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Índice Custo – Juliano Torres - 4 A Natureza da Competição Econômica – Rafael Guthmann - 7 Matemática na Economia: Bom ou Ruim? – Bernardo Emerick - 11 A Economia das Patentes e Copyrights – Richard Sylvestre - 17 A Servidão Voluntária – Rodrigo Constantino - 24
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traduzir esses "poderiam ter sidos" que nunca foram em termos de
Custo
valores.
Por Juliano Torres Um observador do nosso comportamento, conhecendo a escolha "A negação da teoria do valor subjetivo foi e ainda é o maior
com a qual nos deparamos, poderia efetuar uma estimativa objetiva
causador da miséria, dos erros de interpretação de autores de
dos minutos do nosso tempo de expediente que a leitura deste
todo o espectro do conhecimento e dos infortúnios em geral da
artigo exigiria. Após havermos feito nossa decisão, esse
sociedade humana." Juliano Torres
observador poderia olhar no relógio e verificar as suas estimativas objetivamente. Se ele conhecesse o valor de remuneração das
Estamos diante de uma escolha. Devemos decidir agora se leremos
outras opções, teria condições de atribuir algum valor a esse tempo
ou não este artigo, se leremos uma outra coisa, se pensaremos em
de expediente, um valor objetivo útil para inúmeras finalidades de
silêncio, ou talvez se escreveremos algo para nós mesmos. O valor
comparação. Evidentemente, o observador não seria capaz de
que atribuímos à mais atraente dessas várias opções é o custo que
estimar com precisão o valor que poderíamos atribuir a nossas
deveremos pagar se optarmos pela leitura deste artigo agora. Este
próprias oportunidades perdidas antes da escolha ou depois dela.
valor é e deve permanecer inteiramente especulativo; ele representa o que pensamos agora em relação ao que a outra
Na argumentação ordinária, denominamos ambas as avaliações, as
oportunidade poderia oferecer. Após termos nos decidido pela
nossas próprias e as do observador, de "custos". O observador
leitura deste artigo, qualquer chance de compreender a opção e, por
externo do nosso comportamento poderia afirmar que a leitura do
conseguinte, medir o seu valor terá se desvanecido para sempre.
presente artigo nos custou ou terá custado X minutos, que ele
Apenas durante o momento ou o instante da escolha é que o custo
estima valer Y reais. Via de regra, diríamos que a mesma
pode ser capaz de modificar o comportamento.
quantidade "nos custará X minutos se dormimos" ou "terá custado X minutos se tivéssemos estado dormindo". O que se deve
Se tivéssemos decidido há alguns instantes que a nossa avaliação
observar é que esses vários usos da palavra "custo" são
da outra opção excedia àquela que seria esperada da leitura deste
categoricamente diferentes. O hábito lingüístico dita uma mesma
artigo, teríamos então perdido essa prosa trivial. Contudo, se a
palavra para várias coisas diferentes. Não é nenhuma surpresa a
tivéssemos rejeitado desde o princípio, jamais poderíamos saber o
enorme confusão, especialmente entre os economistas, que se faz
que teríamos perdido. Os benefícios de que ora nos asseguramos
em relação à palavra custo.
através da leitura do presente artigo não são comparáveis com os custos que teríamos de arcar em decorrência da escolha da opção
"A atividade econômica é feita de escolhas. No entanto, é muito
mais atraente. Esses benefícios, se cabíveis, existem e podem ser
tarde para se escolher o presente." Ludwig Lachmann
avaliados após o fato. Os custos que podem ter influência sobre o comportamento não existem; nunca são concebidos; não podem ser
Um século já se passou desde a revolução provocada pelo conceito
mensurados após o fato.
do valor subjetivo na teoria econômica, porém a teoria subjetiva de valor ainda não está totalmente reconciliada com a derivação
Não obstante, ao concluirmos a leitura deste artigo, algo terá
clássica da teoria objetiva.
acontecido, algo capaz de ser avaliado. Podemos pensar sobre o que faríamos com esses minutos e, caso desejável, poderíamos
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Desde suas origens clássicas, a economia reivindica o título de
Segundo a concepção austríaca, o custo torna-se o aspecto negativo
ciência prognóstica. Isso significa a introdução de hipóteses
de qualquer decisão, o obstácu-lo que deve ser superado antes que
refutáveis teoricamente e que a contestação dessas hipóteses pode
uma alternativa possa ser escolhida. O custo é aquilo que o
exigir um reconhecimento final por profissionais e cientistas
indivíduo que toma a decisão sacrifica ou abandona ao fazer uma
competentes. A despeito dessa limitação, a ciência deve possuir
escolha. O custo é constituído da própria avaliação que o indivíduo
teor objetivo e empírico. Algo mensurável - ao menos teoricamente
faz do prazer ou da utilidade cuja exclusão prevê como necessária
- que permita a comprovação ou a contestação das principais
em decorrência da sua seleção de cursos alternativos de açao.
hipóteses.
ação.
O Custo na Teoria Prognóstica
As implicações específicas a seguir surgem do conceito de custo vinculado à escolha:
Rigorosamente dentro da ciência prognóstica da economia, a [1] A mais importante delas, o custo deve ser experimentado
definição de custo pode ser considerada adequada na maioria dos
exclusivamente pelo indivíduo que toma a decisão; não é possível
textos modernos, quase não havendo necessidade de modificação
transferir o custo ou impô-lo a outras pessoas.
em suas conceituações comuns. É o custo dos conhecidos diagramas dos textos, a magnitude objetivamente identificável que
[2] O custo é subjetivo; existe apenas na mente, em nenhum outro
é minimizada. É o valor de mercado do produto alternativo que
lugar, do indivíduo que toma a decisão.
pode ser produzido através de uma redistribuição racional dos recursos de insumos para usos diferentes daqueles observados.
[3] O custo baseia-se em expectativas; é necessário um conceito
Esse valor se reflete nos preços de mercado para as unidades de
de antevisão.
recursos; assim sendo, o custo é medido diretamente através dos
[4] Jamais se poderá ter uma idéia real do custo em conseqüência
gastos monetários previstos.
do próprio ato da escolha: não se desfruta algo a que se renuncia.
O custo, de acordo com a definição acima, a rigor, defronta-se
[5] O custo não pode ser mensurado por um outro indivíduo além
apenas com um autômato, o homem puramente econômico, que
do indivíduo que toma a decisão porque não se pode observar
habita o modelo do cientista. Esse é o elemento inibidor de
diretamente a experiência subjetiva.
comportamento introduzido no modelo de mercado puramente mecânico. A conversão de dados objetivos que reflitam os gastos
[6] Finalmente, o custo pode tornar-se obsoleto no próprio
monetários previstos nas avaliações subjetivas feitas no mundo real
momento da decisão ou escolha.
pelos indivíduos que decidem não são motivo de preocupação para Em uma teoria de escolha, o custo deve ser considerado como uma o adepto da teoria prognóstica. Num sentido mais rigoroso, essa dimensão de utilidade. Contudo, na teoria prognóstica ortodoxa, o teoria não é, de forma alguma, uma teoria de escolha. Os custo é considerado como uma dimensão de mercadoria. Essa indivíduos não escolhem; comportam-se de modo previsível em distinção pode ser aplicada a cada um dos seis atributos resposta às mudanças mensuráveis objetivamente em seu meio enumerados acima. Na teoria da escolha, o custo representa a perda ambiente. da utilidade prevista, resultante do sacrifício de uma alternativa rejeitada. Visto as funções de utilidades serem necessariamente de
O Custo em uma Teoria de Escolha
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ordem pessoal, o custo está diretamente vinculado ao indivíduo que faz a escolha e não pode existir independentemente desse indivíduo. Na teoria prognóstica de comportamento econômico, o custo de produção de um "bem" é representado pela quantidade de outro bem que poderia ser produzido em seu lugar. Desse modo, o custo existe independentemente do processo de escolha, não havendo um vínculo direto entre a escolha e a experiência do custo.
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A Natureza da Competição Econômica
outro e tudo que seja demandado por algum agente seja ofertado por outro agente, nessa situação os planos dos agentes são
Por Rafael Guthmann
plenamente compatíveis, o que significa que temos um equilíbrio geral.
O maior problema teórico da economia moderna é a ausência de teorias que explicam como que ocorre a determinação dos preços
A natureza da competição segundo a teoria ortodoxa
no mercado. Essa ausência levou a economia moderna para certos rumos que já trouxeram conseqüências terríveis para a mentalidade
Mas porque os preços seriam dados? A interpretação padrão dessa
da profissão e para a política econômica derivada de suas teorias.
hipótese parte da idéia de que a parcela da quantidade ofertada ou
Eu diria que o não entendimento da natureza e da importância da
demandada por um agente determina a capacidade do agente de
competição é a maior causa da existência das ideologias
alterar o preço do produto que ele vende ou compra no mercado.
intervencionistas, e é certamente a principal causa da existência da
Na chamada concorrência perfeita temos infinitos agentes que
legislação antitruste.
ofertam e demandam certa mercadoria. Se um agente ofertar (demandar) o bem num preço diferente do preço de mercado,
O entendimento do que significa competição para a pessoa média é
ninguém vai comprar (vender) um bem para ele. Isso ocorre
uma idéia de rivalidade, de empresas rivais que oferecem bens no
porque como a parcela ofertada (demandada) no mercado é
mercado e diferenciam esses bens, competem com outras empresas
infinitesimal, o preço de equilíbrio não será afetado pela mudança
tanto nos preços quanto na variedade de bens ofertados. Essa
na quantidade ofertada, nota-se que o modelo neoclássico assume
concepção de competição é completamente diferente da concepção
que o preço de equilíbrio seja sempre o preço corrente, e dessa
neoclássica de competição, baseada na idéia de concorrência
maneira o agente não consegue afetar os preços do mercado. Os
perfeita.
preços não se formam na concorrência perfeita, se assume que eles já existam de antemão (ou seja, o sistema de preços é um Deus ex
Na economia ortodoxa moderna os agentes tomam os preços como machina na teoria neoclássica). dados e ajustam seus planos de ação em relação a esses preços, maximizando a sua utilidade. Não existe teoria que explique o
Nessa teoria, se um agente possuí uma parcela significativa da
processo de formação dos preços, ou seja, como que os agentes
oferta/demanda de um bem no mercado, esse agente tem “poder de
começam a ofertar e demandar por certos preços e como que o
mercado”, e isso tem conseqüências ruins pela teoria. Se um agente
processo de ajuste dos preços ofertados e demandados ocorre ao
tem poder de mercado, ele vai reduzir a quantidade
longo do tempo e leva ao equilíbrio. Os sistema de preços é
ofertada/demandada da quantidade que ele gostaria de ofertar ou
considerado um dado do mercado, os agentes se ajustam em
demandar se os preços fossem dados, porque assim ele afeta os
relação a essa constelação de razões de troca, que vem literalmente
preços a seu favor, ou seja, ele compra/vende por preços
do nada, e o problema econômico é achar quais são as constelações
menores/maiores. O problema é que assim não temos uma situação
de razões de troca que coordenam os planos dos agentes, ou seja,
ótima. Não temos uma situação ótima porque uma situação ótima
que tudo o que é ofertado por algum agente seja demandando por
ocorre quando temos uma situação onde todos os agentes
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maximizam sua utilidade a partir de preços dados, assim os agentes
para B1, temos uma troca mutuamente benéfica que deixa de ser
ofertam e demandam tudo o que eles querem a partir desse preço
realizada.
paramétrico, e num equilíbrio onde tudo o que é ofertado é Isso não ocorre se A discriminar preços, nesse caso A vai vender
demandando e vice versa, temos plena coordenação dos planos dos
1x para B1 por 2 reais e 1x para B2 por 5 reais, faturando 7 reais.
agentes, com maximização da utilidade de todos os agentes com
No caso de discriminação de preços por um monopólio, ou seja,
base em sua capacidade de realizar trocas mutuamente benéficas.
onde um agente determina os preços de um bem e faz um preço Vou dar um exemplo, digamos que temos 3 agentes, A, B1 e B2. O
diferente para cada agente para capturar ao máximo o excedente de
agente A possuí de bens, 2x, mas ele não valora em nada esses 2x,
cada agente, temos uma alocação eficiente, da mesma maneira que
ele está disposto a vende-los por qualquer preço. B1 está disposto a
no caso de um sistema de preços que vem do nada e os agentes
comprar um x por até 2 reais e B2 está disposto a comprar um x
tomam como dado esses preços (concorrência perfeita). E porque
por até 5 reais, mas comprar um segundo x não é valorado por
um agente com poder de mercado iria vender a um preço uniforme
nenhum dos dois (utilidade marginal zero nesse caso). Se os preços
ao invés de discriminar preços? Bem, se ele é racional ele sempre
são paramétricos, ou seja, de concorrência perfeita, os agentes vão
vai discriminar preços, já que os trocas sempre vão render mais.
ofertar e demandar com base nesses preços dados. Qualquer preço
Mas como isso não é verificado empiricamente (um neoclássico
entre 0 e 2 é um preço de equilíbrio, A vai ofertar 2x, B1 vai
poderia chegar a conclusão que no mundo real os agentes não são
demandar 1x e B2 também vai demandar 1x. Nesse equilíbrio em
racionais como nos modelos), e por isso se diz que o monopólio é
relação a um sistema de preços todas as transações mutuamente
ruim. Também porque o monopólio que discrimina preços, embora
benéficas possíveis ocorrem e temos uma alocação ótima.
seja eficiente, concentra renda nele, extraindo os excedentes dos outros agentes, excedentes que poderiam existir se um sistema de
Mas digamos que A seja um monopolista que maximiza sua
preços paramétricos viesse do nada.
utilidade reduzindo a oferta de x para elevar o preço. Agora assumimos que A determina o preço, que A não discrimina preços
Além disso, nesse modelo tosco que eu usei de exemplo, eu assumi
e que B1 e B2 são tomadores de preços. Se A não tivesse poder de
que B1 e B2 sempre são tomadores de preço, eu assumi isso
mercado, A venderia 2x por no máximo 2 reais, faturando 4 reais,
porque a situação se torna indefinida quando mais de um agente
mas já que A tem poder de mercado, então ele vai deixar de ofertar
tem poder de mercado. Por exemplo, se temos 2 agentes, A e B, A
1x para ofertar o outro x por 5 reais para B2, o preço de equilíbrio
tem x e está disposto a vender x por no mínimo 5 reais e B está
nesse monopólio se torna 5. Ele acaba tendo maior rendimento do
disposto a comprar x por até 10 reais. Qual será o preço de
que se fosse um tomador de preços (5>4), mesmo no maior preço
equilíbrio? Temos infinitos preços de equilíbrio entre 5 e 10, ou
de equilíbrio possível, o que significa que se o agente tem poder de
seja, com base nas preferências e na alocação inicial não é possível
mercado (e, numa convenção matemática, assumirmos que os bens
determinar qual será o preço de equilíbrio que será atingido e com
são perfeitamente divisíveis e a função de utilidade é contínua) ele
isso a distribuição dos ganhos com as trocas também se tornam
sempre vai reduzir a eficiência da economia. Nesse caso, como 1x
indeterminadas se os preços forem determinados pelos indivíduos
é mais valorado por B1 do que por A, e como ele não é vendido
ou invés de serem determinados por um Deus ex machina.
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depois que A vendeu o primeiro por 5 reais para B2. Nessa situação teríamos uma alocação eficiente. Desde a década de 1930 esse tipo de problema é percebido na teoria neoclássica, Hayek por exemplo, descobriu esse grande
Segundo os pensadores da EA, os preços são determinados pela
buraco da teoria econômica construída somente dentro da “caixa
dinâmica da formação do conhecimento na mente dos agentes. Um
walrasiana” (que ele chamava de pura lógica da escolha) em 1936,
equilíbrio geral é definido como uma situação onde o
e a partir de então se dedicou a trabalhar fora da caixa, ou seja,
conhecimento dos agentes já está plenamente formado, ou seja,
com problemas econômicos que não são de maximização sob
cada agente tem conhecimento perfeito do que é relevante para seu
restrição mas sim do processo de formação dos meios e fins dados
formular seu plano de ação. E com base nesse conhecimento já
que são usados nesses problemas, ou seja, ele trabalhou no
consolidado em suas mentes eles traçam planos de ação que não
chamado problema do conhecimento, para Hayek a solução desse
serão modificados com a passagem do tempo, simplesmente
problema explica o processo de formação de preços. Um processo
porque esses planos são ótimos, já que erros não serão descobertos
que não tem nenhuma relação com maximização sob restrição, que
durante seu processo de execução.
é o método usado para explicar monopólios. Por exemplo, se temos A e B, no exemplo anterior onde pela teoria
A competição segundo a escola austríaca moderna
neoclássica o preço de equilíbrio pode ser qualquer coisa entre 5 e 10, o preço será determinado pela distribuição das capacidades de
Na escola austríaca moderna a noção de competição não tem
percepção de A ou de B ou até mesmo de um terceiro agente, um
nenhuma relação com a elasticidade das curvas de demanda/oferta
empreendedor analiticamente puro. Se A descobre as preferências
com que os agentes se deparam no mercado, mas sim é pelo
de B, ou seja, descobre que B está disposto a comprar x de A por
processo de descoberta que parte da capacidade de percepção das
até 10 reais, então A vai ofertar x por 10 reais para B (caso de A
mentes dos agentes com a passagem do tempo. Na verdade o
descobre tudo e B não descobre nada). Como B não tinha
conceito de elasticidade de curva demanda/oferta não faz nenhum
conhecimento dessa possibilidade de troca, ele vai aceitar trocar, já
sentido, já que parte da idéia de que uns agentes determinam o
que ele prefere x em relação a 10 reais. Se B descobrir que A está
preço enquanto que os outros são tomadores de preços, esse
disposto a vender x por no mínimo 5 reais, antes que A descubra
conceito não faz sentido por duas razões: Para que a firma possa
que B valora x mais do que ele mesmo, então a troca vai ocorrer
determinar a elasticidade da demanda ela tem que conhecer as
por 5 reais (caso inverso). E se um empreendedor descobrir que A
preferências dos indivíduos, algo absurdo. E também não explica
e B não trocaram x e descobre que existe a possibilidade de troca
porque um agente é tomador de preços e porque os outros apenas
mutuamente benéfica através da descoberta das preferências de A e
se ajustam em relação a esse preço, não tendo nenhuma iniciativa.
B, então o empreendedor vai comprar x de A por 5 e vender x para
No exemplo do monopólio que usei antes é perfeitamente razoável
B por 10. Lucrando 5 reais com a troca (caso de terceiro que
imaginarmos que no caso da venda de apenas 1x por 5 reais, o
descobre tudo, enquanto que A e B não descobrem nada).
agente B1 iria demandar 1x de A por um preço entre 0 e 2 reais,
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Como na realidade todos os agentes possuem certa capacidade de
percebem a possibilidade de ganho mútuo antes que outros, esses
descoberta e nenhum possuí uma capacidade ilimitada como nesse
agentes vão conseguir se apropriar dos ganhos das trocas que os
modelo, o processo de formação de preços se torna extremamente
outros agentes poderiam se apropriar caso os primeiros não tivesse
complexo. Mas ele é determinado unicamente pela capacidade dos
descoberto essa possibilidade anteriormente.
agentes de agir como empreendedores, ou seja, pela sua Assim podemos notar que os agentes são tomadores de preços no
capacidade em perceber discrepâncias entre o que é feito e o que
equilíbrio porque nessa situação o processo de formação dos
pode ser feito. É muito importante se compreender que a posse de
preços já se encerrou e não porque cada agente tem uma parcela
bens por um agente não tem nenhuma relação com a capacidade
infinitesimal da oferta/demanda por algum bem. Ou seja,
desse agente em ajudar a formar o sistema de preços, como é
competição não tem nada a ver com a parcela da oferta/demanda
demonstrado no exemplo acima, onde o empreendedor puro
que um agente possuí mas sim com a liberdade dos agentes em
determina os preços de x, mesmo que ele não tenha posse de x.
agir. Nessa teoria, monopólio ocorre quando apenas um ou poucos No exemplo do monopolista podemos notar que se A tivesse
agentes tem liberdade de descobrir e realizar trocas de um certo
capacidade de percepção completa, e B1 e B2 não tivessem
setor do sistema econômico. E se esses monopolistas fossem
nenhuma capacidade de percepção, os preços seriam 2 e 5, ou seja,
oniscientes não teríamos ineficiência nenhuma com o monopólio,
teríamos o equilíbrio com discriminação de preços. Já se os Bs
mas como não são, então o setor monopolizado acaba não
perceberem antes, os preço de x vai tender a zero, já que A não
aproveitando a totalidade da capacidade de descoberta dos agentes,
valora x em nada. Podemos imaginar uma situação onde um agente
e acaba sendo menos eficiente do que poderia ser. É importante
tivesse uma capacidade ilimitada de percepção e onde todos as
notar que como o equilíbrio nunca é alcançado na teoria austríaca,
outras pessoas não tivessem nenhuma capacidade de percepção,
nunca temos eficiência perfeita.
nessa situação esse único agente iria realizar todas as trocas do mercado e iria se apropriar de todos os lucros possíveis no sistema econômico, extraindo todos os ganhos com as trocas realizadas. Nota-se que mesmo nesse caso teríamos eficiência perfeita, embora a distribuição da riqueza se tornaria um tanto concentrada.
A possibilidade de aquisição do lucro empresarial puro é o meio por qual o mercado unifica as capacidades de descoberta dos vários indivíduos, e dessa maneira supera o problema do conhecimento no maior grau possível num mundo complexo habitado por seres imperfeitos, que é o grau determinado pelo “somatório” ou combinação de todas as capacidades de descoberta de informação subjetiva de todos os indivíduos (ou seja, da informação dispersa). A competição se torna compreensível agora, já que se uns agentes
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irrelevante -, em que se explicava desde o movimento de pêndulos
Matemática na economia: bom ou ruim?
simples às leis de Kepler; da engenharia básica à estabilidade do sistema solar. Laplace chegou a afirmar que bastava que lhe
Por Bernardo Emerick
dessem as condições iniciais do universo para que ele desvendasse Como o termo “matemática” é muito amplo, é melhor
tudo que ocorreria no universo. O poeta Alexander Pope,
restringirmos o seu significado para essa discussão.
parodiando a Bíblia, disse algo assim: “E Deus disse: haja Newton.
Evidentemente, ninguém acha que matemática básica é algo inútil
E houve luz”.
para a economia. Se A tem dois reais e B tem três, ninguém Havia, pois, uma confiança natural nos poderes da mecânica
condenará a conclusão de que A e B juntos têm cinco reais.
newtoniana. É claro que, inspirado nisso, os homens do saber O que se questiona é o uso do “cálculo” – ou, mais precisamente,
começaram a tentar estender as idéias matemáticas de Newton a
das ferramentas que a física clássica utilizava – para a economia.
todos os outros campos do conhecimento humano. Mesmo quando
Ou seja, aqueles que atacamos o uso da matemática na economia
não aplicavam diretamente a matemática, era a filosofia geral de
estamos contra a aplicação do cálculo diferencial e infinitesimal,
Newton que dominava. David Hume, por exemplo, diz
das equações diferenciais e de métodos geométricos na praxeologia
explicitamente no prefácio do Tratado da Natureza Humana que a sua filosofia é uma tentativa de aplicar os grandes princípios de
A minha defesa dessa tese – de que essa parte da matemática é
Newton ao homem.
inútil à economia quando não positivamente prejudicial – será feita em diversos níveis de abstração.
A essa suposição de que todo o conhecimento humano deva ser baseado nos métodos da mecânica clássica chamaremos de
Economia e física
cientificismo. É inegável que a aplicação dos métodos matemáticos usados pelos A pergunta natural que devemos responder é: o cientificismo está físicos na economia tem como inspiração o próprio triunfo da certo? física como modelo de ciência. A aplicação de poucas leis gerais traduzíveis em equações muito simples e que davam imensa
Para responder essa questão, é necessário investigar, ainda que
capacidade preditiva mostravam ao mundo as vantagens de uma
brevemente, o tipo de objeto de conhecimento da economia e
ciência ancorada no cálculo diferencial e infinitesimal.
compará-lo com o da física. Basicamente, a física se preocupa com a matéria e seu movimento. Donde se conclui que a fonte primária
Não se deve esquecer que o título da maior obra de física de todos de informações do físico necessariamente é o mundo exterior. A os tempos era Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. A matéria, enquanto tal, não pensa, não tem motivos. Então só física antiga, aristotélica, não era ancorada em equações. As idéias observamos o seu comportamento a partir da observação, só após o eram colocadas em linguagem natural. A partir de Galileu, seu movimento ter ocorrido. sobretudo com Newton, os avanços da física foram sem precedentes.
Na praxeologia, a questão é fundamentalmente distinta. O que importa não é o movimento do corpo do agente, o seu gasto de
A física agora tinha uma visão unificada da natureza – até porque energia nos processos metabólicos e na sua locomoção. O que eletromagnetismo na época era um fenômeno mais ou menos
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importa para a ciência da ação humana é a estrutura formal por trás
padrão. Dependem da vontade de cada indivíduo. Ao contrário dos
da própria noção do que é ação.
experimentos laboratoriais da física, indivíduos diferentes agem de forma diferente em experimentos em condições semelhantes. Um
Ação é comportamento teleológico, é a busca de um fim mesmo indivíduo pode agir de forma distinta em experimentos empregando meios que o agente acredita que levarão ao objetivo semelhantes. Como dizia Ludwig von Mises, “não existem desejado. A fonte do conhecimento do que é uma ação, portanto, constantes na ação humana”. não está na observação do mundo exterior, mas no próprio sujeito A regularidade nos fenômenos da ação humana é formal, não
de conhecimento.
material – como na física. Trata-se meramente de regularidades De um lado, causalidade determinística e observação exterior; do qualitativas, não quantitativas. Os dados relevantes da praxeologia outro, ação motivada e observação interior. são juízos de valor. E a juízos de valor não é possível dar uma Há ainda uma outra diferença. O mundo natural exterior é marcado
medida quantitativa objetiva. Logo, o uso de equações não é útil na
por uma observável regularidade. Isso significa que a descrição dos
descrição dos fenômenos da ação humana, exatamente por essa não
fenômenos é invariável. Um resultado observado no laboratório X
ser a linguagem apropriada ao objeto de estudo.
será o mesmo observado no laboratório Y. E esses resultados
Ciência podem ser descritos imediatamente como dados matemáticos. Pois, sendo a preocupação da física o movimento – em sentido restrito –
Toda ciência possui dois aspectos. Uma ciência, para ser ciência,
da matéria, os seus dados podem ser analisados via a atribuição de
tem que possuir uma qualidade explicativa, na qual se tenta
um sistema de referência que possibilite imediatamente uma
demonstrar o nexo causal dos fenômenos. Por outro lado, a ciência
métrica, i.e., uma noção de distância. Para diferenças de posições,
deve ter um aspecto preditivo. Essa é a idéia básica do que seja
podemos atribuir números.
uma ciência.
Portanto, a atribuição quantitativa aos fenômenos físicos surge
A sociedade americana de econometria adotava como lema a frase
naturalmente. E a regularidade quantitativa dos fenômenos é o que
que dizia que “ciência é fazer previsões”. Nessa visão, portanto, o
permite a elaboração de equações para a descrição do mundo
caráter explicativo da ciência é reduzido ao seu aspecto
natural – mesmo na mecânica quântica, na qual importam mais
quantitativo. O que implica, por sua vez, uma visão muito restrita
distribuições de probabilidade.
da ciência. Aqui, ciência não seria o conhecimento do seu objeto de estudo, mas o conhecimento que se revela por relações
Essa atribuição quantitativa não é formal, mas material. Por
quantitativas.
exemplo, se eu sei qual é o coeficiente de atrito cinético de um determinado plano e faço deslizar sobre ele um objeto com
Pelo que foi dito acima, esse ponto de vista implica a inexistência
determinadas aceleração e velocidade iniciais, a equação que
de uma ciência da ação humana, pois esta não pode ser encarada
descreve o movimento desse objeto me dirá explicitamente o ponto
do mesmo modo que a física. O caráter explicativo da praxeologia
em que o objeto ficará parado – se é que isso irá ocorrer.
não é quantitativo, mas qualitativo; é teleológico.
Não há a mesma espécie de regularidades nas ações humanas. As
Então, se a econometria é uma pseudociência que só teria uma
pessoas possuem preferências e estas são modificadas sem nenhum
aspecto (falho) preditivo, poder-se-ia objetar que a praxeologia
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peca pelo oposto: ao possuir apenas um lado explicativo, não teria
economia matemática como defesa da sua existência como
à sua disposição a predição. Donde a praxeologia não seria
ciência?
também uma ciência no sentido que usualmente é atribuído a este Antes de tudo, é necessário observar que nem mesmo os termo. economistas levam a sério na prática a economia matemática, O erro de tal objeção é confundir predição com predição
mesmo quando são economistas matemáticos. O sistema de
quantitativa. Predição pode ser tanto quantitativa quando
equações fundamental do equilíbrio do consumidor diz que o
qualitativa. A redução que se faz do caráter preditivo de uma
indivíduo maximiza sua utilidade quando a razão entre a utilidade
ciência a aspectos quantitativos – donde a ferramenta
marginal à quantidade consumida de um bem e o seu preço é igual
imprescindível de toda ciência ser a matemática, que é a ciência
a essa mesma razão para todos os outros bens. Ou seja, se houver n
que trata das quantidades por excelência, embora não se reduza a
bens, então haverá um sistema de n(n-1)/2 equações diferenciais
isto – advém precisamente do cientificismo, que, como foi
parciais. Ninguém nunca viu um economista tentando resolver
argumentado acima, é uma filosofia falsa.
essas equações.
Portanto, a praxeologia é uma ciência cujo aspecto qualitativo
O que significa que os economistas, ao usar a matemática e lhe
reside na estrutura formal da ação humana – não matematizável – e
tentarem dar um aparato preditivo quantitativo, abandonam a
cujo lado preditivo é qualitativo, não quantitativo.
fundamentação explicativa da teoria via teoria do comportamento para focar em grandes agregados, aos quais ele não consegue dar
O uso da matemática na economia
uma explicação razoável. Isto é, parte-se para a estatística e para as milhões de regressões.
Como foi observado na seção 1, a física tornou-se modelo de ciência pelo seu aspecto preditivo. E o seu aspecto preditivo foi
Pois bem, a estatística funciona muito bem para o passado, mas o
tomado com seu poder explicativo, na medida em que os
fato é que durante um século os economistas tentaram na prática
resultados eram generalizados para uma quantidade enorme de
aplicar as suas conclusões econométricas para controlar a
casos. Assim, os próprios princípios da física tornaram-se
economia e falharam.
equações. Em suma, a economia matemática não se justifica do mesmo modo Se na praxeologia começamos dizendo que os homens agem, na
que a física matemática, na medida em que não possui poder
física começamos dizendo que tais e tais objetos satisfazem
preditivo.
determinada equação. É mais do que evidente a diferença
A matemática, o espaço e a economia
qualitativa das ciências, que reflete a diferença dos objetos das respectivas disciplinas e da forma como conhecemos esses objetos.
Conforme já foi dito, o cálculo é muito apropriado à física, pois é Porém, uma vez que tentemos matematizar a praxeologia e reduzi-
possível estabelecer muito naturalmente duas das unidades
la a uma espécie de mecânica da ação humana, que resultados
fundamentais desta ciência: tempo e espaço. Nós sentimos o tempo
efetivos poderíamos mencionar em defesa desse procedimento? Se
passar continuamente, de modo que estabelecemos com
a física como matemática aplicada é imediatamente justificada por
fundamentação que o tempo corre continuamente. Por outro lado,
seus resultados preditivos, podemos invocar os resultados da
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os matemáticos fazem a suposição de que o conjunto dos reais
dividir utilidades. Não se pode sequer atribuir uma estrutura de
pode ser representado como uma reta.
espaço vetorial – ou, ainda mais geralmente, de módulo – ao conjunto das utilidades, muito menos tentar criar cálculo
Assim, o físico tem bons motivos para considerar o movimento diferencial. como função em espaços vetoriais reais, que é o ambiente mais apropriado para a formulação do cálculo diferencial e infinitesimal.
Matemática como ilustração
O físico, então, interpreta o movimento dos objetos como sendo
Complementando o argumento acima, não se pode criar uma
variações das posições de pontos num espaço. Ou seja, ele iguala o
álgebra com as operações usuais para utilidade. Qualquer um que
espaço real com o espaço matemático. Portanto, uma vez fixada a
se aventure a pegar um livro-texto de microeconomia, encontrará
unidade de medida do espaço, as descrições matemáticas
no começo, provavelmente no primeiro capítulo, alguma seção
correspondem – caso estejam corretas – aos fenômenos reais
explicando que utilidade é ordinal, não cardinal; que não faz
observados. Isso acontece porque, como já foi colocado antes, os
sentido fazer comparações interpessoais de utilidade. No entanto,
próprios princípios da física são equações básicas nesse próprio
provavelmente na seção seguinte, ele encontrará alguma curva de
espaço em que ele trabalha.
indiferença, que supõe que as pessoas não ordenam os bens numa escala de preferência.
Na economia, as coisas não são assim. Por exemplo, se estamos tratando da teoria de produção, as unidades não são divisíveis. As
Sem discutir esse procedimento ilegítimo que é o uso de curvas de
quantidades devem ser sempre números naturais, de modo que não
indiferença, o autor do livro-texto basicamente atribuirá níveis de
se tem um ambiente favorável ao cálculo diferencial e
utilidade, aos quais fará corresponder algum número. Ou seja,
infinitesimal. As funções de produção não contínuas na topologia
primeiro ele diz que não é possível atribuir uma medida à utilidade,
usual do espaço euclidiano n-dimensional, não sendo, pois,
mas logo em seguida finge esquecer o que disse e atribui medida,
diferenciáveis, e tampouco são integráveis (à Lebesgue), uma vez
mesmo sem lhe dar um significado realista. A justificativa é que é
que o conjunto dos pontos de descontinuidade não tem medida
mera ilustração.
nula. Antes de tudo, é preciso notar que ilustrar uma teoria não pode ser O caso da produção numa economia monetária seria o mais
feita através de algo falso. Ilustrar uma teoria é dar-lhe um
favorável possível à formulação matemática, mas, como acabamos
exemplo em que ela realmente seja aplicável, embora num
de mostrar, os métodos do cálculo diferencial e infinitesimal são
contexto bastante simplificado. Por exemplo, quando um físico
simplesmente inaplicáveis. A única forma de usá-los seria não com
quer explicar o princípio da relatividade, ele cita o caso de uma
uma simplificação da realidade, mas por uma deliberada
pessoa no leito de uma ferrovia e outra dentro de um trem. Agora,
falsificação dela. Nenhuma ciência pode ser considerada como tal
não faria sentido dizer que o movimento de carro é uma ilustração
se busca a mentira por vontade própria.
da dualidade matéria/onda da luz.
O caso é ainda mais dramático no caso da teoria do consumidor –
Quando o economista utiliza o cálculo, ele não está fazendo uma
ou, se fôssemos generalizar, para a teoria da ação humana em geral
ilustração, mas está jogando fora as proposições verdadeiras
–, já que é simplesmente estabelecer as relações algébricas usuais para utilidade. Não faz sentido adicionar, subtrair, multiplicar ou
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anteriores para adotar algo que ele sabe ser falso. Ele está
Por último, comentarei um pouquinho sobre teoria dos jogos, que,
substituindo uma teoria por outra, uma teoria melhor por uma pior.
aparentemente, estaria livre de alguns excessos da economia matemática. A teoria dos jogos não é exatamente uma teoria que
E qual não será a surpresa do leitor atento ao perceber que, de usa os métodos matemáticos aplicados à física. Então poderia ser repente, toda a teoria que é desenvolvida nos capítulos ulteriores um ramo da economia válido que exigiria um maior conhecimento será justamente a aplicação daquela “ilustração”! Por fim, não será de matemática. raro encontrar até comparações interpessoais de utilidade. A chamada economia do bem-estar, por exemplo, tem como seu
O resultado mais importante da teoria dos jogos é o Teorema de
fundamento essa suposição, embora ela seja sempre tomada
Nash, que diz que em todo jogo não-cooperativo com um número
implicitamente.
finito de jogadores com estratégias mistas há pelo menos um equilíbrio de Nash.
A linguagem matemática como forma de evitar erros Do ponto de vista matemático, eu não tenho nada a objetar. A Uma defesa dos métodos matemáticos na economia é que a
demonstração feita por Nash na sua tese de doutorado me parece
linguagem matemática, por ser mais formal, acabaria facilitando a
válida. Não encontrei nenhum erro e, tendo ela sido aprovada,
identificação de erros no raciocínio, de modo que seria uma forma
devemos considerar aqui que realmente ela esteja correta do
de evitar erros lógicos. Esse argumento não deixa de ser irônico.
princípio ao fim.
Para evitar um erro acidental, justifica-se um erro essencial! Então qual seria a minha “implicância” com o equilíbrio de Nash? No entanto, sendo este argumento de ordem pragmática, não
Na verdade, nenhuma. A minha implicância é com o uso que se faz
precisamos mostrar o seu descabimento filosófico. Na prática, a
desse resultado em teoria econômica. O problema do teorema de
economia matemática tem sido fonte de acertos ou de erros? Bem,
Nash é que ele não é aplicável à realidade.
a maior parte das políticas econômicas adotadas no século XX A demonstração do Teorema feita por Nash utiliza noções de
tiveram como base de sustentação teorias econômicas fortemente
topologia. O que nos interessa aqui é uma observação. Suponha
calcadas em equações. Como essas políticas, em geral, foram
que haja n estratégias puras disponíveis a um jogador. Então o
desastrosas, podemos dar duas explicações diferentes – apesar de
espaço de todas as estratégias para esse jogador é o conjunto S =
não serem mutuamente exclusivas: i) houve erros matemáticos ou
{(p_1,p_2,...,p_n): p_1+p_2+...+p_n = 1 e p_i >=0, para todo i e
ii) houve erros nos fundamentos da teoria.
p_i sendo número real}. Atribuindo a cada eixo de um espaço real Já sabemos que as teorias econômicas matemáticas são falsas por
euclidiano n-dimensional uma estratégia pura, então isso será um
falsificarem deliberadamente a realidade. O melhor, então, que a
politopo n-dimensional. Por exemplo, se n=2, haverá um triângulo
economia matemática pode fazer é nos assegurar que
de vértices (0,0), (1,0) e (0,1) e as estratégias do jogador será
provavelmente os erros da sua fundamentação serão carregados nas
qualquer ponto na reta que liga os vértices (1,0) e (0,1). A partir
deduções das equações!
daí, define-se uma função pay-off para cada jogador P : S --> R, R é o conjunto dos reais.
Equilíbrio de Nash
Qual a importância disso? Além do problema óbvio de que a função pay-off terá que ser uma função de utilidade caso tenha
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alguma aplicação praxeológica – e isso não faz sentido –, existe
realmente esse procedimento de ser “caso limite” realmente se
uma suposição que é “ilegítima” de que as probabilidades podem
aplica. É dizer, é preciso esquecer o teorema tal como ele e
ser números reais quaisquer entre 0 e 1. Por exemplo, se num jogo,
desenvolver uma teoria totalmente diferente e, só depois, ver como
eu escolho as minhas estratégias mistas apostando dinheiro em
se dá essa relação.
cada uma delas, então as probabilidades estão condicionadas pela
A função da matemática para os economistas
divisibilidade do dinheiro.
Se eu tenho que apostar 1 real em três estratégias, eu posso fazer
A matemática tornou-se uma forma de intimidação retórica dos
uma escolha de apostar 10 centavos em uma, 28 centavos em outra
economistas. Podemos até dizer que essa é a sua grande função.
e 62 centavos na restante. É claro, o número de apostas possíveis é
Não é uma utilização meramente científica, é um uso da
imenso – mas é finito. Então, nesse caso, o Teorema de Nash é
arrogância. É a fonte dos discursos “técnicos”, em que são ditas
inaplicável.
mil bobagens aplaudidas, reverenciadas e temidas. Quem se atrever a discutir com a matemática?
Não custa nada dizer: só se pode garantir a conclusão de um teorema de as hipóteses dele forem satisfeitas. Ora, em economia,
A matemática é a ciência mais segura que existe. Se temos uma
dinheiro sempre tem divisibilidade finita. Logo, a hipótese de Nash
“demonstração” matemática, somos os donos da verdade. Ninguém
nunca é satisfeita e, assim, o teorema nunca é aplicável na
discute que 2+2=4. Por que discutiriam as medidas que os
realidade.
burocratas tecnicistas advogam?
O que estamos ressaltando aqui é que o uso da matemática na
Em suma, a matemática tornou-se, na mão dos economistas, uma
economia é totalmente inválido. Nenhum economista discute o que
arma para autolegitimização de um discurso pseudocientífico.
eu acabei de colocar. Procurem nos livros de economia se há alguma discussão sobre a validade do Teorema de Nash na economia. Simplesmente ninguém fala disso. A matemática é uma ciência rigorosa.
O que os economistas têm feito é agir como sanguessugas da matemática. Como esta é uma ciência prestigiada, o economista pega um teorema que possui uma demonstração rigorosa, no entanto aplicando-o a uma situação sobre a qual ele não diz respeito!
Alguém poderia objetar: “ora, mas nós podemos pensar nisso como um caso limite da realidade!” Mas isso é uma palavra de ordem, não um argumento... Porque, antes de tudo, a demonstração do teorema depende essencialmente da topologia que é utilizada – que se compromete com a forma específica dada ao conjunto S. E, além disso, seria preciso uma análise matemática para saber se
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mecanismo como patentes e copyrights. Como é o produtor que
A Economia das Patentes e Copyrights
arca com os custos de pesquisa e outros investimentos necessários para a produção de invenções, o fato dos benefícios não poderem
Por Richard Sylvestre
ser colhidos (pelo menos na imensa maioria dos casos), levaria tal Quer ver um liberal nunca concordar com outro e não concordar
agente a produzir invenções subótimamente, ou seja, numa
com opiniões absolutamente opostas? Coloque na mesa de
quantidade diferente do ótimo pois a decisão é feita sem levar em
discussão um dos dois temas: aborto e direitos de propriedade
conta os benefícios da sua ação (apenas os custos, que são
intelectual. O primeiro é polêmico por si só e não, não será sobre
internalizados, vão para ele) são considerados. As patentes e
ele este texto. O segundo, apesar de ser bem menos polêmico,
copyright procuram “internalizar” também os benefícios, fazendo
quando é assunto entre liberais, ganha o status do primeiro devido
com que as duas pontas sejam levadas em consideração.
1) a uma incompatibilidade entre as duas principais linhas de defesas do liberalismo 2) dentro de uma determinada linha de
No entanto, estabelecer patentes não é algo sem custos. Patentes
defesa, interpretações bastante diferentes.
criam uma espécie de “monopólio” sobre uma invenção, e como todo monopólio, pelo menos pensando de uma forma mais pura,
Primeiro, deixe-me falar sobre a tal incompatibilidade entre as
gerará ineficiências. A mais óbvia é a famosa não igualdade entre
linhas de defesas. Entre economistas, sejam liberais ou não, há um
preço e custo marginal. Quanto custa para produzir um cd
certo consenso sobre a função de uma patente ou de um copyright.
adicional do Windows Vista? Bem menos que os R$800,00
Elas visam alocar ao produtor, os benefícios da sua produção de
cobrados atualmente. Isso significa que a Microsoft não aumenta a
forma que esse produtor tenha incentivos (e incentivos corretos)
oferta de Windows Vista até o preço se igualar ao custo marginal
para a produção do bem em questão, no caso, “invenções” ou
(que é o problema clássico de ineficiência de monopólios). Aqui
simplesmente idéias. Idéias / invenções são uma espécie de “bem
que entra o problema da “não rivalidade”. No caso extremo (o de
público”. Uma vez produzidas e divulgadas, elas são não
não rivalidade mesmo), o consumo de uma unidade adicional do
exclusivas e não rivais (você dificilmente consegue tornar seu
bem tem custo marginal zero (o que significa que no ótimo, após
consumo exclusivo para quem paga e o seu consumo de uma idéia,
ser produzido, ele teria que ser “free”). Um outro problema é que,
não evita que outra pessoa consuma a mesma idéia). No fundo, o
dado que a patente protege uma certa invenção, pesquisas com essa
ponto chave nessa questão é a não exclusão. A não exclusão será o
invenção ficam mais restritas, diminui a “concorrência” entre os
que a patente e o copyright tentarão “corrigir” através dos
pesquisadores, inventores, além de gerar “corpo mole” de quem já
pagamentos ao criador da invenção, e dado que se corrige isso, o
inventou e patenteou algo. Obviamente tudo isso tem um efeito
outro problema o da “não rivalidade”, só terá relevância na
negativo na inovação, que por sua vez, tem um efeito no bem estar
determinação do tempo ótimo de patentes, por exemplo.
dos agentes econômicos.
Veja que pela explicação acima, patentes e copyrights cumprem
Patentes então aparecem como um típico problema econômico: de
economicamente a mesma função de qualquer direito de
um lado geram um grande beneficio: elas incentivam a inovação, a
propriedade. Alguém produz algo altamente valorado no mercado,
criação de invenções, coisas altamente impactantes no nosso bem
mas, por uma característica do próprio bem, não conseguiria
estar. Por outro lado, elas geram uma perda de bem estar ao
receber o beneficio dessa produção senão houvesse algum
restringir a oferta de bens que contém essas idéias e de, ao longo
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do tempo, desestimular os próprios inventores (ao bloquear a
remédios que já não são a ultima palavra em tratamento (patentes
concorrência). É por isso que costumasse falar em “tempo ótimo”
desses remédios supostamente são mais baratas). Dado que são
de patentes, aquele tempo de patente que maximiza o “bem estar
remédios e serviram sem problema por um longo tempo, eles
social”, o tempo que esgota, capta o maior saldo positivo possível
melhorarão a situação dos doentes e ainda não impedirão a
entre benefícios e custos de uma patente.
inovação (que inclusive deixará o remédio mais moderno na situação de ser comprado como o que, de fato, foi comprado).
Bem resumidamente, a “economia das patentes / copyright” é o que foi descrito acima. Você tem um problema de incentivos na
A Discussão Liberal
produção de algo bastante valorado, bastante importante e você corrige esses incentivos distribuindo de outra forma os benefícios e
Qual o problema do ponto de vista dos liberais de tudo que foi dito
custos. Isso mostra o quão idiota é o pedido de algumas
acima? Bem, os problemas são muitos, mas o problema básico é a
organizações que se dizem “humanitárias” e supostamente
“arbitrariedade” dos direitos de propriedade, algo extremamente
interessadas nos pobres, além das políticas de certos governos com
sensível na doutrina liberal. Direitos de propriedade não são vistos
o mesmo discurso. Quebras de patentes ajudam os mais pobres
como algo que a sociedade ou o governo decidem ser X ou Y. Eles
apenas num primeiro momento ao baixarem o preço do remédio
precisam ter uma fundamentação na realidade, na natureza do ser
(aquela restrição monopolista que gera a ineficiência acaba). Mas
humano. Já falei sobre isso diversas vezes neste blog, mas o
no longo prazo o prejuízo é bem maior. Doenças como malária,
problema fundamental pode ser entendido com um exemplo
dengue, as chamadas “doenças de pobre” ou tropicais, que
básico. Geralmente é dito que liberais defendem direitos de
possuem um alto risco de quebra de patentes, são abandonadas em
propriedade. Imagine então que o Lula resolva implementar o
termos de investimento (justamente porque ninguém quer arcar
programa liberal, mas antes assine um decreto, passe uma lei
com os custos sem receber beneficio algum). Obviamente
(enfim)... que dê a ele todas as propriedades do país. Depois de
conforme a quebra de patentes vai se generalizando, o incentivo a
legalmente se tornar dono de tudo, ele diz: agora sim! O governo
novas pesquisas, seja na área farmacêutica, seja em outras áreas
respeitará completamente os direitos de propriedade.
tecnológicas vai diminuindo. Quebrar a patente/copyright da
Obviamente não é isso que os liberais querem dizer com “proteger
Microsoft hoje sobre o Windows pode favorecer quem quer
direitos de propriedade”. Existem direitos de propriedade “errados”
comprar um Windows por R$10,00 e receber todas as “vantagens”
e direitos de propriedade “certos” (no fundo, sendo rigoroso, só são
de um original como suporte, atualizações, promoções etc.. Mas é
direitos de propriedade realmente aquilo que chamei de “direitos
bom lembrar que se a Microsoft não pudesse receber os benefícios
de propriedade certos”, o resto não é direito de propriedade, seria
do seu produto, talvez computadores ainda fosse aquele bicho de
roubo). O que é um direito de propriedade “certo” para um liberal?
sete cabeças assustadoramente complicado para a imensa maioria
O que é no fundo algo ser “certo”? É estar de acordo com o que é,
da população. Foi justamente a possibilidade de lucrar e lucrar
com o que as coisas são. Quando digo que elefantes voam, a
muito com certas inovações que fez a Microsoft fazer o que fez.
afirmação está incorreta porque aquela entidade que recebe o nome
Uma política bem melhor para essas ONGs e organizações
de elefante não voa. Ela tem uma natureza especifica que a permite
“humanitárias” que estejam realmente interessadas nos mais
fazer um monte de coisas, mas não voar. Direitos de propriedade
pobres é, com o dinheiro que arrecadam, comprar patentes de
corretos são aqueles que estão de acordo com a natureza humana,
18
aqueles que a própria forma de um homem agir, sobreviver
eram de Chicago). Como eu disse anteriormente,
dependem dele. Seres humanos são entidades que precisam de
consequencialismo e jusnaturalismo não são assim tão distantes,
direitos para funcionarem corretamente, para sobreviverem como
mas eles costumam estar quando o assunto é patentes
homens.
simplesmente porque é dificílimo dentro do jusnaturalismo defender patentes. Mas antes de continuar, o que propriamente
Geralmente a discussão que se levanta aqui é colocada sob o rótulo seria uma defesa de patentes jusnaturalista? Seria uma defesa de: consequencialistas VS jusnaturalistas. Consequencialistas baseada nos dois princípios básicos do jusnaturalismo: você é dono seriam aqueles, que em tese, não tentam justificar direitos de de si mesmo e você pode se apropriar do mundo externo através da propriedade como tendo origem na natureza humana, nas mistura do seu trabalho a esse mundo externo (da junção da características especificas, que definem um ser humano. O que propriedade sobre você mesmo e conseqüentemente seu trabalho e interessa é a conseqüência desses direitos de propriedade. Se eles da propriedade sobre recursos externos, você precisa ter toda rede geram resultados “bons” ou “ruins”. No texto Sobre éticas eu
de direitos de propriedade justificada).
critico essa visão. Já os jusnaturalistas não fundamentariam Dito isso, primeiro, o que está sujeito a propriedade intelectual? direitos de propriedade na conseqüência que eles trazem, mas sim Somente aquilo que você criou, que você produziu. O homem não na natureza humana, no que corresponde ao que um ser humano é. produz leis naturais. Elas simplesmente existem, estão lá Obviamente existe uma relação entre as duas coisas. Se os direitos independentemente da vontade ou gênio de qualquer ser humano. naturais permitem ao homem “funcionar” adequadamente, está de O que o homem faz é descobrir essas leis naturais e com isso acordo com a sua natureza, ou seja, as suas características combinar elementos da natureza de forma a gerar uma combinação especificas, então ele não pode impedir o homem de viver bem, de nova, inexistente na natureza, que só existe devido ao seu gênio, a viver adequadamente. Numa relação porcamente resumida: direitos sua habilidade intelectual, mental etc.. Isso é uma criação e está naturais implicariam conseqüências boas, dado que “conseqüências sujeito a propriedade intelectual. Coisas desse tipo seguem boas” significam algo conveniente ao bem estar humano. Já um diretamente do axioma central do jusnaturalismo. Você é dono suposto direito de propriedade que aparentemente traria daquilo que produz com seu trabalho. O que você produziu, no conseqüências boas, não a trará realmente se em algum momento caso sujeito a propriedade intelectual, não é tanto uma coisa física ele viola a natureza humana, se ele não leva em conta como o ser que recebe aquela idéia, aquela invenção, mas sim a própria idéia, humano é, do que ele precisa para viver etc. a própria invenção. A parte que realmente é um bem, a parte A forma mais comum de consequencialismo (e também a mais
relevante é a idéia, o conteúdo mental, intelectual contido naquilo e
consistente) geralmente é dada pelos economistas com a sua
não a coisa física em si.
famosa ética implícita de que “algo deve ser feito, por que É muito comum entre liberais que não entendem a idéia de funciona”. É por isso que geralmente os maiores liberais propriedade intelectual o seguinte argumento: bem, então quer consequencialistas (às vezes também chamados de pragmáticos) dizer que o cara que inventou o supermercado poderia ter exigido são economistas. Exemplos chovem por aí: Milton Friedman, copyright de quem o copiava (ou patentes)? A falha aqui é não David Friedman, Gary Becker, George Stigler, Ludwig Von Mises, entender o que realmente quem abre um supermercado está Ronald Coase e ainda uma longa lista de membros da “Escola de produzindo. O que gera valor ao supermercado ou em qualquer Chicago”, o templo do liberalismo pragmático (dos citados, quatro
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troca? Ou dito de outra forma, qual o serviço que o supermercado
termos de nomes de pessoas, nome de açougue ou qualquer outra
gera? Não é a idéia de troca em si, mas é o bem que está sendo
coisa que não seja tecnologia, informática etc.. A própria alteração
trocado. A idéia de uma troca, por si só, não gera serviço, valor
no valor do suposto nome indica quando saímos de uma terra
algum. É preciso bens (sejam eles físicos ou não) para a troca ter
virgem, sem valor algum (um nome genérico) e entramos em uma
algum valor, prestar algum serviço. No caso de produtos
terra com benfeitorias, produtiva (marca).
intelectuais a situação é exatamente o oposto. Tanto faz o CD Antes de prosseguir, uma última confusão gerada por liberais que físico onde esteja gravado o Windows, ou o papel físico onde são contrários a propriedade intelectual. Eles dizem que esteja escrito uma nova combinação para um remédio ou mesmo o propriedade privada tem como função alocar recursos escassos frasquinho de remédio contendo a nova fórmula. O que dá valor, o entre agentes (na verdade, geralmente a proposição é mais forte, bem em questão aí é o “produto intelectual”, a fórmula do remédio, como algo do tipo: é a única forma, ou é a única forma racional o código do Windows. etc..). Como idéias não são escassas, então não cabe falar em Uma confusão parecida aparece quando o assunto são “marcas”.
propriedade privada sobre idéias. Obviamente existe um erro
Alguns liberais são favoráveis, por exemplo, a eu registrar o
crasso aí: o de que idéias não são escassas. Escassez significa que
domínio na internet com o nome www.microsoft.com e depois a
algo é “insuficiente”, ou, de uma forma mais precisa, como os
Microsoft ser obrigada a pagar uma fortuna para mim se quiser
economistas costumam dizer: tem utilidade marginal positiva.
usar o domínio. O argumento usado, geralmente, é a versão
Existem trocentas formas diferentes de definir escassez. O próprio
“usual” do homesteading principle: “o primeiro que chegar leva”.
fato de alguém ter que abrir mão de um monte de coisas para
A questão é: a Microsoft é dona do nome Microsoft? Esses liberais
desenvolver uma idéia, criar algo, já deveria deixar claro que idéias
dizem que não, e realmente eles estão certos. Ninguém é dono de
e invenções são bem escassas. E bota escasso nisso. É só ver o
um nome genérico simplesmente pelo mesmo motivo que ninguém
quanto se paga mundo afora por “recursos intelectuais” ou por
é dono da idéia “abrir um supermercado”. Nomes genéricos não
idéias novas (o que mostra um alto grau de “positividade” na
tem valor algum. Mas nomes genéricos tem valor quando são
utilidade marginal dessas coisas). A confusão básica nesse tópico é
trabalhados e usados na produção de uma “marca”. Um pai,
não perceber a diferença entre propriedades de bens públicos e
Microsoft fan boy, se quisesse poderia colocar o nome no filho de
falta de escassez. Um bem ser não rival e não exclusivo não
Microsoft, mas ele não pode colocar o nome na empresa de
significa que ele seja não escasso. Ele é “não escasso” (a palavra
softwares dele porque entra na esfera da “marca”. Uma marca é
não seria essa, mas enfim..) no trecho onde é não rival e não
algo produzido por um agente, produzido com trabalho e um nome
exclusivo, ou seja, no caso de idéias, depois que as idéias foram
genérico, sem valor algum. Ao contrário do nome genérico, a
produzidas e divulgadas. Agora, obviamente custa uma fortuna a
marca tem um valor imenso, justamente devido à produção anterior
produção de certas idéias e para nós, essas idéias tem um valor
de um agente, o esforço físico e mental desse agente empreendido
imenso, a ponto de pagarmos uma fortuna por elas ou para quem às
em algo sem valor algum. A marca faz parte da “unidade
produz. Nosso bem estar aumenta consideravelmente com novas
tecnológica” chamada empresa, corporação enfim, aquilo que um
idéias, o que significa justamente que são escassas (por isso
determinado ser humano construiu e é propriedade desse ser
pagamos por elas).
humano. Quando alguém coloca o nome no filho de Microsoft, ele não viola uma marca. O nome Microsoft não significa nada em
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Peguemos um exemplo para entender melhor: uma bolha gigante
comercial do bem em questão. Quando alguém comprar um bem
antimísseis no Brasil. Uma vez instalada a bolha, em condições
sob copyright, no fundo, está comprando o direito de usar, ler,
normais, o meu uso da bolha, ou seja, a minha defesa contra
estragar etc.. mas não de distribuir comercialmente. No fundo, o
mísseis não afeta a sua defesa. Eu estou tão bem defendido quanto
que se torna propriedade do comprador é o objeto físico, não a
você, e o fato de eu estar na bolha não faz você ficar menos
idéia, a invenção inserida naquele objeto físico. Quanto à idéia
defendido. Se nascer um brasileiro, a defesa dele providenciada
você tem uma espécie de “licença de uso” e só. Obviamente, como
pela bolha não diminui a sua defesa. Isso é a característica de “não
com toda propriedade, o dono da idéia pode abrir mão de sua
rivalidade” que eu coloquei no começo do texto. O custo marginal
propriedade e não exigir copyright algum.
de produzir defesa para mais um é zero. Obviamente se o Brasil começar a crescer em extensão, a bolha vai ter que crescer para
[18] Existe uma defesa jusnaturalista alternativa do copyright que
acompanhar o que gerará custos marginais positivos. Agora, uma
evita (erroneamente) a idéia de propriedade intelectual e no fundo
bolha dessas é não escassa? É óbvio que não. Custaria uma fortuna
acaba sendo só um “espantalho” da defesa correta. Nessa defesa,
construir um negócio desses e é altamente valorada por todos (os
copyright é visto como um contrato envolvendo troca de
americanos queriam fazer uma versão dessa bolha, o chamado
propriedades normais (físicas). Por exemplo, eu criei um sistema
escudo antimísseis). O caso de idéias é muito próximo ao da bolha,
operacional e o gravei em um CD. Eu só permito que você tenha
com a diferença de que a margem para não rivalidade seja bem
acesso a esse CD e ao sistema operacional se você me reservar o
maior (para uma mesma idéia é eterno). Mas imagine o seguinte:
direito de distribuição comercial. No fundo, é você que cede seu
as pessoas não podem usar a mesma idéia a um custo marginal
direito de copiar para mim, o criador original. O problema é o tal
zero se tal idéia não foi produzida ou divulgada, ou seja, existe um
“direito de copiar”. Se, por exemplo, a pessoa que assinou o
limite também no caso de idéias (embora esse limite seja mais
copyright e recebeu o software do criador passa sem fins
drástico).
comerciais para um terceiro que por sua vez passa a distribuí-lo comercialmente, existem duas possíveis interpretações: 1) é
Dessa forma, acho perfeitamente compatíveis propriedade legitimo, dado que o acordo foi entre os dois primeiros, não entre o intelectual e jusnaturalismo. Propriedade intelectual é tão somente terceiro que tem todo o direito de copiar e fazer o que quiser com o o reconhecimento de que em determinados bens, o que importa não programa. Nessa versão é negada completamente a propriedade é o trabalho físico, é o trabalho mental. Se todo ser humano tem intelectual e o reconhecimento de que o bem em questão é a idéia e direito de propriedade sobre o que produz com seu trabalho não o CD físico. No fundo é a negação do ser humano e da (trabalho aqui de forma mais genérica possível), a propriedade relevância da sua característica principal: a sua mente, o seu intelectual é apenas o reconhecimento disso na esfera de bens que intelecto. 2) O que o criador original passou foi o direito de uso, não são a coisa física que sai desse trabalho, mas sim o “produto não a distribuição comercial do software. Logo, o segundo cara da mental”, o verdadeiro bem contido naquela forma física. Em história não pode passar a um terceiro o que ele não tem, ou seja, o termos menos abstratos, como isso pode ser traduzido para a lei? direito de distribuir comercialmente, portanto é ilegítima a Como pode ser implementado? Isso é feito através do copyright. O distribuição realizada pelo terceiro. Essa interpretação na verdade copyright reconhece que a idéia, a invenção contida naquela forma só ocorre se você admitir que o criador original tem direito a física é o bem na realidade. E que o seu produtor é o dono desse controlar o uso do que ele criou, ou seja, tem propriedade sobre a bem, dessa idéia, logo tem total direito de se reservar a distribuição
21
sua criação, no fundo o software e seu código. Logo, ela necessita
claro que ele não copiou do primeiro (o que inventou). Mas para a
da idéia de propriedade intelectual não diferenciando da versão que
classificação entre “invenção” / “criação” e descoberta, pouco
eu expus anteriormente.
interessaria o que o sujeito em questão acha. Seria um dado objetivo: alguém na fase da terra, “somando” todo o conhecimento
E patentes? No caso de patentes o problema é bem maior. Se do mundo, inventou X? Se ele inventou, criou então não é mais copyright você pode defender em termos jusnaturalistas sem invenção, criação, é copia (ou descoberta). E nada disso dá muitas dificuldades, patentes a coisa é bem mais complicada e propriedade intelectual. Logo patentes (a idéia de impedir os ironicamente justamente por violar a idéia de propriedade retardatários de usarem comercialmente a invenção) seriam intelectual. Como todos devem saber, dar patente sobre uma legitimas. invenção significa que ninguém mais, por um determinado período, pode usar aquilo comercialmente sem autorização do
Um outro mais pragmático é o seguinte: um direito para ser
dono da patente. O problema contido aí é que isso vale inclusive
efetivo, para existir realmente precisa ter alguma correspondência
para aquele sujeito isolado do mundo, que inventou exatamente a
em habilidades humanas. Existem situações onde averiguar se
mesma coisa. Se uma situação teórica dessas acontecer, como foi o
houve cópia ou não é algo extremamente complicado e em alguns
sujeito que inventou aquilo também, então ele teria direitos de
casos (como combinações de elementos) impossível. Para os casos
propriedade sobre o que ele inventou, mesmo que seja um
em que ainda é possível averiguar cópias como livros, músicas,
retardatário. Sob esse ponto de vista a patente seria então uma
partes de códigos de software usasse copyright que não exclui a
violação de propriedade, uma intervenção indevida do governo no
priori o uso de criações independentes por parte de retardatários.
mercado, um privilégio e não um direito como o copyright.
Para os casos em que é impossível averiguar cópias, usa-se
Patentes, que de um ponto de vista mais consequencialista, seriam
patentes. Existem outros casos assim em termos de direitos
desejáveis, não poderiam ser defendidas em termos de ética ou
naturais também. Por exemplo, na questão da quantidade de força a
justiça.
ser usada na auto-defesa. Um bandido dentro da sua casa no escuro. Estritamente falando existem inúmeras formas de parar a
Claro que muitos jusnaturalistas não ficaram contentes com isso e agressão sem você disparar um tiro. Você pode, por exemplo, deram argumentos interessantes. O que acho mais interessante treinar técnicas de lutas e defesa complicadíssimas e aplicar um “filosoficamente” é o seguinte: Patentes servem para invenções, daqueles golpes onde com um dedo o cara fica paralisado até você não para descobertas. O que caracteriza uma invenção é justamente dizer “vivo”. No entanto, o direito de auto-defesa viraria um o fato de ser inédita, de não existir na natureza. Se alguém inventa “espantalho”, algo nenhum pouco efetivo se você só pudesse usar a algo, então esse algo deixa de ser inédito, passa a existir na força quando tivesse total conhecimento da situação, do nível de natureza. Logo retardatários não poderiam pedir nem patentes e força que o agressor está disposta a usar e de todas as técnicas de nem copyrights por isso, enfim, não teriam direitos de propriedade auto-defesa existentes no mundo. Por isso é amplamente aceita porque a idéia em si, a invenção não foi produzida por ele. Apesar (entre jusnaturalistas nunca vi um discordar), que em casos onde de ser meio forçada, a idéia tem um principio filosófico não se sabe o nível de força que o agressor usará, afinal, somos interessante por trás: a idéia objetivista de que o mundo é, ele humanos e não seres oniscientes que lêem mentes, pode-se usar existe, independentemente da consciência de cada individuo. A contra o agressor, o máximo de força que você puder. A idéia das idéia de isolar o individuo retardatário é justamente para deixar patentes seria similar. Não há forma de saber se determinadas
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coisas são cópias ou não, logo você protege o direito de propriedade que você sabe ser certo com a força necessária para isso.
Para terminar, quanto ao tempo de patentes, jusnaturalistas não costumam discutir muito sobre o tema. Que eu me lembre agora, só vi algo muito breve em Ayn Rand que não era lá muito interessante (pelo menos à primeira vista), mas de qualquer forma se a idéia é “compatibilizar” a defesa consequencialista com a defesa jusnaturalista, é um tema interessante, afinal, patentes de um ponto de vista consequencialista não podem ser “eternas”, tem um tempo ótimo, e nada é mais “sagrado” em termos jusnaturalistas que direitos de propriedade.
Sobre tudo o que foi exposto aqui, sou favorável a propriedade intelectual. Como já disse, propriedade intelectual é exatamente análoga a propriedade tradicional, está baseada no mesmo principio fundamental de que cada ser humano é dono daquilo que produz. A diferença no caso é que a produção, o bem em questão não é uma coisa física, mas a idéia, o “produto mental” contido naquela coisa física. Negar esse produto mental é negar praticamente todo o ser humano cujo grande diferencial de tudo que existe no mundo é exatamente a sua mente, seu intelecto. Como conseqüência da propriedade intelectual, copyrights são legitimas, são um direito do criador. Já patentes é algo mais complicado. Cada vez mais tendo a aceitar a idéia de que elas são igualmente legitimas e justas. Mas, ao contrário da propriedade intelectual e sua implementação direta o copyright, acho que existem bons argumentos contrários a sua legitimidade. Bem, é isso. Talvez, ainda este mês, escreva sobre o outro assunto polêmico, o aborto.
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vós? Como ousaria atacar-vos, se não estivesse em conluio
A servidão voluntária
convosco?” Bastaria que o próprio povo fosse resoluto em não servir mais, para ter sua liberdade. A escravidão acaba exigindo a
Por Rodrigo Constantino
sanção da vítima. “Aqueles que desistiriam da liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade, nem
O que então explicaria essa servidão consentida? Para La Boétie,
segurança.” (Benjamin Franklin)
“todos os homens, enquanto têm qualquer coisa de homem, antes de se deixarem sujeitar, é preciso, de duas, uma: que sejam
Em 1548, com apenas 18 anos de idade, o francês Étienne de La
forçados ou enganados”. Ele parte então para a tese de que, no
Boétie escreveu seu Discurso Sobre a Servidão Voluntária, um
início, o homem serve vencido pela força, mas que depois serve
texto instigante e corajoso, no qual sustenta a tese de que os
voluntariamente, enquanto seus antecessores haviam feito por
escravos são servos por opção. La Boétie, que foi amigo de
opressão. Sem terem experimentado a liberdade, esses homens
Montaigne, foi um dos primeiros a perceber que os governados
acabam escravos pelo costume. La Boétie, antecipando David
eram sempre maioria em relação aos governantes, e que, por conta
Hume e Franz Oppenheimer, conclui: “É assim que os homens
disso, algum grau de consentimento deveria existir para manter a
nascidos sob o jugo, depois alimentados e educados na servidão,
situação de servidão. O seu texto pode ser entendido como um
sem olhar para a frente, contentam-se em viver como nasceram,
ataque à monarquia, devido ao contexto de sua época, mas não
sem pensar em ter outro bem, nem outro direito senão o que
somente isso. O próprio autor reconhece que o tirano pode ser
encontraram, tomando como natural sua condição de nascença”.
eleito também, mudando apenas a forma de se chegar ao poder, e
Primeiro, o poder é conquistado na força; depois, o costume
não seu abuso. O livro, portanto, é uma leitura essencial nos dias
permite um ar de legitimidade, mantido pela ignorância e covardia
atuais também, onde governos democráticos avançam sobre as
dos escravos.
liberdades mais básicas dos indivíduos. A revolta contra essa tirania nem sempre é amiga verdadeira da Para La Boétie, “é o povo que se sujeita, que se corta a garganta,
liberdade. Para La Boétie, os vários atentados realizados contra
que, podendo escolher entre ser subjugado ou ser livre, abandona a
imperadores romanos, por exemplo, “não passaram de
liberdade e toma o jugo, que consente no mal, ou antes, o
conspirações de pessoas ambiciosas, cujos inconvenientes não se
persegue”. O pensador Edmund Burke diria algo semelhante
deve lamentar, pois se perceber que desejavam, não eliminar, mas
depois, ao constatar que “tudo aquilo que é necessário para o
remover a coroa, pretendendo banir o tirano e reter a tirania”. Não
triunfo do mal é que os homens bons nada façam”. La Boétie via
foram poucos os casos na história de luta contra uma tirania
no direito natural do homem aquilo que ele tem de mais caro, e
estabelecida por outra tirania, muitas vezes até mais cruel. Os
compreendia que “não nascemos apenas na posse de nossa
bolcheviques são um claro exemplo disso, mas nem de perto o
liberdade, mas com a incumbência de defendê-la”. No entanto, ele
único. Até a Revolução Francesa usou o nome da liberdade apenas
constatou que o povo estava quase sempre inclinado a abandonar
para entregar Robespierre e seu Grande Terror em troca. No Brasil
esse direito, em troca de alguma sensação de segurança. O tirano,
mesmo, tivemos comunistas lutando contra uma ditadura, mas
então, chega ao poder, seja pela conquista ou pelos votos. Mas La
desejando no fundo instaurar outra bem mais perversa, como
Boétie questiona: “Como tem algum poder sobre vós, senão por
aquela existente em Cuba.
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Além das distrações e das migalhas, como o restaurante popular Quando se entende que o tirano precisa do consentimento do povo,
atualmente, os tiranos precisam oferecer uma rede de favores,
descobre-se porque todo tirano usa o ardil de embrutecer os súditos
criando cargos para sustentar a tirania com mais aliados. A lista de
e atacar os homens de valor. A doutrinação é fundamental para os
oportunistas batendo à porta do governo para trocar liberdade por
tiranos nesse aspecto. O “pão e circo” também são úteis, para
verbas seria infindável. Desde artistas engajados, intelectuais,
desviar as atenções. La Boétie diz: “Os teatros, jogos, farsas,
funcionários públicos, invasores de propriedade, até líderes do
espetáculos, lutas de gladiadores, animais estranhos, medalhas,
“terceiro setor” ou mesmo empresários, todos em busca de uma
quadros e outros tipos de drogas, eram para os povos antigos os
teta estatal para mamar. Os tiranos compram assim o apoio à
atrativos da servidão, o preço da liberdade, as ferramentas da
tirania. “Em suma”, conclui La Boétie, “que se consigam, pelos
tirania”. E convenhamos: como o povo se vende por pouco! Se
favores ou sub-favores, que se encontrem, enfim, quase tantas
antes era assim, nada mudou na essência, apenas na forma. O povo
pessoas às quais a tirania pareça lucrativa, como aqueles a quem a
escravo vibra com o time campeão do mundo, trocando liberdade
liberdade seria agradável”.
por um tolo “orgulho nacional”. O escravo esquece que o governo Essa troca da liberdade por favores seria trágica por si só, pelo lhe toma metade dos frutos de seu trabalho, preferindo relaxar no valor intrínseco que tem a liberdade. Mas, não obstante, La Boétie carnaval. “Assim, os povos, enlouquecidos, achavam belos esses questiona que tipo de vida esses “escravos voluntários” levam, passatempos, entretidos por um vão prazer, que lhes passava diante concluindo que não pode ser uma vida feliz. Ele pergunta: “Qual dos olhos, e acostumavam-se a servir como tolos”, lamenta o autor. condição é mais miserável do que viver assim, sem nada ter de seu, As migalhas oferecidas em troca da liberdade não eram apenas
recebendo de outrem satisfação, liberdade, corpo e vida?” Além
jogos e distração, mas literalmente migalhas: “Os tiranos
disso, La Boétie afirma que a amizade verdadeira é impossível
distribuíam um quarto de trigo... e então dava pena ouvir gritar:
nesse contexto de tirania. Ela, afinal, “só se encontra entre pessoas
Viva o rei!” Há tanta diferença assim para um Bolsa-Família,
de bem e só existe por mútua estima; mantém-se não tanto por
programa assistencialista que, na verdade, são esmolas em troca de
benefícios, senão por uma vida boa”. E acrescenta: “O que torna
voto? La Boétie percebeu que o governo, sem produzir a riqueza,
um amigo seguro do outro é o conhecimento que tem de sua
precisa tirar antes de dar: “Os tolos não percebiam que nada mais
integridade”, lembrando que “entre os maus, quando se reúnem, há
faziam senão recobrar uma parte do que lhes pertencia, e que
uma conspiração, não mais uma companhia; não se amam mais uns
mesmo o que recobravam, o tirano não lhes podia ter dado, se
aos outros, mas se temem; não são mais amigos, mas cúmplices”.
antes não o tivesse tirado deles próprios”. Não obstante, o
Alguém poderia ter alguma dúvida da verdade dessas palavras
populismo sempre rendeu poder e devoção, sentimento que todos
observando o comportamento dos aliados do governo brasileiro
os tiranos buscam despertar em seus súditos. La Boétie lembra que
atual? São todos cúmplices de um projeto de poder; não amigos.
mesmo tiranos que destruíram totalmente a liberdade do povo Em resumo, as palavras escritas por um jovem culto de 18 anos na foram homenageados pelas próprias vítimas, muitas vezes vistos França, há quase cinco séculos atrás, ainda ecoam como verdade como “Pai do Povo”. Que tipo de covardia faz alguém amar o nos dias atuais. O povo parece não aprender a lição, construindo próprio algoz? sua própria prisão, vendendo a corda usada para seu enforcamento. Nasce escravo, vive na ignorância, e não ousa desafiar seu senhor,
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questionando sua legitimidade. Aceita passivamente seus grilhões, que até ajuda a colocar. Enquanto os animais na natureza lutam desesperadamente contra seu domínio, o homem, justo o animal com maior capacidade de ser livre, acaba se submetendo passivamente à servidão. Enquanto uma grande quantidade de pessoas estiver disposta a sacrificar a liberdade em troca de algumas migalhas e uma falsa sensação de segurança, conviveremos com a escravidão.
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