Bagno. Preconceito Linguístico (resenha).docx

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RESENHA

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. 56ª ed. rev. ampl. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.

No campo das humanidades não são nenhuma novidade as discussões em torno dos casos de intolerância que se valem da língua como uma arma para segregar e subjugar indivíduos e grupos humanos. O que diferencia Preconceito linguístico de outras obras é o modo peculiar como aborda esse problema. Marcos Bagno não faz concessões, por assim dizer, “diplomáticas” às posições adversárias, mas trava um combate a tudo aquilo que entende como sendo retrógrado no que tange aos fenômenos linguísticos. Tudo isso visando construir uma concepção e novas práticas de linguagem – sobretudo as especificamente voltadas ao ensino de Língua Portuguesa – mais sintonizadas com os avanços científicos alcançados pela ciência linguística e com as aspirações de democratização de nossa sociedade. Em que pese certa virulência excessiva de alguns de seus comentários, o propósito de denunciar para rever paradigmas não só é válido, como é necessário. Crença pessoal alicerçada em ideias ultrapassadas acerca da realidade, que podem levar a práticas discriminatórias, o preconceito, em qualquer de suas facetas, é uma marca da ignorância de quem o produz, além de ser um procedimento ideológico elitista. Ignorância porque negligencia – ora involuntária, ora conscientemente – os avanços do conhecimento humano que destroem as crenças preconceituosas. E artifício ideológico porque reforça estados de injustiça e desigualdade, enquanto distorce a realidade que engendra esses mesmos estados. O que Bagno faz é mostrar de que maneira o preconceito se manifesta no âmbito dos fenômenos linguísticos, suprimindo o direito à fala dos segmentos sociais marginalizados, que não se expressam do modo que é cultuado pelas elites da sociedade. O autor do livro desvela a essência mitológica dos discursos predominantes sobre a linguagem, que veiculam a ideia de que há um único padrão de uso da língua – socialmente imposto pelas elites monopolizadoras dos bens materiais e culturais, diga-se de passagem – e que ele é superior às demais variantes efetivamente falada pelos indivíduos. Tais mitos teriam em comum o fato de estarem alicerçados em um ideal artificial de língua, a chamada “norma-padrão” ou “norma culta”, que foi historicamente forjado a partir da influência das gramáticas do grego e do latim antigos na formação da língua portuguesa e nas regras de uso depreendidas de textos escritos pelos autores do cânone literário luso-brasileiro até o final do século XIX. Esse modelo ainda hoje está na base dos programas de ensino de língua materna em todo o país e é constantemente reforçado pelos discursos produzidos pelos gramáticos tradicionais nos grandes meios de comunicação. Em conjunto, esses dois elementos formam os comandos paragramaticais, que atuam no sentido de perpetuar os preconceitos, ditando o que consideram ser “certo” ou “errado” e condenando, assim, os falares considerados por tais comandos desviantes do “bom português”. O autor sustenta a tese de que os discursos disseminadores do preconceito linguístico somente poderão ser devidamente combatidos se houver uma mudança radical de atitude por parte de todos os cidadãos, com destaque para os profissionais que lidam mais diretamente com o ensino ou a difusão da língua, dentre ele os professores de língua portuguesa, linguistas e agentes da mídia.

Tal mudança começa com uma revisão das concepções sobre a língua, no intuito de quebrar as mistificações produzidas pela gramática tradicional com a difusão das conquistas científicas alcançadas pela linguística. Em segundo lugar, Bagno propõe que o ensino da língua materna seja reformulado à luz dessas conquistas, no sentido de democratizar o saber científico sobre a língua a todos e para tornar o ensino mais eficaz no objetivo de letrar os estudantes, de ensiná-los a ler e a escrever os mais variados tipos de textos, porém respeitando a identidade deles em sua plenitude, o que inclui os modos como se expressam por meio da linguagem. Preconceito linguístico, publicado pela primeira vez em 1999, é uma obra incendiária do início ao fim. E não é apenas devido à sua forma, mas sobretudo ao seu conteúdo. O caráter simultaneamente iconoclasta e programático de suas principais teses parece estar ligado ao estilo polemista e francamente engajado de Marcos Bagno na constituição de todo o texto. Se por um lado é evidente a preocupação do autor em denunciar os danos sociais, culturais e propriamente linguísticos de se insistir em reproduzir preconceitos, por outro lado sua acuidade científica não se descuida de apoiar sua argumentação em uma variedade de exemplos da língua, analisados de uma perspectiva sociovariacionista. Essa capacidade de conciliar militância e atividade científica é um traços mais enobrecedores deste livro. Sua quinquagésima edição é outra demonstração de que um pouco de polêmica, desde cientificamente direcionada, não é somente salutar para instigar o debate social acerca de temas importantes para o conhecimento e para a sociedade, mas também para promover o pleno desenvolvimento de ambos.

Jonatas Henrique da Silva 2º semestre de 2017

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