USP - ECA - CTR História do Audiovisual Brasileiro III Hyun Woo No 9290411 Prof. Carlos Augusto Calil
FILHO, Daniel. O Circo Eletrônico: Fazendo TV no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001
Daniel Filho, em seu livro O Circo Eletrônico, propõe-se a narrar sua trajetória dentro da indústria da televisão brasileira. O autor aborda desde questões históricas do meio televisivo até os mecanismos de realização dos programas, propriamente ditos, abrangendo tópicos como direção, produção, roteirização, direção de atores, edição e montagem, entre outros. Comecemos esse estudo apresentando o autor do livro em questão, Daniel Filho. Filho de pai músico e mãe atriz, Daniel cresceu no meio artístico e era ator de teatro de revista quando foi convidado a trabalhar em sua primeira emissora de televisão, a TV Rio (ainda como ator). Após essa experiência, ele ainda integrou a TV Tupi, onde exercitou as mais diversas funções, e mais posteriormente ainda, a TV Excelsior, primeira grande corporação da tv brasileira. Porém, foi com o seu trabalho na TV Globo que Daniel Filho se configurou como influente diretor/produtor e também, como um dos maiores nomes na história da televisão. Listam-se, a seguir, algumas obras da qual ele fez parte: Pecado Capital (telenovela; 1975; dir); Dancin’ Days (telenovela; 1978-1979; dir); Malu Mulher (seriado; 1979; prod e dir); O Primo Basílio (minissérie; 1988; prod e dir), Mulher (seriado; 1998; prod e dir); O Auto da Compadecida (minissérie; 1999; sup); A Muralha (minissérie; 2000; sup). O livro O Circo Eletrônico é dividido em 14 capítulos e o autor, em cada um deles, comenta de forma muito pessoal e prática diferentes aspectos do aparato televisivo no Brasil. Em um primeiro momento na leitura, Daniel conta de suas experiências nas emissoras onde trabalhou, referenciando, em vários momentos, como a recém-nascida televisão se relacionava com os outras mídias, como a rádio e o universo da música. Destacam-se, assim, nesse segmento, o grande fluxo de
profissionais da rádio para o ramo da tv e como as programações televisivas se ancoraram em números musicais. É interessante notar que esses números, os espetáculos musicais, ainda nos dias atuais, chamam a atenção do telespectador. Ele ainda comenta sobre a ascensão da TV Globo como força hegemônica entre as emissoras, ressaltando o papel de pessoas como Roberto Marinho e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para tal sucesso e também discute sobre os diversos estilos dos programas televisivos: o humor (herdeiro das esquetes e números musicais do teatro de revista e da rádio); as sitcoms (comédias de situação); os musicais (que acabaram adquirindo vários formatos diferentes: programa de plateia; programa de variedades; show do artista; e outros mais extravagantes - é dito que no programa Um instante, maestro, eram criados músicas); os seriados (em que os mesmos personagens vivem episódios autônomos, sem continuidade); as minisséries (espetáculos que têm, no total, de 6 a 12 horas de duração, já projetados com um começo, meio e fim, e exibidos em capítulos regulares); e as telenovelas (obras abertas, que vão se transformando à medida que os capítulos vão sendo exibidos). Em seguida, Daniel Filho apresenta as diversas funções envolvidas na realização de um programa de televisão: produtor, autor, diretor, diretor de arte, diretor de fotografia, assistente de direção, figurinista, cenografista, ator, produtor de elenco, editor, editor de som. Todos esses universos são detalhadamente descritos pelo autor. Proponho-me, agora, a levantar as principais colocações de Daniel acerca de algumas delas. Sobre a produtor, é dito que ele é a pessoa que levará a história para a tela do telespectador, sendo responsável pela procura de um diretor adequado para contá-la e pela pesquisa sobre o público que irá recebê-la. Ele ainda é o supervisor do andamento do programa junto ao diretor e um indivíduo que possui conhecimento amplo sobre todo o mecanismo de realização do mesmo. Em suma, o responsável pela obra como um todo. É interessante notar, com a leitura, que a posição de Daniel como produtor foi sempre muito respeitada e admirada pelos membros da equipe em todos os programas televisivos onde atuou. Agindo pelas regras e definições do que é ser um produtor audiovisual, Daniel nunca era taxado como “inimigo do set” ou “arranja-marmita/carona”. Fica evidente, nesse ponto, o pecado do cinema brasileiro: a ideia (presente em grande parte dos realizadores de cinema no Brasil, desde diretores, fotógrafos, técnicos, etc - há exceções, claro) de
que o produtor nada mais é do que o “papai” que traz o dinheiro para que se faça o filme. Mas agora, de onde vem essa problemática, é uma questão para outro momento. A respeito da figura do autor, do “roteirista”, destaca-se a autora, Janete Clair, com quem Daniel Filho fez 10 novelas e com quem compartilhava uma parceria muito orgânica e produtiva. Ele revela essa aliança mostrando o script do primeiro capítulo da novela Pecado Capital, seguido de uma análise da mesma. Realmente, fica claro a precisão da escrita de Janete Clair após o estudo proposto pelo autor do livro: todas as cenas revelam algo novo e excitante sobre as personagens, que vão adquirindo progressivamente, mais camadas. Uns dos tópicos mais esclarecedores, para mim, particularmente, foi da “marcação das câmeras”, em que o autor explica o esquema de captação com várias câmeras rodando ao mesmo tempo. Através de plantas baixas e de comentários por cima delas, o leitor consegue identificar as possíveis dificuldades em seguir tal processo e entende melhor a interação entre direção, fotografia e arte em cenas ambientadas em espaços fechados. Já em relação ao trabalho dos atores, é interessante a diferenciação que Daniel Filho faz entre a representação no cinema e a representação na televisão. “O cinema é mais ensaiado e a filmagem é feita com uma câmera só (...) No cinema, o ator sabe exatamente onde está e o tom que vai dar a determinada cena. A dificuldade no cinema, e às vezes em algumas minisséries, é que o ator tem que se concentrar na continuidade do desenho das emoções em cena, não podendo perder sua “primeira emoção” e seu desenrolar. (...) Em televisão, sobretudo em novela, o tempo é mais largo, uma vez que é um gênero exibido quase em tempo real. Portanto, os atores, para alcançarem determinada emoção, representam sem elipse, ou tempo morto.” (pág. 280). No processo de edição e de sonorização, destaca-se o momento de chegada da tecnologia digital, o qual Daniel vivenciou e relatou em seu livro. É dito que todo o processo de pós-produção transformou-se radicalmente, com operações antes consideradas impossíveis sendo efetuadas com grande facilidade, o que acabou resultando, também, em uma democratização do “fazer audiovisual”, ao passo que mais pessoas poderiam obter a tecnologia necessária para editar seus próprios vídeos. Por fim, quero ressaltar dois pontos em especial que acredito merecerem
uma atenção a mais: a ascensão da TV Globo, como emissora, que desde a década de 70, vem ocupando o topo da hierarquia da tv brasileira e o fenômeno das telenovelas, como uma reinvenção dos folhetins. No que tange o domínio da TV Globo, podemos enumerar dois fatores determinantes para explicar tal fato. Enquanto outras emissoras eram de base familiar, a Globo possuía, já, uma consciência de televisão empresarial. Ela buscava hegemonia nacional desde a elaboração de seu projeto. E o método para essa escalada foi o conceito de uma grade de programação apoiada em noticiário e novela. Com o lançamento de Jornal Nacional e Irmãos Coragem, a TV Globo foi conquistando telespectadores de todo o Brasil, tomando a audiência de outras emissoras. “Esse, em suma, era o segredo: segurar a audiência. A Globo começava a oferecer uma programação consistente que pedia fidelidade ao seu espectador e, em troca, o respeitava por isso” (pág. 35). Chegamos, assim, ao outro fator decisivo na dominação da TV Globo: a relação que a emissora mantinha com o telespectador. Liderada por Cassiano Gabus Mendes e Boni, a Globo sempre buscava captar os desejos e anseios de sua audiência (e conseguia!). Dessa forma, adaptava sua programação para atender as urgências de seu público e garantia, consequentemente, sua fidelidade. Já a questão da força das novelas (desde seu surgimento) enquanto fenômeno social, pode ser enxergada, em termos grosseiros, como uma modalidade de fofoca que surgiu na época e que se mantém até os dias atuais. “A novela substitui a maledicência entre os vizinhos, neste mundo em que nos trancamos em casa. É criado um mundo para as pessoas participarem da vida alheia. O público é apresentado aos personagens, sabe de suas vidas e seus problemas e, a cada ação deles, o comentário é como uma fofoca real.” (pág. 67) O Circo Eletrônico relata de forma simples uma história complexa e cheia de tesouros, sua linguagem é de fácil entendimento e seus caminhos são bem objetivos. Acredito que Daniel Filho acertou na elaboração dessa proposta. Além disso, ele alterna seu relato com depoimentos de outras pessoas, que trabalharam com ele na indústria televisiva, em diversos momentos do livro. Entre elas estão: Guto Graça Mello, produtor musical; Tony Ramos, ator; Regina Duarte, atriz; Lia Renha, diretora de arte; José Carlos Pieri, diretor; Gilberto Braga, autor; Eduardo Figueira, produtor executivo; entre outros. Esses relatos acrescentam muito à composição do livro, uma vez que vão compondo perspectivas diferentes sobre o
trabalho de Daniel FIlho. A estrutura dos capítulos de O Circo Eletrônico também funciona muito bem; um mesmo exemplo de programa de tv vai adquirindo mais camadas e profundidade à medida que os capítulos abordam-no de pontos de vistas distintos (um um momento, pelo lado da produção, por outro, da direção, e assim em diante). Em virtude dos aspectos observados, creio que O Circo Eletrônico atinge seu propósito, e se configura como uma base sólida para compreender tanto as origens quanto o atual estado da indústria da tv.