QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO MARTA CRISTINA WACHOWICZ A modernização das empresas através da informatização, reengenharia, células de produção, logística, participação nos resultados, estruturas matriciais, gerenciamento de projetos, estabeleceu parâmetros de aceitação, liderança e inovação, associando a missão e a visão organizacional na busca da excelência dos produtos e serviços. Vivenciamos então, a “era da qualidade”, do cliente em primeiro lugar, do marketing agressivo diante de consumidores muito mais exigentes. A estrutura organizacional valoriza a competência voltada para resultados e, dentro deste desafio, a Qualidade de Vida no trabalho – QVT - desponta como um fator motivacional do desempenho humano no trabalho. Para Chaves (2001), a tecnologia de QVT compreende a reestruturação do desenho dos cargos, das novas formas de organizar o trabalho, da formação de equipes de trabalho semi-autônomas ou auto-gerenciadas e das melhorias do ambiente organizacional. O autor ainda define, a QVT, como uma maneira de pensar a respeito das pessoas, do trabalho e da organização tendo em vista o impacto do trabalho sobre as pessoas e a eficácia organizacional, bem como, a perspectiva de algum grau de participação na resolução de problemas. Rodrigues (2001) analisa as teorias administrativas desenvolvidas por estudiosos do comportamento para determinar uma espécie de “origem” da QVT. O autor inicia com as pesquisas de George Elton Mayo (1880-1949), psicólogo americano, conhecido como um dos fundadores da escola de relações humanas
da filosofia da administração, por desenvolver uma experiência pioneira, em 1927, sobre as influências da iluminação na produtividade, índice de acidentes, fadiga e monotonia, tentando assim, demonstrar a influência de aspectos psicológicos e sociais que contribuem para a qualidade de vida do trabalhador. Na seqüência, Rodrigues (2001) associa, a hierarquia de satisfação das necessidades de Maslow, classificada em fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de auto-realização (anteriormente descritas) com as premissas da Teoria X e da Teoria Y de Douglas McGregor (1906-1964). A base desta abordagem da administração científica está em descrever a natureza do comportamento humano em duas premissas: a primeira, Teoria X, afirma que há pessoas que apresentam uma aversão inerente ao trabalho e o evitará a todo o custo, ou seja, pessoas que detestam trabalhar evitam responsabilidades, possuem relativamente pouca ambição e, sobretudo, querem somente segurança (estabilidade) profissional. A Teoria Y é uma filosofia contrária, que concebe os indivíduos como entusiasmados pelo
trabalho,
dedicados
aos
objetivos
organizacionais,
automotivados,
responsáveis e criativos, ou seja, são trabalhadores que fazem uso de todas as suas qualidades para a solução dos problemas da empresa e vêem o trabalho como fonte de satisfação. Outro autor citado por Rodrigues (2001) nesta cronologia da QVT, é o psicólogo Frederick Herzberg que oferece uma importante contribuição sobre os fatores higiênicos e motivadores dentro das empresas, indicando a existência de fatores que produzem satisfação no trabalho, e que estes são distintos de outros que produzem insatisfação.
Os fatores higiênicos estão relacionados aos salários e benefícios (plano de saúde, prêmios, carro da empresa); condições de trabalho (instalações, equipamentos, horas de trabalho); política da empresa (regras formais/prescritas e informais); status (natureza e prestígio do cargo na hierarquia); segurança no trabalho (condições físicas de segurança, estabilidade); e supervisão (grau de controle que o empregado tem sobre o trabalho que executa). Os
fatores
motivadores
estão
relacionados
com
a
responsabilidade,
reconhecimento da capacidade de trabalho (desempenho), desafios, realização e crescimento profissional. Os estudos de Herzberg afirmam que o enriquecimento do cargo proporciona oportunidades para o desenvolvimento psicológico do trabalhador, ao passo que a ampliação do cargo, ou alargamento das tarefas, simplesmente oferece um cargo estruturalmente maior. Rodrigues (2001) ainda apresenta um excelente e descomplicado resumo sobre as definições evolutivas da QVT que se pode analisar no quadro que segue:
PERÍODO
FOCO
1959/1972
Variável
DEFINIÇÃO A QVT foi tratada como reação individual ao trabalho ou às conseqüências pessoais de experiência do trabalho.
1969/1975
Abordagem
A QVT dava ênfase ao indivíduo antes de dar ênfase aos resultados da empresa, mas, ao mesmo tempo era vista como um elo dos projetos cooperativos do trabalho gerencial.
1972/1975
Método
A QVT foi o meio para o engrandecimento do ambiente de trabalho e a execução de maior produtividade e satisfação.
1975/1980
Movimento
A QVT visa à utilização dos termos “gerenciamento participativo” e “democracia industrial” como ideais do movimento.
1979/1983
Tudo
A QVT é vista como conceito global e como uma forma de enfrentar os problemas de qualidade e produtividade.
Previsão Futura
Nada
A globalização da definição terá como conseqüência inevitável a descrença de alguns setores sobre o termo QVT. E, para estes, QVT nada representará.
Quadro 1: Definições evolutivas da Qualidade de Vida no Trabalho. NADLER & LAWLER, 1983, p. 22-24 in RODRIGUES, 2001, p.81
Trata-se, assim, uma base conceitual para servir de suporte às novas visões ou teorias sobre o comportamento do indivíduo em relação seu desempenho mediante os efeitos da promoção da qualidade de vida do trabalho. “Qualidade de vida no trabalho é uma compreensão abrangente e comprometida das condições de vida no trabalho, que inclui aspectos de bem-estar, garantia de
saúde e segurança física, mental e social, e capacitação para realizar tarefas com segurança e bom uso da energia pessoal” (FRANÇA; RODRIGUES, 1999, p. 118).
A origem do conceito, segundo França; Rodrigues (1999), está ligada às condições humana e ética do trabalho, que compreendem desde a exposição a riscos ocupacionais observáveis no ambiente físico, padrões de relação entre o trabalho contratado e a retribuição a esse esforço, com suas implicações éticas e ideológicas, até a dinâmica do uso do poder formal e informal, ou seja, o significado do trabalho. Para Walton (1973, p. 11), “A expressão Qualidade de Vida tem sido usada com crescente freqüência para descrever certos valores ambientais e humanos, negligenciados pelas sociedades industriais em favor do avanço tecnológico, da produtividade e do crescimento econômico”. Moscovici (1996) relata sobre a “síndrome de labormania” ou workaholics. O surgimento da labormania está vinculado com o nível de responsabilidade, pressão e exigência da função que o trabalhador ou executivo exercem. A autora afirma que a pessoa “louca por trabalho” sofre de uma espécie de intoxicação pela atividade laborativa que acaba por afetar a saúde física, mental e emocional da mesma forma que provocada pelas drogas. Esta síndrome foi identificada e estudada inicialmente nos Estados Unidos, vindo depois a ser verificada em outros países industrializados e desenvolvidos. Estudos realizados com executivos brasileiros corroboram a idéia de Moscovici. A pesquisa de Couto (1996), realizada com mais de 6.000 executivos e gerentes de diferentes empresas e em diversos estados brasileiros afirma que 45% destes
executivos apresentam alto nível de estresse, 27% apresentam baixo nível de estresse e somente 28% com estresse leve e moderado. Quando surge o estresse e suas conseqüências, as queixas psicossomáticas (dores na coluna, cabeça, braços e/ou o aumento da pressão arterial, da concentração de açúcar no sangue, da irritabilidade) eles não são unicamente expressões de doenças, como aparentemente se acredita, mas sinalizam pressões externas que precisam ser compreendidas e gerenciadas para se atingir o bem-estar e desempenho adequado no trabalho. A compreensão dos sintomas psicossomáticos pode significar, para França; Rodrigues (1999), aspectos organizacionais e pessoais importantes, como, por exemplo: falta de disposição para o trabalho, demonstração de sofrimento e depressão, relacionamento interpessoal comprometido, falta ou excesso de sono e fome. Qualidade de vida é, antes de tudo, uma nova atitude diante da necessidade de trabalhar competitivamente com bem-estar, atrelando programas de qualidade com compromissos de inovação, resgate de talentos, limites das necessidades humanas, desenvolvimento de habilidades, preservação do meio ambiente, otimização da comunicação e dos desafios pessoais e profissionais. A falta de QVT abre um imenso precedente para o adoecimento físico, mental e emocional dos trabalhadores. Guimarães; Grubits (1999) ressaltam a necessidade de se introduzir políticas que visem à QVT, sensibilizando os empregadores e instituições, para o impacto econômico dos problemas decorrentes da sua falta ou pouca valorização expressos na performance reduzida, nos altos índices de
absenteísmo, na rotatividade do trabalho (turnover), nos acidentes de trabalho, e em um contexto geral, no adoecimento do trabalhador. As doenças ocupacionais podem ser decorrentes da sobrecarga e da subcarga de trabalho, tanto qualitativa quanto quantitativas, das pressões advindas das responsabilidades pela tarefa a ser desenvolvida, dos relacionamentos com colegas e chefias, da segurança profissional, das perspectivas de reconhecimento de ascensão, da baixa autonomia, da imposição de normas e horários, das restrições de comportamentos, etc. Glina; Rocha (2000) afirmam que a situação saudável de trabalho seria a que permitisse o desenvolvimento do indivíduo, alternando exigências e períodos de repouso, numa interação dinâmica homem-trabalho-ambiente. As características de personalidade mediam os fatores estressantes do ambiente e os sintomas. Estresse não é uma doença, mas sim uma tentativa de adaptação ao meio ambiente, aos fatores da organização do trabalho, mas, se não for amenizado, poderá desencadear e/ou agravar as doenças ocupacionais. A Previdência Social entende por doença profissional aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinado ramo de atividade constante do Anexo II, do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº. 3.048, de 06/05/1999, e por doença do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante do Anexo citado anteriormente. (www.previdenciasocial.gov.br)
O Ministério da Saúde, junto à Coordenação de Saúde do Trabalhador, estabelece uma lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, baseada na relação de agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional constantes do Anexo II, do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, ampliada e atualizada, disposta segunda a taxionomia, nomenclatura e codificações do Código Internacional de Doenças - CID-10, Brasília, maio de 1999. O CID-10 abrange 19 grupos de doenças de natureza ocupacional classificadas como doenças infecciosas e parasitárias; neoplasias (tumores); do sangue e dos órgãos hematopoéticos; endócrinas, nutricionais e metabólicas; transtornos mentais e do comportamento; do sistema nervoso; do olho; do ouvido; do sistema circulatório; do sistema digestivo; do sistema respiratório; da pele e do tecido subcutâneo; do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo; do sistema genito-urinário; traumatismos e envenenamentos. Cada um dos grupos mencionados anteriormente apresenta várias outras classificações de doenças, agentes etiológicos e riscos de natureza ocupacional. Por exemplo, O Grupo V da CID-10, é referente aos Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho. Neste grupo estão classificadas diferentes doenças como a demência, delirium, neurastenia (Síndrome da Fadiga), transtornos neuróticos, transtornos do Ciclo Vigília-Sono devido a fatores nãoorgânicos, Síndrome de Burn-out, e mesmo a demência por estar relacionada à exposição ao manganês, substâncias asfixiantes e ao sulfeto de carbono. Cada uma destas classificações apresenta seus diferentes agentes etiológicos.
A qualidade de vida no trabalho está inserida na ergonomia, pois ambas têm seu campo de atuação de forma holística. A empresa que está atenta a estes aspectos sabe que todos os investimentos feitos nestas áreas surtem efeitos imediatos, não somente no retorno financeiro, mas junto ao trabalhador que se sente valorizado e respeitado.