Capítulo 1 Uma etnografia virtual das atletas de Fisiculturismo 1. A etnografia no ciberespaço Minha intenção inicial para esse trabalho era a de fazer entrevistas com mulheres que freqüentam academias e que praticam o fisiculturismo. Entretanto, como esse campo ainda me era desconhecido optei antes de ir ás academias por uma pesquisa no ciberespaço, para conhecer o cotidiano das atletas e das eventuais praticantes de fisiculturismo, os métodos de treinamento, a ação dos suplementos alimentares, a história do fisiculturismo e acabei por descobrir, através das ferramentas de buscas e do site de relacionamentos Orkut muitas informações que poderiam contribuir para a construção da pesquisa, dado que existe uma grande dificuldade em encontra-las em livros e artigos acadêmicos, voltados para área de humanas. O Orkut1 é um site de relacionamentos no qual as pessoas constroem um perfil de usuário e podem participar de comunidades e fóruns de discussão que sejam relacionados ao seu estilo de vida, postar fotos, vídeos, adicionar amigos e trocar mensagens. Este site é de grande sucesso devido à facilidade de encontrar pessoas que partilhem os mesmos gostos. O Orkut não foi a primeira rede de relacionamentos criado na Internet (existem dezenas de outras redes de relacionamentos como o Friendster, o Facebook, My Space, HI 5), entretanto alcançou um nível de popularidade no Brasil como nenhum outro e hoje possui mais de 40.000.000 de usuários cadastrados, dos quais 53,92% são brasileiros, sendo a maior parte dos usuários (61,38%) de jovens de 18 a 25 anos.2 Apesar de grande parte das interações sociais acontecerem no âmbito da academia, o ciberespaço se mostrou um campo muito favorável ao estudo o qual eu pretendia, 1 2
http://www.orkut.com Os dados foram retirados de informações disponíveis na página do Orkut.
especialmente no que diz respeito ao consumo, já que em todos os sites e comunidades pesquisadas havia pelo menos um link ou e-mail que direcionavam para a compra e venda de produtos voltados ao público da musculação. Em todas as comunidades também era possível perceber que a informações de outras participantes sobre o tipo de consumo eram relevantes para a decisão de se consumir algo. Especialmente quando as “dicas” vinham de pessoas com algum prestígio no esporte, fosse esse prestígio virtual, alcançado através das informações de seus perfis, quantidade de amigos ou devido a sua participação atual no esporte. Inclusive as páginas de recados, chamadas scrapbooks, funcionam como um meio divulgação de produtos, eventos, campeonatos, através dos spams. A minha página contém mais de 50 recados desse tipo, que chega a partir de pessoas desconhecidas da minha lista ou mesmo de amigos adicionados. Muitos desses perfis são criados apenas para essa finalidade, são os chamados perfis fake do orkut. No que tange a discussão sobre risco, apesar de ela ser tratada com mais naturalidade pelos homens participantes, também existe uma facilidade maior entre as mulheres de discutirem isso com as suas “amigas” de comunidade, pedindo dicas de como usar tal esteróide anabolizante, combinado com qual remédio, ou então de discutirem sobre as lesões. Discussões mais difíceis de serem conversadas abertamente nas academias. Além das informações, as imagens e fotos dos perfis também contribuíram muito para a decisão de transformar a internet em campo de pesquisa. Todas as atletas compartilhavam suas fotos de treinos, campeonatos e mesmo de seu cotidiano em seus perfis evidenciando a partir das frases que colocam abaixo das fotos seus gostos, práticas e pensamentos, recebendo elogios e criticas e em seus perfis, mas como uma informante mesmo me disse, mais elogios do que críticas. Muitas fotos de atletas fortes e musculosas também eram postadas em seções especificas dos sites, com o intuito de encorajar aquelas
que estavam no começo dos treinos ou que ainda não tinham o corpo tão bem “esculpido” como aquele, para que sempre treinassem e persistissem até conseguir o resultado almejado para seus corpos. Com a mesma intenção eram trocadas fotos pessoais das participantes entre si, ou criadas seções de antes e depois em seus perfis para que outras pessoas, participantes ou não das comunidades pudessem perceber a transformação em seu corpo.
1.1 Ciberespaço, Redes Sociais na Internet e Comunidades Virtuais: uma breve discussão Para a compressão dos leitores sobre trabalho de campo no ciberespaço ficasse mais clara, decidi trazer algumas teorias e conceitos sobre o que é o ciberespaço, as redes sociais na Internet, que é o caso do Orkut, analisado por mim, e das comunidades virtuais, elemento de fundamental importância na pesquisa por ser o meio mais importante que optei para interagir com possíveis entrevistadas e para conhecer o cotidiano e as práticas das mulheres que praticam o fisiculturismo. Pierre Lévy é hoje um dos teóricos mais debatidos no que diz respeito ao ciberespaço, por isso é dele, o conceito de ciberespaço que trago para este trabalho. O autor mostra que é o ciberespaço, ou espaço cibernético o terreno onde funciona a humanidade hoje. Esse novo espaço de interação humana que já é de suma importância para os planos cientifico e econômico vai se ampliar e estender-se até muitos outros campos, como a Estética, a Arte, a Pedagogia e a Política. O ciberespaço vai ser definido por Lévy (1994, p. 1) como “ a instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores.” Toda a esfera da comunicação e da informação está se transformando numa esfera informatizada. Lévy distingue o ciberespaço das mídias clássicas mostrando como as ferramentas de comunicação são modificadas. No ciberespaço as mensagens tornam-se
interativas ganhando plasticidade e gerando uma possibilidade de metamorfose imediata. Dessa forma cada usuário pode se transformar em emissor, o que não acontece no caso de mídias impressas e ou televisivas. O autor distingue três tipos de comunicação: o Um e Todo, aquele que existe um centro emissor e uma multiplicidade de emissores, no qual não a Interatividade, como o caso da televisão; o Um e Um, o qual não tem emergência de um coletivo da comunicação, como no caso do telefone; e o terceiro tipo, o Todos e Todos, aquele que Lévy acredita ser a emergência de uma inteligência coletiva, e onde se encaixa o ciberespaço. Para Lévy (1994, p. 2) o ciberespaço “ está se tornando um lugar essencial, um futuro próximo de comunicação humana e de pensamento humano.” A Internet, como mostra Guimarães Jr (1997), é uma das manifestações mais abrangentes dos fenômenos relacionados ao ciberespaço. Devido à gratuidade do seu protocolo, ela acabou por englobar todas as outras redes de computadores já existentes. Contudo, o autor lembra que redes de computadores com as características de ciberespaço já existiam antes do advento da Internet. O termo ciberespaço, como mostra o mesmo autor trouxe novas características ao que chamou-se de “esfera de dados” e acabou por englobar outros objetos, criando expressões como cibercultura, ciberpunk e ciberocracia. Afirma ainda que apesar de a abrangência da cibercultura recair sobre as formas de comunicação mediada por computadores, seu conceito é bem mais amplo e sua cartografia ainda não um consenso. A discussão sobre as Comunidades Virtuais e as Redes Sociais na Internet não são totalmente novas, contudo, a emergência de novas tecnologias fez surgir a necessidade de novos estudos acerca do ciberespaço. De acordo com Guimarães Jr (1997) existem duas abordagens hoje, que dão conta dos estudos sobre Internet. A primeira abordagem analisa a Internet como um fenômeno total, tecendo considerações a respeito das relações com a
sociedade, em blocos. A sociedade é analisada como um todo. Já para a segunda abordagem a Internet é muito mais do que um simples artefato tecnológico, ela estabeleceu um novo tempo e espaço de interação social, o que fez emergir novas e diferentes formas de sociabilidade. Segundo o autor, que segue em seu trabalho a segunda abordagem, “as redes telemáticas configuram, mais que um meio de comunicação, um espaço de sociabilidade no meio do qual se desenvolvem culturas relativamente autônomas (grifos do autor)” (Guimarães Jr, 2000, p.141). Um dos conceitos de virtual mais adotados atualmente, inclusive pelo autor citado, Guimarães Jr (1997; 2000), é de Pierre Lévy. Para Lévy o virtual não se opõe ao real, mas sim o complementa e o transforma, ao subverter suas limitações espaço – temporais. (Lévy, apud Guimarães Jr, 1997) Guimarães Jr (2000, p. 142) concorda e mostra que “o virtual não é o oposto do real, mas sim uma esfera singular da realidade, onde as categorias de espaço e tempo estão submetidas a um regime diferenciado”. Nesse sentido, segundo o mesmo autor (1997, p. 3) “o ciberespaço pode ser, portanto, considerado como uma virtualização da realidade, uma migração do mundo real para um mundo de interações virtuais”. É nesse espaço virtual e explorando essa nova forma de sociabilidade que nascem as redes sociais e as comunidades virtuais. A princípio as redes sociais foram estudadas pelas Ciências Exatas, que criaram a chamada Teoria dos Grafos. Recuero (???) explica que um Grafo era representado por um conjunto de nós conectados por arestas, formando uma rede. Esses Grafos passaram a ser estudados por outros pesquisadores na tentativa de aplicar essa teoria de forma que ela pudesse explicar como se davam as relações complexas no mundo ao nosso redor. A partir desses estudos foram criados três modelos de redes: o modelo de redes aleatórias, o modelo de mundos pequenos e o modelo de redes sem escala. O modelo de redes aleatórias explica
a formação de redes sociais de forma randômica. Ou seja, todas os nós poderiam se ligar aleatoriamente. Segundo Recuero (???, p. 2), “todos os nós em uma determinada rede, deveriam ter mais ou menos a mesma quantidade de conexões, ou igualdade de chance de receber novos links, constituindo-se, assim, como redes igualitárias. Já o modelo de mundos pequenos defende que uma rede social por apresentar um padrão altamente conectado, tende a formar pequenas quantidades de conexões entre cada individuo. A autora afirma que esse modelo demonstraria “que a distância média entre quaisquer duas pessoas no planeta não ultrapassaria um número pequeno de outras pessoas, bastando que alguns laços aleatórios entre grupos existissem”.
3
O modelo de redes sem escalas sugere que
quanto mais conexões um nó possui, maior a possibilidade de ele adquirir novas conexões. Segundo Recuero (???, p. 7), “esses sistemas funcionam como o primado fundamental da interação social, ou seja, buscando conectar pessoas e proporcionar sua comunicação e, portanto podem ser utilizados para forjar laços sociais”. A autora vai mostrar ainda que essas redes sociais, normalmente associadas a um grupo de atores, chamados “nós” e às conexões, as “arestas” foram complexificadas no ciberespaço, quando da sua apropriação por um novo meio através da interação mediada por computador. Tal apropriação é, ainda segundo a mesma autora, capaz de gerar novos usos, novas formas de construção social. Recuero apresenta em seu trabalho que a partir de várias teorias é possível perceber as interações através do computador têm possibilitado o surgimento de novos grupos sociais na internet, muitos deles com características comunitárias, e que esses grupos estão sendo construídos a partir de uma nova forma de sociabilidade, decorrente da inserção mediada pelo computador, sendo assim, capazes de gerar laços sociais. 3
Foi a partir desse modelo, que Orkut Buyukkokten se inspirou para criar a rede de relacionamentos Orkut, a qual faz parte de minha pesquisa. Ele acreditava que todos as pessoas estariam ligadas entre si por um número máximo de cinco pessoas.
As comunidades virtuais seriam construídas a partir dessa nova forma de sociabilidade. Para Recuero (???, p.65) “ o conceito de comunidade virtual é uma tentativa de explicar os agrupamentos sociais surgidos no ciberespaço. Trata-se de uma forma de entender a mudança da sociabilidade, caracterizada pela existência de um grupo social que interage através da comunicação mediada por computador”. Ela ainda define quais seriam os elementos formadores de uma comunidade virtual: “discussões públicas; pessoas que se encontram e se reencontram, ou que mantém contato através da internet para levar adiante a discussão; o tempo e o sentimento”. Recuero (p. 69) traz uma definição interessante sobre as comunidades virtuais, que achei interessante apresentar aqui: A comunidade virtual, assim, tem elementos em comum tais como a interação, o laço e o capital social. Assim, ela constitui-se em um agrupamento de atores, baseado em interação social, que possui uma estrutura de laços sociais com capital social embebido nela. A interação social (mútua ou reativa)é vista como a geradora da estrutura de comunidade em ambos os conceitos, pois permite que o laço social (forte ou fraco) possa surgir. Essa interação necessita de um espaço (ou “território virtual”) reconhecido pelos indivíduos, seja um canal de chat, um grupo de weblogs ou fotologs, para que possa acontecer entre os atores para a formação de um grupo. O laço social, por sua vez, necessita que as interações ocorram durante um certo tempo, para sejam se permita que a reciprocidade, a intimidade e a confiança emerjam em alguma medida. O capital social é também requisito para a percepção do agrupamento, como vimos nos primeiros capítulos, pois constitui a estrutura do grupo. Esses elementos são também associados ao pertencimento, que pode ser tanto associativo quanto relacional...(grifos da autora)
1.2 O ciberespaço como campo: Foram analisadas no Orkut comunidades que têm como objetivo reunir mulheres praticantes do fisiculturismo, além de comunidades que discutem o uso de anabolizantes e de treinamentos. Devido ao grande número de comunidades, foram selecionas inicialmente seis, que mostram uma parte do cotidiano dessas participantes, e ajudaram na formulação das questões para as entrevistas e me direcionaram aos perfis a serem analisados e ás outras
páginas sobre o tema, através de links. São elas: “Fisiculturismo Feminino”, “Sou mulher e amo musculação”, “Hardcore Girl”, “Divas Musculosas”, “Female Muscle Show” e “Mulher musculosa, um colírio”. Ao inicio da pesquisa optei por investigar perfis e contatar o máximo de mulheres que se diziam praticantes de fisiculturismo e que participavam dos fóruns de discussão no Orkut.As praticantes são muitas, mas poucas as que realmente transformam isso em profissão devido aos altos custos dessa prática como o uso rotineiro de suplementação específica para cada etapa de treinamento, drogas anabolizantes, roupas para a apresentação, as dietas que também são restritivas e mesmo as academias onde treinam, nas quais precisam ter um atendimento diferenciado.
Troquei mensagens via Orkut com
algumas delas e as adicionei à minha lista de amigos. Uma dessas informantes mantinha um site sobre musculação e era dona de uma das comunidades pesquisadas. O site armazena diversas informações sobre treinos, dietas, suplementação, além de publicar artigos sobre o assunto, escritos por médicos, nutricionistas e educadores físicos. Em muitos desses artigos encontrei as primeiras informações sobre o assunto. No Orkut foram analisados também os perfis das praticantes desse esporte e que fazem parte dessas comunidades. Nesses perfis constam informações pessoais, como nome, cidade em que vivem, religião, visão política, filhos, paixões, comidas preferidas. Essas informações puderam servir como um mapeamento para as entrevistas, na tentativa de se traçar um perfil socioeconômico prévio dessas mulheres. Esses perfis indicam também as comunidades às quais as participantes estão associadas e expressam claramente os gostos e o estilo de vida de cada uma. Além do Orkut a pesquisa foi realizada em sites do ciberespaço, em sites que discutem e dão dicas de treinamento, suplementação e de uso de esteróides anabolizantes.
Nesses sites, são encontrados artigos, reportagens, imagens relacionadas ao tema, além de muitas propagandas de produtos para ficar com o “corpo perfeito”. Apesar de informações divergentes sobe o assunto, o fisiculturismo vai ser tratado aqui como esporte, já que possui algumas federações e uma confederação no país, a Confederação Brasileira de Musculação e Culturismo. Além disso, todas as informações que foram obtidas através de informantes tratavam tal prática como esporte. O reconhecimento do fisiculturismo como esporte tem sido uma luta a parte para esses atletas. A análise desses perfis traz dados importantes do cotidiano dessas atletas, bem como as fotos postadas ajudam a visualizar os efeitos dos intensos treinamentos, da suplementação e do uso de hormônios artificiais. Algumas dessas atletas também possuem sites pessoais, que contam sua trajetória de vida, no esporte e expõem seu estilo de vida, estes sites também são objeto da análise aqui proposta. A partir da observação dessas comunidades, foram identificadas algumas atletas, com as quais entrei em contato e pude realizar entrevistas via e-mail e via mensagens instantâneas. O trabalho de campo realizado no ciberespaço apresenta desafios, sobretudo, quanto à observação participante, pois as entrevistas formais e informais não se dão de forma direta como nas relações face a face. Mas os fóruns de discussão sobre o assunto, as entrevistas realizadas através de troca de e-mails e mensagens instantâneas com as participantes, além da observação indireta, feita a partir da análise dessas páginas e dos fóruns de discussão das comunidades, mostram-se importantes recursos de pesquisa, reatualizando o debate sobre a pesquisa etnográfica. Para que essa compreensão fosse possível, foi utilizada no trabalho de campo a observação participante, técnica através da qual a pesquisadora analisa e participa das listas de discussão criadas em páginas e comunidades na Internet, pois como observa Rifiotis
(2002, p. 13) “é a efetiva participação nos diálogos e nos interesses dos interlocutores que marca a observação etnográfica”. Além da participação observante, estão sendo realizadas entrevistas que acontecem através da troca de e-mails ou em chats de conversas instantâneas, com os participantes. As mensagens dos chats de conversa instantânea lembram uma conversação, pois acontecem “em tempo real”, enquanto que no e-mail ela acontece em assincronia, é enviada de um emissor a um receptor que vai tomar conhecimento dela em algum momento oportuno (DORNELLES, 2004, p. 245). Dornelles (2004 p.245) explica como se dá a troca de informações através do chat e do e-mail:
No chat a comunicação é dinâmica e lembra a conversação”. A troca de mensagens ocorre rapidamente entre emissores e receptores, o que se chama “tempo real”, ou melhor, sincronia. A troca de mensagens via e mail também podem ocorrer em tempo real. Nesse caso é preciso alguém envie uma mensagem e alguém, imediatamente, receba e leia a mensagem. No entanto, os costume aliado à modalidade do e mail é de se utilizar a assincronia... a mensagem é enviada de um emissor a um receptor. Porém esse só ira tomar conhecimento da mensagem em algum momento oportuno, talvez no mesmo dia do envio, talvez em outro dia.
Ainda segundo Dornelles (2004, p.259), o chat propicia a chamada “sociabilidade virtual”, por que há nessa convivência, uma sincronia das mensagens enviadas. O que não acontece no caso do e mail e das listas de discussões, pois não há geração de simultaneidade. Por sociabilidade virtual Dornelles (2004, p.259) explica que “é a interação social realizada pela comunicação sincrônica e com contato interpessoal mediado pela tela do computador”. A escolha das participantes a serem entrevistadas se deu devido à necessidade de um maior contato com os atletas e um maior aprofundamento em algumas questões, que não seriam possíveis apenas com a leitura dos fóruns de discussão. Como afirma Goldenberg
(2005, p.88), a entrevista permite uma maior profundidade nas questões e é o instrumento mais adequado para a revelação de informações sobre assuntos complexos, como as emoções. Além disso, estabelece uma relação de confiança entre pesquisador e pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados. A entrevista também foi necessária para verificar a autenticidade de algumas informações, já que a Internet possibilita uma maior liberdade do participante para expressar o que pensa sem precisar ter sua identidade revelada, o que pode favorecer dados que não coincidem com a realidade da conduta das atletas em seu cotidiano. A análise das listas de discussão entre os participantes dessas comunidades traz a riqueza dos elementos da cultura da musculação e do fisiculturismo e, por usufruírem da facilidade da postagem anônima, temas como o uso de anabolizantes surgem com maior naturalidade. Essa naturalidade torna mais fácil a entrada do pesquisador no ambiente dessas mulheres, já que no âmbito da academia existe uma dificuldade que é a de não conversarem sobre as práticas de risco com pessoas que não são ligadas a seu cotidiano. Por essa razão, descrevi em meu perfil minhas atividades de pesquisa na graduação e sempre que me identificava às participantes e informava meu papel de pesquisadora. Em alguns momentos fui ignorada por algumas participantes, mas nunca hostilizada. Existem, atualmente, no site de relacionamentos Orkut, cerca de cinqüenta comunidades
relacionadas
ao
fisiculturismo,
três
comunidades
relacionadas
ao
fisiculturismo feminino, mais de mil comunidades relacionadas ao tema musculação e quase seiscentas comunidades relacionadas à temática do risco, números que aumentam constantemente, já essas comunidades são criados pelos próprios usuários. Grande parte das comunidades sobre fisiculturismo é mediada por homens e naquelas que só se permite a entrada de mulheres, troca-se informações sobre treinos, dietas e suplementos alimentares.
Os fóruns de discussão no Orkut são mediados pelos criadores das comunidades e em algumas delas a participação é aprovada ou não pelos mediadores, o que significa que para participar dos fóruns de discussão é necessário ser aceito pelo mediador. Normalmente esses mediadores verificam o perfil do usuário antes de aprovar sua participação. Em todas as comunidades que participo, precisei ser aceita. Um outro aspecto importante sobre o trabalho do pesquisador no campo virtual, como destaca Rifiotis (2002, p.12) é que a maior parte das interações que se desenvolvem no ciberespaço são de base textual. O que significa que o trabalho de campo terá um estilo particular, pois do que se pode “ver” em campo a maior parte dessas comunicações são textos. O mesmo autor expõe ainda (2002, p.12) que o trabalho de campo no ciberespaço vai além da participação direta “face a face” e do “olhar”, tratando-se de saber explorar a dimensão da fala e procurar as especificidades das conversas escritas, levando à incorporação de mais uma nova dimensão a etnografia. Além da observação participante e das entrevistas, foi utilizada uma outra técnica que é a observação indireta. Essa observação é feita a partir da análise das listas de discussão nas comunidades e páginas da Internet, já que as imagens e o conteúdo dessas comunidades são disponíveis ao público. A internet é hoje uma ferramenta importante na construção de estudos e de análise da cultura, devido à facilidade de se obter informações de qualquer espécie: desde texto de bibliotecas de todo o mundo até o contato do pesquisador com o “nativo”. Desse modo, “a internet pode ser utilizada para verificar a existência de dados, a pertinência de um problema proposto pela pesquisa, para contatar informantes e outros pesquisadores” (AMARAL, 2005, p.3).
1.2.1 As comunidades virtuais pesquisadas: cenários atores e regras MAGNANI, J. G.C
Comunidade “Fisiculturismo Feminino”
Esta comunidade reúne 750 participantes, tanto do sexo masculino como do sexo feminino e é dedicada tanto aos que praticam o esporte como para aqueles que admiram mulheres que cultivam músculos. Nos tópicos criados discute-se quais tipos de treinos são praticados pelas participantes, muitos deles sendo sugeridos por outras pessoas que participam da comunidade. São criados tópicos para que elas contem suas experiências de treinos e perguntem se estão no caminho certo, muitas vezes alegando que o treino passado pelo professor na academia não parece estar funcionando muito bem. Existem também alguns tópicos voltados para a propaganda de venda de esteróides anabolizantes, suplementos alimentares, dvd´s de treinos e de mulheres musculosas, venda de biquínis especiais para as apresentações, anúncios de campeonatos, nos quais são apresentados links que vão direto para sites ou e-mails particulares de vendedores. Outros mostram também links para outros sites e comunidade referentes ao tema. Apesar de existirem muitos tópicos a maioria deles apenas consta com 1 ou 2 participações o que demonstra que a comunidade tem um caráter muito mais voltado para homenagear as mulheres que praticam fisiculturismo do que propriamente para discutir sobre isso. Apesar disso, o que me chamou a atenção nesta comunidade foram dois únicos tópicos nos quais são discutidas questões de gênero. Em um deles um participante levanta a questão da necessidade de se dar mais valor as mulheres que praticam fisiculturismo, alegam que em competições elas não são tão
valorizadas como os homens e as que resolvem treinar pesado são muitas vezes vítimas de preconceito de ambos os sexos. Tal comunidade me pareceu uma vitrine de um mercado voltado para o fisiculturismo, com seus inúmeros tópicos de venda, o que me ajudou a conhecer como funciona o consumo dentro desse grupo. Sendo muitas vezes ilícitos os produtos utilizados por elas a internet se torna a grande mediadora, possibilitando uma maior privacidade na hora de comprar. Esse mercado tem seu sucesso facilitado pela possibilidade de propagandas gratuitas e das postagens anônimas nas comunidades e é venda quase sempre garantida.
Comunidade “Sou mulher e amo musculação”
A comunidade é uma das maiores em números de perfis, das quais participo. Constam 20.167 membros, sendo aceitas apenas mulheres. Aqui as discussões são quase sempre constantes e os tópicos costumam ser grandes. Como não é uma comunidade voltada especialmente para o fisiculturismo as discussões são mais amplas, mas, tendo como principais temas treinos, dietas, suplementação. Não é permitido discutir sobre o uso de anabolizantes. Uma grande parte dos tópicos é aberta pelas participantes para que as outras “amigas” da comunidade dêem suas sugestões a respeito dos treinos e das dietas, tornando o tópico um meio de elas compararem suas dietas e treinos. O que é um tanto preocupante já que poucas são habilitadas a dar esse tipo de instrução, pois não têm formação médica ou no esporte. Tal comunidade é uma das mais freqüentadas por mulheres que querem se informar e tirar dúvidas sobre os temas relacionados à musculação, incluindo ai o fisiculturismo, sendo a musculação o primeiro passo para alguém que
pretende construir um corpo musculoso e hipertrofiado. Muitas delas não participam dos fóruns, passam apenas como espectadoras da opinião alheia. Outras tantas participam e dão suas opiniões leigas e algumas vezes com algum embasamento cientifico. Em muitos tópicos são trazidas pesquisas e reportagens sobre os benefícios da musculação e das vantagens de se construir e esculpir o corpo, tornando-o belo, forte e musculoso.
Comunidade “Hardcore Girl” O termo inglês hardcore é utilizado em musculação para designar o tipo de treinamento mais pesado e mais intenso. Na própria página do site existe uma definição do que seria o hardcore, explicando de onde vem a definição: O termo hardcore surgiu a partir de um contexto militarista, usado para designar militantes agressivos e também criminosos. Com isso, a palavra hardcore acabou sendo atribuída a qualquer variação extrema ou exagerada de algo. Hardcore, literalmente, significa miolo, centro ou núcleo duro. Em português, o significado mais adequado seria "cascagrossa". Na musculação, o termo hardcore começou a ser utilizado para designar valores pessoais, onde o principal objetivo era o aumento de massa muscular.
Ou seja, praticantes de um treino hardcore são aqueles cujo objetivo é ir à academia para treinar pesado, como mostra a definição da comunidade: “Comunidade criada para Todas as MULHERES QUE LEVAM A MUSCULAÇÃO A SÉRIO e TREINAM de VERDADE ! Vc tem amor pela musculação e treinar faz parte da sua rotina ? Vc leva o treino a sério e não vai à academia apenas para passar o tempo? Seja Bem-Vinda!! VOCÊ É 100% HARDCORE !!!”
A comunidade conta com 269 membros do sexo feminino, já que a moderação não aceita a participação de homens, segundo informação contida na apresentação do perfil da comunidade. Ela foi criada a partir de um site chamado Treino Hardcore, por isso a análise
da comunidade foi feita concomitantemente com a análise do site, já que os elementos que constituem as fundamentações postadas nos tópicos nasceram da ideologia disseminada pelos adeptos do treino hardcore. A filosofia do treino hardcore é exposta na entrada do site: O site Treino Hardcore foi criado pensando em todos aqueles que levam a musculação a sério. Para nós, não importa se você tem pouco ou muito tempo na musculação, considere-se um Irmão de Ferro. Você chegou até aqui e isso prova que você procura aprender e manter-se informado. A única coisa que pedimos é que abra sua mente, pois o crescimento mental é fundamental e primordial para que haja o crescimento físico. Estamos cansados das mesmas fundamentações que escutamos todos os dias dentro das academias. Chega de frescuras... Aqui a filosofia é 100% HARDCORE !
O site oferece diversas seções onde são postadas informações relativas a treinos, nutrição, fotos de antes e depois dos participantes, ficha de atletas, entrevistas, divulgação de cursos e eventos, campeonatos, uma seção sessão com artigos, e uma loja virtual. Já a comunidade é tida como um ponto de encontro de quem treina e acessa o site. Os fóruns são utilizados para a troca de informações entre as participantes e também como um meio para se tirar dúvidas. Como mostra esse depoimento, de uma das participantes, que mostra maior confiança na opinião das “amigas” de comunidade do que nos próprios professores da academia freqüentada por ela: Renata Estou treinando bi-set já há um mês ou pouco mais. É um bom treino para hipertrofia?Qual a opinião de vocês sobre esse treino? Sempre prestei muita atenção na execução e amplitude dos movimentos, colocando uma carga compatível, mas ultimamente tenho diminuindo a carga ao invés de aumentar, não consigo subir as cargas faz tempo! Hoje falei sobre isso com o professor o infeliz disse que é bom mesmo não colocar muito peso nos aparelhos para não hipertrofiar muito (explicação bonita, não?)... Acho que não estou evoluindo nada...(cidade de interior é
fogo, o pouco que sei aprendo com vocês, se eu for depender dos professores daqui...).
Essa é uma situação preocupante, já que a maioria das mulheres que freqüentam essas comunidades são apenas praticantes do esporte, e não profissionais especializados para passar um treino correto e seguro. Entretanto, existe um preconceito dos próprios profissionais, denunciado no tópico acima, de que mulheres não podem ser hipertrofiadas, pois isso causaria uma imagem masculinizada para elas.
Comunidade “Divas Musculosas” Essa comunidade possui 1.252 membros e tanto homens como mulheres são aceitos. No entanto, a maioria dos perfis participantes é de homens. A participação dos homens é explicada, pois tal comunidade serve como uma vitrine de mulheres musculosas. A mesma comunidade deu origem a um perfil, no qual diariamente são postadas dezenas de fotos de mulheres musculosas e um fotolog, ou seja, uma página exclusiva para a postagens de fotos. Apesar disso, uma das regras da comunidade é a proibição de postagens de fotos com conteúdo pornográfico e ofensas de qualquer espécie às atletas e membros da comunidade.
Comunidade “Female Muscle Show”
Comunidade “Mulher musculosa, um colírio”