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VIEIRA, Alberto (2000), As Canárias
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AS CANÁRIAS ALBERTO VIEIRA A REVELAÇÃO DO OCEANO E DAS OLHAS. O Atlântico, considerado uma revelação ou redescobrimento quatrocentista dos portugueses passou a assumir um lugar de protagonista activo em épocas muito anteriores a esta centúria. Desde a Antiguidade, nomeadamente a partir do século VI A.C., que surgem testemunhos abonatórios da presença dos povos ribeirinhos do Mediterrâneo nas suas águas. Primeiro os cartagineses e depois os árabes preludiaram a gesta concretizada em pleno no século XV pelos portugueses e castelhanos. As provas que fundamentam a presença dos argonautas antigos nestas paragens acumulam-se e vêm sendo apontadas desde o século XVI como o testemunham alguns cronistas, como António Galvão, Damião de Góis e Gaspar Frutuoso. Todavia o empenhamento da historiografia nacional nas reivindicações imanentes da partilha oitocentista do continente africano, conduziu a uma opinião afirmativa, mantida até à actualidade, da prioridade lusíada no conhecimento do Atlântico ocidental, oriental e Índico. Durante séculos o Atlântico foi considerado o mar das trevas, incapaz de ser sulcado pelas embarcações mediterrânicas e de se navegar com as técnicas de navegação em uso. O empenho de cartagineses, árabes e peninsulares veio a revelar o contrário e a torná-lo, a partir do século quinze, no principal centro de convergência dos interesses europeus. A ponte entre os mundos antigo e moderno fez-se por via dos árabes, mas foram os portugueses que materializaram a nova realidade e a definição do novo espaço atlântico. Ao grego ou romano esta vasta massa de água materializava a dicotomia do bem e do mal, expressa em visões aterrorizadoras, contrárias à navegação mas favoráveis à sua afirmação como paraíso dos deuses da mitologia. Mas, para o europeu, dos séculos XV e XVI, ele será a imagem de uma esperança de total mudança dos interesses económicos. Onde o homem antigo via o paraíso inalcançável os peninsulares colocavam à sua mão e tornava-o real. O conhecimento da costa africana era uma realidade resultante de algumas expedições realizadas desde tempos remotos. A primeira por ordem o faraó Necao II (610-594 A.C.), depois a viagem de Sataspes(480-470 A.C.) até à Guiné, e o périplo de Hanão em 485 A.C.com sessenta navios desde Cartago, que teria percorrido a costa africana até Cabo Verde. Estas e outras viagens referenciadas não têm cativado o interesse da historiografia que se mostra renitente em aceitar os relatos contidos nos textos clássicos. A Historiografia dos séculos XVIII e XIX é peremptória na veracidade das informações e defendeu a ideia de que os fenícios projectaram o seu empório comercial na costa ocidental africana. Apenas os portugueses mantiveram a tese de que esta área estava por revelar no início das navegações henriquinas. Se para os arquipélagos próximos da costa o contacto com as populações do litoral africano foi uma realidade. O mesmo já não se poderá dizer da Madeira e dos Açores, cujo distanciamento do litoral, e a navegabilidade dos mares circunvizinhos não foram de molde a favorecê-lo, ainda que de forma ocasional. Talvez por isso mesmo seja impossível detectar o rasto da sua existência e conhecimento na tradição histórico-literária, o que não sucede com as Canárias, por exemplo. O oceano continuou por muito tempo como um mar intransponível, repercutindo-se em Edrisi (1099-1154) as teses de Séneca e Avieno. Mas com o advento do novo milénio
algo estava para acontecer no Ocidente: as cruzadas, por um lado, os progressos técnicos (bússola, o leme e o navegar à "bolina") e económicos, por outro, conduziram à abertura dos portos oceânicos. Ás expedições árabes, primeiro dos aventureiros de Lisboa em 1147, depois de Ibn Fatima e Mohamed Ben Ragano, seguiram-se outras, com alguma frequência, sob o comando de italianos, bretões, bascos, biscainhos e catalães, ao longo do século XIV. Das últimas, para além do testemunho em texto, perdurou expressão na cartografia, a partir de finais do primeiro quartel do século catorze. Desde o século XIII a costa ocidental africana, aquém do Bojador, passou a ser devassada pelas populações ribeirinhas do litoral mediterrânico que, dando continuidade à tradição clássica da pesca, encontraram aqui infindáveis riquezas. Primeiro foi o aproveitamento dos recursos disponíveis nos mares circundantes e depois a procura de plantas tintureiras (urzela) e o resgate de escravos canários. Após a pioneira viagem dos irmãos Vivaldi, em 1291, seguiram-se outras entre 1342 e 1339, sendo de referenciar as hipotéticas viagens dos "Matelots de Cherebourg", antes de 1312, de Lanzarotte de Malocello, ao serviço do rei de Portugal, cerca de 1310 e, finalmente, a de Angiolino del Tegghia de Corbizi e Nicoloso de Recco em Junho de 1341, ao serviço de D. Afonso IV de Portugal. Outras viagens se seguiram mas a falta de registo faz com que escapem ao nosso conhecimento. Elas, no entender de Raymond Mauny, deixaram traços evidentes na cartografia do século XIV. Note-se que desde 1325 os portulanos e cartas passaram a representar as ilhas. O progresso na representação cartográfica da Madeira resultou de uma assídua observação presencial a que não pode ser alheio o incremento das expedições ao vizinho arquipélago das Canárias. Em 1344 o próprio papa de Avinhão estava ao corrente do que aí se passava, concedendo o senhorio das ilhas Afortunadas a D. Luís de La Cerda. Tal ordem condicionou uma acesa disputa pelo arquipélago das Canárias, que só teve o epílogo em 1479 com o tratado de Alcáçovas. Enquanto os monarcas de Leão e Castela manifestavam o regozijo a posição do rei português D. Afonso IV foi de desagravo e reivindicação por carta de 12 de Fevereiro de 1345. A recusa era fundamentada pela proximidade geográfica e pelas expedições realizadas, pois, como refere o monarca lusitano, "os nossos naturais foram os primeiros que acharão as mencionadas ilhas". Também o protelamento da conquista é justificado pela "guerra que se ateou primeiro entre nós e os reis sarracenos". As expedições portuguesas ao longo da costa africana não foram alheias à presença em Portugal de Manuel Pessanha, contratado em 1317 por D. Dinis para criar a frota real e preparar os marinheiros nos conhecimentos necessários na arte de marear. Na realidade, a já referenciada viagem de 1341 às Canárias, é apontada como uma consequência disso. Note-se, ainda, que o rei D. Dinis havia conseguido em 1320 o necessário apoio por parte do papado para levar a cabo uma guerra de corso na costa africana, o mesmo acontecendo com o seu sucessor em 1341. A presença de armadas nestas paragens é um indício de que os mares eram frequentados com assiduidade. Para além disso estas viagens propiciaram aos marinheiros um primeiro conhecimento das ilhas próximas havendo, por outro lado, uma relação entre a última armada e a expedição enviada neste ano às Canárias. O confronto aberto em terras peninsulares com os árabes fez esquecer por algum tempo a disputa pelo novo espaço oceânico. Os portugueses tinham esperado até à sua definitiva saída do Algarve e à solução de problemas internos para regressarem ao oceano. O mesmo sucedeu com os reis católicos que fizeram depender o apoio à viagem de Colombo da vitória na guerra contra os mouros, que teve lugar em Granada no início de 1492.
A DISPUTA DAS CANÁRIAS. A questão da soberania das Canárias deu azo a acesa polémica entre as coroas peninsulares no período de 1344 a 1479. A conjuntura histórica em que foram escritos esses textos fez com que se estabelecessem duas perspectivas e análise diferentes, de acordo com a nacionalidade do seu proponente1. Assim por Portugal surgem, num primeiro momento, José da Costa Macedo e Visconde de Santarém a defender a prioridade da descoberta e a legitimidade da soberania lusíada 5. Entretanto a escola historiográfica espanhola, nomeadamente canária, reclama a prioridade e soberania castelhana, sendo e destacar neste grupo Elias Serra Ráfols e Buenaventura Bonnet2. Esta ambiência não é novidade pois radica-se na opinião veiculada pelo imaginário nacional, tornada indelével pelos cronistas peninsulares. Assim, em Portugal os cronistas Gomes Eanes de Zurara, João de Barros Rui de Pina, Garcia de Resende e Gaspar Frutuoso haviam justificado perante os homens do seu tempo e vindouros as razões da reivindicação henriquina3. O último traça de modo paradigmático essa ambiência: «Mas os castelhanos contam com isso doutra maneira que nem El-Rei de Portugal, nem o infante D. Henrique, as quiseram largar até chegarem a direito diante do papa Eugénio quarto, veneziano, o qual, vendo isto deu a conquista daquelas ilhas por sentença a El-Rei D. João de Castela no ano mil quatrocentos e trinta e um, por onde cessou esta contenda das Canárias entre os reis de Portugal e Castela»4. Desde o século XIV que surgiram alegações de ambas as partes reivindicando a posse destas ilhas junto do papado. Em 1345 D. Afonso IV, de Portugal, em resposta à bula Vince Domini Sabahot de Clemente VI reclama a posse das Canárias, fundamentado na prioridade do seu conhecimento e proximidade geográfica5. Passados cem anos D. Duarte alega os mesmos argumentos para reclamar ao papa Eugénio IV a posse das ilhas não conquistadas6. A anuência papal as pretensões portuguesas conduziu a imediata reacção de Castela que se serviu do poder de intervenção dos seus juristas junto do papa para obter a revogação da referida bula7. A pesquisa de Esteban Perez Cabitos em 1477 denuncia a intenção da coroa castelhana em defender os seus direitos de posse fazendo uso de toda a argumentação possível. No seguimento desta versão forçada temos a intervenção dos cronistas oficiais, como Alonso de Palencia, Diego de Valero e Andrés Bernaldes8. Não obstante o facciosismo das fontes narrativas e de alguns estudos publicados até ao presente, existem algumas análises abalizadas, como as de Peter Russel e Florentino Perez Embid, que devem merecer a nossa intenção O primeiro em três ensaios 1
.vide Bibliografia .Vide Bibliografia 3 . GOMES EANES DE ZURARA: Crónica de Guiné, Porto, 1973, caps. LXVIII. LXIX, LXXIX, XXXV, XCV; DE BARROS, J.: Da Asia, década primeira, parte primeira, Lisboa, 1973, caps. I-XIII; RUY DE PINA: Cronica del rey Dom Joham II, Coimbra, 1950, pág. 26; GARCIA DE RESENDE: Cronica de Dom João II, Lisboa, 1973, pág. 45; FRUTUOSO, G.: Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1966, cap. IX, págs. 65-76. 4 . Ibid., pág. 69, O cronista das ilhas deverá referir-se à letra sicenre devotionis de 2 de Maio de 1421 (Monumenta Henricina, Vol. lll, Lisboa, 1961, núm. 8, págs. 14-17) ou então à bula Romani Pontificis de 30 de abril de 1437 que revoga a bula Rex Regum de 8 de Setembro de 1436, veja-se Monumenta Henricina, Vol. Vl, 1964, núm. 21, págs. 41-43; Ibid., Vol. V, v o 9O, págs. 214-216; Ibid., núm. 97, págs. 230-234. A Monumenta Henricina (citada pela abreviatura M.H.), 14 Vols., Coimbra, 1960-.1973,[publicada sob os auspícios da Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da morte do Infante dom Henrique é o mais importante repositório de documentação para o estudo das pretensões henriquinas às Canárias]. 5 MH., Vol. Vl, 1964, núm. 89, págs. 207-214; ibid., núm. 90, págs. 214-216; ibid., núm. 97, págs. 230-234. 6 Ibid., Vol. V, 1963, núm. 129, págs. 254-258; ibid., Vol. IX, núm. 137. 7 Ibid., Vol. VI, núm. 19, págs. 79-83; ibid., núm. 57, págs. 139-199; Veja-se RUSSEL, P. E.: «El descubrimiento de las Canarias...», págs. 26-28. 8 Madrid, 1970, liber 33, cap. V, págs. 75-77; Veja-se LOPEZ DE TORO, J.: La conquista del Gran Canana en la Cuarta Década del Cronista Alonso de Palencia, 1478-1480, in Anuario de Estudios Atlanticos, XVI, 1970, págs. 325-393; MORALES PADRÓN, F.: Canarias, Crónicas de su conquista, Las Palmas, 1978. 2
publicados em Portugal a Espanha equaciona a questão à luz da documentação disponível e da ambiência da época. Assim em 1971 enquadrava essa disputa no âmbito da pretensão peninsular pela posse e conquista da costa africana9. Mais tarde equacionava a mesma questão de acordo com o direito da época para depois explicitar, baseado nos cronistas, as razões que levaram o infante D. Henrique a esta disputa10. Para Perez Embid a questão deverá ser encarada num âmbito mais vasto da disputa das coroas peninsulares pela conquista e domínio do Atlântico. A razão do conflito se localizar, entre 1415 e 1454, nas Canárias resulta do facto de o infante D. Henrique e os mercadores andaluzes cobiçarem a posse das ilhas. Note-se que as ilhas eram o único bastião avançado para a afirmação da hegemonia peninsular na costa ocidental africana.11 Uma multiplicidade de estudiosos portugueses e espanhóis têm dedicado a sua atenção ao estudo deste diferendo na senda de definir uma explicação satisfatória para a posição ambígua e inconstante de ambas as coroas intervenientes. Desde Paulo Merea (1923), Elias Serra Rafols (1940) a Peter Russel (1971-1979), passando por Florentino Perez Embid (1948), Vitorino Magalhães Godinho (1952) e Charles Verlinden (1961), alinhavaram-se algumas explicações plausíveis para a política inerente aos intervencionistas. A historiografia hispânica olvidou esta problemática pondo toda a atenção na defensa ou argumentação favorável aos direitos portugueses e castelhanos. Só muito recentemente José Perez Vidal estabeleceu uma ligação entre essa intervenção e a pretensão Lusíada e a sua presença e influência na cultura, sociedade e economia canária12. Esta perspectiva foi reforçada recentemente com os estudos realizados13. O primeiro esboça uma cronologia da intervenção portuguesa nas referidas ilhas, distinguindo dois períodos: um primeiro com a intervenção da coroa com o intuito de legitimar sua incorporação (1455-1479); um segundo em que essa actuação permanente é feita por particulares como agentes de comércio e transporte 1479-1640). Todavia parece-nos que o primeiro momento de disputa e reivindicação poderá ser alargado até 1344, altura em que se iniciam as hostilidades em torno da questão. Neste lapso de tempo de 135 anos a definição o legítimo proprietário das Canárias manteve-se, mercê da situação interna a península, do afrontamento das coroas intervenientes e da ambiguidade a política papal, agravada no momento do cisma do Ocidente (1378-1417). O termo desta disputa, em finais do século XV, não representa de modo algum uma cedência portuguesa na sua política de domínio do Atlântico mas sim o reconhecimento da relativa importância das Canárias para a prossecução da política exclusivista. Estavam já traçados os rumos e destinos a expansão atlântica portuguesa. A costa africana, a norte, cede o lugar à região tropical do sul. A questão ou disputa das ilhas Canárias nos séculos XIV e XV é o prelúdio de novas disputas e do confronto dos objectivos monopolistas, bem patentes nos reinos peninsulares. A defesa do Mare Clausum e a sucessão das coroas peninsulares provocaram o afrontamento entre Portugal e Castela, ao mesmo tempo que catalizaram as atenções das coroas europeias para uma intervenção directa ou indirecta no conflito. Deste modo o litígio entre coroas peninsulares desenrolou-se em dois palcos afins: a 9
«Fontes documentais...», págs. 5-33. El descubrimiento de las Canarias..., págs. 26-28; O Infante D. Henrique e as ilhas Canarias (...), págs. 11-13, 22, 39. 11 Ob. cit., págs. 111-175. 12 Esbozo de un estudio de la influencia portuguesa en la cultura internacional canaria, in Homenaje a Elias Serra Ráfols, 1. 1970, pág. 372. 13 . Gran Canaria y los contactos con las islas portuguesas atlanticas: Azores, Madera, Cabo Verde y Santo Tomé, in Congresso Internacional de História Maritima, Las Palmas, 1982; Id. MARTIN SOCAS, M.: Emigración y comercio entre Madeira y Canarias en el siglo XVI, in Os Açores e o Atlântico séculos XIV a XVIII, Angra do Heroísmo, 1984. 10
Península Ibérica e o Atlântico ocidental. No primeiro tivemos desde 1336 uma sucessão interminável de conflitos e tratados de paz ou aliança. No período de 1336 a 1494 assinaram-se dezoito tratados de paz ou aliança14. As alianças matrimoniais e os laços de parentesco da casa real peninsular condicionaram a política de sucessão e implicaram assíduas disputas pela posse ceptro real. O dealbar de uma nova era no século XV conduziu a profundas alterações na dinâmica socio-politico-economica do Ocidente. O Mediterrâneo e lugar ao Atlântico. Assim a partir desta data este último oceano, até então considerado intransponível, passa a afirmar-se com um dos principais palcos dos acontecimentos onde actuam as coroas peninsulares, melhor posicionadas para a sua disputa. Neste âmbito as ilhas atlânticas situadas ás portas do novo mundo, detêm um papel primordial no processo de transacção, daí o epíteto de Mediterrâneo Atlântico. Deste modo, a disputa pela posse do vasto oceano inicia-se no mundo insular, pois o seu domínio assegurava a hegemonia e exclusivo das navegações e comércio no Atlântico Ocidental. Assim o entenderam os monarcas de Portugal e Castela, que desde o século XIV disputaram a posse das Canárias. Todavia neste momento inicial do século XIV o Atlântico surgia mais como uma esperança ou aventura no desconhecido do que uma certeza. Mas volvidos cem anos emerge um projecto de conquista e exploração do Novo Mundo, materializado na gesta henriquina e na acção de D. João II. Não obstante, parece que o monarca lusíada D. Afonso IV previaesta época promissora ao reclamar junto do papado a posse das Canárias15. Todavia Elias Rafols refere-nos que a posição portuguesa definia-se por uma abstenção de facto e por uma reivindicação de jure, baseada na prioridade do seu conhecimento e proximidade do reino. O mesmo sublinha que a negligência da coroa portuguesa resultava da inexistência de um plano ultramarino16. A intervenção do infante D. Henrique, a partir de finais do primeiro quartel do século XV, deu um novo rumo à querela. Reacendeu-se a pretensão portuguesa ao domínio e cristianização das Canárias. O alheamento parcial da coroa castelhana favoreceu e reforçou a posição henriquina em face da burguesia do sul da Andaluzia. As ilhas situadas às portas do Novo Mundo exerceram um papel primordial no processo de transmutação. Deste modo a disputa pelo vasto oceano inicia-se no mundo insular, pois do seu domínio dependerá o exclusivo das navegações e comércio no Atlântico para sul. Assim o entenderam os monarcas de Portugal e Castela, que desde o século XIV, estiveram envolvidos numa acesa disputa pela sua posse. Por Portugal tivemos, primeiro, D. Afonso IV e depois, o Infante D. Henrique. O último, a partir de finais do primeiro quartel do século XV, apostou forte nesta empresa. O alheamento parcial da coroa castelhana favoreceu o reforço da posição henriquina ao principal opositor, isto é, a burguesia andaluza. Esta aposta do Infante na conquista das Canárias e a forma de intervenção na Madeira e nos Açores levou Charles Verlinden a perguntar-se se estava nos intentos do infante criar um estado insular. A expedição de Jean de Bettencourt em 1402 destaca, por um lado, o afastamento da Normandia desta opção atlântica e por outro o reforço da posição andaluza, uma vez que o referido expedicionista apenas conseguiu conquistar o apoio da comunidade sevilhana, nomeadamente a família Las Casas. Este facto marca um novo rumo na questão das Canárias, uma vez que o referido cavaleiro ao submeter-se à suserania do 14 . Assinaram-se tratados de paz e amizade em 1339, 1358, 1366, 1369, 1370, 1371, 1372 1382, 1383, 1431, 1432, 1474, 1480, 1494. 15 Veja-se notícia desenvolvida da questão na M.H., Vol. 1, 1960, núm. 88, págs. 201-206. 16 Portugal en las Canarias. . . pág. 219.
rei de Castela, legitimou à priori, a soberania castelhana17. A burguesia andaluza interessava a posse das Canárias uma vez que estas se apresentavam como um importante mercado de escravos e materiais corantes e, mesmo, como uma base de apoio para as posteriores incursões no litoral africano18. O monarca de Castela, grato pela intervenção dos Las Casas, decidiu premiar o seu esforço, solicitando em 2 de Maio de 1421 ao papa a confirmação da posse das ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Gomera e La Palma a Afonso de Las Casas19. Perante este evoluir dos acontecimentos ao infante D. Henrique restavam apenas duas alternativas. Por um lado a solução diplomática, fazendo valer os direitos portugueses junto do papado e, por outro, o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada. Assim tivemos as expedições de D. Fernando de Castro (1424-1440) e de António Gonçalves da Câmara (1427). As conquistas no âmbito diplomático foram efémeras e pouco concludentes para as ambições da coroa portuguesa. A concessão papal em 1436 da conquista das ilhas não ocupadas por cristãos durou enquanto não surgiu a reacção castelhana, isto é, menos de um mês20. D. Duarte, ignorando as alegações apresentadas pelo bispo de Cartagena ao Concilio da Basileia (1435) e a deliberação papal, prosseguiu a política intervenção directa nas Canárias, concedendo ao infante D. Henrique em 1446 o exclusivo do comércio e navegação para as Canárias21. E, para assegurar esta determinação, organizaram-se neste ano três expedições. Volvidos dois anos a questão tomou novo rumo com os desentendimentos entre os Bettencourts e os Perazas. Assim Maciot de Bettencourt vendeu o senhorio da ilha de Lanzarote ao infante D. Henrique por 20.000 reais brancos ao ano, retirando-se com a família para a Madeira onde recebeu grandes benemesses22. Com o objectivo de assegurar a posse e organização administração da nova parcela de terra o infante enviou em 1450 e 1451 armadas de ocupação que provocaram imediata reacção de Castela em 145223. Esta ambiência destaca que em Portugal e Castela havia um nítido alheamento das decisões do papa e que a procura de uma solução concreta passava obrigatoriamente pela conquista, ocupação e evangelização de facto. Reconhecendo-se o peso desta última forma de intervenção nas decisões do papado o infante D. Henrique definiu uma nova modalidade de intervenção, enviando missionários franciscanos a evangelizar estas ilhas24. Nas alegações apresentadas em 1435 no Concílio de Basileia defrontaram-se as duas opções políticas das coroas peninsulares: a portuguesa pela voz do bispo de Viseu, D. Luís Amaral, e a castelhana pelo bispo de Burgos, D. Alonso de Cartagena. Na dissertação do último foram apresentadas as normas que pautavam o direito internacional da época no que concerne à legitimação da posse das ilhas atlânticas. Algumas das razões aí aduzidas já haviam sido invocadas no século XIV por D. Afonso IV para contrariar a ordem papal de conceder a D. Luís de La Cerda o senhorio das ilhas Afortunadas. Mas numa e noutra frente as conquistas foram efémeras e não permitiram uma solução imediata do conflito que perdurou por mais alguns anos e só foi 17 Le Canarien, Cronicas de la conquista de Canarias, La Laguna/Las Palmas, Vol. 1, 1960. doc. 100. 440-441, Valladolid. 26 de Junho de 1412: ibid.. Vol. ll. cap. XXVI. 98-100. 18 LADERO QUESADA, M. A.: Los señores de Canarias en su contexto sevillano (1403-1477), in Anuario de Estudios Atlánticos, núm. 23, 1977. págs. 127-128; MAGALHAEs GODINHO, V.: «A Economia das Canárias nos séculos xlv e xv. in Revista de História S. Paulo, 1952. Em 1434 o papa Eugénio IV proíbe pela bula Regimini gregis a escravização dos canários (M. H., V, núm. 28, págs. 89-93); ibid., núm. S2, págs. 118-123, letras ucator omnium de 17 de Dezembro; ibid., núm. 93, págs. 184-185, letras oudum nostras de 13 de Janeiro de 1436. 19 M.H., Vol. III. núm. 18, págs. 14-16, concedido na mesma data por 5 anos pela letra Sincere Devotions publ.; ibid., núm. 9, págs. 16-17. A 26 de Maio o monarca solicitou a concessão perpétua, veja-se ibid., núm. 10, págs. 17-18. 20 M.H., Vol. V, núm. 137, 143. 21 Ibid.,lX, núm. 95, págs. 121-123. 22 Ibid., IX, núm. 174, págs. 273-275, 9 de Março de 1448. 23 Ibid., Xl, núm. 138, págs. 172-179, 25 de Maio de 1452; ibid., núm. 236, págs. 239-245, de Abril de 1454. 24 Ibid., Xll, núm. 144, págs. 30-32, 27 de Maio de 1456; ibid., XIII, núm. 151, págs.
conseguida por via do tratado estabelecido no ano de 1479 em Alcáçovas e confirmado pelos monarcas no seguinte em Toledo. A sua assinatura assinala o abandono definitivo das pretensões portuguesas pela posse das Canárias e o aparecimento de novos locais de disputa além do Bojador. Quais os motivos que levaram a esta mudança de atitude ? O período de 1450 a 1474 é marcado por múltiplas peripécias que condicionaram a intervenção dos reinos peninsulares nas Canárias. Por um lado morte do infante D. Henrique, em 1460, em consonância com os avanços expansão atlântica relegaram para segundo plano as Canárias e, por outro, as tensões internas de Castela atenuaram as suas reivindicações. Note-se que o monarca Henrique IV de Castela chegou mesmo a doar em 1455 aos Condes de Atouguia e Vila Real o senhorio das ilhas de Canárias Tenerife e Palma25. Perante isto a coroa portuguesa, de imediato, solicitou a confirmação papal da referida doação26. No entanto o monarca castelhano mediante a reclamação de Fernão de Peraza, foi obrigada a revogar esta doação. O tratado de Toledo (1480) marca o abandono definitivo das pretensões portuguesas à posse das Canárias e o aparecimento de novos motivos ou locais disputa27. O reconhecimento da impossibilidade de usurpação ou posse das Canárias por parte de Portugal não resultou de uma derrota da diplomacia portuguesa e das hostes lá enviadas mas antes das alterações da conjuntura sociopolítica definidas pelo avanço da expansão atlântica. As Canárias que num primeiro momento eram imprescindíveis para o apoio à navegação e comércio no litoral africano perderam esta posição com o início do povoamento da Madeira, com o avanço das navegações para sul e com a criação de feitorias, como a de Arguim em 1445, quer ainda com a evolução da ciência náutica e construção naval, que permitiram uma maior autonomia das embarcações. Além disso a cobiça da burguesia andaluza pela zona do golfo da Guiné, materializada em incursões assíduas entre 1475-1479, tornaram urgente uma solução satisfatória que não lesasse os interesses da política exclusivista portuguesa, estabelecida em 1454. O rápido (re) conhecimento do litoral africano com a gesta henriquina, bem como a valorização socioeconómica desta nova área impuseram esta viragem na política ultramarina portuguesa. A proximidade da Madeira ao arquipélago canário em conjugação com o rápido surto do povoamento e valorização socio-económica do solo madeirense orientaram as atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim decorridos apenas 26 anos sob a sua ocupação os madeirenses embrenharam-se na controversa questão das Canárias ao serviço do infante. Em 1446 João Gonçalves, sobrinho de Zargo, foi enviado pelo infante a Lanzarote como plenipotenciário para firmar o contrato de compra da ilha. Acompanham-no caravelas de Tristão Vaz, capitão donatário em Machico e de Garcia Homem de Sousa, genro de Zargo28. Passados alguns anos em 1451, o infante envia nova armada, organizada pelos vizinhos de Lagos Lisboa e Madeira, participando nela Rui Gonçalves, filho do donatário do Funchal29. GUANCHES. A presença dos guanches na Madeira é um facto natural. Para isso contribuíram a proximidade da Madeira e o empenho dos madeirenses na iniciativa henriquina. Decorridos, apenas, 26 anos sob o início do povoamento da Madeira, os 25
Ibid., XIV, págs. 239-332, nota 2 Ibid., XIV, núm. 140, págs. 322-324; ibid., núm. 145, págs. 318-333. 27 Veja-se Rui DE PINA: Chronica do Senhor Rey Dom Affonso V, cap. CCII, pág. 591; DE LA TORRE, A., E SOAREZ FERNANDEZ, L.: Documentos referentes a las relaciones con Portugal durante el periodo de los reyes católicos, Valladolid, 1958, Vol. 1, págs. 245 e segs. 28 ARTUR SARMENTO, A.: Madeira & Canárias, in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal 1931, 13-14. 29 M.H., Vol. Xl, 172-179. 26
madeirenses embrenharam-se na complexa disputa pela posse das Canárias ao serviço do senhor, o infante D. Henrique. Tais condições definiram a presença madeirense neste mercado de escravos, surgindo, na primeira metade do século XV, algumas incursões de que resultou o aprisionamento de escravos. Destas referem-se três (1425, 1427, 1434) que partiram da Madeira. Mais tarde, com a expedição à costa africana de 1445 o madeirense Álvaro de Ornelas fez um desvio à ilha de La Palma onde tomou alguns indígenas que conduziu à Madeira. Aliás, nas inúmeras viagens organizadas por portugueses entre 1424 e 1446, surgem escravos, que depois são vendidos na Madeira ou em Lagos. A partir de meados do século XV, são assíduas as referências a escravos canários na ilha da Madeira como pastores e mestres de engenho. A sua presença na ilha deveria ser importante nas últimas décadas do século XV. Os documentos clamando por medidas para acalmar a sua rebeldia são indício disso. Muitos deles mantiveram-se na Madeira fiéis à tradição do pastoreio. Estranhamente, nos testamentos do século XV, não encontramos indicação de qualquer escravo guanche. Para além dos dois escravos que possuía o capitão Simão Gonçalves da Câmara, sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era também detentor de escravos desta origem, sem ser referido o número. Cadamosto, na primeira passagem pelo Funchal em 1455, refere ter visto um canário cristão que se dedicava a fazer apostas sobre o arremesso de pedras. Será que o Pico Canário (Santana) e o lugar do Canário (Ponta de Sol) referem-se ao escravo ou ao pássaro tão comum nestes arquipélagos? Note-se que em abono do último caso temos a referência de que João Esmeraldo era possuidor de escravos desta origem na sua Lombada, que não obstante estar cerca da vila, pertencia à jurisdição do município do Funchal. Aqui, a exemplo das Canárias, os guanches, nomeadamente, os fugitivos foram um quebra-cabeças para as autoridades. Foi como resultado desta situação insubmissa, de livres e escravos, que o senhorio da Madeira determinou em 1483 uma devassa, seguida de uma ordem de expulsão em 1490. De acordo com este último documento todos os escravos canários, oriundos de Tenerife, La Palma, Gomera e Gran Canaria, exceptuando-se os mestres de açúcar as mulheres e as crianças, deveriam ser expulsos do arquipélago. As reclamações dos funchalenses, sintoma de que se sentiam prejudicados e de que esta comunidade era importante, levou o infante a considerar apenas os forros. Em 1503 o problema ainda persistia, ordenando o rei que todos eles fossem expulsos num prazo de dez meses. De novo o rei retrocedeu abrindo uma excepção para aqueles que eram mestres de açúcar e dois escravos do capitão Bastiam Rodrigues e Catarina, por nunca terem sido pastores. Por tudo isto podemos concluir que as Canárias afirmaram-se no século XV como o principal fornecedor de escravos, complementando com as presas dos assaltos à costa marroquina e viagens para sul. Os canários foram na ilha pastores e mestres de engenho. MIGRAÇÕES INSULARES. A Madeira pela posição charneira entre os Açores e as Canárias e da anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação entre eles. A ilha funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que como área receptora de imigrantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante no século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas
Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canaria, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a sua atenção para o promissor novo mundo. Um dos aspectos reveladores das conexões madeirenses e açorianas foi o relacionamento com as Canárias. Para Perez Vidal a presença portuguesa no arquipélago resultou da sua intervenção em dois momentos decisivos: um primeiro, demarcado pelas acções da coroa e do infante D. Henrique, nos séculos XIV e XV que terá o seu epílogo em 1497 com o tratado de Alcáçovas; o segundo, de iniciativa particular, abrangendo os séculos XVI e XVIII, em que os impulsos individuais se sobrepõem à iniciativa oficial. Este último foi o momento de expressão plena da presença lusíada e do seu paulatino definhar em face da Restauração da monarquia portuguesa e da guerra de fronteiras mantida até 1665. A questão ou disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de novos confrontos com o objectivo de monopólio das navegações atlânticas. O inicial afrontamento foi entre Portugal e Castela, tendo como palco as ilhas Canárias. Esta disputa começou em meados do século catorze mas só na centúria seguinte por iniciativa do infante D. Henrique teve a sua maior expressão. A intervenção madeirense na empresa canária conduziu a uma maior aproximação dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto e comércio entre os dois arquipélagos. Pela Madeira tivemos, primeiro, o saque fácil de mão-de-obra escrava para a safra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne, necessários à dieta alimentar do madeirense30. Pelas Canárias o recurso à Madeira com porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada situação que aí se viveu no século xv. Note-se que em 1476 com a acção de conquista levada a cabo por Diego de Herrera, muitos dos descontentes com a situação das ilhas para a Madeira ou Castela31. De entre estes tivemos em 1476 a vinda para a Madeira de Pedro e Juan Ady, Jun de Barros, Francisco Garcia, Bartolomé Heveto e Juan Bernal. A corrente migratória resultante do descontentamento gerado pelo processo de conquista e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já na volta de meados do século xv, sendo seu arauto Maciot de Bettencourt. Este amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de Sevilha cede em 1448 o direito do senhorio de Lanzarote infante D. Henrique mediante avultada soma de dinheiro, de fazendas e regalias na Madeira32. Iniciava-se assim uma nova vida para esta família de origem normanda que das Canárias passou à Madeira e aos Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu uma posição destacada na sociedade madeirense e micaelense do século XVI33. No desterro de Maciott de Bettencourt acompanharam-no a sua filha Maria e os seus sobrinhos e netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria 30 Veja-se SIEMENS, L., e, BARRETO, L.: Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505), in Anuario de Estudios Atlanticos, núm. 20, 1974, págs. 111-143 e o nosso estudo «O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos xvl e xvil», in Coloquio de Histona Canario Americana (1984), Las Palmas,1988. 31 ABREU GALINI)O, Fr. J.: História de la conquista de las siete islas de Canarias, Santa Cruz de Tenerife, 1977. pág. 134: ARTUR SARMENTO A., ibid., pág. 20. 32 FRUTUOSO, G.: Saudades da Terra, L.° 1, Ponta Delgada, 1966, 69; ibid., L.° IV,Vol. II, Ponta Delgada, 1981. pág. 263; DIAS LEI1E, J.: Descobrimento da ilha da Madeira..., Coimbra. 947, pág. 32; M.H., Vol. IX, núm. 174, págs. 273-275. 33 FRUTUOSO, G.: Ob. cit., L." IV, Vol. I, Ponta Delgada, 1977, págs. 103-113; AUGUSTO A SIlVA, F.: Bertentourt, in Elucidario Madeirense, Vol. I, Funchal, 1984. 138-139: HENRIQUES DE NORONHA. H.: Nobiliario genealógico das familias que passaram a viver esta ilha da Madeira..., Vol. 1. S. Paulo, 1947, 51-74; Nobiliario de Canarias, Tomo 1, La Laguna, 1952. pags. 595-600; DE LA ROSA OLIVEIRA, L.: Los Bettencourt en Las Canarias y en América, A.E.A., núm. 2. 1')56, págs. 130-135.
Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho-segundo do capitão do donatário do Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel. A compra em 1474 por Rui Gonçalves da Câmara da capitania da ilha S. Miguel implicou a ramificação desta família aos Açores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vila Franca o seu sobrinho Gaspar que mais tarde viria a encabeçar o morgadio da tia em S. Miguel, avaliado em 2.000 cruzados34. Os filhos deste, Henrique e João evidenciaramse na época pelos serviços prestados à coroa, tendo recebido em troca muitos benefícios. Henrique de Bettencourt preferiu o sossego das terras da Band'Além, R Ribeira Brava, onde vivia em riquíssimos aposentos. Aí institui um morgadio e teve uma intervenção muito activa na vida municipal e nas campanhas africanas. Os seus descendentes destacaram-se na vida local e nas diversas campanhas militares em África, Índia e Brasil35. A expedição de Jean de Betencourt em 1402 marca o início da conquista das Canárias enquanto a sua subordinação à soberania da coroa castelhana e o reconhecimento em 1421 pelo papado desta nova situação fez reacender a polémica do século XIV. Ao infante português restavam apenas duas possibilidades: a solução diplomática, fazendo valer os seus direitos junto do papado e o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada que a ela se pretendia associar. Desta última situação resultaram as expedições de D. Fernando de Castro (1424 e 1440) e de António Gonçalves da Câmara (1427). Mas em todas as frentes as conquistas foram efémeras e de pouco valeu, por exemplo, a compra em 1446 da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000 reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificação desta importante família à Madeira e, depois, aos Açores. O litígio encerrase em 1480 com a assinatura de um tratado em Toledo. Desde então a coroa portuguesa abandona a sua reivindicação pela posse dessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza não se intrometerá no trato da Guiné. A conjuntura destas ilhas e do relacionamento das coroas peninsulares acompanhou desde o início as conexões canário-madeirenses. No século XV a vinculação da Madeira a Lanzarote filia-se na célebre na disputa das coroas peninsulares pela posse das Canárias. Em finais do século seguinte a sua reafirmação e alargamento a todo o arquipélago canário foram resultado da ocupação da ilha em 1582 por D. Agustin Herrera, acto que materializou na Madeira a união das duas coroas peninsulares. Entretanto nos Açores tivemos desde 1582 a presença de importantes contingentes militares espanhóis, mas sendo reduzida a presença de canários. Todavia o efeito social dos dois fenómenos em ambos os arquipélagos foi diverso. O primeiro permitiu a afirmação madeirense em Lanzarote, enquanto o segundo, para além do natural reforço da realidade condicionou a presença canária no Funchal, que nunca foi muito significativa. Talvez o momento de maior intervenção seja o do século XV com a presença dos aborígenes canários, como escravos, ao serviço da pastorícia e safra do açúcar. Se à componente política se deverá conceder o mérito de abertura e incentivo das conexões humanas, ao económico ficou a missão de reforçar e sedimentar este relacionamento. Desta forma os contactos comerciais surgem em simultâneo como 34
Veja-se FRUCTUOSO, G.: Saudades da Terra, L.° IV, Vol. II, Ponta Delgada, 1981, 261-272. . Ibid., L." II. Ponta Delgada, 1968, págs. 227, 274; DIAS LEITE, J.: Ob. cit.. págs. 39-41 72: DE FREITAS DRLMOND, J. P.: Documentos historicos e geographicos sobre a ilha da Madeira, ms. da Biblioteca Municipal do Funchal. fols. 9-10v: GONQALVES, E.: Os homens-bons do Concelho do Funchal em 1471, in Das Artes e da História da Madeira, Vol. V. núm. 4. Pags. 8 e74. 35
consequência e causa das migrações humanas. Todavia tal intercâmbio só adquiriu a plenitude no século XVI, incidindo preferencialmente no comércio de cereais dos mercados de Tenerife, Fuerteventura e Lanzarote. A proximidade da Madeira ao arquipélago canário e o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo orientaram as atenções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos após a ocupação do solo madeirense, embrenharam-se na controversa disputa pela posse das Canárias ao serviço do infante, em 1446 e 1451. A presença madeirense na empresa canária conduziu a uma maior aproximação dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto e comércio entre os dois arquipélagos. Pela Madeira tivemos, primeiro, o saque fácil de mão-deobra escrava para a safra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne, necessários à dieta alimentar do madeirense. Pelas Canárias foi o recurso à Madeira com o porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada situação que aí se viveu no século XV. Em 1476 com a conquista levada a cabo por Diogo de Herrera, muitos dos descontentes com a nova ordem emigraram para a Madeira ou Castela. Esta corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquista e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do século XV, sendo seu arauto Maciot de Bettencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Canárias, amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de Sevilha, cedeu o direito do senhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante avultada soma de dinheiro, de fazendas e regalias na Madeira. Iniciava-se assim uma nova vida para esta família de origem normanda que das Canárias passa à Madeira e aos Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu uma lugar de relevo nas sociedades madeirense e micaelense do século XV. Acompanharam o desterro de Maciot de Bettencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho-segundo do capitão do donatário do Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel. A compra em 1474 por Rui Gonçalves da Câmara da capitania da ilha de S. Miguel implicou a ramificação da família aos Açores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vila Franca o seu sobrinho Gaspar, que mais tarde viria a encabeçar o morgadio da tia em S. Miguel, avaliado em 2.000 cruzados. Os filhos, Henrique e João evidenciaram-se na época pelos serviços prestados à coroa, tendo recebido em troca muitos benefícios. Henrique de Bettencourt preferiu o sossego das terras da Band'Além, na Ribeira Brava, onde viveu em riquíssimos aposentos. Aí instituiu um morgado e participou activamente na vida municipal e nas campanhas africanas. Os descendentes destacaram-se na vida local e nas diversas campanhas militares em África, Índia e Brasil. Se esta primeira vaga migratória traçou o rumo e destino madeirense, a expedição pacificadora de D. Agustin Herrera, conde de Lanzarote, em 1582, sedimentou e estreitou os contactos entre a Madeira e Lanzarote. O próprio conde de Lanzarote, na curta estadia na ilha, foi um dos arautos deste relacionamento, pois ligou-se aos Acciaiolis, importante casa de mercadores e terra tenentes florentinos, fixada na ilha desde 1515. As suas hostes seguiram-lhe o exemplo, tendo muitos dos trezentos homens do presídio criado família na ilha. No período de 1580 a 1600 os espanhóis surgem em primeiro lugar na imigração madeirense. O descerco em 1640 trouxe consigo consequências funestas para tal relacionamento. Assim os madeirenses residentes em
Lanzarote foram alvo de represálias, sendo de referir o confisco dos bens do filho varão de Simão Acciaioli que casara com a filha do Conde de Lanzarote. O impacto lusíada nas Canárias surgiu muito cedo tendo a Madeira como um dos principais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote, Tenerife e Gran Canaria. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre os principais obreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios agricultores, pescadores, pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeléveis da portugalidade na sociedade canária. A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar activamente nas campanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como recompensa, inúmeras dadas de terra. Daí resultou a forte presença lusíada nesta ilha, onde em algumas localidades, como Icode e Daute, surgem como o grupo maioritário. Aliás Granadilla foi fundada por Gonzalo Gonzalez Zarco filho de João Gonçalves Zarco, capitão do donatário do Funchal. A prova mais evidente da importância da comunidade lusíada na ilha está documentada nos "acuerdos del cabildo de Tenerife" onde foram sempre referenciados em segundo lugar. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La Palma onde os portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunhá-lo a existência de alguns registos paroquiais feitos em português. Entretanto em Lanzarote o forte impacto madeirense está comprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo testemunho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era aí conhecida como a ilha. A acentuada presença lusíada no arquipélago foi resultado das possibilidades económicas que o mesmo oferecia e as necessidades em mão-de-obra e da possibilidade de penetração no comércio com a costa africana e depois com o novo continente americano. Assim num primeiro momento fomos confrontados com um numeroso grupo de aventureiros dos quais se recrutaram os oficiais mecânicos e agricultores e só depois surgiram os agentes de comércio e transporte, todos eles com uma acção decisiva na economia do arquipélago nos séculos XV e XVII. É fácil testemunhar a assiduidade dos contactos mas difícil se torna avaliar a dimensão assumida pela presença portuguesa neste arquipélago, quanto à sua origem geográfica. Nos diversos actos notariais, que compulsámos, ignora-se, muitas vezes, a origem geográfica dos intervenientes portugueses. O facto de muitos surgirem em diversos actos relacionados com outros da Madeira ou outorgando poderes para a cobrança de dívidas e administração das heranças leva-nos a suspeitar a sua origem madeirense. Uma vez que os contactos entre a Madeira e as Canárias foram mais frequentes é natural a presença de uma importante comunidade madeirense nesse arquipélago, com principal relevo para as ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran Canária. Aí foram agentes destacados no comércio e transporte entre os dois arquipélagos ou artífices, nomeadamente sapateiros. Os açorianos, maioritariamente das ilhas Terceira e S. Miguel, surgem em menor número e preferentemente ligados à faina agrícola. A classe mercantil de origem madeirense nas Canárias segue um rumo peculiar. Eles ao contrário dos flamengos e italianos não se avizinham de imediato, mantendo o estatuto de estantes. A necessidade de fixação é quase sempre o corolário do progresso das suas operações comerciais e dos investimentos fundiários. As mudanças operadas na conjuntura política a partir dos acontecimentos do ano de 1640 condicionaram a presença do madeirense. Ele que até então usufruía de um estatuto preferencial na sociedade e economia lanzarotenha, por exemplo, desaparece
paulatinamente do palco de acção. E, facto insólito, os poucos que conseguimos rastrear na documentação procuram ignorar ou apagar a sua origem, surgindo apenas como vizinhos sem outra referência. Esta situação coincide com o fim do relacionamento comercial incidindo sobre os cereais de Canárias pois a partir de 1641 deixou de aparecer no Funchal, sendo substituído pelo açoriano ou por novos mercados como a Berbéria e América do Norte. Será ela resultado da crise da cultura cerealífera canária ou fruto da ambiência de mútua represália peninsular? Note-se, ainda que a partir de então surgiram novos e mais promissores destinos para a emigração, como o Brasil, que terão motivado esta mudança. Da presença da comunidade portuguesa em Canárias resultaram inúmeras influências, hoje ainda visíveis nas apartações linguísticas e etnográficas. Neste caso é evidente os portuguesismos na nomenclatura dos ofícios, utensílios e produtos a que estiveram ligados: açúcar, vinho, pesca, construção civil e fabrico de calçado. No inverso também temos alguns testemunhos da presença dos aborígenes de Canárias na Madeira e Açores. A sua presença como escravos ou os assíduos contactos entre as ilhas favoreceram estas apartações. Na ilha de S. Miguel, não obstante estar testemunhada apenas a presença de dois guanches -- um pastor e outro mestre de engenho-- a sua presença deixou rastro na toponímia com o pico e lagoa do canário. Na Madeira para além desta referência toponímica persistem vestígios da sua presença no uso do gofio, que ainda no século XVIII assumia uma importância destacada na alimentação do Porto Santo. O comércio entre as ilhas dos três arquipélagos atlânticos (Madeira, Açores, Canárias) resultava não só da complementaridade da sua exploração económica mas também da sua proximidade e assiduidade de contactos. A Madeira, mercê da sua posição privilegiada entre os arquipélagos dos Açores e das Canárias, do seu parcial alheamento das rotas indicas e americanas apresentava condições favoráveis para o estabelecimento desses contactos com as ilhas vizinhas. É de salientar que com as Canárias, não obstante a sua conquista e dependência à coroa espanhola, os contactos são muito mais assíduos e importantes. Para isso contribuiu a proximidade dos dois arquipélagos, a atracção exercida pela terra canária nos madeirenses e a permanente hostilização açoriana ao estabelecimento da rota do comércio de cereais 49. Esta última situação contribuiu para o reforço do relacionamento entre a Madeira e as Canárias, nomeadamente com Tenerife, Lanzarote e Fuerteventura. O trigo foi sem dúvida o principal móbil do comércio canario-madeirense. Aliás, segundo testemunho de Giulio Landi (1530) e Pompeo Arditi (1567) os cereais surgem como os principais activadores e suportes do sistema de trocas entre a Madeira e as Canárias36. Esta rota de abastecimento Se cereal, definida em princípios do século XVI, manteve-se com toda a pujança até meados do século XVII. A Madeira desde finais do século xv surge como uma área carente em cereal, necessitando de importar mais de metade do seu consumo. Desse cereal de importação 50% era oriundo dos arquipélagos vizinhos. Assim no período de 1510 a 1640 das 1.906.087,5 fanegas de importação 2/3 provêm despesas ilhas, sendo 55% dos Açores e 14% das Canárias. Neste último arquipélago os principais graneros eram a ilhas de Lanzarote e Tenerife. O movimento de importação de cereal na Madeira sofreu várias alterações, resultado da conjuntura cerealífera canária. Assim no século XVI a Madeira recebia preferencialmente o trigo 36 Descrição da ilha da Madeira, in A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, pág. 34; Viagem à ilha da Madeira e aos Açores..., in ibid., pág. 226; TORRIANI, L.: Descripcion del reino de las islas Canarias. . ., Santa Cruz de Tenerife, 1978, págs. 4546
das Canárias (57%), na sua maioria oriundo das ilhas de Lanzarote (69%), Tenerife (16%) e Fuerteventura (69%). A ilha de Tenerife surge em lugar de destaque até 1523, cedendo esta posição à ilha de Lanzarote que domina, a partir de então, todo o comércio de cerais com a Madeira. Note-se que no século XVII das 27.817 fanegas de trigo canário entrado no Funchal 78% é proveniente de Lanzarote apenas 14% de Fuerteventura, que substitui Tenerife. A ilha de Lanzarote foi nos séculos XVI e XVII o principal granero canario de abastecimento da Madeira. O cereal era assim o principal produto e a justificação para a permanência deste elo de ligação, traçado em princípios do século xv pela comunidade normanda daí oriunda. Todavia, este relacionamento mercantil não se ficou a dever única e exclusivamente ao cereal pois o madeirense procurava assegurar nesta ilha o abastecimento de carne e queijo. Neste volumoso trato comercial as ilhas vizinhas de Tenerife e Gran Canaria tiveram uma intervenção importante, actuando como centros de recepção e redistribuição da mercadoria de Lanzarote ou como portos de divergência das principais rotas que ligavam esta ilha à Madeira. Assim as praças comerciais de Las Palmas, Santa Cruz, Garachico substituíram-se aos portos de Arrecife, Arriete e Graciosa que funcionavam apenas como portos de escoamento da mercadoria de Lanzarote ''. A data de 1640 marca o terminus desse relacionamento humano e comercial, sendo esta situação consequência ou represália do fim do domínio filipino no império lusíada. A conjuntura político-institucional rompeu com esta tradição de contactos entre estas ilhas vizinhas. Esta aproximação que surgira como resultado dessa ambiência de confronto das coroas peninsulares é desta feita vítima desse afrontamento. Se pela parte canária essa quebra vai de encontro a uma conjuntura hostil ou pouco propiciadora desse relacionamento, marcada pela constância das crises cerealíferas e pela abertura das rotas americanas, ao invés na Madeira essa situação causou graves problemas com o abastecimento de cereais, só solucionados com o reforço da rota açoriana, europeia e, mais tarde, com as farinhas americanas 52 . A situação de afastamento acentua-se em finais do século XVII (1663) e princípios do seguinte (1703) quando a política concertada de Portugal e Inglaterra conduziu a definição do exclusivo de comércio do vinho madeirense no mercado colonial britânico 53. Deste modo a ambição e disputa das coroas europeias pelo exclusivo ou domínio do comércio atlântico da mesma forma que contribuíram para o prelúdio da aproximação da Madeira com as Canárias conduziram ao seu fim, olvidando toda uma tradição histórica sedimentada nessas conexões.
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ILUSTRAÇÕES:
MAPA TORRIANI: ilha de Lanzarote e Guanches