pelo enfraquecimento da capa fibrótica e pela subseqüente ruptura ainda precisam ser totalmente elucidados. Na última década, grande número de traba-
lhos vem demonstrando que o processo inflamatório está intimamente ligado à fisiopatologia da ruptura da placa aterosclerótica e à conseqüente expressão clínica das síndromes coronárias agudas4. Células inflamatórias locais podem gerar e expressar uma série de citocinas com potencial para ativação endotelial, revertendo parte de sua estrutura naturalmente antiadesiva e anticoagulante. Além disso, a redução da síntese da matriz de colágeno na placa, além do aumento de proteinases que degradam a mesma, também contribui para a aceleração do processo. Finalmente, esse mesmo ambiente próinflamatório intensifica a expressão de fatores pró-coagulantes e oxidantes, não só aumentando a reatividade celular a mais células inflamatórias como ativando o sistema de coagulação, criando situação sistêmica não mais da existência de “placas vulneráveis” mas de “paciente vulnerável”, com a tríade disfunção endotelial, inflamação e pró-coagulação caracterizando uma situação de aterotrombose5, 6. Nesta revisão serão apresentados os princi-
pais mecanismos que envolvem os processos inflamatórios e trombóticos nas síndromes coronárias agudas, além de ser demonstrado como o processo pode ser identificado clinicamente e seu possível manejo. MECANISMOS INFLAMATÓRIOS E IMUNOLÓGICOS NAS SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS Disfunção endotelial A disfunção endotelial, um dos primeiros processos que dão origem à formação das placas aterotrombóticas, é caracterizada pela redução da expressão e síntese do óxido nítrico7. A disfunção endotelial está intimamente ligada aos processos inflamatórios, permitindo a entrada e a oxidação de lipoproteínas circulantes à região subendotelial, atraindo monócitos e linfócitos para o local e promovendo um estado pró-trombótico dentro da luz do vaso (Fig. 1). Mediadas por diversos fatores de risco tradicionais (hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, tabagismo, hipercolesterolemia), as células endoteliais passam inicialmente a expressar moléculas da superfamília das selectinas (E- e P-selectinas). As selectinas são proteínas que se ligam a sítios comuns de carboidratos, cuja função principal é a de promover a migração de leucócitos para diversos tecidos, sobretudo o endotélio. Essas selectinas promovem a redução da velocidade de circulação de monócitos e linfócitos sanguíneos, permitindo o contato íntimo dessas células inflamatórias com a parede endotelial 8, 9. A partir do rolamento celular inicial, é necessário um próximo passo para a fixação definitiva desses leucócitos ao local da lesão. Citocinas e quimiocinas atuando localmente são fundamentais nessa etapa, ativando os leucócitos por meio da expressão, nessas células, das integrinas β2. Destacam-se aqui as quimiocinas CCL2 (MCP-1), fatores quimiotáticos específicos para monócitos/macrófagos, e CXCL9 e CXCL10 com receptor CXCR3, grupo de quimiocinas ligadas à resposta do tipo T “helper” (Th)-1 10. Na resposta inflamatória inicial das placas de aterosclerose, a etapa seguinte corresponde à fixação dos leucócitos previamente ativados ao endotélio. Nessa etapa, é fundamental a interação entre integrinas leucocitárias, expressas anteriormente, e moléculas da superfamília das imunoglobulinas, como molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1) e molécula de adesão da célula vascular 1 (VCAM-1), expressas na célula endotelial8. A célula endotelial produz quan-
tidades aumentadas dessa imunoglobulina, sendo aqui, mais uma vez, a expressão de citocinas inflamatórias fundamental para que isso ocorra, sobretudo por meio da formação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)11. Depois de fixados, os leucócitos migram, então, para o espaço subendotelial pelas junções intercelulares do endotélio, guiados pelo gradiente de citocinas e, principalmente, pela lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada. LDL oxidada, resposta inata e resposta adaptativa A presença de LDL oxidadas no espaço subendotelial promove o aumento da resposta inflamatória inicial, descrita anteriormente, pela ativação de uma resposta imunológica inata e adaptativa12. A resposta inata é mediada sobretudo por receptores “scavengers”, principalmente o SR-A e o CD-36, responsáveis pela internalização de LDL oxidadas no macrófago, transformando-as em células espumosas. Essa resposta inata também promove a ativação de mecanismos intracelulares mediados pelo NF-kappa-B, promovendo a amplificação do sinal inflamatório com a síntese de novas quimiocinas, como MCP-1 e M-CSF. Outro mecanismo de resposta inata também ativada pelas LDL oxidadas ocorre por meio dos receptores “toll-like” (TLRs). Esses receptores, como, por exemplo, o TLR4, que se localiza junto às placas de aterosclerose em artérias coronárias, reconhecem especificamente lipopolissacarídeos bacterianos, sendo capazes de interagir também com a fibronectina e com as proteínas “heat shock”. A resposta adaptativa envolve mecanismos muito mais complexos que a imunidade inata e pode levar até semanas para estar totalmente mobilizada, envolvendo células bastante específicas (Fig. 2). Dentre essas células específicas, destacam-se, no processo de aterosclerose, os linfócitos T do tipo CD4+ e os monócitos capazes de reconhecer antígenos protéicos, e também a LDL oxidada13, inclusive com a formação de anticorpos anti-LDL oxidada 14. Esses dois tipos celulares têm sido encontrados infiltrando as placas de ateroma 15, 16, modulando o equilíbrio entre respostas pró-inflamatória e antiinflamatória, e fazendo com que as placas adquiram um fenótipo mais ou menos estável17, 18. A evolução para estabilidade ou instabilidade da placa de aterosclerose é determinada a partir da definição de como essas células se comunicam entre si, com sinais que podem estimular ou bloquear sua ativação. Essa comunicação é realizada por meio de diversas citocinas produzidas no local da placa e também em sítios re-
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Figura 1. Processo de disfunção endotelial e inflamação. ICAM = molécula de adesão intercelular; VCAM = molécula de adesão da célula vascular.
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motos. Na aterosclerose, essas citocinas e os tipos celulares selecionados da circulação sanguínea determinam um estereótipo de resposta bastante específico, conhecido como resposta Th110, 19. Essa resposta caracteriza-se, principalmente, pela presença do interferon gama 20, interleucina (IL)-1221 e TNF-α)22, 23, todas elas agindo sinergicamente no processo imunológico. A presença desse tipo de resposta imunológica na aterosclerose foi demonstrada em diversos estudos prévios. Nas chamadas placas vulneráveis ou propensas a se romper, observa-se a presença de altas concentrações das citocinas pró-inflamatórias Th1, como interferon gama24, 25 e IL-1226, 27. Essa ativação particular do sistema imune pode também ser identificada não só pelo aumento local mas também pela amplificação sistêmica dos níveis séricos desses marcadores inflamatórios10, 28-30. Essa amplificação sistêmica pode também ser demonstrada, ainda que de forma inespecífica, pelo aumento de proteínas que caracterizam uma resposta inflamatória de baixa magnitude, como proteína C-reativa31, IL632 ou, mais recentemente, pelo fator de crescimento placentário33. A proteína C-reativa é conhecida como uma proteína de fase aguda, cujos níveis plasmáticos se elevam em respostas inespecíficas a agentes infecciosos e não-infecciosos34. Mais sensível que a velocidade de hemossedimentação ou que a contagem leucocitária, a proteína C-reativa é produzida no fígado e se eleva rapidamente após o estímulo inflamatório. A principal citocina que estimula a produção da proteína C-reativa é a IL-635. Di-
versas células são capazes de sintetizar a IL-6, entre elas os monócitos, os fibroblastos e as células endoteliais, sendo a citocina atuante como diferenciador de linfócitos B e fator de ativação de linfócitos T. A IL-6, em conjunto com as demais citocinas pró-inflamatórias mencionadas anteriormente, determinam ampla resposta imunológica frente a estímulos na fase aguda de instabilização da placa de aterosclerose. Instabilização da placa: ruptura e erosão Ruptura de placa O que faz exatamente com que uma “placa vulnerável” se rompa diante das dezenas de outras que permanecem estáveis ou regridem? Um provável mecanismo está relacionado com as forças físicas envolvidas no local de formação das placas, principalmente em suas extremidades, em que o impacto do fluxo sanguíneo e da angulação da placa é mais intenso36. Uma análise mais profunda desse mecanismo foge, porém, do escopo desse texto. Um segundo mecanismo mais específico envolve a ativação inflamatória presente na placa, por meio do processo de degradação da matriz extracelular pela secreção de enzimas proteolíticas, como as metaloproteinases e as proteases cisteínas37. Estas são constituídas por colagenases, elastases, gelatinases, entre outras, capazes de degradar a capa fibrótica protetora da placa, deixando-a predisposta à ruptura38. As metaloproteinases e demais proteases são produzidas a partir do estímulo inflamatório local da placa, sobretudo a partir de citocinas do tipo Th1, especialmente o interfe-
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Figura 2. Resposta imunológica do tipo T “helper” 1 presente em placas ateroscleróticas. Th1 = T “helper” tipo 1; TNF-alfa = fator de necrose tumoral alfa; IL-1 = interleucina 1.
ron gama39. A regulação das metaloproteinases é feita por alguns inibidores específicos (conhecidos como inibidores teciduais de metaloproteases), cujos níveis séricos estão inversamente correlacionados com o prognóstico em pacientes com síndromes coronárias agudas40. Embora muito promissores, os estudos dessas proteases e seus inibidores têm gerado dados ainda contraditórios. Alguns trabalhos demonstram o aumento da extensão das placas com a maior expressão das metaloproteinases, enquanto outros evidenciam exatamente o contrário. De qualquer forma, o bloqueio das metaloproteinases parece constituir um possível mecanismo terapêutico na tentativa de se evitar a progressão de placas instáveis para a ruptura e o surgimento de eventos agudos. Estudos clínicos já estão sendo investigados nesse sentido 41. Erosão A erosão é freqüentemente implicada nos eventos agudos de indivíduos do sexo feminino, idosos e portadores de diabetes melito e hipertrigliceridemia 1 . Diferentes mecanismos moleculares e celulares justificam a erosão superficial. A degradação excessiva de moléculas da matriz e a apoptose de células endoteliais, ambas as condições promovidas por estímulos inflamatórios, facilitam a descamação do endo-
télio e, portanto, a erosão da placa1. Além disso, o fator tecidual proveniente de células endoteliais apoptóticas pode favorecer a trombose nesses locais1. Após a erosão de um ateroma, o grau de trombose originado depende profundamente da presença de fatores de risco coronário e da quantidade de fator tecidual circulante2. Fatores como tabagismo, dislipidemia e diabetes melito estão associados com aumento da trombogenicidade sanguínea. Em pacientes com diabetes melito, por exemplo, observa-se hiperatividade e agregabilidade plaquetárias, gerando aumento da deposição de plaquetas sobre a parede do vaso sanguíneo2, 8. O tabagismo aumenta a atividade nervosa simpática e a liberação de catecolaminas, que potencializa a ativação plaquetária e aumenta os níveis de fibrinogênio8. Moléculas de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) também induzem a expressão de fator tecidual em macrófagos e diminuem a atividade anticoagulante do endotélio por interferir com a expressão de transmodulina e inativam a via de inibição do fator tecidual. Estudos recentes sugerem que o estado trombogênico associado a dislipidemia, tabagismo e diabetes melito podem apresentar uma via comum, pela ativação da interação entre leucócitos e pla-
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quetas associada à produção de fator tecidual e de ativação de trombina2, 8. MARCADORES INFLAMATÓRIOS NAS SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS Proteína C-reativa Nas síndromes coronárias agudas, os mecanismos imunológicos descritos são extremamente redundantes e complexos. Dessa forma, análises individuais de apenas um determinado passo desse intricado sistema mostraram-se pouco específicas para a determinação tanto diagnóstica como prognóstica de pacientes que se apresentam com quadros coronários agudos. Entretanto, a determinação da proteína C-reativa pelo método ultra-sensível vem se mostrando o método mais robusto para a caracterização prática no dia-a-dia clínico da identificação da inflamação em situações agudas, com importantes informações prognósticas e com possíveis repercussões terapêuticas. A proteína C-reativa é o único marcador atualmente aceito para identificação do estado inflamatório de pacientes com doença arterial coronária, sendo sua utilização orientada em diretrizes específicas nos Estados Unidos42, 43, incluindo situações de síndromes coronárias agudas (recomendação IIa). Não se sabe ao certo qual o papel da proteína C-reativa na modulação da resposta inflamatória nas fases crônica ou aguda da doença. Assim, ainda é debatido se a proteína C-reativa tem papel ativo ou é simplesmente um marcador inflamatório sem participação ativa na fisiopatologia da doença 44. Independentemente dessas conclusões, sabe-se que níveis elevados de proteína C-reativa na fase aguda estão associados a alto risco de eventos futuros, mesmo em situações em que a troponina não é detectada 45. Mais que o interesse apenas em mostrar que a proteína C-reativa é útil para determinação prognóstica, os estudos mais atuais vêm centrando sua atenção na observação de que as estatinas parecem reduzir os níveis da proteína C-reativa de uma maneira independente da redução de LDL, sugerindo, assim, que os benefícios da estatina podem estar também relacionados à redução da inflamação e não apenas à redução dos níveis de colesterol 46. Dados de grandes estudos recentes, como o “Pravastatin or Atorvastatin Evaluation and Infection Therapy” (PROVEIT)47 e o “Reversal of Atherosclerosis With Lipitor” (REVERSAL)48, demonstram que o tratamento com estatinas baseado no valor de até 30 dias da proteína C-reativa após um evento agudo pode ter algum benefício clínico. No estudo PROVE-IT, os valores obtidos
com a redução da proteína C-reativa foram tão importantes quanto os obtidos com os níveis de LDL após o seguimento de aproximadamente 2,5 anos, sendo a melhor sobrevida obtida em indivíduos com LDL < 70 mg/dl e proteína Creativa ultra-sensível < 2 ml/l (Fig. 3). Deve-se ressaltar que a sobrevida foi independente do tipo ou da dose de estatina utilizada no trabalho, demonstrando que a obtenção dos valores é importante, não a forma de obtê-los. O estudo REVERSAL também demonstrou esse fato, acrescentando que os valores de proteína C-reativa não podem ser preditos pela queda da LDL, sendo independentes entre si. O estudo REVERSAL demonstrou não a regressão clínica mas a própria progressão da placa de aterosclerose medida por ultra-som intracoronário. Seguindo a mesma linha proposta pelo PROVE-IT e pelo REVERSAL, o estudo “A-to-Z” demonstrou que a dosagem da proteína C-reativa aos 30 dias ou 4 meses após o evento agudo foi preditiva para mortalidade em 2 anos49. Esse mesmo estudo também demonstrou que pacientes que fizeram uso de estatina de forma mais intensa (80 mg/dia de sinvastatina) tiveram maior probabilidade de atingir níveis menores de proteína C-reativa no seguimento crônico. Juntando os dados dos três trabalhos, pode-se concluir que o uso da proteína C-reativa ultra-sensível na fase aguda tem, além de importância prognóstica, também importância na determinação precoce da terapia com estatinas nesses pacientes. Recentemente, um estudo comparando os achados do PROVE-IT e do “A to Z”, em que os autores demonstram que o primeiro, com uma redução mais rápida da proteína C-reativa que o segundo, obteve melhores benefícios em até 30 dias, sendo os achados crônicos semelhantes50. Propõe-se, assim, que a terapia intensiva com estatinas ainda na fase aguda pode ter benefícios mais significativos em pacientes com síndromes coronárias, embora essa hipótese ainda precise ser testada num estudo randomizado e desenhado para tal aspecto. Fica ainda a dúvida se essa proposta terapêutica teria valia apenas em pacientes que estivessem com níveis mais elevados de proteína C-reativa ou poderia ser aplicada em qualquer situação de proteína C-reativa inicial. Outros marcadores Além da proteína C-reativa ultra-sensível, novos marcadores têm sido apresentados recentemente com potencial para adicionar informações na fase aguda das síndromes coronárias. Entretanto, nenhum deles demonstrou agregar tantas informações quanto a proteína C-reativa, não
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Figura 3. Níveis de sobrevida livre de eventos (infarto agudo do miocárdio ou morte cardiovascular) estratificadas pela proteína C-reativa ultra-sensível e LDL após tratamento com estatinas. (Com autorização de Ridker e colaboradores.47) LDL-colesterol = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; PCR = proteína C-reativa.
devendo, portanto, ainda ser utilizados de forma rotineira na prática clínica. Uma lista mais extensa de todos os marcadores inflamatórios estudados nas síndromes coronárias agudas pode ser encontrada na revisão de Tsimikas e colaboradores51. sCD40 ligante O CD40 é uma proteína de sinalização encontrada em leucócitos e plaquetas. Valores elevados de sCD40 ligante foram encontrados em pacientes com síndromes coronárias agudas com importante valor prognóstico. Entretanto, a dificuldade em se estabelecer medidas precisas desse marcador tem limitado seu uso de rotina52. Mieloperoxidase A mieloperoxidase está presente em sítios de inflamação ativa e é liberada por monócitos em respostas oxidativas. A mieloperoxidase parece estar envolvida em processos de modificação da LDL, e, portanto, tem implicação direta na fisiopatologia da formação e da instabilização da placa aterosclerótica. Em pacientes com
síndromes agudas, os níveis de mieloperoxidase foram preditores de eventos cardiovasculares após seis meses, independentemente dos níveis de troponina iniciais 53. Fosfolipase A2 lipoproteína-associada (Lp-PLA2) A Lp-PLA2 atua na hidrólise de fosfolipídeos oxidados, dando origem a um ácido graxo oxidado e a lisofosfaditilcolina, criando dois potenciais elementos pró-inflamatórios e próaterogênicos de apenas uma partícula inicial. Secretada por diversas células inflamatórias presentes na fase aguda da instabilização de placas ateroscleróticas, a Lp-PLA2 mostrou estar associada a pior prognóstico em pacientes com doença arterial coronária 54, embora seu fator aditivo aos níveis de LDL ainda não pôde ser esclarecido, limitando seu potencial clínico. Na fase aguda, estudos com esse marcador são ainda menos numerosos 55, não se tendo ainda uma resposta definitiva sobre seu valor nessa situação clínica.
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ACUTE CORONARY SYNDROMES AND INFLAMMATION JULIANO LARA FERNANDES ALEXANDRE SOEIRO CÉSAR BISELLI FERREIRA CARLOS V. SERRANO JR.
The abrupt rupture of atherosclerotic plaques has been considered the major cause of acute coronary syndromes, including unstable angina, acute myocardial infarction and sudden death. However, the mechanisms responsible for the weakness of the fibrous cap and its subsequent rupture are not completely understood. Some recent studies have shown that the inflammatory process is narrowly related to the pathophysiology of the atherosclerotic plaque rupture. In this revision, we have shown the major mechanisms involving the inflammatory and atherothrombotic processes in acute coronary syndromes, besides the manner how to identify and treat the clinical event. Key words: acute coronary syndromes, inflammation, thrombosis. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:178-86) RSCESP (72594)-1611
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ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO
MONTEIRO CMC e cols. Aterosclerose e inflamação
CARLOS M. C. MONTEIRO FRANCISCO A. H. FONSECA
Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular – Disciplina de Cardiologia – Universidade Federal de São Paulo Endereço para correspondência: Rua Pedro de Toledo, 458 – Vila Clementino – CEP 04039-001 – São Paulo – SP
A aterosclerose é considerada uma doença inflamatória da parede vascular. De fato, desde o início do processo de formação da placa é característica a presença de células inflamatórias como macrófagos, linfócitos, neutrófilos e mastócitos, participando ativamente do processo de aterogênese, influenciando a remodelação vascular e a desestabilização de placas mais avançadas e vulneráveis a complicações, por meio de estímulos a maior expressão e liberação de citocinas inflamatórias, fatores de crescimento, metaloproteases e fatores quimiotáticos. Assim, com o reconhecimento da aterosclerose e suas complicações como doença inflamatória, passou-se a buscar marcadores desse processo que adicionassem valor prognóstico a suas principais complicações, como acidente vascular cerebral ou desfechos coronarianos, e que também pudessem refletir sua progressão anatômica. E que, em caso de redução da atividade inflamatória, permitissem o reconhecimento de uma situação de maior estabilidade clínica e dos efeitos do tratamento de fatores de risco associados, como diabetes, hipertensão ou dislipidemias. Dentre vários marcadores propostos, a proteína Creativa adiciona valor prognóstico, apresenta boa reprodutibilidade, e possui padronização laboratorial e disponibilidade para auxílio à prática clínica. Palavras-chave: aterosclerose, inflamação, disfunção endotelial, citocinas. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:187-92) RSCESP (72594)-1612
INTRODUÇÃO A aterosclerose é a doença mais prevalente da sociedade moderna. Durante muitos anos, pensouse que a aterosclerose fosse o resultado da deposição lipídica na parede arterial, contínua, inerente à idade; mas, com o tempo, a evolução do conhecimento mostrou que, apesar da origem multifatorial, a aterosclerose possuía vários mecanismos comuns e era fortemente influenciada pela magnitude da atividade inflamatória. De fato, a intensidade do processo inflamatório, freqüentemente, está associada à falta de melhor controle de fato-
res de risco, como hipertensão arterial, dislipidemias, tabagismo, resistência à insulina, obesidade, sedentarismo e diabetes, entre outros. ENDOTÉLIO E INFLAMAÇÃO O endotélio normal participa ativamente da regulação do tônus vascular, produz uma série de substâncias relacionadas com a inflamação, além de influenciar fortemente o balanço da hemostasia e a própria resposta imune. As células endoteliais produzem uma das substâncias de maior importância clínica, o óxido nítri-
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co, fundamental na proteção vascular, pelas múltiplas propriedades desse gás, que influencia fortemente o tônus vascular, além de possuir efeitos relevantes como antiagregante plaquetário e exercer efeitos antiinflamatórios e atenuar a atividade proliferativa das células musculares lisas. A presença de fatores de risco como hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabetes melito e tabagismo promove reações químicas intracelulares que levam à disfunção endotelial e, conseqüentemente, à menor produção de óxido nítrico, além de aumentar a produção de espécies reativas de oxigênio, expressão da interleucina-6 (IL-6), da expressão de moléculas de adesão ou recrutamento vascular, como a proteína quimiotática de monócitos (MCP-1), e de moléculas de adesão da célula vascular (VCAM-1). Essas alterações no endotélio promovem inflamação do vaso, permitindo o estabelecimento das lesões iniciais da aterosclerose1. A infiltração de leucócitos entre as células endoteliais e seu acesso às camadas mais profundas da íntima vascular são mediados por moléculas de adesão, como VCAM-1, ICAM-1 e E-selectina, entre outras. A maior expressão dessas moléculas de adesão é induzida por citocinas, geralmente sintetizadas em pequenas concentrações pelo endotélio arterial, como interleucina-1ß (IL1 ß), interleucina-4 (IL-4) e interleucina-6 (IL-6), mas que podem, principalmente na presença de fatores de risco não controlados, também ser estimuladas pela maior expressão de angiotensina II e de seu receptor AT1, proteína C-reativa, receptor da LDL oxidada (LOX-1) e CD40/CD40L. Nas disfunções endoteliais, caracterizadas por alterações de vasorreatividade ou do balanço de hemostasia, verifica-se maior inativação do óxido nítrico, geralmente por estresse oxidativo, associado com substancial aumento das citocinas, determinando maior expressão das moléculas de adesão e favorecendo o recrutamento e a adesão dos monócitos à superfície endotelial2. AS CÉLULAS INFLAMATÓRIAS E A ATEROSCLEROSE
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Os macrófagos são as células inflamatórias mais importantes no processo aterosclerótico. Quando ativados, produzem fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), Fasl e angiotensina II, que são citotóxicos. Produzem e secretam várias interleucinas (IL-6, IL-8, IL-18), além de espécies reativas de oxigênio, que contribuem para manter o processo inflamatório. Sintetizam e secretam metaloproteases de matriz 1 e 9, que degradam componentes da matriz extracelular (colágeno, elastina) e da matriz pericelular, aspectos muito rele-
vantes na instabilização da placa. Os macrófagos incorporam grande quantidade de lipoproteínas modificadas, principalmente LDL oxidada, o que determina, nessas células, a presença de grande quantidade de lipídeos (células espumosas), que tardiamente estão associadas a morte celular programada (apoptose), o que propicia a formação de depósitos lipídicos extracelulares. Esses macrófagos também estão associados a maior produção de catepsinas, que degradam a matriz3. Outra célula de grande importância no processo de aterosclerose é o linfócito. Uma família de quimiotáticos linfocitários atrai linfócitos T para o subendotélio. Linfócitos CD4+ e CD8+ são encontrados em grande quantidade nas lesões ateroscleróticas, especialmente em síndromes agudas. Os linfócitos são a fonte principal de interferon gama, cuja ação principal sobre as células musculares lisas é impedir a síntese da matriz extracelular, além de induzirem apoptose dos macrófagos e das células musculares lisas, pela estimulação do receptor-1 de TNF-α e caspase-84. Além de macrófagos e linfócitos, os mastócitos são células inflamatórias que também são encontrados na parede arterial e quando ativados podem contribuir para um estado inflamatório e para a progressão das lesões ateroscleróticas. Os mastócitos ativados produzem proteases séricas, citocinas e proteoglicanos. Substâncias como triptase, TNF-α e histamina ativam células endoteliais para expressar moléculas de adesão, especialmente P-selectina e VCAM-1. Ao produzirem TNF-α e fator de crescimento tumoral beta (TGF-ß), estimulam a produção de MCP-1, sugerindo que os mastócitos facilitam o recrutamento de leucócitos para a região subendotelial, além de induzir apoptose das células musculares lisas e células endoteliais5. Finalmente, os neutrófilos também são encontrados em lesões ateroscleróticas, especialmente nas síndromes coronarianas agudas e em locais de desnudação endotelial. Estão ativados na circulação coronariana desses pacientes com síndromes coronarianas agudas, não exclusivamente no território da artéria culpada, mas em todo o sistema arterial coronário6. INFLAMAÇÃO E ATIVAÇÃO DE SINAIS INTRACELULARES O fator nuclear “kappa” B (NFKB) integra uma família de fatores de transcrição redox presentes em células endoteliais, células musculares lisas vasculares, macrófagos, leucócitos, cardiomiócitos e fibroblastos7. O NFKB encontra-se em forma inativa no citoplasma, ligado a proteínas inibitórias chamadas
IKB. Entretanto, essas proteínas podem ser fosforiladas por diversos estímulos, incluindo espécies reativas de oxigênio, lipopolissacarídeos, citocinas e anoxia, tornando a proteína ativa que passa a influenciar no núcleo a transcrição de vários genes relacionados à atividade inflamatória e à hemostasia. Como exemplo, o NFKB permite a modificação da expressão gênica que codifica citocinas, iNOS, COX-2, moléculas de adesão, imunorreceptores, IL-8, proteínas da fase aguda e metaloproteinases da matriz. O NFKB pode ser ativado por citocinas como o TNF-α, IL-1, hiperglicemia, força de cisalhamento vascular, LDL oxidada e estresse oxidativo. O NFKB pode contribuir para a progressão do processo aterosclerótico, pois a maioria dos genes pró-inflamatórios expressos nas células endoteliais durante a fase inicial da lesão e em resposta a mediadores inflamatórios é dependente desse fator nuclear8. FISIOPATOLOGIA DA INFLAMAÇÃO E ATEROSCLEROSE Uma das propriedades do endotélio vascular, particularmente via secreção de óxido nítrico, é promover inibição crônica da adesão e infiltração das células inflamatórias no espaço subendotelial. Essa ação do óxido nítrico decorre da inibição da expressão das moléculas de adesão na parede vascular. Assim, um déficit da biodisponibilidade do óxido nítrico significa primariamente um estímulo pró-inflamatório. A disfunção endotelial está associada a um desequilíbrio redox, que, pelas razões descritas, contribui para o processo inflamatório. Esse desequilíbrio redox, além de resultar do acúmulo da quantidade de LDL oxidada, também está associado com a geração intracelular de espécies reativas de oxigênio decorrente de proliferação, migração e apoptose, ou seja, com todas as etapas de formação da placa. Dentre os fatores pró-inflamatórios sensíveis ao estresse oxidativo, o fator de trascrição NFKB deflagra um programa gênico ligado à resposta inflamatória, desde moléculas de adesão e citocinas até enzimas antioxidantes9. Um dos aspectos interessantes do ateroma instável é a redução do número de células musculares lisas responsáveis pela formação da capa fibrosa, e que pode estar associado a aumento de apoptose. A apoptose dessas células, bem como das células inflamatórias do ateroma, contribui para a formação do centro necrótico da placa, que é altamente trombogênico. A apoptose de células endoteliais também pode
contribuir para iniciar alterações estruturais da placa, como ulcerações e fissuras, favorecendo o início do processo trombogênico10. A quantidade de matriz em um tecido é determinada pelo equilíbrio entre síntese e degradação. A síntese da matriz secretada por células musculares lisas de fenótipo sintético e não contrátil é um fenômeno conhecido na formação do ateroma, na resposta vascular à angioplastia e no espessamento da parede vascular associado com a hipertensão arterial. Entretanto, o remodelamento da matriz extracelular é um importante fenômeno da reparação tecidual, como a que ocorre na aterosclerose. Tanto as células musculares lisas ativadas como os macrófagos da placa do ateroma podem produzir e ativar metaloproteases, enzimas relacionadas com a degradação da matriz, principalmente de colágeno, com perda da resistência da capa fibrosa do ateroma, propiciando sua rotura e complicações11. O ateroma se manifesta clinicamente pela deposição de um trombo mural oclusivo. A formação do trombo pela via intrínseca da coagulação é bem conhecida e é desencadeada pela exposição de elementos trombogênicos subendoteliais, como colágeno tipo IV, ou pelo núcleo necrótico da placa. Nos últimos anos, a importância da via extrínseca da coagulação mediada pelo fator tecidual tem sido mais reconhecida. O fator tecidual é uma proteína expressa principalmente pelo endotélio, mas também pelo macrófago e por outras células vasculares. Essa maior expressão do fator tecidual pelos macrófagos determina maior trombogenicidade da placa e maior potencial para complicações locais de maior gravidade. Do ponto de vista conceitual, a via do fator tecidual representa uma importante conexão entre inflamação e trombose12. Outro aspecto relacionado com a inflamação é o vasoespasmo. Os mediadores do vasoespasmo estão associados à ativação plaquetária e incluem a serotonina e o tromboxano A2. Mediadores inflamatórios como leucotrienos também podem estar envolvidos. O efeito de todos esses mediadores é modulado pela função endotelial e amplificado por uma deficiência da biodisponibilidade do óxido nítrico13. A fosfolipase A2 (enzima lisossomal dos leucócitos) atua sobre os fosfolipídeos das membranas celulares, levando à formação de ácido araquidônico, que, sob ação da cicloxigenase, origina a formação de prostaglandinas. As prostaglandinas podem amplificar a inflamação vascular. Por meio de uma segunda via metabólica, mediada pela 5-lipoxigenase, o ácido
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MONTEIRO CMC e cols. Aterosclerose e inflamação
araquidônico é convertido em uma série de leucotrienos, potentes mediadores da resposta inflamatória, que promovem aumento da permeabilidade vascular e da adesão de leucócitos à parede vascular. No início da década passada, descobriu-se que a cicloxigenase existe sob duas isoformas: cicloxigenase-1 (cox-1) e cicloxigenase-2 (cox-2). A cox-1 está presente uniformemente nas células e tecidos, mas a cox-2 é expressa principalmente em resposta a processos inflamatórios, ou seja, é induzida diante de determinados estímulos que alteram a homeostasia vascular. A importância da cox-2 no sistema cardiovascular reside no fato de essa enzima estar presente na placa de ateroma, endotélio e macrófagos. Foi observado que a maior expressão de cox-2 intravascular está também associada a maior proliferação de células musculares lisas. A atividade inflamatória vascular mediada pela cox-2 pode estar associada com o caráter evolutivo da doença aterosclerótica14. MARCADORES INFLAMATÓRIOS Com esse novo conceito de que a aterosclerose é um fenômeno inflamatório, a identificação de marcadores clínicos tem sido investigada de forma a contribuir para que esses marcadores se tornem indicadores da intensidade ou da gravidade da aterosclerose, como a predição de eventos cardiovasculares, ou mesmo ferramentas de monitoramento ou alvo de aspectos terapêuticos.
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Marcadores plasmáticos têm sido analisados, incluindo fibrinogênio, amilóide sérico A, proteína C-reativa e lipoproteína-fosfolipase A2 (LpPLA2). A proteína C-reativa parece influenciar a evolução da aterosclerose. Na placa, liga-se à LDL, ativando o sistema de complemento que participa da formação do ateroma. Também estimula os macrófagos a produzirem o fator tecidual, um dos responsáveis pela trombose que ocorre nas síndromes vasculares agudas. Estudos prospectivos em portadores de doença coronariana, acidente vascular cerebral e insuficiência circulatória periférica indicam que a proteína C-reativa elevada está associada a maior incidência de complicações e de mortalidade15. CONCLUSÃO O processo inflamatório não só causa disfunção endotelial como desencadeia proliferação e migração celulares, estresse oxidativo, degradação da matriz extracelular, apoptose, trombose e necrose celular. Os marcadores inflamatórios plasmáticos estão sendo avaliados para diagnosticar precocemente a aterosclerose, bem como identificar pacientes de alto risco para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares futuros. Dentre estes, a quantificação da proteína C-reativa propicia informações clínicas relacionadas ao risco cardiovascular que podem ser particularmente úteis na estratégia terapêutica, sobretudo para pacientes com risco intermediário dos principais desfechos coronarianos.
ATHEROSCLEROSIS AND INFLAMMATION
MONTEIRO CMC e cols. Aterosclerose e inflamação
CARLOS M. C. MONTEIRO FRANCISCO A. H. FONSECA
Atherosclerosis is now considered an inflammatory disease of vascular wall. In fact, since its beginning, plaque formation is a process characterized by the presence of inflammatory cells, such as macrophages, lymphocytes, neutrophils and mastocytes, influencing vascular remodeling and plaque destabilization. These processes are also mediated by a variety of stimuli by cytokines, growth factors, metalloproteinases and chemo attractant factors. Therefore, atherosclerosis has been recognized as an inflammatory disease and efforts have been made to identify inflammatory markers that may add prognostic value for major complications such as stroke or coronary events and its anatomic progression as well. Furthermore, reduction in inflammatory markers can be related to plaque stabilization and may reflect the results of risk factors treatment, as diabetes, hypertension or dyslipidemias. Among several markers, C-reactive protein add prognostic value, its measurement is well established and is currently available for clinical practice. Key words: atherosclerosis, inflammation, endothelial dysfunction, cytokines. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:187-92) RSCESP (72594)-1612
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FATORES DE RISCO E INFLAMAÇÃO VASCULAR
ARMAGANIJAN D e cols. Fatores de risco e inflamação vascular
DIKRAN ARMAGANIJAN LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN MAURICIO RODRIGUES JORDÃO
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP
A inflamação vascular foi identificada em todas as etapas evolutivas das lesões ateroscleróticas e a reação inflamatória é uma resposta aos estímulos nocivos. Fatores como hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo, entre outros, danificam o endotélio e estimulam uma reação inflamatório-proliferativa na parede vascular. Os mediadores da relação entre os lípides e a aterosclerose envolvem polimorfos nucleares (monócitos/macrófagos, linfócitos) e células musculares lisas. A demonstração de que as partículas de colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade acetiladas são rapidamente assimiladas pelos macrófagos, em pacientes expostos a níveis elevados de colesterol, sugere que essas lipoproteínas penetram na camada íntima e são submetidas a oxidação. Os efeitos pró-inflamatórios da hipertensão arterial aumentam a produção de peróxido de hidrogênio e radicais livres, substâncias que reduzem a produção do óxido nítrico endotelial e aumentam a aderência leucocitária e a resistência periférica. O endotélio é essencial na distribuição da insulina e sua integridade pode ser comprometida por ação de citocinas, lipoproteínas oxidadas, tabagismo e estresse crônico, em pacientes portadores de diabetes do tipo 2. Várias citocinas têm sido amplamente estudadas no tecido adiposo: fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina 6 (IL-6), adiponectina, leptina, resistina e PAI-1. A adiponectina é uma proteína plasmática do tipo colágeno-específica, exclusivamente expressa no tecido adiposo humano; a resistina é expressa predominantemente no tecido adiposo; e a leptina é um hormônio derivado do adipócito e está intensamente ligada às citocinas pró-inflamatórias. A ligação entre adipocinas e risco cardiovascular foi demonstrada pela relação existente entre níveis sanguíneos de adipocinas, IL-6 e proteína Creativa. A IL-6 promove a liberação de moléculas de adesão endotelial quimocinas e aumenta os níveis sanguíneos da proteína C-reativa. A contribuição da inflamação vascular na doença aterosclerótica dos fumantes foi demonstrada em estudos que avaliaram os níveis séricos da proteína C-reativa em fumantes e não-fumantes. Palavras-chave: fatores de risco, inflamação, aterogênese. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:193-201) RSCESP (72594)-1613
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ARMAGANIJAN D INTRODUÇÃO e cols. Fatores de risco e A inflamação vascular foi identificada em toinflamação vascular das as etapas evolutivas das lesões ateroscleróticas e a reação inflamatória é uma resposta aos estímulos nocivos, caracterizada pelo movimento de células sanguíneas para o interior da parede vascular, sob a influência de fatores quimiotáticos produzidos no local da lesão. A persistência desses estímulos mantém o processo inflamatório crônico infiltrado por células imunitárias (macrófagos, linfócitos e células plasmáticas). A resposta parietal inadequada compromete a função e a anatomia vascular, originando a placa aterosclerótica. A liberação de mediadores inflamatórios e sua dosagem sanguínea podem constituir possíveis identificadores do ciclo inflamatório. Nos estudos epidemiológicos moleculares, a identificação e a dosagem desses marcadores inflamatórios têm sido utilizadas para prevenção, diagnóstico e tratamento da doença aterosclerótica. Contudo, há necessidade de se estabelecer quais são os marcadores inflamatórios ideais, padronizar os métodos laboratoriais, demonstrar seus efeitos aditivos quando associados aos fatores de risco clássicos, e reavaliar os resultados dos estudos epidemiológicos prospectivos. Estímulos nocivos, tais como hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo, entre outros, danificam o endotélio e estimulam uma reação inflamatório-proliferativa na parede vascular. A reação inflamatória aumenta a secreção de citocinas pró-inflamatórias primárias (interleucina 1 – IL-1 e fator de necrose tumoral alfa – TNF-alfa), responsáveis pela ex-
pressão de moléculas de adesão leucocitária (molécula de adesão intracelular – ICAM-1 e selectinas P, E e L) e pelo aumento da produção de substâncias quimiotáticas (proteína quimiotática derivada de monócitos – MCP-1 e fator estimulador de colônia de monócitos – MCSF), ambas amplificadoras da cascata inflamatória (Fig. 1). Os monócitos intraparietais adquirem características de macrófagos tissulares e células espumosas, secretam espécies reativas de oxigênio, citocinas pró-inflamatórias, metaloproteinases (MMP), fatores de crescimento e fator tissular, amplificando a reação inflamatória. No interior do ateroma, os linfócitos T podem se converter em células secretoras denominadas Th1 e Th2. As células Th1, em maior número, secretam citocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-alfa e interferon gama – IFN-gama) e as células Th2 secretam citocinas antiinflamatórias (IL-4 e IL-10). O núcleo lipídico da placa aterosclerótica contém células espumosas, macrófagos e restos necróticos. A capa fibrosa estável tem maior espessura e é constituída por colágeno e células musculares lisas. A capa fibrosa vulnerável é composta por pouco colágeno, passível de ruptura; quando rota, expõe o tecido conjuntivo subendotelial, propiciando maior incidência de trombose vascular. Os linfócitos T secretam IFN-gama e reduzem a síntese de colágeno, adelgaçando a espessura da capa fibrosa. Os macrófagos secretam MMP, degradam a matriz extracelular, favorecem a ruptura da placa e expõem elementos pró-trombóticos (fator tissular), mediadores da trombose intravascular. A reação inflamatória aumenta os níveis sanguíneos das proteínas de fase aguda, cuja concen-
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Figura 1. Recrutamento dos monócitos sanguíneos pelas moléculas de adesão das células endoteliais.
tração sérica aumenta (proteínas positivas) ou diminui (proteínas negativas), em pelo menos 25%, durante o processo inflamatório. As citocinas produzidas no local do processo inflamatório podem estimular a produção de outras citocinas, tanto locais como à distância. A IL-6, citocina pró-inflamatória secundária, estimula a síntese hepática de proteínas da fase aguda produzidas em baixa concentração (proteína C-reativa – PCR e substância amilóide A – SAA) e de proteínas da fase aguda produzidas em alta concentração (fibrinogênio). DISLIPIDEMIAS E INFLAMAÇÃO VASCULAR Em 1970, Goldestein descreveu a hipercolesterolemia familiar como uma doença monogênica ligada às mutações do receptor de colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) e demonstrou que concentrações sanguíneas elevadas dessa lipoproteína induziam aterosclerose acelerada. Simultaneamente, vários estudos relacionaram a doença aterosclerótica a níveis séricos baixos de colesterol ligado à lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), principalmente em mulheres e idosos, e níveis séricos elevados de triglicérides, ambos considerados importantes fatores de risco cardiovascular. Os mediadores da relação entre os lípides e a aterosclerose envolvem polimorfonucleares (monócitos/macrófagos, linfócitos) e células musculares lisas parietais. As
ARMAGANIJAN D lesões ateroscleróticas iniciais, formadas por pee cols. quenos depósitos de lípides na íntima, podem evoFatores de risco e luir para lesões complicadas e denominadas plainflamação vascular cas ateroscleróticas. Embora os macrófagos sejam responsáveis pela formação das células espumosas, em culturas de tecido essas células não têm a mesma capacidade de absorver as gorduras, pela sua reduzida expressão de receptores de LDL-colesterol. A demonstração de que as partículas de LDL-colesterol acetiladas são rapidamente assimiladas pelos macrófagos, em pacientes expostos a níveis elevados de colesterol, sugere que essas lipoproteínas penetram na camada íntima e são submetidas a oxidação por meio de três mecanismos: 1) ação de íons metálicos – cobre e ferro; 2) ação de espécies reativas – oxigênio, peróxido de hidrogênio, radical hidroxila, óxido nítrico e peroxinitrato; 3) ação de enzimas – lipoxigenases, mieloperoxidases, dinucleotídeo de nicotinamida adenina fosfato (NADPH) oxidase e citocromo P-450. O LDL-colesterol oxidado é fagocitado pelos macrófagos e dá início à formação das células espumosas (Fig. 2). O acúmulo de lípides modificados ativa as células endoteliais e estimula a migração de células inflamatórias e o recrutamento de células musculares lisas responsáveis pela síntese da matriz e pela formação da capa fibrosa. Os fatores de crescimento também aumentam o recrutamento de células musculares lisas e a formação da capa fibro-
195 Figura 2. LDL e células espumosas.
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sa. A degradação da matriz e a apoptose de células musculares lisas estimulam a ruptura da placa, expõem o tecido conjuntivo subendotelial, aumentam a agregação de plaquetas e estimulam a trombose.1 Os macrófagos são responsáveis pela remoção e pelo seqüestro das partículas de LDL-colesterol na parede vascular. A morte celular programada desses macrófagos pode ter efeitos benéficos ou maléficos. A apoptose benéfica remove os corpos apoptóicos e reduz a destruição de fibras colágenas. A apoptose maléfica acumula corpos apoptóicos na parede vascular, ativa a trombina e, conseqüentemente, aumenta a incidência de trombose intraparietal. Os macrófagos secretam a proteína quimiotática (MCP-1) e o fator estimulador de colônia de macrófagos (MCSF), responsáveis pelo recrutamento de novos macrófagos e retenção de macrófagos preexistentes. A ativação desses macrófagos expressa genes que estimulam a produção de citocinas, fatores de crescimento e alterações fenotípicas das células musculares lisas, aumentando a proliferação e sua migração para outros segmentos vasculares.2 Os macrófagos e os linfócitos têm importante papel na formação da placa vulnerável, liberando citocinas responsáveis pela inflamação vascular. Citocinas, TNF-alfa, IL-1, IL-6 e INF-gama amplificam a resposta imunológica e alteram a função da célula endotelial, favorecendo o processo pró-trombótico. A IL-6 e o TNF-alfa têm papel de
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Figura 3. Inibição da aterosclerose pela HDL.
destaque e sua elevação nos níveis sanguíneos aumenta a incidência de eventos coronários. Os efeitos protetores do HDL-colesterol na placa aterosclerótica advêm de vários mecanismos: 1) aumenta o efluxo do colesterol – remoção do colesterol dos tecidos periféricos para o fígado ou para os órgãos denominados esteroidogênicos, que utilizam o colesterol na síntese de alguns hormônios; 2) inibição e oxidação do LDL-colesterol da placa aterosclerótica – transferência dos hidroperóxidos lipídicos das partículas de LDL-colesterol para as partículas de HDL-colesterol, lipoproteína rapidamente metabolizada pelas células hepáticas e redutora da oxidação do LDL-colesterol por meio da via enzimática (paroxinase); 3) estimula a produção de óxido nítrico via sinalização de membrana, inibindo a expressão da molécula de adesão nas células endoteliais e reduzindo o processo inflamatório. A ação deletérea das citocinas e das lipoproteínas provoca no leito vascular alterações da lipase lipoprotéica, colaborando para o aumento de triglicérides e para a redução do HDL-colesterol. O crescimento progressivo das estrias gordurosas modifica a anatomia vascular, inicialmente com remodelamento positivo, sem alterações de fluxo sanguíneo, permitindo ao paciente hipercolesterolêmico evoluir de forma assintomática durante décadas. No “Women’s Health Study”3, em 28.262 mulheres pós-menopausa, aparentemente
normais, foi avaliado o risco de doença arterial coronária, infarto não-fatal, acidente vascular cerebral e necessidade de revascularização miocárdica. Durante o seguimento de três anos, os níveis sanguíneos dos marcadores inflamatórios eram mais elevados nas mulheres que tiveram eventos cardiovasculares. Os níveis sanguíneos elevados de LDL-colesterol e de apoproteína B-100 e a relação colesterol/HDL-colesterol estiveram diretamente relacionados com os níveis elevados dos marcadores inflamatórios. HIPERTENSÃO ARTERIAL E INFLAMAÇÃO VASCULAR A função endotelial normal resulta do estado de equilíbrio entre as substâncias produzidas no endotélio e os elementos celulares adjacentes. Nesse estado de equilíbrio funcional há predisposição para vasodilatação, inibição do crescimento celular, e ações antiagregante, antioxidante e antiinflamatória. A disfunção endotelial predispõe a vasoconstrição, inflamação, adesão tanto plaquetária como leucocitária, trombose, proliferação celular, aterosclerose e hipertensão arterial. Pacientes hipertensos com disfunção endotelial têm resposta paradoxal à acetilcolina e, nesses pacientes, os níveis sanguíneos de angiotensina II freqüentemente estão elevados. A angiotensina II é um potente vasoconstritor, age sobre as células endoteliais e essa ligação é feita por meio de receptores do tipo AT1. Nessas células, a angiotensina II ativa a enzima NADH/NADH oxidase, aumentando a produção de superóxido e diminuindo a produção de óxido nítrico. A ligação da angiotensina II com as células musculares lisas é feita por meio de receptores específicos que ativam a produção da enzima fosfolipase C, responsável pelo aumento da concentração de cálcio intracelular e pela contração muscular. Simultaneamente, a angiotensina II aumenta a atividade da lipoxigenase, propiciando maior oxidação do LDL-colesterol e inflamação vascular. Os efeitos pró-inflamatórios da hipertensão arterial aumentam: 1) a produção do peróxido de hidrogênio e radicais livres (ânion superóxido e radicais hidroxila); 2) as substâncias que reduzem a produção do óxido nítrico endotelial; 3) as substâncias que aumentam a aderência leucocitária e a resistência periférica. Assim, a angiotensina II estimula os fatores de crescimento responsáveis pela hipertrofia tanto cardíaca como vascular, aumenta a secreção da matriz extracelular, aumenta a produção de citocinas inflamatórias, ativa os monócitos, estimula
ARMAGANIJAN D a reação inflamatória, aumenta a produção de rae cols. dicais livres e diminui a produção de óxido nítriFatores de risco e co.4 inflamação vascular DIABETES DO TIPO 2 E INFLAMAÇÃO VASCULAR Estudos têm demonstrado que a inflamação vascular está implicada na gênese do diabetes do tipo 2. O estresse crônico e a ingestão de alimentos ricos em gordura saturada, em pacientes predispostos, aumentam a secreção de citocinas, IL1, IL-2 e TNF-alfa e a resistência à insulina. Ademais, a associação entre aumento da resistência à insulina e níveis sanguíneos elevados de PCR, PAI1, fibrinogênio e leucocitose corrobora a importância dessas afirmações nos pacientes diabéticos. O endotélio é essencial na distribuição da insulina e sua integridade pode ser comprometida por ação de citocinas, lipoproteínas oxidadas, tabagismo e estresse crônico em pacientes portadores de diabetes do tipo 2. A persistência desses agentes nocivos produz alterações capilares da lipase lipoprotéica, aumentando os níveis de LDLcolesterol e triglicérides e reduzindo os níveis séricos de HDL-colesterol. Tais alterações reduzem a perfusão capilar, diminuem a produção de óxido nítrico, e aumentam os níveis sanguíneos de PAI1 e do fator de von Willebrand, agravando a disfunção endotelial. O comprometimento da barreira endotelial reduz a perfusão tecidual da insulina e disponibiliza menor quantidade desse hormônio aos receptores na membrana celular. Essa barreira endotelial aumenta a resistência à insulina. Em estudos experimentais, os níveis sanguíneos elevados de marcadores inflamatórios aumentaram o risco de desestabilização da placa aterosclerótica em pacientes com aumento de resistência à insulina. Nesses estudos, a incubação de PCR recombinante com células endoteliais promoveu a inibição da síntese do óxido nítrico, aumentou a produção do fator tissular pelos macrófagos, propiciou maior ligação dos macrófagos às lipoproteínas, principalmente do LDL-colesterol e do colesterol ligado à lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL-colesterol), facilitando sua agregação e acúmulo nas lesões ateroscleróticas incipientes. Outra evidência da importância dos marcadores inflamatórios é a relação observada entre doenças inflamatórias crônicas e níveis sanguíneos do TNF-alfa. Nas doenças periodontais, os níveis sanguíneos do TNF-alfa são até 32 vezes maiores que o normal e a freqüência de infartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais pode ser 2,8 vezes maior que nos não-portadores de doença inflamatória.5 Os níveis de PCR correlacionam-se com o ín-
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dice de massa corpórea. Em pacientes com diabetes do tipo 2 e aumento da circunferência abdominal, a perda de 10% do peso reduz significativamente os níveis sanguíneos da PCR. OBESIDADE E INFLAMAÇÃO VASCULAR
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A prevalência da obesidade nas sociedades ocidentais tem aumentado nos últimos anos e o risco de doença cardiovascular nos obesos é superior ao dos não-obesos. O tecido adiposo, considerado armazenador passivo de gordura, tem importante atividade endócrina e participa efetivamente do metabolismo orgânico. Os adipócitos produzem citocinas, moléculas de baixo peso molecular farmacologicamente ativas e com efeitos autócrinos e parácrinos.6 Várias citocinas têm sido amplamente estudadas no tecido adiposo: TNF-alfa, IL-6, adiponectina, leptina, resistina e PAI-1. O tecido adiposo é a principal fonte de TNF-alfa, cujos efeitos incluem importante ação pró-inflamatória.7 Apenas 30% da IL-6 circulante têm origem no tecido adiposo e dois terços advêm do tecido adiposo visceral. A adiponectina é uma proteína plasmática do tipo colágeno-específica, exclusivamente expressa no tecido adiposo humano. A resistina é uma molécula rica em cisteína, expressa predominantemente no tecido adiposo, detectável no soro e com atuação em outros sítios de forma semelhante à de outras adipocinas. A leptina é um hormônio derivado do adipócito e está intensamente ligada às citocinas pró-inflamatórias. Sabe-se pouco sobre o envolvimento e a interação entre inflamação e tecido adiposo; na aterogênese, as adipocinas exercem importante papel na relação entre inflamação, resistência à insulina e diabetes. Diversos estudos têm demonstrado vinculação entre TNF-alfa e doença cardiovascular, independentemente da sensibilidade à insulina. Os efeitos do TNF-alfa sobre o endotélio podem ser diretos ou indiretos, por meio da liberação de outros mediadores produzidos nos próprios adipócitos ou em células de outros tecidos orgânicos. Nas células, o TNF-alfa aumenta a adesão de leucócitos no endotélio, ativa as vias pró-inflamatórias e induz à expressão da molécula de adesão de célula vascular (VCAM-1) e da endotelina.8-10 A ligação entre adipocinas e risco cardiovascular foi demonstrada pela relação existente entre níveis sanguíneos de adipocinas, IL-6 e PCR. A IL-6 promove a liberação de moléculas de adesão endotelial, quimocinas, e aumenta os níveis sanguíneos da PCR. A concentração sérica baixa de adiponectina na obesidade, no diabetes do tipo 2 e na doença
arterial coronária sugere efeitos protetores dessa proteína. “In vitro”, a adiponectina recombinante humana suprime a expressão endotelial das moléculas de adesão, a proliferação do músculo liso vascular e a transformação de macrófagos em células espumosas. Em células endoteliais aórticas humanas, a adiponectina inibe a adesão de monócitos, induzida pelo TNF-alfa, e suprime níveis de RNAm e VCAM-1. A leptina participa da etiologia da doença hipertensiva e da doença cardiovascular pelos seus efeitos sobre o sistema nervoso simpático no tecido adiposo, no rim e na glândula adrenal. A redução do peso melhora os fatores hemostáticos associados às doenças cardiovasculares, incluindo o antígeno PAI-1 e o antígeno ativador tecidual do plasminogênio. A melhora da função endotelial macrovascular está associada à redução do peso e dos marcadores da ativação endotelial, da inflamação e da coagulação, incluindo redução de ICAM-1, TNF-alfa, PCR e PAI-1.11 TABAGISMO E INFLAMAÇÃO VASCULAR O tabagismo é um importante fator de risco modificável e tem consistente associação epidemiológica com doenças cardiovasculares, tanto em homens como em mulheres. Aproximadamente 50% dos pacientes de meia-idade portadores de doença cardiocirculatória são fumantes ou ex-fumantes.12 As alterações vasculares decorrentes do tabagismo envolvem disfunção endotelial, alterações da coagulação sanguínea e anormalidades do metabolismo lipídico. A contribuição da inflamação vascular na doença aterosclerótica dos fumantes foi demonstrada em estudos que avaliaram os níveis séricos da PCR em fumantes e não-fumantes. No “Women’s Health Study”, foram analisados cinco marcadores inflamatórios sistêmicos em mulheres aparentemente normais. No grupo das mulheres fumantes, os níveis séricos de PCR (p = 0,032), IL-6 (p < 0,002), ICAM-1 (p < 0,001), selectina P (p = 0,025) e selectina E (p = 0,007) foram significativamente maiores que no grupo das não-fumantes. Na análise multivariada, após ajuste da idade, índice de massa corpórea, história de hipertensão, diabetes, consumo de bebida alcoólica, atividade física, história familiar de infarto do miocárdio antes dos 60 anos de idade, terapia de reposição hormonal, e níveis séricos de LDL e HDL, as pacientes fumantes apresentaram níveis séricos mais elevados em quatro dos cinco marcadores inflamatórios avaliados nessa população: PCR (p = 0,034), IL-6 (p = 0,002), ICAM-1 (p < 0,001) e selectina E (p = 0,036).13 Resultados semelhantes foram observados numa população de
médicos em que se utilizou a PCR como marcador de inflamação. A relação entre níveis de PCR e tabagismo é proporcional ao número de cigarros fumados. No estudo de Mendall e colaboradores14, a elevação dos níveis séricos de PCR e IL-6 em homens foi diretamente proporcional ao número de cigarros consumidos. Nas mulheres, os níveis séricos de selectina P foram o melhor indicador do número de cigarros consumidos.15 ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO VASCULAR A relação entre aterosclerose, inflamação e fatores de risco sugere a existência de múltiplos mecanismos fisiopatológicos. Em pacientes jovens, a trombose e a ruptura de placa respondem pela evolução rápida da doença aterosclerótica. Nesses pacientes, o endotélio pode estar relativamente intacto e com pouca evidência de ativação da
coagulação. Contudo, a ruptura da placa estimula a trombose e o trombo sanguíneo é fundamental na evolução da doença. Em pacientes idosos, a placa aterosclerótica é complexa e resulta de um processo evolutivo lento. Participam desse processo mecanismos lentos de coagulação, rupturas múltiplas da placa e complicações clínicas, tais como morte súbita e insuficiência cardíaca. A doença vascular crônica ativa a coagulação sanguínea e o trombo pode não estar associado à evolução da doença, porém freqüentemente participa do processo inflamatório. Considerando essas hipóteses verdadeiras, as medidas preventivas controlariam uma fração importante da população jovem e com doença aterosclerótica, fato que tem se observado nos últimos anos. Nos processos ateroscleróticos crônicos, a redução da doença sugere a necessidade de se controlar os componentes inflamatórios, inclusive das co-morbidades freqüentemente presentes na população idosa.
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RISK FACTORS AND VASCULAR INFLAMMATION DIKRAN ARMAGANIJAN LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN MAURICIO RODRIGUES JORDÃO
Vascular inflammation was identified in all stages of atherosclerotic lesions and the inflammatory reaction is a response to noxious stimuli. Hypercholesterolemia, hypertension, diabetes mellitus, obesity and smoking, among others, damage the endothelium and stimulate an inflammatory reaction in the vascular wall. The mediators between lipids and atherosclerosis involve nuclear polymorphs (monocytes/macrophages, lymphocytes) and smooth muscle cells. The confirmation that oxidized LDL-cholesterol particles are rapidly assimilated by macrophages, in patients submitted to high levels of cholesterol, suggest that these lipoproteins penetrate the inner layer and get oxidized. The pro-inflammatory action of hypertension increases the formation of hydrogen peroxide and free radicals; these substances reduce the formation of nitric oxide by the endothelium, and increase leukocyte adhesion and peripheral resistance. The endothelium is essential in insulin distribution and its structure may be impaired by cytokines, oxidized lipoproteins, smoking and chronic stress, in patients with type 2 diabetes. Various cytokines have been widely researched in the adipose tissue: TNF-α, IL-6, adiponectine, leptine, resistine and PAI-1. The adiponectine is a specific-collagen plasmatic protein, exclusively expressed in human adipose tissue; the resistine is mainly expressed in the adipose tissue and the leptine is a hormone derived from adipocyte and is linked to pro-inflammatory cytokines. The binding between adipocines and cardiovascular risk was demonstrated by the relation among plasma levels of adipocines, IL6 and CRP. IL-6 releases adipocytes, cytokines and increases CRP levels. The contribution of vascular inflammation in the atherosclerotic disease of smokers was demonstrated in studies that evaluated the blood levels of CRP in smokers and non-smokers. Key words: risk factors, inflammation, atherogenesis. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:193-201) RSCESP (72594)-1613
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BACAL F e cols. Inflamação e insuficiência cardíaca
INFLAMAÇÃO E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA FERNANDO BACAL CHRISTIANO P. SILVA VICTOR SARLI ISSA
Unidade de ICC e Transplante – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-904 – São Paulo – SP
A ativação pró-inflamatória exerce papel importante na fisiopatologia da insuficiência cardíaca. Os mediadores inflamatórios envolvidos no estado de hipercatabolismo, que marca o estágio avançado da doença, são: fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina-6, interleucina-1 e endotelina. Valores plasmáticos elevados dessas substâncias se correlacionam com piora da classe funcional, tolerância ao exercício, caquexia cardíaca e óbito. Até o presente momento as drogas que visam ao bloqueio específico desses mediadores pró-inflamatórios não demonstraram o impacto esperado, do ponto de vista de melhora do prognóstico dos pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Novos estudos estão em andamento, com o objetivo de documentar o real impacto e a necessidade do bloqueio do sistema pró-inflamatório. Palavras-chave: disfunção ventricular, atividade pró-inflamatória, fator de necrose tumoral. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:202-12) RSCESP (72594)-1614
INTRODUÇÃO
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Nos últimos anos, diversos estudos demonstraram o papel significativo de processos inflamatórios no desenvolvimento de diversas doenças cardiovasculares, muitas delas anteriormente consideradas “degenerativas”, como aterosclerose e estenose aórtica1. De maneira similar, foi demonstrada a importância da inflamação no desenvolvimento e na progressão da cardiomiopatia dilatada e da síndrome da insuficiência cardíaca. O entendimento da fisiopatologia da insuficiência cardíaca tem mudado muito nos últimos anos. Primeiramente acreditava-se no mecanismo puramente hemodinâmico, com comprometimento tanto da pré- como da pós-carga e da contratilidade ventricular. Posteriormente introduziu-se o conceito neuro-hormonal, com ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema
adrenérgico, inclusive com sua participação como “gatilho” para o processo de remodelamento ventricular. Mais recentemente, identificou-se a atividade pró-inflamatória como peça importante, tanto na progressão da insuficiência cardíaca como no agravamento da doença. Diversos estudos têm comprovado o aumento dos níveis de citocinas inflamatórias nos pacientes com insuficiência cardíaca, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina (IL-6), tanto no plasma como nos leucócitos circulantes. A primeira descrição do achado de concentrações elevadas de fator de TNFα em pacientes com insuficiência cardíaca foi feita em 1990, por Levine e colaboradores2 (Fig. 1). Níveis plasmáticos de citocinas inflamatórias estão relacionados diretamente com a deterioração da classe funcional e a fração de ejeção ventricular3. Análises secundárias de alguns estudos,
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Figura 1. Disfunção ventricular levando ao estado de hipercatabolismo, com participação dos mediadores pró-inflamatórios.
como o “Studies Of Left Ventricular Dysfunction” (SOLVD)4 e o “Vesnarinone Trial” (VEST)5, demonstraram ainda implicação prognóstica negativa em pacientes com elevação dos níveis séricos de citocinas inflamatórias. ASPECTOS CLÍNICOS E FISIOPATOLOGIA As principais fontes de citocinas inflamatórias são: miocárdio (não necessariamente relacionado com a morte de miócitos), leucócitos circulantes, plaquetas, células endoteliais, pulmões, fígado e macrófagos teciduais. Pacientes com insuficiência cardíaca freqüentemente manifestam sinais compatíveis com doenças inflamatórias, como anorexia, anemia e caquexia. Marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PCR), encontram-se elevados em pacientes com insuficiência cardíaca.6 Essas observações e a descoberta de que a caquexia de pacientes com câncer é mediada por citocinas levaram a investigações do papel dessas substâncias em pacientes com insuficiência cardíaca. Nesse contexto, na prática clínica costumeiramente identificamos emagrecimento progressivo e anorexia em portadores de insuficiência cardíaca em suas fases mais avançadas. O paciente pode emagrecer em decorrência do baixo débito e da conseqüente má perfusão esplâncnica. A insuficiência cardíaca direita pode, ainda, levar a empa-
chamento pós-prandial e má absorção dos alimentos. Pode, também, ocorrer inapetência, motivada pela orientação de dieta hipossódica, pelo efeito colateral dos medicamentos e, finalmente, pela liberação do TNF-α, antigamente denominado caquectina. A liberação dessa citocina é principalmente de origem miocárdica, secundariamente a baixo débito, hipoxia e aumento de estresse intramiocárdico, embora também tenha sido identificada liberação intestinal, como resposta à má perfusão tecidual e à translocação bacteriana tanto intestinal como esplâncnica. Diversos estudos confirmaram esses resultados, demonstrando que pacientes com insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica, hipertensiva ou idiopática têm níveis plasmáticos de TNF-α elevados e que esses níveis aumentam de acordo com a gravidade da insuficiência cardíaca7-9 Além disso, essas citocinas têm valor prognóstico independente de classe funcional, consumo de oxigênio ou fração de ejeção do ventrículo esquerdo.10 Estudos em animais geneticamente modificados demonstraram, ainda, que a expressão aumentada de TNF-α em miócitos cardíacos induz o surgimento de cardiomiopatia dilatada11 e que pode ser atenuada por antagonistas do TNF-α.12 Estudos imuno-histoquímicos comprovaram a presença de TNF-α em amostras de miocárdio de pacientes com cardiomiopatia dilatada.13 O TNF-α tem diversos efeitos que podem es-
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tar relacionados ao desenvolvimento da insuficiência cardíaca: redução da contratilidade miocárdica,14 apoptose de miócitos cardíacos, remodelação da matriz extracelular,15 alterações da permeabilidade capilar, hipotensão arterial, acidose metabólica e indução de caquexia16 (Tab. 1). Tabela 1. Efeitos do TNF-α na insuficiência cardíaca. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
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Disfunção vascular Estresse oxidativo Apoptose Proteólise Ativação imune Efeito inotrópico negativo Aumento do metabolismo basal Anorexia
Esses efeitos são mediados por dois tipos de receptores na superfície celular: TNF-R1 e TNFR2. Após a ligação do TNF-α a seus receptores, estes são liberados da membrana celular, dando origem a suas formas solúveis sTNF-R1 e sTNFR2. Esses fragmentos de receptores mantêm a capacidade de se ligar ao TNF-α e podem inibir ou potencializar seus efeitos, na dependência do modelo estudado. As concentrações plasmáticas de sTNF-R1 e de sTNF-R2 podem ser úteis para avaliar a atividade do sistema do TNF-α e encontramse aumentadas em pacientes com insuficiência cardíaca, principalmente naqueles mais sintomáticos. De maneira similar ao observado com o TNF-α, seus valores aumentam de acordo com a classe funcional, tendo importante valor prognóstico, independentemente de variáveis clínicas ou funcionais. Em mais uma evidência a favor da importância do TNF-α na insuficiência cardíaca, o antagonismo da ação do TNF-α com etanercept, uma molécula sintética derivada do sTNF-R2, parece melhorar a função ventricular.17 Estudos epidemiológicos têm sugerido que, associados ao TNF-α, níveis séricos elevados de proteína C-reativa podem constituir risco potencial para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca18. Também tem sido descrito que o aumento da proteína C-reativa eleva a mortalidade em pacientes com cardiomiopatia dilatada19. A proteína C-reativa é uma proteína inflamatória associada à secreção de outras citocinas, como TNF-α, IL-6 e IL-1. Modelos “in vitro” demonstram que a proteína C-reativa induz a liberação de TNF-α pelos macrófagos humanos. Provavelmente há uma ação sinérgica entre o TNF-α e a proteína C-reativa na patogênese da cardiomiopatia dilatada20. A IL-6 também foi estudada em diversos gru-
pos de pacientes com insuficiência cardíaca. Em 1996, Torre-Amione e colaboradores descreveram que os níveis plasmáticos de TNF-α e de IL-6 se encontravam elevados em portadores de insuficiência cardíaca em classes funcionais I a III.21 Munger e colaboradores relataram o achado de concentrações elevadas de IL-6 no plasma de pacientes em classes funcionais II a IV.22 Anker e colaboradores descreveram níveis plasmáticos elevados de IL-6 em portadores de insuficiência cardíaca e caquexia cardíaca.23 Orus e colaboradores relataram que a IL-6 era um fator de risco para óbito, necessidade de hospitalização por insuficiência cardíaca ou necessidade de transplante cardíaco, independentemente da classe funcional e de outros marcadores de ativação neuro-hormonal e inflamatória.24 Mais recentemente, Deswal e colaboradores, em um estudo de 1.169 pacientes, encontraram níveis aumentados de IL-6 em cerca de 30% dos pacientes em classes funcionais III e IV, e demonstraram que níveis mais elevados de IL-6 estão associados a pior prognóstico.25 Outra citocina, a endotelina, também tem relevante impacto na fisiopatologia da insuficiência cardíaca26. Esse peptídeo vasoativo tem importante papel vasoconstritor, resultando em remodelamento vascular pulmonar e conseqüente hipertensão e hiper-resistência vascular pulmonar, aspectos fundamentais na evolução clínica, no prognóstico e no planejamento do tratamento cirúrgico, já que pode se tornar fator limitante para indicação de transplante cardíaco. Outras citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL18) também foram estudadas em pacientes com insuficiência cardíaca, mas os resultados obtidos ainda não permitem definir um quadro claro de seu comportamento na insuficiência cardíaca.27, 28 Alguns trabalhos sugerem que as concentrações de citocinas antiinflamatórias, como IL-10 e “transforming growth factor beta 1”, também se encontram elevadas em pacientes com insuficiência cardíaca, possivelmente não sendo suficiente para compensar o desequilíbrio existente e que favorece a manutenção do processo inflamatório.29, 30 RELAÇÃO ENTRE INFLAMAÇÃO E ETIOLOGIA DA CARDIOMIOPATIA As evidências disponíveis sugerem que a insuficiência cardíaca é um estado pró-inflamatório e que a inflamação crônica pode estar relacionada à evolução da doença e ao prognóstico dos pacientes. Entretanto, esse modelo não é uniformemente aplicável. Apenas uma fração (40% a 60% na maioria dos estudos) dos pacientes tem concentrações aumentadas de citocinas pró-inflamatóri-
as no plasma, e há evidências de que a ativação inflamatória seja modulada pela etiologia da doença cardíaca. Hogye e colaboradores estudaram portadores de cardiomiopatia dilatada em classe funcional avançada e pacientes com cardiomiopatia hipertrófica sem disfunção ventricular importante (em classe funcional média 1,5 da “New York Heart Association” – NYHA)31. Os níveis séricos de IL6 e TNF-α foram encontrados elevados nos dilatados, mas apenas a IL-6 permanecia elevada nos hipertróficos, o que sugere a possibilidade de essa citocina não se relacionar apenas com o grau de disfunção ventricular. Mocelin e colaboradores investigaram a ativação inflamatória na cardiopatia chagásica, em trabalho desenvolvido no Instituto do Coração (InCor/HC-FMUSP). Essa afecção, caracterizada por miocardite crônica, poderia resultar em padrões de atividade inflamatória diferentes dos descritos em outras etiologias de insuficiência cardíaca. Nesse trabalho foram comparadas as concentrações de TNF-α, sTNF-R1 e IL-6 no plasma de pacientes com insuficiência cardíaca decorrente de cardiopatia chagásica ou de cardiomiopatia dilatada idiopática32. Foi observado que: a) as concentrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 em portadores de cardiomiopatia chagásica foram significativamente maiores que em indivíduos normais; b) as concentrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 em portadores de etiologia chagásica foram significativamente maiores que as observadas em pacientes dilatados idiopáticos, após estratificação pela classe funcional (Figs. 2 e 3); c) as concentrações de sTNF-R1 foram significativamente menores nos pacientes chagásicos que nos portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática, após estratificação pela classe funcional; e d) as concentrações plasmáticas de IL-6 estiveram significativamente associadas à ocorrência de óbito ou transplante cardíaco em situação de prioridade para ambos os grupos de pacientes. Acredita-se que também em pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática o sistema inflamatório possa ter papel fisiopatológico. Aceita-se atualmente que essa etiologia reúna grupo heterogêneo de pacientes. Possíveis etiologias para cardiomiopatias categorizadas como idiopáticas são: 1) condições clínicas cuja relação causal com a cardiomiopatia não é evidente ou não é passível comprovação em bases clínicas (como, por exemplo, diabetes melito e obesidade); 2) mutações genéticas, que podem envolver diferentes proteínas do citoesqueleto e do sarcômero de cardiomiócitos, encontradas em 30% a 50% dos pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática33 (algumas formas da doença têm caráter familiar, encontrando-
4
se doença cardíaca em 20% a 65% das famílias de pacientes com cardiomiopatia dilatada); 3) autoimunidade, hipótese formulada a partir do achado de infiltrado inflamatório na ausência de agentes infecciosos identificáveis em tecido miocárdico, aumento da expressão de moléculas do complexo maior de histocompatibilidade e presença de autoanticorpos circulantes em pacientes com cardiomiopatia dilatada;34, 35 4) miocardite infecciosa, em que o genoma viral tem sido detectado em 10% a 71% dos pacientes com cardiomiopatia dilatada36-38. Outros agentes etiológicos também têm sido descritos.39 Entretanto, a relação causal entre o achado de agentes infecciosos e o desenvolvimento de doença ainda é motivo de debate. Os mecanismos pelos quais agentes infecciosos podem levar a lesão miocárdica incluem agressão direta a cardiomiócitos, imunomodulação e indução de defeitos nos mecanismos de contração e relaxamento miocárdicos.40 O modelo atualmente proposto prevê ocorrência de lesão tecidual inicial causada por ação direta do agente infeccioso. Acredita-se que durante o processo inflamatório decorrente da agressão infecciosa possam surgir fenômenos autoimunes, envolvendo tanto a imunidade celular como a imunidade humoral.41, 42 Agressões repetidas ao miocárdio, seja por exposição recorrente ao agente infeccioso seja por processo inflamatório persistente, culminariam com o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada.
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PAPEL DO TRATAMENTO ANTIINFLAMATÓRIO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA O tratamento moderno da insuficiência cardíaca ainda não é suficiente para conter os significativos números relacionados à mortalidade dos pacientes, o que pode sugerir que algum outro mecanismo fisiopatológico importante mantém-se ativo e sem modalidades terapêuticas específicas. A atividade inflamatória na insuficiência cardíaca pode ter papel nesse processo, o que desperta interesse na descoberta de agentes específicos para inibir a imunopatogênese da doença. Adamopoulos e colaboradores demonstraram que o treinamento físico pode reduzir citocinas inflamatórias, como TNF-α e IL-6, enquanto o “destreinamento” tem papel oposto43. O primeiro imunomodulador a mostrar benefício na insuficiência cardíaca foi a pentoxifilina. Em portadores de cardiomiopatia dilatada, o uso dessa medicação melhorou os sintomas e aumentou a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Entretanto, esses efeitos podem ter maior relação com o fato de a pentoxifilina ser um inibidor de fosfodiesterase que com sua ação imunomoduladora44.
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As estatinas possuem ação imunomoduladora, antitrombótica, protetora da função endotelial e antiinflamatória, e também reduzem o colesterol45. Além de inibir a produção de citocinas, como a IL-1ß, no endotélio, as estatinas têm mostrado reduzir a inflamação e a produção de radicais livres na parede vascular46. Estudos “in vitro” e em modelos animais têm demonstrado prevenção do desenvolvimento de hipertrofia miocárdica com o uso de estatinas, o que sugere o potencial benefício do uso dessas medicações na insuficiência cardíaca47. Por causa do importante papel do TNF-α na fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a modulação terapêutica dessa citocina tem recebido muita
atenção (Tab. 2). Entretanto, estudos clínicos com etanercept (Fig. 4)48, droga redutora da bioatividade do TNF-α (“Randomized Etanercept Worldwide Evaluation” – RENEWAL49), foram interrompidos precocemente pela falta de eficácia, e um estudo com infliximab (anticorpo monoclonal anti-TNF-α) foi associado a aumento de hospitalizações e mortalidade no grupo intervenção (“Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart failure” – ATTACH50). Da mesma forma, a tentativa de bloquear processos inflamatórios e imunológicos relacionados ao desenvolvimento de cardiomiopatia após infecção levou diferentes autores a experimentar regi-
Figura 2. Distribuição das concentrações plasmáticas de IL-6, de acordo com a etiologia e a classe funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.)
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Figura 3. Distribuição das concentrações plasmáticas de TNF-α, de acordo com a etiologia e a classe funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.) mes de imunossupressão em pacientes tanto nas fases iniciais da doença (miocardite aguda) como nas fases tardias (cardiomiopatia dilatada). Em análise de pacientes com diagnóstico etiológico de miocardite e presença de disfunção ventricular esquerda, o uso de imunossupressores não trouxe benefício adicional ao tratamento;51 nessa condição, a presença de elevação de marcadores de atividade inflamatória (elevação de imunoglobulinas, elevação da contagem de leucócitos em sangue periférico, aumento da atividade de células “natural killer” e de macrófagos) foram fatores de proteção, relacionados e de melhor prognóstico. Dessa forma, acredita-se que em fases iniciais do processo fisiopatológico a inflamação seja protetora e o uso de imunossupressores não traga benefício. Entretanto, em pacientes com cardiomiopatia dilatada idiopática crônica, foi testada imunossupressão com prednisona. Houve melhora transitória da fração de ejeção com a administração de prednisona, especialmente nos pacientes com evidências histológicas miocárdicas e laboratoriais de
atividade inflamatória.52 Os resultados obtidos com essas experiências iniciais sugerem que os pacientes com cardiomiopatia dilatada de possível origem infecciosa podem se apresentar em diferentes estágios fisiopatológicos da doença, podendo ser variável o papel do agente infeccioso e do processo inflamatório para cada um desses momentos. Por conseguinte, a interferência terapêutica em cada um dos momentos produz resultados diversos. Vale ressaltar que tais estágios são eventos fisiopatológicos descontínuos ao longo do tempo, de caráter recorrente e superpostos, e que sua determinação com base em dados clínicos é limitada. A comprovação da participação de cada um desses componentes em determinado momento evolutivo da doença carece de demonstração histopatológica e caracterização imunológica. Buscando encontrar grupos de pacientes com melhor resposta a tratamento, estudo com 202 pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada encontrou evidência histológica de atividade infla-
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Figura 4. Análise de Kaplan-Meyer para “end-point” primário no “Randomized Etanercept Worldwide Evaluation” – RENEWAL. (Adaptado de Mann e colaboradores.48)
matória (definida como aumento de expressão de moléculas do HLA) em 84 pacientes. Esses pacientes foram, então, randomizados para receber imunossupressão (prednisona + azatioprina) ou placebo por três meses. Houve melhora no grupo que recebeu imunossupressão no que se refere a classe funcional, fração de ejeção, diâmetro diastólico ventricular esquerdo e volume diastólico ventricular esquerdo.53 Não houve diferença na mortalidade. Sugere-se, portanto, que subgrupos de pacientes com cardiomiopatia dilatada e persistência de inflamação podem se beneficiar de tratamento imunossupressor. Finalmente, estudos recentes têm avaliado o impacto da administração de interferon a pacien-
tes com cardiomiopatia dilatada. Os interferons foram originalmente identificados e nomeados por sua capacidade de interferir com a replicação viral. Por possuírem efeitos imunomoduladores, são capazes, por exemplo, de aumentar a expressão molecular do complexo maior de histocompatibilidade e estimular os efeitos líticos de linfócitos T citotóxicos e de macrófagos. Um estudo avaliou o efeito do interferon beta em 22 pacientes com cardiomiopatia dilatada e persistência de genoma de enterovírus (14 pacientes) e adenovírus (8 pacientes) no miocárdio.9 Houve aumento da fração de ejeção e redução dos diâmetros do ventrículo esquerdo após o tratamento. Não há, entretanto, estudos que tenham avaliado de maneira contro-
Tabela 2. Principais estudos clínicos com anticitocinas.
n
RENEWAL
2.048 Morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca 925 1.123 150 Morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca
RENAISSANCE RECOVER ATTACH
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Objetivos primários
Estudo
Objetivos Resultados secundários
Resultados
p = 0,33
Mortalidade geral
p = 0,39
p < 0,05*
—
—
* Diferença encontrada entre placebo e infliximab 10 mg/kg. Não foi encontrada diferença entre placebo e infliximab 5 mg/kg. n = número de pacientes; RENEWAL = “Randomized Etanercept Worldwide Evaluation”; RENAISSANCE = “Randomized Etanercept North American Estrategy to Study Antagonism of Cytokines”; RECOVER = “Research into Etanercept: Cytokines Antagonism in Ventricular Dysfunction”; ATTACH = “Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart failure”.
lada e prospectiva essa questão. Estudo recente selecionou 82 pacientes com achado de genoma viral e existência de atividade inflamatória (segundo critérios imuno-histológicos, que incluíam a contagem de células CD2, bem como expressão de HLA I, HLA II, CD 68, e CD 54) para receber imunossupressão (prednisolona) ou interferon beta. O tratamento foi seguro e houve melhora em todos os grupos de tratamento.54 A aplicação de imunoglobulinas por via intravenosa também é controversa na insuficiência cardíaca. Esses agentes parecem ter papel duplo sobre as citocinas, promovendo aumento em alguns mediadores, como IL-10, e diminuição em outros, como IL-8 e IL-155. Devemos lembrar também que as citocinas formam uma rede altamente complexa e redundante,
com efeitos múltiplos e predominantemente parácrinos. É possível que a inibição de apenas um dos componentes desse sistema não seja eficaz, como foi observado em estudos de pacientes com sepse,56 e que apenas com o desenvolvimento de novas estratégias anticitocinas possamos modificar, com sucesso, esse mecanismo fisiopatológico. Até o presente momento, as estratégias terapêuticas que visaram ao bloqueio específico das citocinas, por meio de novas drogas ou até mesmo de anticorpos monoclonais, não atingiram os resultados esperados. No entanto, o controle desse complexo sistema de ativação pró-inflamatório permanece alvo de investigações, principalmente pelo fato de sua relação direta com a pior evolução e o prognóstico dos pacientes portadores de insuficiência cardíaca.
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INFLAMMATION AND CONGESTIVE HEART FAILURE FERNANDO BACAL CHRISTIANO P. SILVA VICTOR SARLI ISSA
The pro-inflammatory activation plays an important role in the pathophysiology of cardiac heart failure. The inflammatory markers involved in this process specially in end stage of heart failure progression are tumoral necrosis factor (TNF-α), interleuquin-6, interleuquin-1 and endotelin. Elevated plasmatic levels of this citokines are related with worse prognosis, functional class, exercise tolerance, caquexia and death. At this moment, the drugs tested to blockade the citokines activation didn’t show improvement in the prognosis of patients with heart failure, however new studies are being performed to explain the real importance of the pro-inflammatory process, activated in patients with heart failure. Key words: ventricular dysfunction, citokines, pro-inflammatory activation, tumoral necrosis factor. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:202-12) RSCESP (72594)-1614
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CÉLULAS-TRONCO E INFLAMAÇÃO
LEITE PF Células-tronco e inflamação
PAULO FERREIRA LEITE
Unidade Clínica de Coronariopatias Crônicas – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – CEP 05403-904 – São Paulo – SP
A inflamação tem papel importante na doença cardiovascular. Fatores tradicionais de risco como diabetes, tabagismo, hipertensão arterial e dislipidemia podem induzir resposta inflamatória nas células endoteliais, promovendo apoptose e perda da integridade endotelial. Como conseqüência, ocorre aumento da permeabilidade endotelial vascular, facilitando a migração de monócitos e a proliferação de células musculares lisas, formando a lesão aterosclerótica. Evidências recentes sugerem que células progenitoras endoteliais circulantes provenientes da medula óssea parecem ter função regeneradora importante no endotélio vascular sob certos estresses. Essa regeneração pode ocorrer pela secreção de fatores angiogênicos ou talvez pela incorporação direta de tais células na parede vascular, limitando assim a doença aterosclerótica. Todavia, fatores de risco promotores da inflamação vascular reduzem o número e a atividade funcional de células progenitoras endoteliais circulantes, diminuindo seu potencial terapêutico. Neste artigo são discutidos o conceito e as dificuldades em caracterizar uma célula progenitora endotelial, além de se explorar de que forma o ambiente inflamatório pode interagir com tais células circulantes. Por fim, são destacadas algumas terapias que parecem melhorar a função reparadora das células progenitoras endoteliais, reduzindo assim a influência dos fatores pró-ateroscleróticos na parede vascular. Palavras-chave: inflamação, células progenitoras endoteliais, endotélio, fatores de risco, aterosclerose. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:213-22) RSCESP (72594)-1615
REGENERAÇÃO ENDOTELIAL PELAS CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS A integridade e a atividade funcional da camada endotelial têm papel crítico na formação da aterosclerose. Lesão do endotélio promovida pelos fatores de risco induz uma cascata de eventos pró-inflamatórios na parede vascular, resultando na infiltração de monócitos e na proliferação de células musculares lisas vasculares1, 2. No campo molecular, a disfunção endotelial é caracterizada pela redução da biodisponibilidade de óxido nítri-
co3. Esses processos podem levar a formação de aterosclerose, ruptura da placa e infarto do miocárdio, que é ainda a principal causa de morte nos dias atuais1. Dessa forma, a manutenção da integridade endotelial é crucial na prevenção dos processos. Evidências recentes sugerem que fatores de risco para doença coronária promovem apoptose e descamação de células endoteliais4, 5. Células que descamam do endotélio são hoje chamadas de células endoteliais circulantes, sendo usadas como biomarcadores de presença e avanço da lesão endotelial (Fig. 1)6. Pela citometria de fluxo
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é possível enumerá-las e caracterizá-las. Marcadores como anexina V (apoptose), CD31/146 (endotélio) e CD106 (marca ativação das células endoteliais pela inflamação) são usados na quantificação de tais células no sangue6. Como essas células são extremamente raras no sangue periférico de humano adulto (0,01%), é necessário usar quantidade maior de sangue (ou seja, 200 µl) quando se utiliza a citometria de fluxo (comunicação pessoal).
demonstraram que existe um mecanismo adicional de reparação do endotélio vascular. Enxertos de dácron implantados em vasos de cachorros foram rapidamente cobertos com células CD34+ derivadas de medula óssea7. Estudos adicionais demonstraram que a transfusão sistêmica ou a mobilização intrínseca de células progenitoras endoteliais aceleram a restauração do endotélio lesado mecanicamente, resultando no menor espessamento da camada neo-intimal8. O grau de incorpora-
Figura 1. Regeneração endotelial após lesão vascular. A) Fatores de risco para doença arterial coronária lesam o endotélio e, como conseqüência, causam apoptose e descamação de células endoteliais. Essas células são denominadas células endoteliais circulantes (CECs) e podem ser mensuradas pela citometria de fluxo no sangue periférico. B) O processo regenerativo endotelial pode ocorrer por duas vias: 1) pela proliferação e migração de células endoteliais maduras localizadas na vizinhança da célula endotelial lesada (angiogênese); e 2) pela migração de células-tronco da medula óssea na parede vascular, liberando fatores angiogênicos, ou talvez pela incorporação direta de células progenitoras endoteliais (EPCs) circulantes no endotélio (vasculogênese). Esse processo ainda não está claro.
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Até recentemente, acreditava-se que a renovação das células endoteliais era muito lenta e feita pela proliferação e pela extensão de células endoteliais vizinhas (angiogênese). Em condições fisiológicas, vasos sanguíneos de adultos se regeneram lentamente. A meia-vida de uma célula endotelial de um adulto foi descrita como sendo de 3,1 anos. Mais recentemente, contudo, alguns estudos
ção de células CD34+ na parede vascular é diretamente proporcional à extensão da lesão, ou seja, quanto mais intensa for a lesão mecânica vascular maior será a incorporação de células-tronco provenientes da medula óssea no vaso9. Esses achados indicaram a existência de uma fonte celular localizada na medula óssea que poderia ser recrutada no sítio de reparação vascular, contribuindo
para a expansão da trama vascular, num processo denominado vasculogênese (Fig. 1). DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS Células-tronco são definidas por duas características: devem ser capazes de se renovar por si só, e devem ter a capacidade de diferenciar em diferentes tipos celulares10. As células progenitoras endoteliais, por sua vez, são células circulantes derivadas de uma população de células da medula óssea que parecem participar tanto da formação de novos vasos (vasculogênese) como da homeostase vascular10. Essa população única de células mononucleares existente no sangue periférico (0,0001%) tem um perfil que se assemelha muito ao das células-tronco hematopoiéticas, e incorpora no vaso em situações de estresse em resposta a vários fatores de crescimento angiogênicos11-15. Muito do que se conhece hoje sobre essas células pode ser creditado a dois estudos pioneiros. Asahara e colaboradores, em 1997, isolaram angioblastos circulantes de sangue periférico colhido de humanos adultos, que tinham o potencial de diferenciar “in vitro” em células endoteliais e contribuíam para a angiogênese após isquemia vascular “in vivo”16. Logo depois da publicação de Asahara, Shi e colaboradores cultivaram células CD34+ provenientes da medula óssea e descobriram que tais células tinham a capacidade de diferenciar em células endoteliais7. Desde então, diversos grupos têm procurado definir essa população de células mais profundamente. Como as células progenitoras endoteliais e as células-tronco hematopoiéticas têm em comum muitos marcadores de superfície, não existe uma definição simples de células progenitoras endoteliais. Assim, o termo células progenitoras endoteliais engloba um grupo de células que existe numa variedade de estágios, desde hemangioblastos até células endoteliais. No estágio atual das pesquisas, é impossível diferenciar células progenitoras endoteliais mais “imaturas” (ou seja, células menos diferenciadas) das células-tronco hematopoiéticas primitivas, uma vez que estas últimas compartilham os mesmos marcadores de superfície, como, por exemplo, CD133, CD34, e VEGFR2 (KDR). Na prática, são utilizados os marcadores CD133 e VEGFR2 numa população de células CD34+17. CD133 é um marcador que diferencia células progenitoras endoteliais mais primitivas. À medida que essas células se diferenciam, os marcadores CD133 e VEGF são extintos11, 13, 18. Nesse estágio, são utilizados marcadores endoteliais como VE caderina e E-selectina19, 20. Contudo, algumas limitações devem ser consideradas quando se utili-
zam tais marcadores na citometria de fluxo, porque nenhum deles é específico para células progenitoras endoteliais. Por exemplo, CD34 é um marcador hematopoiético e pode ser achado em outras células-tronco provenientes da medula óssea6. Na realidade, a população CD34 de células representa uma pequena fração de células-tronco da medula ou de sangue periférico21. CD34 pode também ser encontrado nas células endoteliais circulantes22. Assim, CD34 deve ser sempre usado em conjunto com outros marcadores17. Admite-se que a função óbvia das células progenitoras endoteliais seria uma contribuição direta na parede endotelial. Contudo, dois fenótipos celulares diferentes têm emergido de dados sobre a diferenciação de células progenitoras endoteliais: como já mencionado, um se integraria diretamente ao endotélio e o outro tomaria residência imediatamente próximo ao endotélio (Fig. 1). A função deste segundo grupo celular seria presumidamente providenciar sinais parácrinos às células endoteliais17, 22, 23. Estudos recentes demonstram que tais células constituem a maioria das células progenitoras endoteliais e são diferenciadas pela citometria de fluxo pelos marcadores CD14+ e CD3421. De fato, esses monócitos “próangiogênicos” parecem secretar fatores de crescimento às células endoteliais adjacentes24. Além disso, células CD14+ exibem em cultura algumas características funcionais que têm sido utilizadas em muitos estudos para caracterizar células progenitoras endoteliais CD34+. Por exemplo, tais células incorporam DiLDL e fixam lectina25. É interessante observar que células CD14+ isoladas imediatamente do sangue periférico e não expandidas em cultura não aumentam a vasculogênese, chamando atenção para o fato de quanto o meio de cultura pode influenciar o comportamento celular26. Células progenitoras multipotentes derivadas da medula óssea, assim como células teciduais (tecido adiposo, células progenitoras cardíacas e células neuroprogenitoras), também possuem a habilidade de diferenciar em células progenitoras endoteliais27. Juntas, essas informações permitem concluir dois pontos importantes: 1) é concebível que células provenientes da medula poderiam ajudar no estabelecimento de novos capilares, providenciando sinais parácrinos importantes e não apenas incorporando na parede endotelial; e 2) esses monócitos “pró-angiogênicos” pela definição atual não são células progenitoras endoteliais. As observações apresentadas acima mudam o paradigma da vasculogênese, cuja visão simplista seria baseada num único tipo celular como responsável pelo crescimento vascular em humanos adultos. Novos dados sugerem que vasculogênese e/ou regeneração endotelial são pro-
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cessos em que múltiplos grupos celulares provenientes da medula óssea parecem estar envolvidos. INFLAMAÇÃO VASCULAR E CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS
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Observações de pacientes com doença aterosclerótica ou com fatores de risco para aterosclerose enfatizam o papel das células progenitoras endoteliais na manutenção da saúde vascular20, 28-31. Estudos demonstram que a presença de doença vascular ou de fatores de risco para doença vascular tem correlação com número diminuído e com redução da capacidade funcional de células progenitoras endoteliais circulantes20, 28-31. Em pacientes sem doença cardiovascular documentada, existe correlação inversa entre escore preditor de risco de doença cardiovascular de Framingham e número de células progenitoras endoteliais28. De fato, esse estudo demonstrou que o número de células progenitoras endoteliais circulantes foi melhor preditor de reatividade vascular preservada que a presença de fatores tradicionais de risco promotores da aterosclerose, reatividade essa relacionada à atividade funcional do endotélio e ao prognóstico de pacientes com doença arterial coronária28. Em sintonia com tal achado, Werner e colaboradores determinaram em 519 pacientes com doença arterial coronária, documentada pela angiografia, que número aumentado de células CD34+/KDR+ se correlacionava com menor mortalidade cardiovascular18. Em outro estudo, células progenitoras endoteliais circulantes colhidas de pacientes com múltiplos fatores de risco apresentavam alta taxa de envelhecimento “in vitro” quando comparadas às daqueles com poucos fatores de risco18, 28. Uma hipótese que explicaria tais achados é que pacientes expostos a lesão endotelial contínua pelos fatores de risco teriam exaurido depósitos presumidamente limitados de células progenitoras endoteliais localizadas na medula óssea28. Essa hipótese é suportada pela observação de que células progenitoras endoteliais colhidas de camundongos ApoE-/- estão reduzidas em número e habilidade em participar na reparação vascular32. Em pacientes sem doença cardiovascular, correlação inversa também existe entre idade e número de células progenitoras endoteliais na circulação periférica28. Tal achado sugere que número diminuído de células progenitoras endoteliais pode explicar, em parte, o aumento significativo de mortalidade cardiovascular observado com o aumento da idade. Vários outros fatores de risco promotores de eventos cardiovasculares estão associados com redução de número e função de células progenitoras
endoteliais. Antecedente positivo de morte prematura familiar por doença coronária19, homocisteinemia33 e aumento da proteína C-reativa34, 35 são alguns exemplos. A proteína C-reativa é um marcador importante de inflamação e está associado à disfunção endotelial e à aterosclerose. Quando células progenitoras endoteliais são incubadas com proteína C-reativa, esta diretamente inibe a diferenciação, a sobrevivência e a função de células progenitoras endoteliais35. Síndromes isquêmicas agudas estão relacionadas a número elevado de células progenitoras endoteliais, indicando que a movimentação de células progenitoras endoteliais com o objetivo de reparar o vaso e o tecido é um evento fisiológico36, 37. Contudo, células progenitoras endoteliais provenientes da medula óssea estão deprimidas funcionalmente nessas circunstâncias38. Resultado similar foi obtido em outro ambiente de inflamação crônica e diminuição de óxido nítrico (ou seja, pacientes com insuficiência cardíaca). Heeschen e colaboradores demonstraram, num modelo de isquemia em camundongos imunodeficientes (“nude mice”), que células progenitoras endoteliais colhidas desses indivíduos com insuficiência cardíaca eram menos capazes de aderir ao vaso no membro isquêmico de camundongos, além de possuírem menor capacidade migratória29. Em estudos investigando células progenitoras endoteliais em pacientes com insuficiência renal crônica e sem evidência de doença arterial coronária, a insuficiência renal está associada com redução marcada de número e colônias de células progenitoras endoteliais39. Esses achados parecem ocorrer independentemente dos fatores de risco para eventos cardiovasculares. Em concordância com os achados mencionados, pacientes com artrite reumatóide apresentam número reduzido de células progenitoras endoteliais circulantes, que melhoraram marcadamente após receber terapia com inibidor de fator de necrose tumoral alfa40. Esses dados permitem especular que a inflamação crônica diminui o número e a função de células progenitoras endoteliais, contribuindo para o aumento da morbidade e da mortalidade cardiovasculares (Fig. 2). MECANISMOS PELOS QUAIS A INFLAMAÇÃO PODE INTERFERIR COM AS CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS A redução do número e da função de células progenitoras endoteliais na presença de inflamação pode ter diferentes causas: a) exaustão do “pool” de células progenitoras endoteliais residentes na medula, conforme discutido anteriormente;
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Figura 2. Inflamação e células progenitoras endoteliais (EPCs) circulantes. Fatores de risco para doença arterial coronária promovem inflamação vascular, que induz apoptose de células endoteliais. Células que sofreram apoptose precisam ser regeneradas para que o endotélio permaneça íntegro. Contudo, a inflamação gerada reduz a capacidade regenerativa de células endoteliais maduras e de EPCs. Assim, apoptose aumentada e reparação reduzida podem levar a um círculo vicioso, formando a placa aterosclerótica.
b) redução da mobilização; e c) redução de sobrevida ou diferenciação (Fig. 3). A influência direta dos fatores de risco para doença coronária no microambiente da medula óssea ainda não está clara. Estroma medular ósseo consiste parcialmente de células endoteliais. Dado que fatores de risco sistemicamente diminuem a função de células endoteliais e a biodisponibilidade do óxido nítrico vascular, pode-se especular que células endoteliais localizadas no estroma medular podem apresentar atividade funcional diminuída. De fato, a deficiência de óxido nítrico sintase endotelial (eNOS) diminui a mobilização de células progenitoras endoteliais pelo VEGF, reduzindo a capacidade de recuperação da medula óssea após mielossupressão3, 41. Em modelos “knock out” para eNOs, não houve aumento de células progenitoras endoteliais após exercício físico42. Da mesma forma, células progenitoras endoteliais colhidas de tais camundongos revelaram reduzida capacidade para aumentar a vascularização após isquemia. Como a biodisponibilidade do óxido nítrico está reduzida em pacientes com doença coro-
nária e insuficiência cardíaca, pode-se especular que a redução de óxido nítrico pode diminuir tanto a mobilização como a atividade funcional de células progenitoras endoteliais da medula óssea. Outra possibilidade em relação à diminuição de células progenitoras endoteliais seria apoptose ou inibição de sua capacidade de diferenciar. A análise do antígeno primitivo CD133 pela citometria de fluxo em pacientes com angina estável e em obesos mórbidos com síndrome metabólica selecionados para serem submetidos a cirurgia bariátrica (dados não publicados) não revelou diferença comparativamente ao grupo controle, sugerindo que a diminuição de tais células ocorre num estágio mais abaixo de diferenciação celular20. Além disso, foi demonstrado que a angiostatina, uma molécula antiangiogênica que está aumentada na inflamação, bloqueia a proliferação de células progenitoras endoteliais43. Outro fator a ser considerado seria a alteração na diferenciação de células progenitoras endoteliais por fatores locais, que alterariam o balanço entre células comprometidas com a linhagem en-
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Figura 3. A inflamação pode interferir com as células progenitoras endoteliais, mediando proteção vascular por diferentes mecanismos. Fatores de risco para doença coronária podem interferir com células-tronco hematopoiéticas na medula óssea, reduzindo sua mobilização ou afetando sua sobrevivência pela queda de suas defesas antioxidantes ou, ainda, por efeito em sua diferenciação. De forma semelhante, a inflamação pode bloquear intracelularmente a resposta ao VEGF, dificultando a incorporação de células progenitoras endoteliais na parede vascular. EPCs = células progenitoras endoteliais; NO = óxido nítrico.
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dotelial e células musculares lisas. Quando se altera o meio de cultura de células CD34+, esta pode se diferenciar em monócitos. Além disso, a administração de lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada bloqueia a diferenciação de células progenitoras endoteliais “in vitro”44. Assim, alterações locais ou sistêmicas gerando inflamação poderiam promover um desvio na diferenciação de células progenitoras endoteliais no sentido de células musculares lisas, levando ao desenvolvimento da lesão aterosclerótica. Finalmente, outro mecanismo aventado poderia ser uma resposta diminuída das células progenitoras endoteliais ao VEGF na presença de fatores de risco. Vias de sinalizações VEGF-dependentes (como, por exemplo, AKT) estão alteradas quando células são incubadas com LDL oxidada45. Similarmente, células progenitoras endoteliais isoladas de sangue periférico de pacientes com doença coronária demonstram capacidade migratória reduzida na presença de VEGF, apesar de estar
mantida a expressão de VEGF, sugerindo que a resposta ao VEGF está bloqueada intracelularmente20. Em resumo, os fatores de risco podem interferir na proteção vascular mediada pelas células progenitoras endoteliais por diferentes mecanismos e assim modular o processo de regeneração endotelial (Fig. 3). REGULAÇÃO DAS CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS Se os fatores de risco para eventos coronários reduzem o número e a função de células progenitoras endoteliais e contribuem para a progressão da doença aterosclerótica, o oposto (ou seja, o aumento das células progenitoras endoteliais) é bastante atrativo (Fig. 4). Evidências recentes sugerem que as estatinas aumentam o número e a atividade funcional de células progenitoras endoteliais “in vitro” em camundongos e em pacientes com angina estável8, 19, 46. Assim, parte dos efeitos
pleiotrópicos das estatinas, melhorando a função endotelial e reduzindo os eventos cardiovasculares, decorreria do aumento de células progenitoras endoteliais. Algo similar também ocorre com os inibidores da enzima de conversão ativada. Mecanismo postulado seria a redução do envelhecimento e a apoptose de células progenitoras endoteliais8, 19, 46. O estrógeno parece também aumentar o número e a função de células progenitoras endoteliais, reduzindo o espessamento neo-intimal num modelo experimental de lesão mecânica vascular47. A eritropoietina aumenta as células progenitoras endoteliais em animais e em homens, e esse hormônio está diretamente relacionado com o número de células progenitoras endoteliais em pacientes com doença arterial coronária48, 49. O exercício físico também aumenta o número de células progenitoras endoteliais42. Todos esses fatores promovem aumento das células progenitoras endoteliais pela estimulação da 3-quinase/ AKT, sugerindo que essa pode ser uma via comum na sobrevivência de células progenitoras endoteliais45, 49. Deve-se ressaltar que dois autores independentemente demonstraram que células progenitoras endoteliais estão equipadas com um sistema de enzimas antioxidantes, permitindo a sobrevivência dessas células em condições aumen-
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tadas de estresse oxidativo . Notadamente, foi demonstrado que as enzimas superóxido dismutase manganês (localizada nas mitocôndrias, dismuta o ânion superóxido), catalase (dismuta o peróxido de hidrogênio) e glutationa peroxidase tinham suas expressões aumentadas nas células progenitoras endoteliais quando comparadas às células controles. Esses resultados sugerem que células progenitoras endoteliais estão equipadas com um sistema eficiente de proteção, tornando essas células atrativas para terapia celular.
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CONCLUSÕES Populações de células distintas dentro do organismo adulto possuem habilidade de contribuir para a homeostase vascular ou vasculogênese. Contudo, a caracterização da principal célula precursora endotelial ainda não está clara. Talvez o foco correto não seja identificar a célula precursora endotelial, mas entender quais são os mecanismos que levam uma célula progenitora endotelial a reparar o endotélio lesado. Identificar meios de cultura adequados para tais células também é necessário, uma vez que o meio tem papel fundamental na diferenciação de células progenitoras em células endoteliais. Além disso, é necessário
Figura 4. Moduladores da quantidade de células progenitoras endoteliais. Terapias, tais como estatinas, inibidores da enzima de conversão ativada (IECAs), eritropoietina e estrógenos, assim como exercícios físicos promovem aumento de células progenitoras endoteliais circulantes, constituindo uma opção agradável na prevenção da doença arterial coronária. O mesmo pode ser observado com VEGF, fator derivado do estroma (SDF-1), fator estimulador celular-granulócito macrófago (GM-CSF), e óxido nítrico (NO). Esse aumento por ser verificado pela imunofluorescência (células em laranja), após as células progenitoras endoteliais captarem DiLDL (vermelho) e fixarem lectina. As imagens revelam células progenitoras endoteliais circulantes cultivadas em meio especial por 7 dias (x 10), e nem todos os resultados acima se referem a experimentos com humanos.
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comparar o impacto terapêutico de células colhidas do sangue periférico e de células mononucleares extraídas da medula óssea. Apesar de as células progenitoras endoteliais serem provenientes de diferentes fontes, é inegável que tais células possuem uma interação com o endotélio lesado, por mecanismos parácrinos ou talvez pela incorporação direta, e, dessa forma, limitam a formação da aterosclerose. Métodos que possam contribuir para a
melhora funcional de tais células em ambiente de inflamação vascular constituem uma opção atrativa. Assim, parece imperativo conhecer o papel específico das várias enzimas antioxidantes na função das células progenitoras endoteliais. Enquanto o tratamento prévio da doença aterosclerótica estava limitado à eliminação das fontes de lesão endotelial, novas abordagens podem agora focar na reparação vascular pela restauração de células progenitoras endoteliais.
STEM CELLS AND INFLAMMATION PAULO FERREIRA LEITE
Inflammation is central to cardiovascular disease. Traditional risk factors such as diabetes, smoking, hypertension, and increased lipid levels can induce an inflammatory response in endothelial cells by promoting apoptotic suicide and loss of endothelial integrity. The consequences are an increased vascular permeability of the endothelium followed by facilitated migration of monocytes and vascular smooth muscle cell proliferation, resulting in atherosclerotic lesion. Recent evidences suggest that circulating endothelial progenitor cells from bone marrow play an important role in endothelium regeneration under certain stresses. Endothelial progenitor cells can enhance the restoration of endothelium by providing paracrine signals to nearby endothelial cells or perhaps by their direct contribution to endothelial wall, therefore limiting atherosclerotic lesion formation. However, risk factors promoting coronary artery disease reduce the number and functional activity of these circulating endothelial progenitor cells, potentially restricting the therapeutic potential of endothelial progenitor cells. This contribution discusses the concept and difficulties in characterize an endothelial progenitor cell. In addition, we explored the role of inflammation interfering with circulating endothelial progenitor cells, and finally, some therapies suitable for increase endothelial progenitor cells number and functional capacity, therefore decreasing the influence of proatherosclerotic factors. Key words: inflammation, endothelial progenitor cells, endothelium, risk factors, atherosclerosis. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:213-22) RSCESP (72594)-1615
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