A Atmosfera Urbana
Profª Drª Magda Adelaide Lombardo
1. A Atmosfera Urbana O processo de urbanização produz uma mudança radical na natureza da superfície e nas propriedades atmosféricas da cidade. Essa transformação envolve mudanças na geometria da radiação e da insolação (alterações no albedo da cidade, no balanço térmico, nas características da umidade e da aerodinâmica e no balanço hidrológico); causando anomalias verificadas na temperatura do espaço urbano repercutindo, assim, no seu perfil térmico.
Existe uma gama de relações sócio-econômicas presentes na produção do espaço urbano, caracterizado nas formas da arquitetura (centros comerciais com elevados edifícios, áreas residenciais populares com casas justapostas, condomínios horizontais, sub-habitações ou favelas etc.) e no dinamismo das funções urbanas (fluxo de veículos, atividades industriais etc.), que ocorrem sobre as características geoecológicas primitivas do local, e encontram-se implícitas no processo de formação e desenvolvimento do clima da cidade .
Clima urbano é a “modificação substancial do clima local que, em relação as condições climáticas das demais áreas circunvizinhas, apresentam maiores quantidades de calor e modificações na composição da atmosfera, na ventilação e na umidade. Podemos destacar, ainda, que no contexto do clima urbano, as alterações são notáveis não só nas derivações climáticas distintas em relação ás áreas circunvizinhas, mas também dentro do interior de uma mesma cidade.
Oke (1981) verificou que à medida que correntes de ar vindas das áreas rurais chegam à cidade, encontram uma atmosfera diferenciada e estratificada com características próprias. Desse modo, ele propôs a divisão da atmosfera urbana em 2 camadas, sendo essa amplamente aceita:
•Canopy Layer (Camada Intra-Urbana) – estratificada abaixo do nível dos telhados. É produzida pelos processos em microescala localizados nas ruas, entre os prédios etc. A natureza ativa dessa superfície produz uma considerável complexidade de fatores atuantes. •Urban Boundary Layer (Camada Limite da Influência Urbana) – estende-se acima do nível dos telhados. É um fenômeno localizado, com características produzidas pela natureza da superfície urbana, cuja rugosidade, proporcionada pela presença de prédios relativamente altos, provoca uma aerodinâmica particular. A velocidade do vento se reduz, mas ocorre um aumento da turbulência e no arrasto produzidos pela fricção do ar.
Esses fenômenos não se apresentam isolados no perímetro urbano. O limite de influência é maior durante o dia, onde existe um aumento da convecção do ar aquecido pelos processos térmicos ou mecânicos (elevação do ar pela rugosidade da superfície). À noite, a camada limite se contrai devido à estabilização vertical. Contudo, a convecção forçada é capaz de desestabilizar o ar da zona rural durante a noite, produzindo advecção sobre a cidade.
Assim, podemos dizer que a Camada Limite Urbana apresenta, um perfil vertical térmico diferente das áreas adjacentes rurais, devido principalmente ao fluxo de calor sensível, antropogênico ou não; liberado pela camada intraurbana, além de um previsível arrasto do ar friccionado, em movimentações provocadas pela Ilha de Calor.Podemos assim, constatar que as alterações climáticas produzidas pela urbanização, não restringem-se apenas ao nível local, mas são também exportadas para o ambiente circundante.
A urbanização em porções fisiográficas marcantes (vertentes, fundos de vales, áreas elevadas etc.), gera condições climáticas especiais no interior dessa mesma área urbana originando-se as alterações topoclimáticas. Também são criadas condições especiais de circulação até mesmo nas proximidades do solo, através de trocas energéticas entre feições ou estruturas particularizadas (edificações, plantas, objetos etc.), gerando alterações microclimáticas.
Conceito de Canyons urbanos: composto da totalidade dos microclimas dos canyons urbanos a estrutura térmica da cidade sentida pelos citadinos. Conceitua-se como canyons urbanos, os corredores de edificações altas e concentradas separadas por ruas; devendo se considerar para tal a relação entre as dimensões altura, largura e comprimento das construções urbanas e as propriedades térmicas dos materiais que os constituem (cobertura do solo, materiais de construção etc.).
Assim, temos como fatores que influenciam o microclima dos canyons, os seguintes fatores: • O calor antropogênico produzido pelo movimento de pessoas, tráfego de veículos, pelo aquecimento das casas e prédios próximos. • Diminuição na perda de ondas longas (infravermelho) causada pela redução do fator visão do céu pela geometria dos canyons. • Grande capacidade de estocar calor, assim como de reemití-lo, causada pelas propriedades térmicas dos materiais de construção. • Aumento do fluxo de calor sensível causado pela diminuição da evaporação, o que por sua vez é causada pela ausência de vegetação e da superfície permeável. • Convergência do calor sensível, causada pela redução da velocidade do vento na camada intrab
As principais alterações ocorridas no meio ambiente devido a urbanização são: a poluição atmosférica, mudanças na umidade, na precipitação, na radiação, na visibilidade, na temperatura e nos ventos. A poluição do ar agrava os problemas do clima urbano. Mesmo em cidades de pequeno e médio porte, a poluição se torna um problema significativo quando aliam-se canyons estreitos, tráfego intenso e tipos de tempo que provocam inversões térmicas. Talvez o mais grave efeito da poluição sobre o clima da cidade é a diminuição da radiação solar das cidades; pois desse deriva-se outros sérios problemas, como: diminuição da visibilidade, aumento da temperatura, formação de ilhas de calor, criação de núcleos de condensação e conseqüentemente, no aumento da precipitação nas áreas urbanas.
A influência das construções na dispersão da poluição pelas correntes de vento.
Comportamento da pluma de poluição avançando sobre (a) o litoral num bom dia de primavera (baseado em Lyons e Olsson, 1973), e (b) sobre uma cidade numa noite de céu claro e ventos suaves
Oke (op citi), coloca que o aumento da velocidade dos ventos diminui os contrastes de umidade entre os meios rurais e meios urbanos. Contraste esse que tende a destacar uma redução da umidade relativa no meio urbano, em relação às áreas rurais (os materiais das superfícies urbanizadas se tornam impermeáveis, fato que faz com que a umidade aumente conforme se distancia do centro para a periferia).
As correntes de vento, por sua vez, quando entram em contato com as rugosidades das formas urbanas, têm sua velocidade diminuída, o que aumenta sua turbulência; tornando-a diferente da dos meios circundantes. Esse fato, aliado ao problema das ilhas de calor, gera um aumento da precipitação. A poluição, assim, gera núcleos de condensação nos espaços urbanos; esses, por sua vez, acentuam-se ainda mais com o acréscimo de vapor d’água aliado à convecção térmica provocada pela ilha de calor e pela turbulência do ar (devido à rugosidade urbana).
2. O Campo Térmico das Cidades O ar da cidade é geralmente mais quente do que de suas áreas adjacentes. Esse efeito da ilha de calor urbana é provavelmente o melhor e mais claro exemplo das modificações climáticas sofridas pela cidade. A apresentação exata desse fenômeno varia de acordo com o tempo e o espaço, sendo resultado das condições metereológicas, locacionais e das características urbanas de cada lugar.
Com a expansão das cidades, há geralmente uma diminuição das áreas verdes e de suas superfícies líquidas, que são substituídas pelo asfalto e pelo concreto, resultando em áreas impermeabilizadas. Nestas áreas, há um aumento nas temperaturas, uma vez que, com a umidade reduzida nestas superfícies, parte da energia solar incidente não será gasta no processo de evaporação, sendo usada então no aquecimento do ar. Graças a isso, o calor recebido por essas áreas continua a ser liberado no ambiente, mesmo após o pôr-do-sol; contrastando a temperatura dessas áreas com a do ambiente circundante.
A intensidade desse aquecimento está relacionado a capacidade térmica dos materiais e da superfície envolvida; isto é, a capacidade de absorver e refletir a radiação solar. Chamamos de albedo, a essa capacidade de um material de refletir a radiação solar incidente; sendo que a capacidade de reflexão é maior à medida que a superfície é mais lisa e mais clara. Assim, quanto maior capacidade de reflexão tiver um material, menor radiação irá absorver.
A reflexão da radiação solar, também depende do desenho geométrico do conjunto urbano. Nos canyons urbanos (já tratados no item anterior) a capacidade de reflexão é menor do que nas áreas abertas; pois o desenho e a altura dos edifícios causam um sombreamento ao nível do solo (sky view factor).
Segundo esse raciocínio, podemos afirmar que a intensidade da ilha de calor aumenta das áreas centrais para as áreas periféricas; pois nessas concentram-se os principais fatores de formação de ilhas de calor: adensamento das edificações, tráfego intenso de veículos automotores, atividades industriais etc. Para Lombardo (1985) as condições ideais para o desenvolvimento da ilha de calor são condições de estabilidade, com céu claro e calmaria, propiciando a ocorrência de movimentos convectivos do ar. Esses fatores devem ser aliados ao fator topografia e poluição, para obtermos, assim, condições propícias para sua formação.
Conhecidas as condições de formação das ilhas de calor; podemos afirmar que sua formação está diretamente relacionada ao uso do solo. Ambientes densamente urbanizadas tendem a gerar ilhas de calor; ao passo que, a presença de corpos hídricos e de vegetação tendem a amenizar as taxas de aquecimento nessas proximidades. Desse modo, podemos afirmar que uma boa arborização é um fator muito importante para o reequilíbrio do clima urbano em qualquer latitude; se tornando ainda mais importante, para as cidades tropicais. Outros fatores também podem atenuar as ilhas de calor; a forma da geometria urbana, o uso do solo e a topografia, aliadas as condições metereológicas além de atenuar seus efeitos, podem chegar a promover a diminuição da temperatura da mesma.
Efeito das Construções sobre as radiações solares. • Espaços abertos. As radiações retornam livremente à atmosfera. Áreas suburbanas de edificações térreas isoladas. Parte das radiações é absorvida pela relva e parte é refletida até as paredes das casas e daí até o solo ou para a atmosfera. • Áreas internas de edifícios de baixa altura. As radiações incidem sobre a fachada e são refletidas até os muros dos edifícios em frente, até o solo da rua e para a atmosfera. • Áreas internas de edifícios altos. Ao nível das ruas só chegam às radiações refletidas pela
3. As Escalas do Clima na Cidade O clima urbano é, segundo Lombardo (1985),
“um mesoclima que inclui topoclimas e microclimas”; considerando como definição desses conceitos: Topoclima: “climas dependentes das características do
Substrato, tais como topografia, tipos de solo, ocupação vegetal, etc.); Microclimas: “climas de áreas reduzidas junto ao solo, nas quais há grandes variações verticais e horizontais dos valores dos vários elementos climáticos” .