XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Gestão integrada de empreendimentos públicos: desafios e oportunidades Antonio Luiz Bogado Fernandes Introdução A transformação ocorrida nas grandes organizações do Setor Privado a partir dos anos 90, com base nos conceitos de gestão por processos integrados (Hammer: 1993) e na mensuração objetiva de resultados (Kaplan: 1997) ainda não atingiu o setor público conforme seria desejável. De fato, ao contrário da gestão transversal hoje presente nas grandes organizações privadas bem sucedidas, que lhes permite uma ação integrada em benefício do cliente final, a maior parte das organizações públicas ainda pratica uma gestão do tipo departamental, com a prevalência de verdadeiros “feudos” funcionais excessivamente voltados para seus próprios interesses. Como conseqüência, observa-se em muitas organizações públicas um preocupante alheamento dos funcionários quanto ao que se passa fora de seus campos funcionais respectivos e indiferentes quanto à obtenção de resultados objetivamente comprováveis. Não menos importante, ao invés de um permanente e dinâmico aperfeiçoamento dos processos que conduzem ao resultado final, prática que tem permitido inegáveis avanços da gestão empresarial moderna, nota-se em boa parte do setor público uma continuada estagnação dos métodos e processos utilizados. Embora esta situação afete o funcionamento do Setor Público como um todo, é no caso da gestão de novas situações, na gestão de crises ou de grandes projetos transformadores que as deficiências citadas agravam a boa condução da empreitada. Este artigo procura examinar os entraves que têm dificultado a superação destas dificuldades, tomando como campo de observação alguns casos típicos da atualidade nacional. Em seguida, apresenta-se uma proposta que poderá contribuir para se alcançar a tão desejada solução para o problema. Entraves à gestão integrada no Setor Público Evidentemente, as questões indicadas na seção anterior não passam despercebidas dos gestores públicos nem dos especialistas e professores em Administração Pública. A pergunta natural, então é: por que essas deficiências não são superadas? Certamente, há uma grande diversidade de fatores contributivos, dentre os quais gostaríamos de destacar três: Primeiro: O loteamento político dos órgãos do Setor Público Prática comum na gestão democrática multipartidária, a formação de coalizões de partidos para o alcance da governabilidade provoca, inevitavelmente, que as diversas instâncias da administração governamental sejam distribuídas entre os partidos que formam a chamada “base governista”. Ocorre que, apesar de unidos circunstancialmente, partidos políticos obedecem a ideários e a estratégias próprios de ascensão ao poder. Existe, portanto, uma dificuldade intrínseca para o trabalho integrado, quando o assunto envolve dois ou mais órgãos públicos geridos por partidos diferentes. Segundo: A dificuldade na identificação do cliente final.
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Claramente conhecido, este cliente, que é a sociedade como um todo, segmentos da mesma, ou cidadãos específicos, assume um caráter difuso e vago para aqueles que não estão no elo final da cadeia de processos, isto é, na linha de frente. Para muitos participantes dos processos da retaguarda administrativa, “cliente” é simplesmente o órgão a quem deverão entregar o produto de sua atividade e em função do qual todo o esforço deve ser despendido. Ora, sem uma identificação concreta do verdadeiro usuário final do serviço, cada processo ou etapa do trabalho vai perdendo a orientação necessária. Por exemplo, agradar à chefia imediata, ou dedicar-se a construir uma imagem própria junto aos meios de comunicação pode tornar-se mais importante do que entregar o “produto” ao usuário final com a presteza e a qualidade necessária. No caso de empreendimentos, por exemplo, a implantação de novos “equipamentos de interesse social”, muitas vezes esta deficiência quanto à usabilidade final do equipamento dá espaço a projetos mal especificados, super-estimados, etc. Terceiro: O anacronismo das arquiteturas “produtivas”1. Por inúmeras razões, tem sido difícil para o Setor Público acompanhar as rápidas transformações tecnológicas e comportamentais verificadas nas últimas décadas. O Setor Privado também sofreu o impacto dessas transformações. Contudo, soube tirar proveito delas próprias para reinventar-se e ajustar-se às novas necessidades. Um exemplo clássico é a adoção dos sistemas integrados de gestão, softwares capazes de interligar, de modo flexível e ágil, processos distribuídos ao longo de diversas entidades produtivas. Estes sistemas, adotados pela esmagadora maioria das grandes organizações privadas, até hoje ainda são pouco freqüentes nas organizações públicas. Mas o retardo na adoção de inovações tecnológicas não é a causa única do anacronismo das arquiteturas produtivas do Setor Público. Observa-se também uma acentuada defasagem entre as novas exigências da sociedade contemporânea e a forma com que ela é atendida pelos órgãos da administração pública. Muitas vezes genericamente batizada como “burocracia”, esta defasagem reflete, na verdade, a desatualização ou até mesmo o imobilismo dos métodos e processos empregados pelo Setor Público. Mesmo quando são feitos aperfeiçoamentos pontuais em determinados organismos do setor, a falta de uma perspectiva ampla, que otimize a cadeia como um todo, faz com que estes esforços pontuais, não raro, tragam mais perturbações do que melhorias, provocando a sensação de que a “situação piorou após as modificações”... No caso dos empreendimentos públicos, as consequências deste anacronismo não raro se refletem em obras inconclusas, ou com orçamentos e prazos de execução largamente ultrapassados. Casos práticos A gravidade dos prejuízos causados pela falta de uma gestão integrada dos serviços e empreendimentos públicos é diretamente proporcional à complexidade das questões enfrentadas. Nesta seção são apresentadas algumas evidências disto. Mas o intuito de trazê-las aqui vai além do efeito demonstrativo. Pretende-se que elas facilitem a interpretação da proposta de solução apresentada na seção seguinte: Caso A: A Questão Amazônica É penoso e repetitivo mencionar-se o quanto a Região Amazônica tem sido mal gerida pelos governos a quem caberia a responsabilidade última pelo seu desenvolvimento harmonioso e sustentável. 1
Os termos “produto” e “estrutura produtiva” são abusos de linguagem para denotar que, no fim das contas, todo serviço público deve mirar o fornecimento de bens ou serviços para a sociedade ou seus indivíduos. 2
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Um amplo estudo desenvolvido por equipe da Fundação Getulio Vargas em 2004 e apresentado ao Gabinete Civil da Presidência da República (FGV: 2004) deixou claro que a causa primária dos inúmeros problemas enfrentados pela região está na falta de uma ação integrada dos diversos atores responsáveis. De fato, conforme constata um dos participantes do estudo (Silva Pinto: 2004): “A Amazônia hoje reúne um elenco não trivial de ações muitas vezes (freqüentemente) não convergentes e não integradas, no imenso espaço verde-cortado por rios e cursos d’águas vigorosos, sob o “guarda-chuva” de uma legislação ampla que é exercida sem os recursos necessários para sua fiscalização – em termos financeiros, humanos e de equipamentos de apoio. Essa circunstância gera resultados perversos que se traduzem muitas vezes em agressão ao meio ambiente, corrupção e o fenômeno da não-integração. De um modo geral, ocorrem na Amazônia as seguintes mega-presenças ou prioridades: Presença das Forças Armadas sob o Comando Central do Ministério da Defesa. As comunidades indígenas nos seus espaços demarcados e protegidos pela FUNAI. A dos conservacionistas radicais que face tanta agressão verificada na Amazônia ao longo de várias décadas, julgam que o melhor é interagir o mínimo com a grande floresta. Os grupos de desenvolvimento sustentado (como por exemplo, o governo do Acre atual), onde buscam interagir com a floresta e seus povos de forma inteligente, inovadora e criativa objetivando-se preservar o meio ambiente ao máximo sem se paralisar o processo de desenvolvimento econômico. Os incentivados, como empresários e empreendedores da Zona Franca de Manaus que se julgam incapazes de concorrer com os similares do sul e sudeste do país caso não ocorram incentivos fiscais e/ou assemelháveis. Os exploradores de madeira que, motivados economicamente pelas grandes serrarias e importadores, utilizam-se de toda uma gama de procedimentos que os orienta no avanço sobre a floresta verde, violentando em inúmeras situações a legislação estabelecida. Os agricultores (principalmente os centrados na soja) e, os pecuaristas que derrubam diaa-dia a floresta – e em alguns casos justapõem-se à posição de produtores de carvão de lenha, conjunto esse que “motoserra” a floresta com intensidades cada vez mais preocupantes. Queimadas, invasões e outras desconfigurações perversas são a “colheita imediata” de uma série de distorções antes citadas. E, ainda, a presença preocupante de minerações ilegais que em determinadas situações interagem com outras ações desestabilizadoras para a região e o país (contrabando, etc.). Nesse cenário – onde não se procurou ser exaustivo, inexiste uma política maior que una esforços integrados para construção de uma Nova Amazônia inteligente – e supercapaz – onde o desenvolvimento econômico e social possa ser efetivado com uma conseqüente valorização ambiental e social. A falta desse Projeto Maior produz necessariamente conflitos de interesse e uma luta surda de grupos interessados junto ao Executivo e ao Legislativo, onde as várias correntes estão representadas com forças quase eqüipotentes.” Outros participantes do estudo (Lustosa: 2004) apontam, no texto a seguir, os seguintes fatores para a “Síndrome da Amazônia”: “Um diagnóstico inicial do atual arranjo organizacional orientado para a promoção do do desenvolvimento regional no Brasil aponta alguns problemas e pontos de estrangulamento que podem dificultar o esforço de concepção e implementação de um modelo de gestão pública mais integrado e compartilhado. Entre os problemas, é possível destacar: 3
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Falta de integração dos órgãos, programas e ações de Governo. Excesso de instâncias de deliberação. Falta de articulação com o PPA – Plano Plurianual. Falta de rebatimento regional das estruturas de gestão federal. Falta de sistemas de informação integrados e de mecanismos de avaliação Falta de capacidade técnica e gerencial Carência de participação adequada do Terceiro Setor e do mercado em determinadas fases do processo de gestão” Conforme apontado acima, a falta de integração entre os diversos organismos que atuam na região se apresenta como uma das principais causas dos descaminhos da gestão desta área de importância vital para todos. Caso B: A Gestão Administrativa das Forças Armadas É bem conhecida a dificuldade que a maioria dos países encontra para fazer operar de forma integrada as suas Forças Armadas. De fato, poucos países, como a França, conseguiram realmente unificar de forma abrangente as suas forças militares. No Brasil, a criação do Ministério da Defesa, na gestão do Presidente Fernando Henrique, teve justamente este objetivo. Não pretendemos analisar aqui até que ponto esta integração vem ocorrendo, desde então, no tocante à integração da parte operacional, isto é, finalística de nossas Forças. Iremos nos ater exclusivamente à parte de sua gestão administrativa. E, infelizmente, a constatação é de que muito ainda resta a ser feito neste campo. De fato, constituindo um dos principais orçamentos do país, a otimização da gestão administrativa de nossas Forças Armadas seria de grande importância, pois recursos nela economizados poderiam ser prontamente utilizados para reforçar atividades da parte finalística, como por exemplo, as importantes atividades de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de emprego militar. Infelizmente, a falta de integração entre os serviços administrativos das três Forças, prejudica a otimização que se poderia alcançar. Apesar dos esforços do relativamente novo Ministério da Defesa, nota-se que ainda persiste um acentuado distanciamento entre os procedimentos administrativos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Isto acarreta replicações desnecessárias, como é o caso do desenvolvimento em separado de softwares para funções administrativas inespecíficas, a perda de economias de escala na aquisição de materiais e equipamentos de uso comum, o não aproveitamento, de forma regular, da prestação conjunta de serviços de natureza puramente civil para as três Forças (por exemplo, atendimento médico e laboratorial a familiares), etc. Uma análise mais aprofundada das causas desta situação nos leva a conclusões bastante distintas do caso anterior, o da gestão da Amazônia, pois, ao contrário desta, em se tratando das Forças Armadas, as responsabilidades estão muito bem definidas. Por que então não se verifica uma gestão administrativa mais integrada? Diversas razões costumam ser apontadas, tais como a existência de corporativismos, com as quais não concordamos, certos de que nossos militares teriam o máximo interesse em favorecer suas áreas finalísticas ao reduzir gastos desnecessários com as áreas administrativas. É preciso, portanto, buscar causas mais profundas, ou melhor, propostas que ataquem, verdadeiramente, a raiz da questão. Na última seção deste trabalho procuraremos avançar nesta direção.
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Caso C: Municípios brasileiros de acentuada pobreza apesar de abrigarem importantes e bem sucedidos empreendimentos industriais Esta impressionante situação paradoxal, lamentavelmente, repete-se em diversas localidades do Brasil. Ela adquire maior complexidade quando se constata que os parques produtivos instalados nestas localidades efetivamente transferem, sob a forma de impostos ou royalties, renda significativa aos municípios onde atuam. Entretanto, esta renda não é devidamente aproveitada nem para a melhoria das condições sociais atuais nem para a alavancagem de um possível futuro auto-sustentável, preocupação importante face ao inexorável esgotamento futuro dos recursos naturais hoje explorados pelos empreendimentos locais. Um município emblemático das contradições citadas foi alvo de projeto para constituição do seu Plano Diretor, que conduzimos. Trata-se do município de São Francisco do Conde, situado no Recôncavo Baiano, e que apresenta o maior PIB per capita do país, embora ocupando a 2.735ª posição no ranking do IDH dos municípios brasileiros (IBGE: 2004). As análises do amplo material recolhido no projeto realizado permitem extrapolações para outros municípios do Recôncavo e para outros municípios como os do Norte Fluminense recebedores de royalties do Petróleo, os municípios do Pará que abrigam importantes projetos de mineração, etc. De fato, somadas as produções de todas essas regiões, obtém-se parcela bastante significativa do PIB nacional. Se socialmente recuperadas, estas localidades teriam forte efeito irradiador nas regiões sob sua influência (Almeida: 1985), evitando-se uma migração futura dos seus habitantes ao fim da exploração de seus recursos naturais (que normalmente ocorre rumo aos saturados grandes centros urbanos). Portanto, sofrem as populações destas regiões e sofre o país como um todo por não aproveitar as suas riquezas adequadamente. Novamente, constata-se que, também neste caso, as políticas públicas, não têm oferecido soluções adequadas para o tratamento destas regiões “desbalanceadas”. Nota-se a falta de um modelo capaz de lidar com a situação, o qual não pode ser encontrado dentro da economia do modernismo industrial perseguida pelo país nas últimas décadas. Parece que nossos gestores públicos ainda não estão convencidos do previsível declínio deste modelo e, assim, ainda não conceberam mecanismos para lidar com oportunidades relacionadas com a nova condição pós-industrial que o mundo vem descortinando (Drucker:1999). Isto talvez explique porque ficamos como que presos no dilema de como agir em situações em que a indústria não pode oferecer saídas para as crises sociais como desemprego, desigualdade social, etc. É preciso desenvolver-se um novo modelo que possibilite o desenvolvimento de estratégias para arrancar da cilada em que se encontram essas populações das “cidades-gueto”, que é como podemos chamar as regiões que vivem o fenômeno citado. Pelo modelo convencional, pouco ou nada se pode fazer, já que os empreendimentos implantados esgotaram a capacidade de absorção de mais trabalhadores após terem atingido seu limite físico de, digamos, 2 ou 5 mil trabalhadores, deixando de fora os 15 ou 20 mil outros que participaram da fase de construção do empreendimento ou foram, posteriormente, atraídos pelas notícias de riqueza que ele traria para a região. Pelo “estado da arte” da nova era pós-industrial, tudo pode ser feito, sobretudo pela abundância de recursos provenientes dos impostos e royalties pagos pelos empreendimentos. De fato, a verdadeira causa da má aplicação atual dos recursos arrecadados está no despreparo político-educacional da população, facilmente manipulada por políticos desonestos. A adoção de um modelo de desenvolvimento que priorize o Setor Terciário ou de Serviços pode estabelecer um novo paradigma em que o cidadão local passe a ser o protagonista principal da geração de bens e riquezas, e, principalmente, adquira maior capacidade melhor exercer a sua cidadania.
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Ao contrário do modelo rigidamente industrial, fortemente centrado no capital, o modelo misto, que reserva espaço suficiente para as empresas prestadoras de serviços e as produtoras de bens e produtos da sociedade pós-industrial, favorece a formação de sociedades mais equilibradas. Para isso, novas formas laborais deverão ser cogitadas, tais como: cadeias estendidas, arranjos produtivos, cooperativas, serviços turísticos, centros culturais e artísticos, parques temáticos e tantos outros esquemas de produção onde o empreendedorismo, a arte, a cultura e a capacidade de comunicação tenham papel proeminente. Deparamo-nos então com outro exemplo das conseqüências da falta de integração do Setor Público, caracterizado: primeiro, pela má formulação do projeto desses grandes empreendimentos, que poderiam ter reservado uma pequena parcela dos investimentos realizados para educar os trabalhadores contratados, o que teria dificultado a implantação dos “currais eleitorais” que se implantaram na região a posteriori e que vivem a dilapidar as receitas geradas; segundo, criado o problema, pela incapacidade de produzir novos modelos de desenvolvimento social, capazes de superá-lo. A razão aqui é simples. Como a constituição desses modelos requer a participação de todo um leque de competências espalhados por diversos setores da administração pública, a deficiência de interação entre os mesmos virtualmente impossibilita o desenvolvimento pretendido. Proposta de solução Longe de pretender ter encontrado uma solução mágica para questão tão complexa, a proposta apresentada a seguir visa tão somente contribuir para o fortalecimento do arsenal de medidas que urge serem adotadas para lograr-se um rápido aumento da integração do Setor Público. Primeiramente, vale observar que a integração de processos com vistas a resultados tangíveis e de alto valor para o cliente final não foi obtida nas grandes organizações privadas com facilidade. Aí também imperavam (e em algumas ainda imperam) os feudos funcionais, os setores que resistiam a trabalhar de forma entrosada com os demais. Tanto é que, após o lançamento de suas idéias, que inicialmente ganharam a alcunha de “reengenharia de processos”, Hammer sofreu um forte revés, sendo muito criticado porque suas teorias mostravam-se impraticáveis. Foi somente com o advento dos avanços da tecnologia, que permitiram a criação do chamado “ERPS”2, software integrado apoiado em bases de dados relacionais poderosas e em arquiteturas distribuídas de processadores, que se tornou viável – e de certa forma irreversível – o funcionamento das cadeias de processos empresariais. Com este firme apoio estrutural, fortaleceu-se o papel do outro elemento indispensável para a integração desejada: o chamado “arquiteto” e “orientador” da cadeia de processos. Este profissional é da mais alta importância por vários motivos: Primeiro, porque estamos lidando com funcionalidades amplamente estendidas, que compreendem uma longa série de transações até a constituição do resultado final a ser fornecido ao cliente. É preciso desenhar de forma otimizada toda esta longa cadeia de interações e zelar para que ela funcione corretamente. Segundo, porque as evoluções não cessam de ocorrer, em diversas dimensões. É preciso, portanto, que o “arquiteto” esteja constantemente estudando novos aperfeiçoamentos ou modificações e promovendo os redesenhos que se façam necessários. Ele é um especialista, que conhece profundamente o funcionamento de sua cadeia de processos, e tem capacidade e autoridade para implementar mudanças quando as julgar oportunas. 2
ERPS – “Enterprise Resource Planning System” 6
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Terceiro, porque é preciso ensinar, orientar, motivar os profissionais envolvidos ao longo da cadeia para que ajam de acordo com o planejado, que atuem como um time e que percebam a importância do trabalho de cada um para o resultado final. Quarto, porque toda a cadeia precisa ter sua performance permanentemente avaliada por meio de um conjunto confiável de indicadores. Para o sucesso de sua missão, o arquiteto conta com o poderoso auxílio dos softwares e bases de dados integrados, que criam uma “rede” que canaliza procedimentos, mantendo um funcionamento estável e homogêneo ao longo do tempo. (Antes deles, daí o malogro inicial de Hammer, após a implantação dos procedimentos integrados, com o passar do tempo, os diversos departamentos iam, pouco a pouco, retornando ao status quo ante.) Todos os papéis indicados acima são desempenhados pelo “arquiteto/orientador”, profissional cada dia mais valorizado nas grandes organizações, em muitas delas batizado como o “treinador do time” ou “coach”. No Setor Público nacional (e certamente nos de muitos outros países), as idéias de Hammer ainda não se propagaram devidamente. Mesmo as cadeias de processos de rotina, que lidam com o dia a dia do cidadão e que envolvem diversos organismos, estão longe de estarem otimizadas. São comuns as reclamações quanto à morosidade de processos, caminhos tortuosos e onerosos para todos, principalmente para o cliente, que fica saltando de uma repartição para outra até conseguir resolver sua situação. No caso dos grandes empreendimentos públicos, que em geral tratam de situações novas, ou de maior complexidade, o modelo usualmente utilizado é o da chamada “força-tarefa” ou “comitê interministerial”. Nestes também se observa uma grande ineficiência, pela própria natureza improvisada do comitê, verificando-se falhas freqüentes de falta de definição de responsabilidades, etc. Para tentar aumentar esta capacidade de coordenação inter-organizacional, a Presidência da República vem aumentando as responsabilidades do seu Gabinete Civil, que passou a ser o grande articulador e coordenador dos principais projetos nacionais. Embora isto tenha trazido maior eficiência à gestão de temas que envolvem múltiplos organismos, muitas lacunas ainda se verificam, dada a grande quantidade de projetos inter-organizacionais do país. Por outro lado, não existe uma continuidade destas ações quando ocorrem transições de governo, mudando-se então todo o foco de ações do Gabinete Civil. A proposta que gostaríamos de ver estudada com maior profundidade é a seguinte: Desenvolvimento de um modelo onde ficasse instituída, de maneira permanente, a função de “arquiteto/orientador de processos”. Os profissionais que viessem a desempenhar esta função seriam selecionados, capacitados e investidos formalmente do cargo correspondente. Seria uma espécie de “nova carreira” dentro do Setor Público, cujos funcionários poderiam percorrer funções de complexidade crescente à medida que fossem adquirindo maior experiência. Ao assumir a responsabilidade por uma determinada cadeia de processos, seriam investidos da autoridade e recursos necessários. Duas questões emergem prontamente: 1) Como resolver eventuais conflitos de autoridade entre o arquiteto/orientador e as chefias dos funcionários envolvidos ao longo da cadeia de processos? 2) A que organismo do Setor Público ficariam vinculados esses profissionais? A resposta à primeira questão envolve o esclarecimento de que o arquiteto/orientador não tem uma função de ‘responsável’ direto pelo resultado. Ao contrário, sua função principal é apoiar o time de trabalho na obtenção do resultado desejado. Treinar, rever procedimentos, entrosar pessoas, especificar sistemas, criar indicadores para mensuração do desempenho da cadeia, este é o seu papel. Evidente que, para exercê-lo devidamente, ele deve possuir a consideração necessária, ter livre acesso a informações, ser atendido nos agendamentos de reuniões e treinamentos que promover, etc. 7
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Ou seja, ele prepara o caminho, o estuda e o aperfeiçoa, mas não executa nem chefia qualquer transação operacional. Assim sendo, não existirão conflitos de autoridade, pois o arquiteto atua off-line, as atividades operacionais continuando, como antes, sob a responsabilidade das chefias dos diversos organismos envolvidos. Claro que, na ocorrência de dúvidas ou disputas entre organismos, a palavra do arquiteto de processos deverá ser sempre fortemente considerada. Quanto à segunda questão, claramente não existe hoje nenhum organismo de governo com este perfil, embora existam ministérios como o da Casa Civil e o do Planejamento que exercem funções semelhantes em relação a determinados setores do país. Numa eventual discussão aprofundada desta proposta, isto teria que ser equacionado, a dúvida residindo mais do ponto de vista político do que do ponto de vista técnico. O importante é que, uma vez estabelecido, este novo organismo e seus funcionários sejam implantados “para durar”, de modo que possam adquirir, progressivamente, a maturidade necessária para que suas ações frutifiquem. Bibliografia Hammer, Michael e Champy, James (1993), “Reengineering The Corporation - A Manifesto for Business Revolution”, USA, Collins Business Essentials Kaplan, Robert e NORTON, David (1997), “A estratégia em ação: balanced scorecard”, Rio de Janeiro, Ed. Campus. FGV (2004), Diversos autores, Coordenação de Antonio Bogado, “Gestão Integrada da Amazônia”, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas Silva Pinto, Luiz Fernando, opus cit. Lustosa, Frederico e Peci, Alketa, opus cit. IBGE (2004) ALMEIDA, Rômulo (1985), “Nordeste: desenvolvimento social e industrialização”, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra e Brasília, CNPq. DRUCKER, Peter (1999), “Management challenges for the 21st century”, New York, HarperCollins Publishers Resenha biográfica Antonio Luiz Bogado Fernandes - Diretor de Planejamento, Ultra Green Group Ltd - R. Farme de Amoedo, 56, grupo 502/503 – CEP 22420-020 - Rio de Janeiro - RJ - www.ultragreengroup.com Formação: - Engenheiro Eletrônico – IME - M.Sc. – COPPE/UFRJ - D.E.A. – Université Paul Sabatier – Toulouse – França Funções e cargos já exercidos: - Professor Adjunto do Depto. Eng. Elétrica – Universidade Federal do Rio de Janeiro - Chefe do Depto. de Eletrônica – CEPEL – Eletrobras - Diretor Técnico-Industrial – Elebra Controles – São Paulo - Diretor de Tecnologia da Informação – Boucinhas & Campos – Rio de Janeiro - Consultor Sr – Deloitte Consulting – São Paulo - Gerente de Projetos – Hewlett Packard – São Paulo - Coordenador de Projetos e consultor – Fundação Getulio Vargas 8