O vídeo como instrumento pedagógico Rogério Santana* A produção videográfica pode ser usada como instrumento pedagógico no processo de significado de aprendizagem. Quando pensamos no uso educativo do vídeo, duas principais possibilidades aparecem: a participação ativa do aluno ao assistir a um vídeo, interpretando o conteúdo das formas audiovisuais; e a produção desse vídeo, o aprendizado da escritura da mensagem. Não sou professor – considero esta uma vocação, mais que habilidade profissional. Escolhi por profissão o estudo da produção de cultura por parte dos seres humanos. Um antropólogo assemelha-se a um etólogo, biólogo que estuda o comportamento de animais como golfinhos ou chimpanzés e bonobos, detectando nesses formas rudimentares de cultura, encontráveis também entre muitas outras espécies de mamíferos e pássaros. Nesses, existe-coexiste a aprendizagem adquirida por meio de mensagens não-biológicas, passadas e compreendidas por membros da espécie. Nas formigas, que não têm cultura, essa transmissão se chama trofolaxe. Quando passamos o dedo em volta de uma formiga no chão, cortamos não apenas o rastro químico deixado por outras formigas, mas a possibilidade do reforço comunicativo que une e mantém a ordem social do formigueiro – a trofolaxe. Nossa organização mental dos objetos, dos conceitos e valores que aprendemos, realiza-se na linguagem. Essa atividade emocional e intelectiva nos possibilita interagir com o mundo a ser descrito de forma extensiva, projetando-nos material e simbolicamente para além da situação onde nos encontramos no enunciamento. Na linguagem, nos relacionamos a fatos passados ou futuros, interpretando, planejando ou modificando o significado do que vivenciamos. Como a aprendizagem em nossa sociedade ocorre por meio da prática pedagógica, torna-se importante, em termos culturais, ter conhecimento de como acontece o ato educacional em diferentes sociedades. Os grupos humanos espacial e historicamente resolveram o ato educacional por várias combinações de recursos disponíveis, criando maneiras diversas de utilização desses recursos: o mito, a religião, a arte, o esporte, o jogo..., todos com a finalidade de internalizar os princípios da sociedade que os criam. A criação de linguagem, assim como a escrita ou a música, demanda por parte de quem aprende, uma instrução, dado que são necessários instrumentos, neste caso, algo que escreva e algo que possa ser musicalmente manipulado. Com o vídeo passa-se o mesmo. Existe para este instrumento uma pré-condição de operação, a situação autoral de uso que necessita, por parte de quem opera, competência expressiva para construção da mensagem. A alfabetização, assim como o ensino de outras linguagens, tais como a matemática ou a música, nos possibilita outros modos de significação. Embora não seja verdadeiro afirmar que esta possibilidade autoral, em nossa sociedade, é reduzida devido a fatores de ordem econômica e cultural, os alunos não são em sua maioria, preparados para produzir outras linguagens que não a escrita. A produção videográfica poderia ser comparada à escrita. O câmera, o editor e o diretor têm por função inscrever em determinado suporte – a fita de vídeo – acontecimentos e percepções da realidade sensível. Isso proporciona-lhes o direito de se constituírem produtores de sentido, diferenciando-se da maioria das pessoas, que fica na situação de audiência. Embora esta audiência não seja passiva, não dispõe de meios de materialização de seus significados pelo mesmo suporte tecnológico. A edição, por exemplo, tem a propriedade de fazer transições e construções narrativas que a imagem e o som em si não realizam. Como a escrita, o vídeo coordena os dois principais canais de comunicação: a visão e a fala. Como a escrita, essa apreensão do real não é total, e sua incompletude força a operação de abstrações mentais que dêem conta do sentido como um todo coerente, a interpretação. Considera-se a edição como um processo discursivo. A produção de instrumentos para mediação das funções simbólicas de representação, tem sua história na evolução das técnicas instrumentais e o vídeo é uma de suas etapas mais recentes. Faz parte da tentativa de transportar para um material diferente do percebido, a aparência do que se percebe. Para ilustrar o que venho dizendo, dou exemplo do meu trabalho de campo realizado durante as oficinas de produção videográfica nas escolas e ministrada por uma organização não-governamental e seu projeto – a TV Maxambomba. O assunto que os participantes da oficina editavam na sede da TV Maxambomba, em Nova Iguaçu, era gravidez na adolescência. Os lugares de produção (editor, diretor, produtor, câmera) já haviam sido escolhidos. O diretor-participante, estudante e filho da merendeira da escola, diz ao editor (da equipe da TV Maxambomba, mas somente operando os equipamentos para a editora-participante, que previamente decupou e organizou o argumento em parceria com a roteirista-participante) quais cenas devem ser encadeadas. Em determinado momento, há uma seqüência de entrevistas sobre o assunto. O diretor-participante, entretanto, não gosta da escolha e decide alterar a seqüência e duração deste depoimento. O que é editado assume a seguinte forma: - O que a senhora acha da gravidez na adolescência? A diretora da escola faz uma expressão de perplexidade, uma pausa de dois segundos aproximadamente, e responde com a face admirada:
- Bem, eu...(pausa) acho que é uma coisa séria e que deve ser prevenida (e continua o depoimento). Em seguida o diretor-participante altera a frase da diretora da escola, inserindo depoimentos de uma outra pessoa (uma professora) com entonação e palavras mais incisivas como: - Olha, isso é uma questão de responsabilidade dos adolescentes que têm informação mas não a usam de maneira a evitarem ter problemas (e continua em tom alto e apressado). O resultado, depois de debatido e ironizado (entre editora, roteirista e diretor participantes) chega à forma consensual: - O que a senhora acha da gravidez na adolescência? - Bem eu acho que (expressão de perplexidade e pausa prolongada). Corta e em seguida é inserido o depoimento da professora: - É uma questão de responsabilidade dos adolescentes que tem informação mas não a usam de maneira a evitarem ter problemas (...) Corta e volta o depoimento da diretora, contrastando com a quantidade de informação e relevância do depoimento anterior: - É uma coisa séria e que deve ser prevenida (em tom vago e lacônico). A modificação da seqüência elaborada pela equipe, do ponto de vista do diretor-participante, ganha valor na identificação processual do produto: evidencia-se o poder de expressão (e logo de identificação) que o vídeo tem de definir, simbolicamente, as identidades sociais em jogo na produção... A maneira como foi constituído o discurso videográfico posicionou socialmente dois status distintos e antagônicos: o filho da merendeira torna-se definidor da identidade da diretora da escola expressa no vídeo. Minha afirmação acima de que o vídeo pode ser usado de maneira pedagógica para trabalhar de forma positiva, tanto a auto-imagem individual quanto a coesão coletiva, parte do princípio de inversão descrito. Minha hipótese é que nessas atividades, ocorre uma suspensão das normas cotidianas, ditadas de forma exógena às populações menos instruídas. Para os participantes, assuntos reconhecidos no dia-a-dia, como questionamentos, procedimentos, crenças, hábitos, divertimentos e muitas outras ações de natureza intelectiva e emocional, tais como ao ato simultâneo de ensinar e aprender, passam a acontecer de perspectiva discursiva própria. Durante a pesquisa, desdobramentos comunicativos, psicológicos, sociológicos, econômicos que se tornaram maiores que o escopo pretendido de pesquisa. Entretanto, aproximaram-me melhor da hipótese de que o vídeo é um instrumento apropriável para construção de significados autorais (identitários) de construção estética. Compreendo a fusão discursiva das posições de morador e as diversas posições relativas à produção videográfica como um processo duplo. Aspectos ideológicos e, portanto, sociais e psicológicos, acionam componentes volitivos do comportamento individual. Penso que a utilização de outros modos de produção de significado podem de fato contribuir para uma nova etapa na história das técnicas em educação.
* Rogério Santana Antropólogo, pesquisador da Gerência de Pesquisa e Documentação da MULTIRIO; mestre em Comunicação, imagem e informação pela UFF; pesquisou e desenvolveu trabalhos com vídeo comunitário na TV Maxambomba, em Nova Iguaçu (RJ).
Negro é quase uma ofensa Rogério Santana* “O negro é culpado pela situação existente. O branco pensa mal dele. Mas é ele próprio que dá origem aos desentendimentos. Ficam nos botequins, bebendo sem parar, mesmo que não seja pinga, falam em voz alta, tratam-se com palavrões, andam desalinhados ou relaxados. O negociante não pode firmar uma boa idéia de elementos dessa categoria. E por uns, pagam todos.” Depoimento de um entrevistado a Florestan Fernandes, no livro A integração do negro na sociedade de classes.
Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, cerca de cem milhões de pessoas vindas da África foram traficadas para as Américas. Estimativa essa, altamente passional, tendo em vista a consciência da mea-culpa cultural. Dessa quantia, o Brasil teria comercializado, legal ou ilegalmente, mais ou menos doze milhões. Entre os historiadores, o número oscila entre três e treze milhões. Há diferença? Quando os primeiros africanos escravizados chegaram ao Brasil, eram identificados pelos nomes das regiões de onde procediam. Suas tribos de origem eram consideradas representativas de qualidades próprias do escravizado, úteis para cada tipo de trabalho. O fenótipo e os objetos culturais identificavam o valor da mercadoria. Os boçais, como eram conhecidos aqueles que não falavam o português, e os ladinos, mais adaptados à sociedade colonial, tinham seu preço avaliado em função da procedência. Os traficantes, segundo essa lógica, levavam em conta a inteligência dos Iorubas, a docilidade dos Bantos ou a arrogância do Malês, como marcas naturais de determinada tribo ou etnia. Os que chegavam ao país eram desagregados (o que não impediu que formassem famílias e não permanecessem isolados...), no intuito de não poderem contar com pares próximos que proviessem da mesma cultura. Diferentes de outros povos que se estabeleceram no Brasil, os africanos tiveram que enfrentar, em sua imensa maioria, a violenta e sistemática destruição de seus laços de parentesco. Ao invés de construírem sua história com base na tradição, tiveram que fazê-lo apenas com a bagagem cultural que conseguiram trazer, deixando para traz a maior parte de seus saberes. Assim como os africanos, os escravizados nascidos no Brasil possuíam algo que os agrupava e os distinguia de seus compradores escravistas: a cor. Com o passar do tempo e, principalmente, após a abolição, os crioulos, como eram chamados os descendentes de africanos nascidos aqui, passaram a ser identificados não mais por sua procedência étnico-geográfica, mas por sua cor que dizia, a um só tempo, sua origem e seu status na sociedade colonial. Ocorreu, então, uma mudança histórica dos termos usados para identificar as gerações de descendentes de africanos. Ou seja, como signo corporal, os traços físicos, que antes eram associados à procedência, passaram a designar uma condição. A transformação por que passou a imagem dos africanos no Brasil teve como critério a ser ignorado a procedência geográfica, já que, quase como indesejável, essa população deveria provir e permanecer apenas no imaginário, jamais numa realidade palpável que indicasse a história de seu trajeto até o presente status. A palavra raça, síntese de toda uma ideologia histórica do pensamento ocidental, no Brasil, traz em sua etimologia, elementos mais complexos que merecem ser apontados. Segundo a filósofa Marilena Chauí, o uso de raça como designativa de caracteres fenótipos tem sua origem em um significado aparentemente distante do de sua aplicação atual. Como conseqüência, raça na língua portuguesa deriva de ratio, que significa conta, cálculo, faculdade de julgar, método, razão. A palavra ratio, por sua vez, deriva do termo latino reor, contar, calcular. Portanto, raça deriva do termo italiano razza (século XV): espécie, tipo semelhança de família, mas tem como origem ratio, que se refere a uma contagem por semelhança de espécie e tipo para objetos, não pessoas e muito menos características físicas... Essas observações são feitas por Chauí, para demonstrar que, tanto no dicionário de grego, como no de Latim, línguas que formaram o português, raça não existe, sendo tradução de conceitos que dizem sobre “termos clássicos que não possuem correspondentes em nossa sociedade, em nossa cultura” e que dessa forma “curiosamente não se tem como traduzir ratio por raça”. A discrepância entre tais palavras indica que se pode pensar como indivíduos que eram identificados por uma cultura específica (através de seus nomes), passaram a ser designados por referências aos seus caracteres físicos. Houve aí uma grave e intencional dissolução da identidade africana. Seria uma incoerência chamar um basco de espanhol, ou uma ofensa igualar, baseando-se apenas pela cor, irlandeses do norte e ingleses. Embora se possam derivar traços em comum não existe uma cultura européia. É claro que se pode verificar pontos em comum nas culturas européias, asiáticas ou africanas, mas deve-se ter em mente que a cor da pele não é um bom critério para classificar as pessoas. Na década de trinta, quando a Antropologia passava pela revisão de conceitos que herdara da tradição evolucionista
(o que possibilitou o aparecimento de teorias como o nazismo), no Brasil, os estudos sobre raça aconteciam em meio a forte ascensão do fascismo na Europa, e, internamente, durante a ditadura de Getúlio Vargas. Essa conjuntura política iria servir de cena para o que se convencionou chamar de “mito da democracia racial”. O mito, segundo o qual a nação teria sido fundada por três raças, visto de uma perspectiva antropológica, possui como elementos constituintes de sua narrativa, a supremacia do português – quase nunca citado, por que subentendido como branco, a ginga do negro e a bravura do índio como formadores de uma identidade nacional, a brasilidade. Não se pode considerar acaso que nessa época o samba passasse a ser a musica nacional. A Umbanda, que se diferencia do Candomblé por incluir elementos cristãos, fosse legalizada e até hoje centros federados contariam com o alvará na parede. A capoeira regional, dissidência da capoeira Angola, versão brasileira do ritual de cortejo Banto da dança da zebra, incorporasse elementos de outras lutas, deixaria de ser considerada uma prática ilegal. A perda de referenciais de identidade baseados numa cultura material de tradição contínua, e não apenas imaginária, fez com que o conteúdo atribuído a esses significados tivesse interpretação negativa. Os referenciais pessoais (nome, local de nascença, família, os mortos e os nascimentos) atribuídos para identificá-los foram apagados e em seu lugar aceitos apenas os brasileiros, que davam conta de um lugar subalterno para que pudessem existir. Entretanto, o que tem sido demonstrado pelas Ciências Sociais, sobretudo pela Sociologia, é que, na ordem das práticas e representações, as posições de status ocupadas pelos três segmentos na sociedade, mostram-se historicamente hierarquizadas. Quando se fala de relações raciais, no caso brasileiro, geralmente trata-se da relação entre negros e brancos, pois, aos índios, é designado mais comumente o termo relações interétnicas. Ao congelarmos uma categoria como única designação existente (o princípio de não-contradição da identidade), invocamos o mito que pressupõe tais identidades como completas. Não deveriam existir negros, pois a África não é a negrolândia mas, sim, Nagôs, Quimbumdos, Umbundos, Minas, Talensis, Macondos, Xosas, Zulus, Koi Kois, Fons, Angolas... Que uma nação possa ser construída a partir dessas três culturas e que isso seja relativamente bem sucedido, o Brasil pode bem servir como prova, como atestam a cor e os traços de nossa população atual, nossa abertura a povos de todas as nações ou a exuberância mundial de nossas artes. Mas é preciso não ter ilusões: o Brasil foi um dos países que mais cresceu economicamente, todavia teve a distância entre ricos e pobres misteriosamente aumentada para uma situação onde os dez por cento mais ricos têm metade do total e os dez por cento mais pobres têm um por cento do total. Esse mistério tem causas e cabe ao país desvendá-las. A sociedade e, de modo mais imediato, o poder público e os meios de comunicação deveriam levar em conta, na hora de contemplar uma parcela da população, o direito que esta tem de saber mais do que sua história mítica, de saber sua história real, contada por quem está retomando as condições de fazê-lo. Bibliografia: CHAUÍ, Marilena. Cultura e racismo, in: Princípios n° 2 9 (p.62). São aulo, Anita, 1993 DA MATTA, Roberto. Digressão: A Fábula das três raças ou problema do raismo à brasileira, in: Relativizando: uma introdução a Antropologia Social, Rio de Janeiro, Record, 1987. NANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes, volume II.São Paulo, Ática, 1978. PES, Nei. Bantos, Malês e Identidade Negra.Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1988. Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Cia. Das Letras, 1999. SEYFERTH, Giralda. As Ciências Sociais no Brasil e a questão racial” in: Cativeiro & Liberdade. Rio de Janeiro, Uerj, 1989. SCHWARCZ, Lílian. O espetáculo das raças. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
* Rogério Santana Antropólogo, pesquisador da Gerência de Pesquisa e Documentação da MULTIRIO; mestre em Comunicação, imagem e informação pela Universidade Federal Fluminense.
Hino Nacional Brasileiro Marcos Roma Santa* O Hino Nacional Brasileiro, considerado por muitos como um dos mais belos do mundo, deve sua força e intensa beleza à sensibilidade artística e ao engajamento de seu autor, Francisco Manuel da Silva, nas manifestações civis pela afirmação de nossa nacionalidade e independência, às vésperas da Revolução de 7 de abril de 1831, que forçou Pedro I a abdicar o trono brasileiro. Francisco Manuel da Silva, nascido em 21 de fevereiro de 1795, foi músico de destaque na cena artística do Rio de Janeiro, durante a primeira metade do século XIX. Aluno do Padre José Maurício Nunes Garcia, talvez o maior nome de nossa música colonial, Francisco Manuel notabilizou-se, principalmente, por seu trabalho como diretor musical da Capela Real e, mais tarde, como fundador da Sociedade Beneficência Musical e do Conservatório de Música, origem do Instituto Nacional de Música, atualmente Escola de Música da UFRJ. Falecido em 18 de dezembro de 1865, deixou inúmeras obras ainda não suficientemente estudadas. Embora não haja registros de como nem quando o hino composto por Francisco Manuel tenha se tornado oficialmente o Hino Nacional Brasileiro, no decorrer do Segundo Império, o fato é que, ao longo do Século XIX, ele foi executado como o canto da nacionalidade, sem o suporte de um texto literário definitivo. Cantada, de acordo com a tradição, até mesmo pelas tropas brasileiras durante a Guerra do Paraguai, a música de Francisco Manuel precisou esperar até o século XX, para receber um poema que fosse considerado sua digna face literária. Com o advento da República, o Governo Provisório, decidido a apagar os símbolos que lembrassem o regime imperial, concebeu a idéia da composição de um novo Hino Nacional. Carlos Gomes foi convocado para a tarefa e, laconicamente, respondeu: “Não posso”. Abriu-se, então, um concurso para a criação de um novo hino. Segundo a crônica da época, em 20 de janeiro de 1890, quando foi anunciado o hino vencedor, com música de Lepoldo Miguez e letra de Medeiros e Albuquerque, o próprio Marechal Deodoro, que acabara de ouvir o hino de Francisco Manuel, exprimindo o sentimento popular, teria dito: “Prefiro o velho!” Nessa mesma data, pelo Decreto nº 171, o Governo Provisório reconheceu oficialmente a composição de Francisco Manuel da Silva como o Hino Nacional Brasileiro. A de Leopoldo Miguez e Medeiros Albuquerque tornou-se o Hino da Proclamação da República. Em 1906, Coelho Neto sugeriu, da tribuna da Câmara dos Deputados, a criação de um poema que estivesse à altura da música de Francisco Manuel. Das inúmeras letras apresentadas, apenas o poema de Joaquim Osório Duque Estrada, de 1909, em versos decassílabos, foi considerado perfeitamente ajustado ao Hino Nacional. O poema de Osório Duque Estrada foi oficializado como letra do Hino Nacional Brasileiro pelo Presidente Epitácio Pessoa, por meio do Decreto nº 15.671, em 6 de setembro de 1922, véspera do Centenário da Independência do Brasil.
* Marcos Roma Santa Professor de História da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro
’Cidadania informada’: como fazer? Marilena Rescala* Mesmo distante dos grandes centros urbanos, o homem não está imune aos estímulos que cotidianamente invadem os locais por onde transita, trabalha, se diverte e, principalmente, habita. Há quase quatro décadas, Marshall McLuhan sugeria que a mídia fosse entendida “como extensões da capacidade humana de agir, física e psicologicamente, no mundo.” (in Silverstone, 1999). Ao refletir sobre o real espaço que a mídia vem ocupando na vida humana, percebe-se que essa presença varia de acordo com a idade, o gênero, a classe social à qual pertence o indivíduo, bem como varia o tipo de mídia que é mais consumido por determinados segmentos sociais. O estágio de desenvolvimento, que a experiência humana contemporânea atingiu poderia, de alguma forma, ser atribuído à quase onipresença da mídia? Para Silverstone (2002), por exemplo, essa presença, por ser tão fundamental para a vida cotidiana, merece ser estudada. Ele afirma: É impossível escapar à presença, à representação da mídia. Passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de entretenimento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência (humana) e também, de quando em quando, para as intensidades da experiência. O funeral de Diana, Princesa de Gales, é um exemplo característico. (p. 12) Segundo o autor, o conhecimento sobre a mídia deve se difundir na sociedade, contribuindo para a formação de cidadãos alfabetizados em mídia. Assim, estariam aptos a questionar os pressupostos políticos, éticos e estéticos presentes na produção midiática. Atingir esse grau de conhecimento não é tão simples, aliás é privilégio de poucos, uma vez que requer do indivíduo uma percepção crítica, um olhar educado para ler os diferentes produtos que a mídia disponibiliza. Desde o conteúdo de uma peça publicitária ao de um informativo, em qualquer que seja o suporte (televisão, rádio, Internet, jornal...), estar alfabetizado em mídia é, ainda segundo Silverstone (2003), uma tarefa mais do que nunca necessária, “precisamente porque é fundamental para a construção de identidades, do senso de nós mesmos no mundo e de nossa capacidade de agir dentro dele”. (p. 58) Se é verdade que a cultura midiática opera sobretudo moldando a subjetividade contemporânea (costumes, valores, gostos, desejos, modos de pensar e de agir...), mais do que constatar esse fato, é preciso agir sobre ele, tendo-se, no entanto, a clareza de que a mídia por si só não tem poder para intervir na subjetividade, mas sim o uso que se faz dela. Isto posto, um dos caminhos seria investir na formação de um público exigente e crítico, o que Silverstone chama de “cidadania informada”, alfabetizada em mídia. Então, a pergunta que se coloca é: como fazer? A princípio poderíamos pensar essa alfabetização em termos de um desvendamento, no sentido de dar a conhecer, de revelar os processos de criação e de realização dos produtos de mídia. Enquanto que para um profissional de mídia o ato de criação tem como intencionalidade promover a comunicação com o outro através de um produto, quando a intenção é alfabetizar, o enfoque muda. Nesse contexto, a idéia de desvendamento se articula em torno de dois movimentos: a experimentação e a criação. Experimentar para conhecer e avaliar pela experiência, para pôr à prova as idéias e as representações construídas sobre o objeto em questão, no caso, as diferentes linguagens da mídia. Como decorrência do ato de experimentar, o sujeito cria, inventa, elabora, produz e, por que não?, se comunica. Mas, nesse processo, a grande ênfase não está na comunicação com o outro, mas em se apropriar dos mecanismos que conduzem à criação. Com a experimentação, vivenciam-se todas as etapas de uma produção em mídia. Da concepção à realização do produto, todos os passos podem ser explorados. Seja produzindo um vídeo, montando uma rádio (escolar, comunitária...) e a sua programação, elaborando um jornal ou até produzindo um “site” ou “blog” na Internet, com essa prática é possível desmitificar os meios. Conhecer os bastidores e, assim, adquirir um novo olhar sobre as mídias. Mas a realização dessa proposta pressupõe um mínimo de condições operacionais, tais como: um espaço físico com equipamentos, uma metodologia e, principalmente, pessoas qualificadas para mediar todo o processo de experimentação e de criação, que envolve esse tipo de trabalho. Não é, portanto, uma idéia exeqüível à sociedade como um todo. Mas, sem dúvida, pode e deve ser uma intenção transformada em política a ser desenvolvida pelas instituições educacionais e culturais. A realização de oficinas de mídias voltadas para professores e alunos pode se constituir em um rico caminho para o exercício da experimentação e da criação. Pela própria natureza da oficina, o trabalho desenvolvido requer ações coletivas. Produzir um vídeo, montar uma rádio e a sua programação, bem como fazer um jornal são, por exemplo, atividades que dependem de várias pessoas. Estas se vêem diante de tarefas e desafios que certamente pouco conhecem. A experiência que têm com as mídias é de simples consumidores. Na oficina, vivem um outro papel, o de produtores de mídia. Confrontar estas duas situações, gera, sem dúvida, um enorme diferença e um significativo aprendizado.
A percepção da necessidade e urgência de uma escola que esteja em sintonia com as demandas da sociedade não é novidade e, há muito tempo, vem sendo discutida por vários autores. Integrar a TV, o rádio, os jornais, as revistas ao currículo é tarefa que se impõe à escola. Nesse sentido, cabe lembrar, Celéstin Freinet (1964) que na primeira metade do século XX, como um profeta em sua época e em seu país, já nos alertava para a importância da experimentação no processo de constituição de conhecimento e valores. A esse respeito ele afirmava: A inteligência manual, artística, científica, não se cultiva de modo algum apenas com o uso das idéias, mas através da criação, do trabalho, da experiência”... (Freinet, 1964, p. 36) E também: Os educadores tiveram até pouco à sua disposição apenas manuais escolares que lhes apresentavam as observações e as experiências dos outros, o que as crianças deviam apreender para assimilar conhecimentos. Pensamos que devíamos substituir esta pedagogia escolástica de repetição por uma pedagogia de investigação e de experiências que não só aumenta os conhecimentos dos alunos, mas também os educa em profundidade... (p. 160) A contemporaneidade do pensamento e das práticas propostas por Freinet merecem a atenção dos educadores, não apenas porque podem se constituir em subsídios importantes para o planejamento de projetos e/ou atividades de diferentes tipos, inclusive aquelas com o uso de mídia, mas, especialmente, porque nos aponta o quanto a escola contemporânea precisa se repensar. Com as possibilidades tecnológicas do seu tempo, Freinet desafiou os padrões de ensino da época e trouxe para o ambiente escolar o que ele chamava de “utensílios escolares”. Com o propósito de modernizar e melhorar as técnicas escolares e, assim, modificar a ação pedagógica, ele introduz a tipografia. Mas apesar dos êxitos alcançados com a impressora escolar, Freinet percebe que os textos produzidos pelos alunos precisam ultrapassar os limites físicos da escola. Surge, então, a idéia de aumentar a audiência, inicia-se a proposta de uma correspondência escolar, que hoje, poderia ser enviada pelo correio eletrônico. A riqueza dos documentos reunidos pelo trabalho de pesquisa para a preparação das aulas impuseram a preparação do que Freinet chamou de Ficheiros Escolares, uma espécie do que hoje chamamos de banco de dados, evidentemente, com uma quantidade de informação compatível com a capacidade do professor de reunir material de consulta para os alunos. Cada dez alunos tinham à sua disposição um ficheiro escolar. Esses por sua vez, deram origem à criação das Bibliotecas de Trabalho, uma tentativa de disponibilizar conhecimentos de carácter científico e cultural e que fossem como uma enciclopédia infantil. Mesmo disponibilizando essa variedade de materiais e de possibilidades de espaços de aprendizagem, Freinet tinha claro que: ...os utensílios da escola moderna não caíram do céu, não vieram aterrar nas nossas aulas como simples recursos pedagógicos; impuseram-se por si mesmos, como vimos , no equipamento de uma aula renovada... Assim, dia após dia, se afirma a coesão de uma pedagogia experimental dominada pela pesquisa e pela dúvida construtiva, como uma cadeia que a cada novo elo consolida. (p. 71) As tecnologias da infomação e comunicação, de alguma forma, sempre chegam às escolas. Há pouco menos de uma década, foram os aparelhos de TV, de vídeo, e as antenas parabólicas. A proposta era criar condições para a implantação do Programa TV Escola. Atualmente, esse programa continua, mas agora é a vez da informatização das escolas. Estão sendo instalados os Laboratórios de Informática. Mas já houve um tempo em que a grande novidade era o uso do álbum seriado, do quadro de pregas, do retroprojetor, da projeção de slides e filmes, entre tantas outras tecnologias. São muitas as justificativas que explicam a presença das tecnologias na escola, podemos sintetizar todas em uma só: facilitar o processo de constituição de conhecimentos e valores. Até que ponto as instituições educacionais têm essa compreensão? Ou será que identificam nas tecnologias um simples acessório ao trabalho escolar? Será que consideram a TV e o vídeo realmente úteis ao trabalho pedagógico? Ou os vêem como tecnologias exclusivamente voltadas para entretenimento e informação? As crianças e os jovens que têm a oportunidade de vivenciarem uma proposta pedagógica que procura incorporar ao ambiente escolar as tecnologias do seu tempo e que são estimuladas a desvendá-las, certamente, se tornarão pessoas mais exigentes e críticas. Não apenas, em relação à mídia, mas principalmente em relação ao tipo de sociedade que ajudarão a construir. BIBLIOGRAFIA FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da escola moderna, Lisboa, Editorial Estampa, 1976. MUARREK, Ubiratan. Inventar o quinto poder. Revista Carta Capital, São Paulo, nº 227, 2003.
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo, Edições Loyola, 2002. SILVA, André do Eirado. O vídeo e a subjetividade: criação não é comunicação. in Jobim e Souza, S. Mosaico: imagens do conhecimento. Contracapa/Rios Ambiciosos. RJ. 2000.
* Marilena Rescala Professora, especialista em Educação e assessora de Integração da MULTIRIO
Mídia e escola: um diálogo necessário Maria Lucia Tavares* Os meios de comunicação e de informação contribuem para disseminar maneiras especiais de ser e de agir que são, em síntese, um modo especial de as pessoas se comportarem no dia-a-dia. Essa afirmativa encontra respaldo nos textos dos teóricos que pensam ou repensam a educação e a comunicação na contemporaneidade. As novas tecnologias da comunicação e da informação, dizem eles, determinam novas maneiras de ler, de ver e de agir que influenciam diretamente a formação da identidade no mundo atual, principalmente nos centros urbanos. A televisão, presente na maioria dos lares, é, com certeza, o veículo mais eficaz na disseminação de novas formas de comportamento. Sua programação, permeada pela publicidade, padroniza a informação, banaliza a violência e impõe padrões de consumo. Os noticiários são formatados para atingir o público de cada emissora e de cada horário. A violência é tão explícita, tanto nos noticiários, quanto na ficção, que se torna banal aos olhos do telespectador. A publicidade impõe padrões de consumo, tornando a sociedade “refém” do mercado. Não quero ser algoz da televisão, nem desconsiderar o quanto as novas tecnologias têm contribuído para a democratização da informação. No entanto, pretendo fazer uma reflexão sobre a influência dessas tecnologias, ressaltando o papel da televisão e, sobretudo, da publicidade na reorganização da sociedade e, portanto, na constituição da subjetividade. Segundo Rosa Fischer, “cada momento da nossa vida social contemporânea é cada vez mais mediado pela cultura” (Fischer, 2000, p.20), entendendo-se cultura, como um conjunto de sistemas ou códigos de significação que conferem sentido às nossas vidas. Fischer considera a mídia e, em particular a publicidade, como o espaço da cultura que mais influencia a construção social da identidade. A publicidade, presente na maioria dos meios (televisão, out-doors, jornais, revistas, encartes etc.), utiliza a imagem em detrimento do texto escrito, gerando uma “abundância audiovisual”, um turbilhão de imagens que atinge as pessoas, deixando pouco espaço para reflexão e manifestações individuais. Dessa forma, o lugar privilegiado de constituição de identidades se desloca da família e da escola para a mídia. Seguindo essa linha de pensamento cito Edson Gabriel Garcia: Ao consumir isto ou aquilo, bens materiais ou simbólicos, mais do que ser enquadrados como “vorazes consumidores de superficialidades” e “objetos de manipulação da economia capitalista”, os consumidores estariam tecendo as malhas do tecido social a que pertencem ou desejam pertencer, criando sua identidade. Ao usar bonés (e consumir tipos e marcas diferentes), para ficarmos em um exemplo banal e pleno de cotidianeidade, os jovens estão “marcando” sua identidade, delimitando seus territórios, estabelecendo suas regras de participação neste ou naquele grupo.1 Dessa forma, as bases de identificação na sociedade contemporânea, principalmente para os mais jovens, estaria nos objetos de consumo, que passam a valer muito mais pelo que significam do que pelo seu valor material de compra e venda. No entanto, ao pensar a constituição das identidades sociais, não se pode deixar de lado as individualidades e as diferentes possibilidades de acesso aos bens de consumo. A população é submetida a essa concepção de mundo independentemente de dispor de possibilidades materiais de aquisição deste ou daquele bem. Além disso, a necessidade de ter para ser gera desejos que são transitórios tanto pela possibilidade ou não possibilidade de conseguir realizá-los, quanto pela própria transitoriedade da moda. Segundo Rosa Fischer, essas novas formas de ser e estar no mundo, definidas pela “sociedade de consumo”, determinam a constituição de “transitórias e tensas identidades”. Acho que chegamos num ponto em que é impossível deixar de indagar sobre o papel da escola nesse contexto. Será que ela vem preparando o aluno para essas novas leituras? Parece que não. A escola, ao perpetuar como fonte de constituição do conhecimento o texto impresso, provoca uma alienante separação entre o mundo escolarizado e o mundo da comunicação. O texto impresso garante o controle por parte de quem ensina: “Daí a antiga desconfiança da escola para com a imagem, para com sua incontrolável polissemia, que a converte no contrário do escrito, esse texto controlado, de dentro, pela sintaxe e, de fora, pela identificação da claridade com a univocidade. Não obstante, a escola buscará controlar a imagem a todo custo, seja subordinando-a à tarefa de mera ilustração do texto escrito, seja acompanhando-a de uma legenda que indique ao aluno o que diz a imagem”(Barbero, 2001,
p.57). Esse modelo impede a inserção da educação nos processos complexos de comunicação da sociedade atual, desconhecendo as aprendizagens realizadas fora de seus muros. O isolamento da escola em relação ao mundo da comunicação provoca uma ruptura no contínuo que a caracteriza como segmento da sociedade, ocasionando uma dicotomia entre a escola e o mundo do lado de fora. Assim, acredita-se que o uso das tecnologias da informação e da comunicação, no cotidiano escolar, podem e devem contribuir para a formação de professores e alunos leitores críticos da mídia. Para tal, não basta usá-las com o único intuito de tornar as aulas “mais atraentes, alegres e divertidas”. É necessário que o professor esteja preparado para usá-las com a intenção de provocar a articulação das diferentes linguagens, rompendo dessa forma com a repetição da palavra autorizada no sentido de tornar mais significativas as práticas pedagógicas. Só assim será possível re-colocar a escola como segmento de fato da sociedade, reconhecendo e respeitando nos indivíduos que a compõem os traços da cultura em que vivem. Segundo Raquel Goulart Barreto, ao promover uma leitura simplificadora da complexidade dos textos, aceitando uma única resposta às questões propostas, a escola reduz a leitura a um único sentido. A resposta do aluno terá sempre que atender à expectativa do professor, único conhecedor do sentido correto. Não existe espaço para leituras diferentes feitas por sujeitos diferentes. Fica de fora a discussão das várias leituras feitas por sujeitos leitores. “Para dar conta destas diferentes leituras, em lugar de tentar achatá-las, são necessários materiais não circunscritos a situações previsíveis, que possam sustentar novos modos de interação humana na sala de aula, para que a escola faça mais sentido” (Barreto, 2002, p. 52 e 53). É preciso, portanto, discutir, no espaço escolar, não só os programas da televisão, mas também a publicidade e a notícia nos seus diversos suportes, os jogos eletrônicos e a internet e tudo mais que permeia o cotidiano e influencia a constituição de transitórias e tensas identidades. Tudo isso aponta para a necessidade de proporcionar aos professores espaços de reflexão sobre a sua prática no contexto sócio-cultural no qual se insere, e de criar oportunidade para que se estabeleça o diálogo entre a escola e a mídia, pois é pela “pluralidade de escritas que passa, hoje, a construção de cidadãos, que saibam ler tanto jornais como noticiários de televisão, videogames, videoclipes e hipertextos” (Barbero, p.62). Enquanto isso, as relações sociais, mediadas pela mídia, seguem seu rumo numa constante reorganização.
Bibliografia: BARRETO, Raquel Goulart. Tecnologias na sala de aula, in Leite, Márcia e Filé, Walter (Org.). Subjetividade, tecnologias e escolas. DP&A, Rio de Janeiro, 2002. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Identidade, cultura e mídia: A complexidade de novas questões educacionais na contemporaneidade in SILVA, Luiz Heron da (Org.) Século XXI – Qual conhecimento? Qual currículo? Vozes, Petrópolis, 2000. MATÍN-BARBERO, Jesús & REY, Ghermán. Os exercícios do ver. Senac, São Paulo, 2001.
* Maria Lucia Tavares professora, psicopedagoga e assessora de Integração da MULTIRIO
Do desejo à ação: caminhos para a realização de um projeto político-pedagógico Marlene Carvalho* O que torna uma escola diferente de outra? Muita coisa. Uma escola não é só uma construção, um nome, um endereço. Escolas, como as pessoas, possuem identidades, que resultam de sua história. Não se trata, felizmente, de identidades congeladas. Como as pessoas, escolas também mudam. Elaborar o projeto político-pedagógico de uma escola é uma tentativa de definir sua identidade e planejar mudanças. Penso nas escolas que freqüentei quando menina e as memórias voltam com força. Penso especialmente numa escola dos anos 40, construída num terreno imenso, pátio de terra batida, uma certa árvore, a cor das paredes, o barulho nas escadas, a voz e as palavras da professora, os cheiros de sopa no refeitório. Crianças de pé no chão, a encarregada da Caixa Escolar coletando moedinhas para comprar sapatos e uniformes. Festa junina, teatro, dia da árvore. Grêmio. Sala de leitura, Monteiro Lobato, Cazuza. Escola suspensa no ar, para onde retorno, na imaginação e na saudade. Escolas de ontem e de hoje abrigam universos particulares, de profissionais da educação, de pessoas da comunidade, alunos, pais, avós, vizinhos. Têm atmosfera própria, agitada ou controlada, pacífica ou violenta. Têm obrigações, compromissos administrativos, regras, documentos, relatórios, reuniões. Papelada oficial, pouco tempo, trabalho demais. Altas expectativas: a escola vai formar cidadãos...contribuir para a ... transformação da sociedade... dialogar com a comunidade... preservar o planeta ...conservar a cultura ... mudar a cultura da violência ...educar para a PAZ, para a sexualidade responsável, para o combate às drogas .... para o respeito ao OUTRO... E tanta coisas mais que fazem parte dos documentos, dos discursos políticos, dos livros dos educadores. A Escola, como instituição, é depositária de muitas esperanças. Mas qual é o projeto político-pedagógico da escola real, aquela construída num certo bairro, com nome e endereço? Ali, como se passa do plano das intenções para a prática? Como os professores fazem um projeto político-pedagógico sair do papel? Qual é o caminho do desejo à ação? Neste artigo, pretendo dialogar com professores e professoras a respeito destas questões, sabendo de antemão que as melhores respostas podem ser buscadas nas próprias comunidades escolares, ouvindo-se as vozes das pessoas que trabalham juntas, conhecem os alunos, as necessidades, os limites, as possibilidades concretas. Na primeira parte, descrevo o que é e como se elabora o projeto político-pedagógico (PPP), segundo o caminho proposto por RODRIGUEZ (1997). Na segunda, baseada em autores diversos e na minha experiência de formadora de professores do Ensino Fundamental, argumento que a dimensão coletiva é indispensável para executar as mudanças desejadas. O PPP da escola se concretiza em ações educacionais, em palavras, diálogos, pensamentos, exemplos, conversas e símbolos partilhados por professores, alunos, coordenadores, diretores e, pessoas da comunidade. Menciono o método de projetos como alternativa didática interessante e dou exemplo de uma escola municipal que organizou seu PPP prevendo a realização de projetos de trabalho para a 6a série. O que é, afinal, um projeto político-pedagógico( PPP)? RODRIGUEZ (1997) definiu o PPP como : “... o desenvolvimento articulado de ações individuais e/ou coletivas, tendo em vista a realização de um conjunto de objetivos educacionais, considerados desejáveis e significativos por todos aqueles atores sociais envolvidos no processo ensino/aprendizagem e propostos com base nas características, aspirações, demandas e necessidades efetivas dos membros de uma determinada comunidade escolar.” Destaco as expressões importantes na definição de RODRIGUEZ: ações individuais e/ou coletivas, objetivos educacionais, atores sociais e comunidade escolar. Reiterando: o PPP ganha legitimidade quando é pensado, refletido, rascunhado, analisado, criticado, revisto e reescrito por muitos; gerado e reconhecido por uma comunidade escolar em que há necessariamente conflitos de opiniões, divergências, interesses em confronto. Como se dá o processo de construção do PPP? RODRIGUEZ descreve etapas que apresento resumidamente: - Elaboração do plano de ação: trata-se de documento preliminar, prevendo as diretrizes gerais, o cronograma, os recursos indispensáveis e os atores envolvidos na elaboração do PPP. - Programação de estudos pedagógicos/culturais: momento em que o grupo responsável estuda temas pedagógicos e culturais (como função social da educação, concepção de aprendizagem, metodologia de ensino, avaliação etc.) Da minha parte, acrescento que este embasamento teórico deve ser discutido à luz da experiência dos professores, dos conhecimentos acumulados na prática profissional.
Diagnóstico da realidade: as orientações do PPP devem ser baseadas em dados objetivos sobre a realidade escolar, os quais serão obtidos de várias maneiras: por consulta aos documentos e às estatísticas da escola, e também por meio de entrevistas, de depoimentos de professores, coordenadores, funcionários, alunos e pais ou responsáveis. Formulação do projeto: nesta etapa, são explicitadas a fundamentação teórica do PPP, os desafios e metas, as operações ou ações as serem desenvolvidas para alcançar as metas, a definição das regras do jogo (princípios e procedimentos organizacionais e disciplinares); a estruturação da escola e das funções administrativas; a enumeração de conteúdos educacionais mínimos por área /disciplina ou por série ou ciclo; a escolha dos procedimentos de ensino, incluindo os recursos didáticos, a avaliação os planos e/ou projetos globais ou específicos por série ou ciclo. Execução do projeto: nesta fase, será provavelmente necessário fazer adaptações e alterações em função das exigências da realidade. Avaliação e aperfeiçoamento do projeto: a comunidade escolar se encarrega da avaliação contínua do PPP, verificando os resultados da execução e buscando seu contínuo aperfeiçoamento. Trabalhoso? Sim. Complexo e difícil também, principalmente se levarmos em conta que as escolas públicas só recentemente (a partir da LDB, em 1996) foram chamadas a elaborar seus próprios PPP. A tarefa é dificultada porque nos falta a cultura de participação nas decisões, falta-nos experiência de administrar conflitos de opiniões, falta-nos confiança na continuidade das políticas educacionais. Falta principalmente intimidade com a democracia. Mas de todo modo o planejamento é indispensável para organizar a mudança. Do desejo à ação Depois de elaborado o PPP, chega a hora de passar do desejo à ação. Geralmente, os PPP contêm objetivos educacionais muito amplos, que se aplicam ao Ensino Fundamental como um todo, por exemplo, educar para a cidadania, desenvolver o pensamento crítico, a responsabilidade, estimular a autonomia, etc. Como traduzir estes objetivos para a prática do dia-a-dia? Como definir o que pode ser feito, em certa altura do ano escolar, com determinada série e determinada turma? Uma base teórica é indispensável para ter um guia de ação, caso contrário, a escola desenvolverá ações esparsas e desconectadas, com resultados imprevisíveis. Daí a importância da etapa de programação de estudos pedagógicos e culturais que foi mencionada na seção anterior. Quando a escola escolheu uma linha teórica principal em que se apoiar – seja a Escola Nova de Dewey, de Montessori, ou de Pestallozi; o construtivismo piagetiano; o sócio-interacionismo de Vigotsky, ou a educação libertadora de Paulo Freire – para citar algumas linhas que se destacam na atualidade, haverá uma base firme para a tomada de algumas decisões de caráter prático, no que diz respeito aos conteúdos, os valores, os métodos de ensino, o estilo de disciplina e de avaliação. Nem tudo, porém, está previsto, resolvido e acabado pela aderência a determinada linha teórica, pois a ação educativa é extemamente complexa e pressupõe larga dose de invenção e criatividade. Na prática, é mais freqüente que as escolas tenham como proposta uma síntese ou amálgama de fontes teóricas diversas, algumas explícitas e outras, não, o que pode ser um alternativa, contanto que estas bases não sejam divergentes, mas sim complementares. Como trabalhar com a comunidade escolar? Algumas escolas buscam a concretização de seu PPP definindo eixos ou grandes temas para serem trabalhados nas diferentes séries ou anos do ciclo, variando a profundidade e a extensão do tratamento dado aos temas, conforme as características dos alunos e professores. A partir do referencial da Escola Nova, o método de projetos, criado por Kilpatrick, constitui suporte interessante para o trabalho interdisciplinar, capaz de despertar o interesse dos alunos e unir a escola em torno de objetivos comuns. Consiste em organizar as atividades de alunos e professores em torno de uma idéia que se traduz em ação. Realizar um projeto, do início ao fim, é atividade coletiva, social, em que cada um ajuda na medida de suas possibilidades. Implica numa adesão e mobilização do grupo, resultando em algo concreto, materializável e comunicável. Habilidades variadas são usadas num projeto: ler, escrever, coletar informações, desenhar, falar com pessoas, dar recados, usar o telefone, o computador; arranjar material, levantar dinheiro, traçar planos – tanta coisa! Projetos podem ser desenvolvidos numa única turma ou envolver várias. A duração do projeto é variável. Durará o tempo de uma aula – por exemplo, escrever uma carta coletiva para um colega que abandonou a escola (e fazê-la chegar ao destinatário!). Ou várias semanas: preparar, planejar, conseguir recursos para uma excursão, um passeio, uma visita a um local de interesse.
Escrever um jornal (da escola ou da classe) é um projeto ambicioso e de longa duração (FREINET). Um projeto de educação sexual pode levar meses: entrevistas com médicos, enfermeiros; consulta a material de divulgação; visita a um posto de saúde, exibição de filmes ou slides ... tudo depende dos objetivos, dos recursos concretos da localidade e da escola, assim como da capacidade que tenha o corpo docente professor de entusiasmar seu grupo, juntar forças e levar a idéia em frente. Alguns educadores, ao experimentarem inovações, sentem-se desapontados porque seus alunos não sabem trabalhar em equipe, brigam, perdem tempo, danificam os materiais. De fato, a socialização para trabalhar em grupo é algo que leva tempo, mas vale a pena, porque cria laços, fortalece a auto-estima, o senso de responsabilidade e estimula a autonomia. É uma maneira de ensinar aos alunos, principalmente aqueles mais resistentes à escola, que é preciso planejar para alcançar o fim desejado, é possível aprender a expressar-se em outras linguagens, é possível modificar as condições de existência. Muitos alunos repetentes, em situação de fracasso escolar, não querem saber de muita discussão, de trabalho de grupo, de aulas de arte, e outras atividades que consideram “coisa de criança”. Mal e mal aceitam ditado, continhas e cópia. Por que isso acontece? Tenho uma hipótese: as atividades escolares tradicionais, principalmente a cópia e o ditado, são mais conhecidas e menos ameaçadoras, enquanto que discutir, argumentar verbalmente, defender um ponto de vista diante da turma são habilidades novas para eles. Trazer à tona o que sabem os alunos, exercitar a leitura do mundo, estimulá-los a criticar, a pensar sobre sua condição social é tarefa das mais importantes. O método de projetos pode ser uma boa ferramenta para isso. Há escolas experimentando esta alternativa didática. O PPP da Escola Municipal Professor Joaquim da Costa Ribeiro (NOGUEIRA, FERREIRA, FERNANDES, 2001, p.9) prevê a Reorganização Curricular por Projetos de Trabalho, que se realizará pela abordagem de “temas periódicos como globalização, sociedade de consumo, mídia, capitalismo, etc. Os professores procurarão identificar os interesses dos alunos e relacionar seus conteúdos específicos ao tema proposto e a outras áreas do saber. Uma vez por semana as turmas de 6a. série terão uma atividade integrada em que, a partir de um vídeo, de um texto, de uma exposição, etc., os professores de diferentes disciplinas trabalharão juntos com as turmas, como uma oficina. Assim, os alunos verão na prática a correlação entre as diversas áreas do conhecimento. Nos outros dias da semana, cada professor ministrará sua aula com os conteúdos específicos de sua disciplina, mas, certamente, tendo como objetivo o projeto semanal, sobretudo, a formação crítica do aluno e a prática interdisciplinar.” Nesta linha de trabalho, para escolher temas de interesse dos alunos é preciso dialogar, observar, ouvir. Claro que nós, professores, falamos com os alunos, e muito. Falamos de conteúdos, de notas, regras, proibições, provas. Isso é indispensável, porque a escola é um espaço público em que se pretende ensinar algo, normatizado por dezenas de regras. Mas ao lado disso, há as crianças e jovens vivos, com seus desejos, carências, queixas e alegrias. Sobre o que eles conversam? O que pensam, falam, discutem? Vou arriscar alguns temas: polícia e bandido; medos; mãe e pai; amor, casa; trabalho, emprego, desemprego; fome; sonhos, esperanças, vida, morte, família, sexo; televisão, videogame, computadores, carros, telefones celulares, naves espaciais. Aids. MST. Os temas que interessam a eles são os que interessam a todo mundo! Podem ser ponto de partida para discussão, com a ajuda da leitura de jornais, da “leitura” dos programas da televisão. O jornal pode ser elemento iniciador ou provocador de estudos, projetos e pesquisas que englobam várias turmas da escola. Séries de reportagens que aprofundam temas e cadernos especializados - em cultura e lazer, informática, turismo, economia e esportes - oferecem material didático barato, atraente, diariamente renovado. Os classificados trazem mil e uma informações, surpresas e revelações. Não há limites para as descobertas que os jornais proporcionam a alunos e professores (HERR, 1997; LEAL, 1996; LOZZ, 2000). Alunos que não costumam ler jornais têm que se familiarizar com os diferentes cadernos, suas funções, suas seções; conhecer os colunistas; aprender o que diferencia um editorial de uma reportagem ou de um artigo assinado. Saber um pouco da “cozinha” do jornal, conhecer as condições de produção da notícia, é importante. Sugiro que o(a) professor(a) leia os jornais, em voz alta, para os alunos, pois sua leitura é mais fluente, mais interessante do que a dos alunos que estão ainda tateando. No entanto, os alunos devem também folhear os jornais, olhar as fotos, mesmo que não saibam ainda decifrar. Discutir as notícias, escrever no quadro ou no blocão algumas das coisas ditas pelos alunos é um bom ponto de partida para exercícios de leitura e escrita. O trabalho escolar com o texto jornalístico é bom para todos os níveis de ensino e pode ser particularmente interessante quando o professor lida com alunos que não têm gosto pela leitura: o jornal é mais atraente, mais leve e desperta menos rejeição do que outras leituras escolares. Ler a notícia, relê-la, confrontar interpretações – a do aluno, a dos colegas, a do professor - , fazer perguntas ao texto, pensar sobre o que anda acontecendo no vasto mundo fora da sala de aula – eis uma boa maneira de atrair para a leitura até mesmo alunos desmotivados e ajudálos a se tornar indivíduos não apenas alfabetizados, mas também letrados. O jornal, como qualquer outro tipo de impresso, não fala por si e as maneiras de usá-lo na sala de aula são muito variadas. Tenho assistido a aulas em que professores bem intencionados usam os jornais exclusivamente em atividades de recorte e colagem, na preparação de cartazes que vão direto para as paredes, ou para exercícios de
gramática, sem passar por qualquer tentativa de interpretação ou simples comentário dos textos jornalísticos. Não creio que atividades desse tipo contribuam para a formação de leitores e de cidadãos. Importante é criar condições para que os alunos-leitores interpretem os textos jornalísticos na medida da sua experiência e visão do mundo. Além dos jornais, é preciso dar lugar, na escola, a outros tipos de textos. Ler não só o livro didático, mas aquilo que não faz parte do cotidiano dos alunos. Poemas, histórias, lendas, contos trazem novas visões de mundo, perspectivas outras que não as do cotidiano. Quadrinhos, anúncios, listas de compras, encartes de publicidade são materiais de leitura funcional, igualmente importantes. (CITELLI, 1997). O trabalho de educação para a cidadania não se esgota no ensino da leitura e da escrita, mas, certamente, passa por aí. Conclusão A articulação entre teoria e prática é uma das questões mais estudadas e menos resolvidas na Pedagogia. Neste texto, tentei mostrar que a elaboração de um projeto político-pedagógico é apenas a primeira parte – certamente, necessária e de difícil realização – do longo processo de realizar mudanças na escola. Ao mencionar um exemplo de projeto político-pedagógico de uma escola municipal, mostrei uma das estratégias adotadas por um grupo de professores para promover interdisciplinaridade, desenvolver a autonomia dos alunos e professores e revitalizar o ensino, pela discussão de temas da atualidade. Como disse FERNANDEZ (1997): “Se quisermos introduzir Vygotsky, Piaget ou qualquer outro pensador nas escolas – nos dizia Paulo Freire – não conseguiremos dando aula sobre o que eles dizem , e sim fazendo produzir, operando as idéias desses autores no próprio ensino aos professores. Assim, depois, eles poderão fazê-lo com seus alunos”.
Referências bibliográficas CITELLI, Adilson. Aprender e ensinar com textos não escolares. Série Aprender e ensinar com textos. Coordenação de CHIAPPINI, Lígia. v.3. SP: Cortez, 1997. FERNANDEZ, Alicia. O mestre dos mestres. Revista Pátio. Editora Artes Médicas. Ano I, no.2, agosto/ outubro 1997, p. 40-41. FREINET, Celestin. O jornal escolar. São Paulo: Estampa, 1974. HERR, Nicole. Aprendendo a ler com o jornal. 2 v. Belo Horizonte: Dimensão, 1997. LEAL, Leiva de F. A formação do leitor de jornal: uma perspectiva metodológica. In: Presença Pedagógica, Belo Horizonte: Dimensão, mai/jun, 1996. LOZZA, Carmen Lúcia Pessanha. O jornal na escola: superando limites, ampliando possibilidades. O GLOBO, Quem lê jornal sabe mais, 2000 (mimeo.). NOGUEIRA, Marilene, FERREIRA, Maria Dylma e FERNANDES, Mônica Pinheiro. Relatório final Construindo nosso projeto. Associação Projeto Roda Viva, Instituto C&A de Desenvolvimento Social, 2000-2001. RODRIGUEZ, Alfredo Johnson. Dicionário crítico da educação. Projeto pedagógico. Revista Presença Pedagógica, v.3, n.18, nov/dez, 1997.
* Marlene Carvalho Professora e pesquisadora (aposentada) da Faculdade de Educação da UFRJ e doutora em Educação pela Universidade de Liège, Bélgica
Erotização da infância: a história de uma nova forma de ser criança Fernanda Passarelli Hamann* Há quase um século, Sigmund Freud ousou relacionar dois temas que pareciam muito distantes entre si: sexualidade e infância. Em 1905, ele publicou Os três ensaios sobre a sexualidade, num dos quais abordava especificamente a sexualidade infantil - conceito fundamental para a Psicanálise, até os dias atuais. Para Freud, a sexualidade da criança possui duas características principais: é perversa e polimorfa. Isto significa dizer que ela é auto-erótica e satisfeita através da estimulação de zonas erógenas no próprio corpo da criança. As fases do desenvolvimento infantil, segundo a teoria freudiana, estão ligadas ao deslocamento da libido (energia sexual) a cada uma dessas zonas. Assim, a criança deve passar pela fase oral (obtendo prazer pela sucção do seio materno, da chupeta, do dedo, ou levando os objetos à boca), pela fase anal (quando aprende a controlar a atividade esfincteriana), e por outras, até chegar à puberdade. A auto-estimulação de zonas erógenas não se configura propriamente como uma masturbação - atividade característica da puberdade - e sim como um tipo de sexualidade especialmente infantil, diferente da adolescente e da adulta. É fácil imaginar o escândalo provocado por essas idéias na sociedade vienense do início do século XX. Neste momento histórico, predominava uma concepção de infância associada a uma aura de pureza, inocência e ingenuidade. A criança deveria ser protegida dos ditos "segredos adultos", como aqueles relativos à violência e ao sexo. E se definia, justamente, pelo não conhecimento desses "segredos". Em outras palavras, as crianças eram consideradas crianças uma vez que não sabiam de coisas que só os adultos sabiam, pela experiência ou pela leitura de livros escritos por outros adultos. Em oposição, os adultos, detentores deste saber proibido às crianças, seriam aqueles com a função de orientá-las e discipliná-las. Mas não foi sempre assim. Na Idade Média, os adultos tinham outras formas de se relacionar com as crianças. Sabe-se que o trabalho infantil (sobretudo a partir dos sete anos de idade) era encarado com naturalidade. Não havia preocupação em proteger a criança dos "segredos adultos": falava-se de sexo, e quiçá fazia-se sexo, na presença de crianças - como sugere Ticiano no quadro Bacanal de las Andrians (1518-1519), onde o pintor retrata uma criança, aparentando dois anos de idade, no meio de adultos nus se tocando com luxúria. A arquitetura medieval, inclusive dos palácios e castelos aristocráticos, revela um ambiente onde não há lugar para a privacidade: os cômodos eram interligados entre si, e as famílias, compostas por muitos membros - avós, tios, primos, agregados... Adultos e crianças medievais compartilhavam não só dos mesmos ambientes sociais, mas também de um mesmo ambiente informacional, de um mesmo não saber: eram ambos analfabetos, já que a leitura era um privilégio restrito ao clero. Escolas eram raras ou inexistentes. Numa cultura da oralidade, não havia espaço para uma divisão nítida entre infância e idade adulta. Os valores e costumes sociais eram apreendidos pelos pequenos diretamente, a partir do contato com os adultos, que não demonstravam grandes preocupações acerca da educação infantil. A criação moderna da prensa tipográfica, associada à alfabetização socializada, veio mudar este quadro. Passou-se a imprimir e publicar diversos livros, contendo saberes que se colocavam à disposição de quem soubesse ler. Desta forma, surgiu um parâmetro claro e objetivo para diferenciar adultos e crianças: os primeiros seriam aqueles que sabem ler e escrever; as últimas, aquelas que deveriam passar por um processo gradual e lento, até adquirirem este saber. A função da escola, neste momento, ganhou uma fundamental importância: à escolarização se atribuiu a tarefa de ensinar às crianças a via de acesso aos saberes que circulavam no mundo adulto (a alfabetização) e, simultaneamente, prepará-las para este mundo através da disciplinarização. Essa revisão histórica da civilização ocidental nos obriga a concluir que as formas de se conceber a infância variam, de tempo em tempo, de sociedade a sociedade. Muito além do fator biológico, que aponta para características anatômicas e fisiológicas específicas às crianças, cada contexto cultural é capaz de criar uma maneira particular de concepção de criança, no sentido que as formas de se relacionar com ela, e o próprio papel dela na sociedade, resultam de uma complexa rede de valores e regras predominantes nesta sociedade. Na modernidade, a ascensão sócio-econômica da burguesia trouxe valores diferentes dos medievais, e um novo modelo de organização familiar. Modelo este que costuma ser chamado de família burguesa ou família nuclear restrito ao núcleo pai-mãe-filho(s). Nesta família, mãe e pai ganharam funções muito bem definidas. A ela, caberia o cuidado com a casa, o marido e os filhos (atuando no espaço privado do lar); a ele, caberia o sustento da família através do trabalho remunerado (atuando no espaço público). Aos dois, caberia a obrigação de amar e educar seus filhos, investindo neles uma perspectiva de futuro, de progresso, condizente à conjuntura histórica da época. Este modelo familiar, hoje, parece estar em crise. É crescente o número de casais separados ou divorciados,
madrastas e padrastos, ou mães e pais que criam seus filhos sem a ajuda de um cônjuge. A mulher, não mais confinada às atividades domésticas, conquista um espaço cada vez maior no mercado de trabalho - e, não raro, culpa-se por não dedicar aos filhos a atenção que julga dever dedicar. Nas últimas décadas, as transformações tecnológicas têm engendrado mudanças sociais e psicológicas, configurando-se como um dos principais vetores de subjetivação da contemporaneidade. Os meios de comunicação ensinam às pessoas novas formas de agir e pensar. E as crianças, obviamente, não se excluem deste processo. Há quem diga que a infância – revestida desta aura de pureza, inocência e ingenuidade - consiste numa invenção moderna, que está fadada a desaparecer. (Werneck, 2001.) Há ainda quem vá mais longe. Alguns pensadores localizam o surgimento e a crise deste conceito em dois marcos históricos específicos: em 1850 e 1950, respectivamente. (Steinberg & Kincheloe, 2001.) Em 1850, o trabalho infantil foi abolido das fábricas inglesas, no auge da Revolução Industrial - movimento crucial para a concretização dos interesses sociais burgueses. Quanto a 1950, é um ano que simboliza a criação e difusão de um aparato tecnológico que tem modificado a humanidade desde então: a televisão. Na Idade Média, adultos e crianças dividiam o mesmo ambiente informacional - o da oralidade, para a qual todos estamos biologicamente aptos. Na Pós-Modernidade, a televisão é capaz de simular um ambiente informacional semelhante ao medieval. Melhor dizendo: para assistir à TV, basta ver e ouvir, habilidades a que adultos e crianças estão biologicamente aptos. O processo de leitura, ao contrário, exige um esforço de aprendizagem que costuma durar anos, e está longe de ser instintivo. Antes de mais nada, deve-se desenvolver um autocontrole corporal que permita um exercício introspectivo de atenção e concentração. Deve-se memorizar as letras, seus respectivos sons, e depois compreender a estrutura das sílabas, das palavras, das frases... Mais tarde, deve-se entender o sentido geral de um parágrafo, de um texto, de um livro... E, enfim, aprender a ler criticamente – uma capacidade que, às vezes, não se adquire nem mesmo depois da adolescência. Portanto, a divisão das crianças por idade, nas séries escolares, atende às etapas deste processo. Para assistir à televisão, é bastante diferente. Uma criança de dois anos – como aquela retratada por Ticiano em meio a um bacanal –pode apertar um simples botão e deparar-se com cenas de sexo explícito na telinha. Conseqüentemente, a televisão inviabiliza a proteção da criança (tão valorizada pelos modernos) do acesso aos "segredos adultos", que antes se desvendavam apenas nos livros, ou pela experiência. Para certos autores, a televisão impossibilita que exista a infância como a fase do não saber, da pureza, inocência e ingenuidade. O escritor norte-americano Neil Postman (1999), por exemplo, afirma que a criação da infância só foi possível pelo advento da prensa tipográfica, e proclama o desaparecimento da infância devido ao advento da televisão. Entretanto, convém nos questionarmos: estaríamos diante do fim da infância ou de novas formas de ser criança? Como adultos, tendemos a pensar na criança de acordo com critérios coerentes à criança que nós fomos um dia. Contudo, a velocidade das transformações sociais e psicológicas, impulsionadas pelas transformações tecnológicas que testemunhamos, faz com que ser criança hoje seja diferente de ser criança poucas décadas atrás. De alguns anos para cá, a programação televisiva, pelo menos no Brasil, tem exibido com maior freqüência os tais "segredos adultos", em horários que teoricamente obedecem a uma censura imposta pelo Ministério da Justiça. Apenas teoricamente. Na prática, o sexo aparece na TV a qualquer hora do dia - ainda que implícito e sutil: nas dançarinas de biquíni que rebolam no cenário dos programas de auditório. Crianças assistem a novelas e telejornais. Adultos assistem a programas infantis. Ao perceberem este fato, as emissoras televisivas passaram a veicular propagandas de produtos "para adultos" nos intervalos de programas infantis. Propagandas de cerveja com mulheres sensuais e seminuas. Chamadas de novelas, num trailler de cenas picantes. (Sampaio, 2000.) Por outro lado, tem proliferado também, em diferentes horários, a quantidade de propagandas que falam diretamente à criança. Isso se explica por um fenômeno recente de incorporação da criança à sociedade de consumo: de filha do cliente, ela ascendeu ao status de cliente. (VEIGA, 2001.) E já pode desejar e consumir produtos como a sandalinha da Carla Perez, ou as roupas da grife lançada por ela, CP Girls, nos moldes da grife de Xuxa, O bicho comeu. Na TV, a criança assiste ao Festival de Desenhos da Rede Globo. Na rua, depara-se com a foto da apresentadora, Deborah Secco, nua e numa pose sexy, no outdoor que anuncia a revista Playboy. (Aliás, Carla Perez e Xuxa também já posaram nuas para a foto de capa da mesma revista...) Portanto, os universos simbólicos de adultos e crianças estão expostos, na televisão e em outras mídias, para ambos. E o controle do que é visto pelas crianças, que tradicionalmente caberia aos pais, é extremamente frágil: a TV, muitas vezes, transforma-se numa conveniente "babá eletrônica", que mantém os filhos quietos enquanto os pais trabalham ou se ocupam com os afazeres domésticos. Além disso, é grande o número de crianças que assistem a programas em horários não recomendáveis para sua faixa etária. As conseqüências desta situação se evidenciam na própria mídia. No programa do Gugu, crianças imitam o grupo É o tchan, em coreografias insinuantes e dublagens de letras de música do tipo: "Tá de olho no biquinho do peitinho
dela...". (Valladares, 1997.) Na vida, meninas escolhem para fantasias de carnaval o figurino sensual de Carla Perez, Tiazinha, ou outros símbolos sexuais televisivos. Porém, estas não são as manifestações mais preocupantes da erotização infantil. Até aqui, constatamos apenas que estas crianças contrariam o ideal de infância concebido a partir da modernidade. Mais preocupante é saber que, atualmente, no Brasil, já é significativo o número de meninas que, mal ficam menstruadas, iniciam-se na vida sexual propriamente dita: no Censo de 2000, o IBGE inclui, pela primeira vez, a faixa etária de 10 a 14 anos nas suas estatísticas de maternidade. Assim, torna-se claro que muitas crianças (considerando-se que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma pessoa de até 12 anos ainda é uma criança) estão exercendo hoje uma sexualidade que, há um século, foi descrita por Freud como adulta. Em vez de se limitarem ao prazer perverso e polimorfo - seguido pela masturbação na puberdade para que, somente depois, venham a praticar o sexo com um parceiro - crianças transam com crianças, e dão à luz outras crianças. Diante destes dados, cabe destacar dois pontos fundamentais no que se refere à Educação, seja ela escolar ou parental: 1) O hábito de se qualificarem as manifestações sexuais infantis como algo "terrível" e "cruel" – e a televisão como um "bicho papão" – não contribui, em si, à compreensão destas novas formas de ser criança. Pelo contrário: apenas afastam o educador de uma possibilidade de entender melhor esta questão e, por conseguinte, de lidar melhor com ela. E 2) a mobilização do educador, ou de qualquer pessoa preocupada com o processo de erotização da infância, deve resultar em ações voltadas antes para os resultados mais graves deste processo: a gravidez precoce, a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis etc. Se for considerado "impróprio para menores" um bate-papo aberto sobre sexo, nas escolas ou em casa, os pequenos dificilmente receberão a orientação adequada sobre como proceder ao iniciar sua vida sexual. BIBLIOGRAFIA ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. CASTRO, L. R. (org.) Infância e adolescência na cultura do consumo. Rio de Janeiro: Nau, 1998. FREUD, S. Os três ensaios sobre a sexualidade. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira. v. VII, Rio de Janeiro: Imago, 1989. POSTMAN, N. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. SAMPAIO, I. S. V. Televisão, publicidade e infância. São Paulo: Annablume, 2000. STEINBERG, S. R., KINCHELOE, J. L. (org.) Cultura infantil: a construção corporativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. VALLADARES, R. O tchan infantil. Veja, 13 ago. 1997, p. 122-123. VEIGA, A. Criança pensando como gente grande. Veja, 16 mai. 2001, p.70-72. WERNECK, A. O fim da inocência. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 set. 2001, Caderno B, p. 1.
* Fernanda Passarelli Hamann Jornalista e membro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade (GIPS), coordenado pela professora Solange Jobim e Souza, no Departamento de Psicologia da PUC-RJ
Alfabetizar para a mídia Marilena Rescala* Enquanto, durante o ataque dos Estados Unidos ao Iraque, a TV iraquiana exibia imagens de Saddam Hussein sorridente, sendo saudado pelo povo, tropas americanas anunciavam a tomada do Aeroporto Internacional, em Bagdá. Seria Saddam ou um sósia? Impossível saber, afirmavam os meios de comunicação, já que não havia como determinar quando as imagens haviam sido gravadas. Se, no passado, a cobertura das guerras era precária por falta de informação, hoje, apesar de as notícias serem abundantes e veiculadas com incrível rapidez, carecem de precisão. Ao mesmo tempo, por meio da internet, alguns milhões de usuários acessam, em tempo real, sites, portais e a última novidade em termos de tecnologia da informação – os blogs. A cada minuto, a cada hora e período do dia, são consolidadas informações e geradas imagens. É um show de tecnologia que tem como característica a superação da barreira do tempo, tendo-se na instantaneidade da notícia o grande desafio. J. Martin-Barbero, em seu livro, Os exercícios do ver, põe essa questão em discussão, quando afirma que “uma tarefa-chave, hoje, da mídia é fabricar o presente: um presente concebido sob a forma de golpes sucessivos sem relação entre si”. A internet, ao utilizar a associação simultânea de textos, idéias, imagens etc., é a mídia que melhor cumpre o desafio de transpor os limites do tempo, o que não implica, necessariamente, garantia de qualidade e responsabilidade com a notícia. Para os especialistas, a grande consagração da Guerra do Iraque, em termos de cobertura e de velocidade de transmissão da informação, é da internet. É a guerra em tempo real. Há doze anos, o canal de televisão CNN tornou-se referência no noticiário internacional, ao cobrir o passo-a-passo da Guerra do Golfo. Independentemente de distorcer fatos e simular situações, era, e ainda é, reconhecida como expressão da realidade. Naquela época, assistimos a um pequeno ensaio do espetáculo que a mídia em seu conjunto e, em especial, a televisão, foi capaz de produzir. Com a Guerra do Iraque, se é que é correto nomear como guerra – e não como invasão – o que a humanidade assistiu entre os meses de março e abril, o Século XXI inaugura uma nova metodologia de abordagem do negócio da notícia. A mídia transforma informação em produto, e seus profissionais sucumbem, intencionalmente ou não, às armadilhas da lógica mercadológica. O resultado de todo esse processo está estampado nas manchetes dos jornais, das revistas, da web e do noticiário da TV. Os comunicadores da contemporaneidade vêm experimentando, assim, técnicas cada vez mais sofisticadas de espetacularização da notícia. Todo o aparato tecnológico mobilizado pelos meios de comunicação para a cobertura do conflito no Iraque, para ficarmos com um exemplo pleno de atualidade, mais do que informar, alimenta a indústria da mídia, em particular, e todas as demais que, direta ou indiretamente, vendem seus produtos: desde armas e máscaras de proteção a um possível ataque químico/ bacteriológico, até a indústria do entretenimento, entre tantos outros produtos. E, em tempos de paz, guardando a relatividade que implica este conceito, como a mídia se comporta? Será muito diferente dos momentos de grande tensão? A esse respeito, o professor Roger Silverstone, titular da cadeira de Mídia e Comunicação da London School of Economics em seu livro Por que estudar a mídia?, publicado no Brasil, alerta para a necessidade de uma maior atenção da sociedade na construção de uma “cidadania informada”, cuja missão seria a de fiscalizar o Quarto Poder – a mídia. Em entrevista à Revista Carta Capital (fevereiro / 2003), Silverstone mostra que a mídia tornou-se central para a experiência humana. E afirma que é no dia-a-dia, e não apenas na cobertura de grandes eventos e catástrofes, que a força dos meios de comunicação se mostra mais eficaz. Ele diz: “a cidadania do Século XXI requer um conhecimento sobre os meios de comunicação que até agora poucos de nós têm, por isso, ela necessita ser estudada”. Ao propor maior atenção da sociedade à mídia, o autor convoca os cidadãos a alfabetizarem-se nessa nova linguagem, pois, segundo seus argumentos, só assim poderiam desafiá-la. O conhecimento da mídia e a sua democratização podem vir a constituir o que ele chama de o Quinto Poder. No passado ainda recente, as tecnologias da comunicação e da informação eram ferramentas de trabalho de alguns poucos profissionais. Os professores de modo geral, ainda hoje, por não terem se apropriado delas, mantêm com as mídias uma relação de desconfiança e, em algumas situações, até de certo equívoco quando as utilizam. Com relação a este último aspecto, cabe lembrar uma observação que J.Martin-Barbero faz, no livro já citado,
quando coloca em debate o papel da escola na disseminação do saber e dos novos modos de ver/ler/aprender. Ele afirma que, “ao reduzir a comunicação educativa à sua dimensão instrumental, isto é, ao uso das mídias, a escola deixa de fora aquilo que é mais estratégico pensar: a inserção da educação nos processos complexos de comunicação da sociedade atual”. Associando os argumentos de Silverstone aos de Barbero, e observando o quanto as mídias têm influenciado os modos de ser e agir do homem contemporâneo, mais que um alerta, as reflexões que vêm sendo produzidas sobre este tema apontam para o fato de que há que se buscar não apenas a compreensão, mas, sobretudo, uma nova postura do cidadão diante do fenômeno que as novas tecnologias vêm produzindo. Por vivermos imersos em um mundo sonoro e visual, repleto de apelos eletrônicos, de símbolos e signos, estamos todos sob a influência, tanto para o bem quanto para o mal, das mídias. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia das últimas décadas não teve sua equivalência nas instituições que integram a sociedade. Por isso, à escola cabe repensar sua prática pedagógica e seu modelo de gestão, em que a mídia não seja meramente um acessório ao processo de constituição de conhecimentos e valores. Nesse contexto, a tarefa que se impõe à escola é inaugurar um diálogo verdadeiro e conseqüente entre a mídia e a educação. A formação em todos os níveis e áreas do conhecimento, especialmente, quando se trata de professores e da prática docente, exige a incorporação das novas formas de comunicação e informação nos ambientes de aprendizagem. Enquanto que aos governos, à indústria de mídia e à sociedade organizada, considerando as especificidades de cada um, cabem a responsabilidade social e o reconhecimento dos direitos à qualidade, do que é produzido e distribuído para as diferentes mídias.
* Marilena Rescala Professora, especialista em Educação e assessora de Integração da MULTIRIO.
A guerra na mídia e a guerra real Marcus Tavares* Se, como afirmam historiadores, a guerra no Afeganistão, em 2001, foi a primeira da era on line de nossa História, a guerra entre os Estados Unidos e o Iraque, ora em curso, tem, ainda mais acirradamente, a marca digital na disseminação das informações: sites especializados trazem informações em primeira mão, diários virtuais na internet (os blogs) de jornalistas que participam da cobertura contam pormenores de seu dia-a-dia diretamente do campo de batalha. Videofones, satélites portáteis e aparelhos com visão noturna permitem a transmissão ao vivo dos avanços das tropas americanas e a resistência dos iraquianos, levando-nos a crer de que a realidade da guerra nos chega irretocável. Mas será que aquilo a que assistimos, lemos e ouvimos sobre a guerra é imparcial e verdadeiro? Até que ponto a forma e o conteúdo das notícias veiculadas não sofrem a interferência de elementos externos, como os interesses políticos e econômicos dos países envolvidos, que acabam determinando qual o recorte daquela realidade a se reportar? Jornalistas e estudiosos afirmam que o noticiário da guerra segue, sim, interesses econômicos, sociais e ideológicos de cada governo, de cada sociedade, de cada instituição. A cadeia de rádio WABC, por exemplo, a mais ouvida em Nova Iorque, decidiu não fazer mais entrevistas ao vivo com ouvintes que são contra a guerra para não prejudicar a propaganda norte-americana oficial do governo em prol do conflito. Na televisão, o mesmo acontece e de forma mais explícita. Enquanto as TVs americanas exibem a pirotecnia das cenas dos bombardeios noturnos que pouco mostram sangue e lágrimas, referendando os informes do governo federal de que a guerra não colocará em risco a vida de civis, as TVs árabes exibem crianças feridas, adultos mutilados e expressões de dor e terror em seus rostos. Programação que vem chamando a atenção de telespectadores. Amelie Hastie, professor de cinema e mídia digital da Universidade de Califórnia, em entrevista a um jornal brasileiro, disse que se surpreendeu ao assistir às cenas da TV: “Quando vi o noticiário, não apareceu ninguém morto ou correndo risco de morrer”. Avaliar a qualidade da cobertura da Guerra do Iraque – a primeira guerra declarada do Século XXI e não autorizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) – permite que professores e alunos exercitem um olhar crítico, levantando questões e fazendo uma análise participativa e consciente, saindo, assim, do lugar de leitores, telespectadores e ouvintes passivos. Entender, de modo geral, a linguagem de cada uma das mídias, seus estilos, características, limitações, imposições e argumentos, é tarefa necessária para se conseguir ler criticamente a cobertura das TVs, dos jornais, dos rádios... Entendendo e se apropriando da linguagem midiática é possível, então, interpretar, comparar, analisar e ter uma postura crítica. Proposta de trabalho pertinente e que vai ao encontro dos objetivos da escola que deve integrar em seu currículo aspectos da vida cidadã, valores e os conteúdos das áreas de conhecimento. No artigo Meios de Comunicação na Escola, publicado no caderno Comunicação & Educação da Universidade de São Paulo, a professora Maria Aparecida Baccega, do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP, afirma que, queiramos ou não, vivemos em um mundo editado pela mídia. Segundo ela, tudo o que chega pela mídia já foi, na verdade, submetida a numerosos filtros e interesses, portanto é apenas parte de um todo, mas que é apresentada como se fosse o todo: “Editar é construir uma outra realidade, a partir de supressões ou acréscimos. O resultado desta edição é que constrói nossa visão de mundo, que preenche nosso imaginário sobre outras realidades, outras pessoas, outros valores. É ela que alicerça a cultura na qual vivemos”.1 O cinema que muitas vezes foi palco de histórias sobre guerra e, inclusive, o primeiro meio de comunicação audiovisual a exibir imagens de batalhas, também pode contribuir neste debate. Vários filmes abordam o poder que a mídia tem no encaminhamento das notícias e na seleção da parte da vida real que será apresentada ao público como o todo, verídico e imparcial. Podemos destacar três produções: Mera Coincidência (Wag the dog, de 1997). A 15 dias das eleições, o presidente dos EUA está envolvido em um escândalo – é acusado de abuso sexual. Conscientes da gravidade da situação, seus assessores contratam um produtor de Hollywood para reveter o quadro. O produtor cria uma guerra civil fictícia na Albânia, na qual os EUA se envolvem para acabar com o confronto. A idéia é desviar a atenção pública para outro fato bem mais apropriado aos interesses eleitoreiros.
A Montanha dos Sete Abutres (The big carnival, 1951) – Conta a história de um jornalista sem escrúpulos que, na tentativa de voltar a trabalhar em grandes jornais, transforma um mero acidente em tragédia sensacionalista. O ambicioso repórter se une ao xerife da cidade local e à esposa da vítima. Os três, em busca de fama e dinheiro, exploram pela imprensa o acidente. O Quarto Poder (Mad city, 1997) – Ao realizar reportagem em um museu, um jornalista se vê diante de cena inesperada: armado, ex-funcionário do museu entra no prédio para conversar com a diretora do local. Acidentalmente, dispara um tiro que acaba ferindo outro funcionário. Diante disto, o jornalista acaba interferindo na condução da história para ganhar destaque e prestígio na mídia.
* Marcus Tavares Jornalista, repórter do portal e das publicações da MULTIRIO
Educar para a mídia, pela mídia de qualidade. João Alegria* Televisão, comunicação de massa e o universo infanto-juvenil. Nos últimos anos temos assistido ao afloramento de uma controvertida discussão sobre a influência dos meios de comunicação de massa na formação das crianças e dos adolescentes. As preocupações externadas por vários setores da sociedade são justas e procedentes, principalmente, tendo-se em vista o que se trata, aparentemente, de uma “queda de qualidade de conteúdo” dos produtos da mídia destinada aos públicos destas faixas etárias. No pivô desta discussão encontra-se a televisão, ou a busca da “tv de qualidade”. Nelson Hoineff resume bem a discussão em entrevista recente à revista Nós da Escola, edição nº 11: “Uma televisão pode ser ruim mesmo exibindo uma sinfonia de Beethoven e pode ser boa mesmo falando para as massas. Qualidade em televisão depende em grande medida da adequação formal e narrativa do conteúdo ao meio, o que, aliás vale também para qualquer outra forma de expressão. (...) ... podemos partir para pensar num modelo de televisão que seja compatível com a dignidade do espectador e de modelos de programação adequados à criança (...). É muito difícil assegurar isso quando o entorno da televisão é tão medíocre e imune a qualquer forma de controle. O que a televisão gera hoje é em grande parte não apenas ofensivo ao cidadão como inibidor de seu crescimento. A maior parte dos brasileiros se forma através da televisão e o tipo de formação que ela vem produzindo é indiscutivelmente nefasta.” 1 Em si, a televisão é um meio de expressão (veículo de comunicação de massa) adequado e completo para o público infanto-juvenil. A TV é mágica e – ao mesmo tempo – inegavelmente realista. É verdadeira e fabulosa: como na cabeça do público infanto-juvenil, a TV justapõe realidade e ficção num complexo emaranhado de conteúdos verbais e mensagens visuais que só os iniciados conseguem distinguir com perfeição. A TV é interativa e cheia de botões que, quando acionados, provocam conseqüências surpreendentes e deliciosas. Ela possui cores fortes e luminosidade própria, associa imagem e som, é uma ponte de acesso virtual para tudo o que há no universo. A televisão está em todos os lugares: nos lares, no trabalho, nas ruas. É onipresente. Se o alcance da televisão for associado aos seus recursos de linguagem e a um conteúdo pertinente, a TV pode se tornar um agente do conhecimento e da cidadania, de eficácia incontestável. Entretenimento de qualidade com conteúdo. Crianças e jovens podem aprender ao se divertir e os meios de comunicação podem educar entretendo seu público, isso é o que se chama edutainment. A idéia de associar entretenimento a aprendizado – edutainment – surgiu em função das preocupações dos educadores com a má utilização pelas emissoras de TV dos seus horários de programação infantil. Salvo exceções, estes horários estiveram durante décadas destinados ao entretenimento inconseqüente e irresponsável e ao incremento do comércio de subprodutos não-educativos voltados para o público infantil. Tal utilização do tempo de mídia colaborou de forma direta para a conformação da sociedade contemporânea e alguns de seus dilemas. A violência urbana, a intolerância religiosa e cultural, o individualismo exacerbado e a falta de respeito ao próximo e ao meio ambiente em que vivemos, são marcas da idade mídia. Daí a necessidade de um novo gênero de entretenimento: diversão associada a conteúdo (que pode ser educativo) e comprometida, com a formação do futuro cidadão. Essa reformulação dos programas de TV infanto-juvenis e dos produtos em geral destinados à criança, ao jovem e à família, é um processo pelo qual estão passando os maiores conglomerados de produção de mídia do mundo. Hoje em dia, a televisão ocupa o espaço complementar à escola e à família na educação – está comprovado que boa parte dos adolescentes e crianças brasileiras passam mais tempo em frente à TV do que na sala de aula. É na TV que buscam suprir sua necessidade de novos conhecimentos e estímulos.
No Brasil, a televisão preenche as lacunas geradas pela falta de acesso ao teatro, cinema, lazer e educação, o que obriga as propostas de programação a assumirem sua responsabilidade social. Sobre a “tv de qualidade”, afinal, vale a pena citar Patrícia Edgar, em conferência proferida no Seminário Latinoamericano de Educação, ocorrido no Rio de Janeiro em novembro de 2002: “Sim, sabemos criar informação e sistemas de comunicação extraordinários, mas no final das contas, o conteúdo é o que importa. A mera informação e os dados não são sinônimos de bom conteúdo. A programação dirigida por marcas e merchandising não quer dizer bom conteúdo. O conteúdo de qualidade é resultado de uma educação que valoriza a curiosidade, a criatividade, idéias, uma vida mental. (...) Os dados e a informação têm que ser processados para que se transformem em conhecimento. Conhecimento quer dizer entender as coisas, saber colocá-las em contexto, saber aplicar as lições aprendidas. O paradoxo é que, embora hoje em dia exista mais informação disponível, talvez as pessoas sejam menos informadas. Hoje, cada vez mais filmes estão sendo feitos, mas cada vez menos valem a pena serem assistidos.” 2 Crianças e adolescentes melhor equipados para a comunicação. Um bom produto de mídia é aquele que se aproxima do universo do seu público, retrata seu imaginário e estimula seus sentidos. Tratar a criança como criança, o adolescente como adolescente, é por si só educativo. E é essencial compreender a criança e o adolescente como produtores de mensagens e, portanto, como produtores de mídia e comunicação. Entretenimento que educa não é aquele que necessariamente reproduz o conteúdo escolar e sim aquele leva o público a pensar, amplia suas possibilidades de interação com o real e o imaginário, que estimula sua criatividade. Os vários estímulos midiáticos do mundo contemporâneo estão formando crianças diferentes das de outras épocas. Videogames, computadores, internet, programas de TV, tudo funciona como uma “ginástica” para o cérebro infantil. As novas tecnologias, a velocidade e a diversidade da informação dão às crianças e aos adolescentes mais recursos para a comunicação.3 A isso devemos somar a herança quase genética da cultura visual e televisiva deste século, o que faz com que os garotos já “nasçam sabendo” ver TV, como se seu organismo fosse previamente equipado com noções de montagem cinematográfica.4 Mas, se por um lado nos deparamos com esses seres “melhor equipados” para entender e se relacionar com os mecanismos da informação contemporânea, por outro, por vezes, é a ingenuidade do indivíduo perante a mensagem o que chama a atenção. É preciso trabalhar a capacidade crítica deste jovem espectador. É nisto que se afirma a necessidade de uma educação para a comunicação. Sem dominar os processos de construção de mensagem, dificilmente o jovem espectador poderá analisar criticamente os produtos à sua disposição ou ser “menos influenciado” por eles. Como afirma o professor Roger Silverstone (London School of Economics), em entrevista recente à revista Carta Capital, é no dia-a-dia das pessoas e não na cobertura dos grandes eventos e catástrofes, que a mídia se torna mais eficaz, contribuindo decisivamente para a formação do senso comum. “A cidadania no século XXI requer um grau de conhecimento que até agora poucos de nós têm. Requer do indivíduo que saiba ler os produtos de mídia e que seja capaz de questionar suas estratégias. Isso envolveria capacidades que vão além do que foi considerado alfabetização em massa na época da mídia impressa. (...) Eu sugiro que a alfabetização em mídia é mais necessária do que nunca, precisamente porque ela é fundamental para a construção de identidades, o senso de nós mesmos no mundo e nossa capacidade de agir dentro dele.” 5 É com essa expectativa apontamos a importância de uma educação para a mídia associada ao ambiente escolar. Passividade, escolha e produção própria de mensagens. Durante grande parte de sua existência, a televisão foi um meio de comunicação autoritário, na medida em que pressupunha e exigia um público passivo, imobilizado na sala de estar diante de sua tela. O discurso do aparelho era o único discurso possível e o recorte do real exibido em sua tela apresentado ao espectador como a verdade absoluta dos fatos. Essa situação persistiu até o final dos anos 70. Nos anos 80, a multiplicação do número de emissoras e programas e o aparecimento do videocassete doméstico e do controle remoto transformaram a situação anterior. O espectador adquiriu maior controle sobre a “sua” programação, escolhendo o que gostaria de ver e quando. Já a partir da década de 90, com a evolução muito rápida dos equipamentos eletrônicos, principalmente após a difusão da rede mundial de computadores, a tônica não está na escolha da programação – apesar de a possibilidade de escolha ter crescido em progressão geométrica – e sim na possibilidade de produção de uma programação pessoal, elaboração e difusão de uma mensagem própria beneficiando-se dos recursos da comunicação de massa.
Isto significa que as ferramentas de produção de produtos de comunicação também estão se popularizando. Nunca foi tão fácil gravar imagens, editar essas imagens na forma de uma mensagem, associando a ela sons e informações gráficas. Nunca foi tão fácil gravar um disco, criar e enviar mensagens textuais, visuais, sonoras! Os anos 90 impuseram às emissoras de TV a necessidade de gerar programação interativa. Essa interação pode ser: escolha: do que se vai ver amanhã, semana que vem; de qual final mais agrada; de que rumos uma programação deve tomar para satisfazer a audiência...; Participação à distância: através do telefone, jogos interativos, webcams, internet, etc.; participação presencial: convidados aos programas de games; aos programas de entrevistas, talk shows, etc. De modo genérico, interatividade na TV significa uma programação que se aproxima do interesse do público, não exige sua participação direta, mas implica na diversidade e multiplicidade de conteúdo e forma, portanto um meio de comunicação mais democrático. Muitas vezes, inclusive, essa “programação interativa” tem sido usada como uma atestação de qualidade, o que é inverossímil. O lado bom disso é: como a comunicação de massa é um componente fundamental do mundo contemporâneo e o seu processo de produção caiu em domínio público, hoje é possível que um indivíduo elabore melhor o seu projeto pessoal e o divulgue aos que estão ao seu redor. Neste ponto vale a pena citar o Núcleo Curricular Básico Multieducação da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro: “Compreender o papel das linguagens como instrumento de mediação transformadora no diálogo do homem consigo próprio, com o outro e com o mundo e que estas linguagens transformadoras podem ser dirigidas à compreensão entre grupos sociais, cidades, estados e países em busca de Paz e da convivência digna e construtiva.” 6 Para nos ajudar a estar em dia com esse momento devemos oferecer, às crianças e adolescentes, elementos para sua formação crítica e para o desenvolvimento de sua capacidade de expressão, o que são responsabilidades indiscutíveis da escola. E serão estes cidadãos equipados para comunicar-se plenamente e avaliar criticamente a mídia que poderão garantir uma tv de qualidade. NOTAS 1 Nelson Hoineff em entrevista à Revista Nós da Escola, número 11: “Mídia e escola em debate”. S/d. página 8. Nelson Hoineff aborda de forma mais detalhada esta mesma discussão no livro: A nova televisão: desmassificação e o impasse das grandes redes. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1996. 2 Patricia Edgar é presidente do World Summit on Media for Children Foundation. A citação é da conferência proferida por ela no Seminário Latino-americano de Educação – A Escola na Idade Mídia, Rio de Janeiro, Riocentro, 2002. 3 Veja-se: LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, 34, 1993. Ou então: GREENFIELD, Patricia Marks. O desenvolvimento do raciocínio na era da eletrônica. São Paulo, Summus, 1988. 4 NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Apresenta uma perspectiva crítica em relação às aproximações escola/multimídia. 5 SILVERSTONE, Roger. Entrevista à revista Carta Capital 12/02/2003, pp:58. Do mesmo autor, vale a pena consultar o livro Por que estudar a mídia? São Paulo, Edições Loyola, 2002. Ele aborda o assunto de forma extensa a partir da caracterização da mídia como parte do que Isaiah Berlin denominaria de “textura geral da experiência”: “Quero mostrar que deveríamos estudar a mídia, nos termos de Isaiah Berlin, como parte da ‘textura geral da experiência', expressão que toca a natureza estabelecida da vida no mundo, aqueles aspectos da experiência que tratamos como corriqueiros e devem subsistir para vivermos e nos comunicarmos uns com os outros.” (p. 13)
* João Alegria * João Alegria (
[email protected]) tem formação em Filosofia e História. Trabalha como autor e diretor de séries e programas para televisão. Entre outras atividades, dirigiu o programa Brasil Legal da Rede Globo, e a série Tesouro da Juventude, premiada no Festival Internacional do Filme Etnográfico; trabalhou como consultor para a Diretoria de Desenvolvimento de Projetos da Rede Globo; e participou com seus trabalhos de vários festivais, nacionais e internacionais, de vídeo
A criança na idade mídia Solange Jobim e Souza* Pretendo apresentar algumas reflexões sobre as transformações culturais e subjetivas que a presença da mídia e do consumo tem proporcionado nas relações humanas, enfocando especialmente o confronto entre gerações. Observando as relações entre adultos e crianças, constatamos que essas transformações são cada vez mais visíveis, especialmente quando consideramos as mudanças no interior da família e a participação da mídia na socialização das crianças. Em uma cultura constituída sob a forma de imagens e dígitos, temos a mídia eletrônica como um vetor de socialização que permite interações muito peculiares, mediadas pela virtualidade. São inegáveis as transformações que essas experiências sociais contemporâneas têm imprimido nos processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, daí nosso interesse em explorar este tema, apresentando algumas questões pertinentes para ampliarmos este debate junto a pais, educadores, crianças e jovens. A tensão que sempre existiu entre as gerações assume hoje caráter novo. Grande parte do tempo que dedicávamos às conversas é agora dedicado aos aparelhos. Vale lembrar que em um passado recente as informações chegavam às crianças pelo crivo dos parentes mais velhos. Hoje, pela janela da TV, tudo é para todos, não havendo distinção entre gerações ou classes sociais. “É uma coisa que vicia", diz Viviane, de 10 anos, "você chega em casa e já vai na televisão. Se vou tomar banho, deixo a TV ligada. Até pra dormir, durmo escutando a TV. É por causa do ruído”. Este depoimento confirma algo que não é propriamente uma novidade, mas exige uma tomada de consciência sobre o fato de que a cultura da mídia invadiu a vida cotidiana, transformando nossa experiência temporal e espacial. Neil Postman (1999), autor americano, se tornou conhecido por advogar que a mídia é responsável pelo desaparecimento da idéia de infância, pois ela rompeu definitivamente com a possibilidade de haver segredos e sentimento de vergonha do adulto frente à criança. Sem cairmos nas armadilhas de uma discussão moralista e ingênua sobre esta questão, vale destacar que a cultura do consumo é a linguagem da mídia, e que este fato não é de menor importância quando nos damos conta de que a televisão é um dos mais eficazes instrumentos de formação das novas gerações. Em uma entrevista concedida a Contardo Calligaris1, Oliviero Toscani, fotógrafo conhecido por ser autor das polêmicas imagens publicitárias da Benetton, nos lembra que o gasto com a publicidade é maior em nossa cultura do que o gasto com a educação pública e que, portanto, a publicidade veiculada pela mídia é hoje mais formadora de nossa subjetividade do que o ensino escolar. Não podemos deixar de nos indignarmos quando nos damos conta de que o consenso da razão contemporânea é constituído pelas imagens dos sonhos publicitários. Entretanto, é prudente que nossa análise vá além do reconhecimento da ameaça que os meios de comunicação apresentam para nós, fazendo com que possamos enxergar nestes instrumentos culturais a possibilidade de criação de diversas formas de expressão, que podem ser constitutivas de outros modos de produção de conhecimento, capazes de enfrentar com lucidez o mal estar da civilização. Será que temos analisado a maneira como nos relacionamos com a mídia em geral? Será que temos observado com o devido cuidado a qualidade do que nos chega pela janela da TV? Será que sabemos como a criança compreende o mundo da mídia? Será que, alguma vez, nos sentamos simplesmente junto à criança para indagar sobre sua experiência como espectadora? Afinal, o que é possível à educação? Que lugar devemos ocupar junto às novas gerações frente às mudanças nos processos de informação e produção de conhecimento ? A revolução tecnológica nos coloca um desafio fundamental, ou seja, o de compreendermos que estamos diante do surgimento de uma outra cultura, que exige de nós uma adaptação nos modos de ver, de ler, de pensar e de aprender. Não se trata, portanto, de usar a tecnologia como modo de expandirmos as antigas formas de ensinoaprendizagem, ou termos a mídia na escola como meio para amenizar o tédio do ensino, mas trata-se de um modo radicalmente novo de inserção da educação nos complexos processos de comunicação da sociedade atual (MartínBarbero, 2001). Reivindicar a presença da cultura audiovisual na escola não é descartar a cultura letrada, mas integrá-la, incentivando o diálogo profícuo entre variados modos de construção do saber que circulam entre nós. O livro, em vez de segregar ou de se fechar em si mesmo, deve se integrar neste novo processo de constituição do saber, abrindo espaço para a realização das múltiplas escrituras. Portanto, a transformação nos modos como circula o saber é a questão fundamental na atualidade, exigindo das gerações precedentes o esforço para incorporar novos hábitos de produção de conhecimento que escapam dos lugares sagrados – o livro e a escola - que antes continham e legitimavam o saber. Com isto queremos dizer que a escola precisa enfrentar e questionar a profunda reorganização que vive o mundo das linguagens e das escritas, reformulando a obstinada identificação da leitura com o que se refere somente ao livro. Hoje é imprescindível levarmos em conta a pluralidade e heterogeneidade de textos, relatos e escrituras (orais, visuais, musicais, audiovisuais, telemáticos) que circulam entre nós.
Esta atitude tem implicações políticas graves, na medida em que a exclusão social na contemporaneidade passa, necessariamente, pelo acesso das populações marginalizadas aos novos modos de obter e gerar conhecimento. Na medida em que as crianças mais abastadas entram em contato com os aparatos tecnológicos no contexto da família, a escola se constitui, em nossa realidade social, especialmente para as crianças pobres, o espaço privilegiado de acesso às novas formas de conhecimento que a tecnologia prefigura. A produção do conhecimento não dispensa a nossa capacidade de dialogar com os aparatos tecnológicos, incentivando as pessoas a construírem, com eles, novas possibilidades de usos, submetendo as máquinas ao nosso poder e desejo de inventar outros jogos ainda não revelados na prática. Trata-se, portanto, de criarmos, por meio da educação, modos de confronto com a experiência tecnológica, colocando tanto educadores como educandos na posição de se sentirem responsáveis por inventar outras estratégias de interação na produção de conhecimento. Isto significa dizer que a educação mediada pela tecnologia é um jogo, pois cada vez mais as máquinas se transformam em aparatos para recuperarmos a dimensão lúdica na produção do conhecimento, que é, de fato, também trabalho. A relação jogo e trabalho no contexto da tecnologia se transforma de modo radical. Como diz Vilém Flusser (1998), os instrumentos técnicos emancipam o homem do trabalho, libertando-o para o jogo. E para reforçar nosso argumento nesta direção é interessante observarmos como as crianças lidam com os aparelhos. Se comparamos os adultos e as crianças nestas atividades, constatamos, com freqüência, um modo muito mais descontraído e familiar das crianças com as máquinas do que muitos adultos alcançam em situações similares. A criança não teme a tecnologia porque para ela, desde o princípio, os aparelhos são máquinas de jogar, são brinquedos. No brincar a criança inventa o jogo, cria sempre novos lances e desafia a máquina experimentando com ousadia e curiosidade os resultados que desencadeia. Já o adulto não consegue a mesma descontração porque a máquina, tomada como mediadora do trabalho sério, perde todo o encantamento e a magia que a criança é capaz de alcançar. A criança está livre do sentido sério e sisudo que as coisas posteriormente adquirem no curso da vida e, por isto, pode nos mostrar novas alternativas de convívio com as máquinas. Cabe ao educador aprender esta postura com a criança e construir junto com ela, sem deixar de lado a sua experiência como adulto que vê o mundo de uma determinada maneira, modos mais criativos para enfrentarmos os desafios que a tecnologia nos impõe. O confronto entre gerações amplia o campo das experiências criadoras, pois o saber da criança, em contato com o conhecimento do adulto, configura um clima de autêntica liberdade nos modos de ser, agir e conhecer. Aprender a ver o mundo com outros olhares, resgatando sua condição de diversidade, é formar leitores de imagens que sabem dar um sentido estético e ético ao modo como produzimos conhecimento na contemporaneidade. Este é um dos maiores desafios para a educação nos dias atuais. Referências Bibliográficas CALLIGARIS, Contardo. Crônicas do individualismo cotidiano. Ática, São Paulo, 1996. FLUSSER, V..Ensaio sobre a fotografia. Para uma filosofia da técnica. Relógio D'água, Lisboa, 1998. JOBIM e SOUZA, Solange. Subjetividade em questão. A infância como crítica da cultura. 7 Letras, Rio de Janeiro, 2000. ______________________ Mosaico: Imagens do conhecimento. Rios Ambiciosos/FAPERJ, Rio de Janeiro, 2000 __________ & FARAH NETO, M..A tirania da imagem na educação. Presença Pedagógica, v. 4, n.22, jul/ago, 1998 MARTÍN-BARBERO, J. & REY, Germán. Os exercícios do ver. Hegemonia audiovisual e ficção televisiva. SENAC, São Paulo, 2001 POSTMAN, N..O desaparecimento da infância. Graphia, Rio de Janeiro, 1999
* Solange Jobim e Souza Professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e da Faculdade de Educação da Uerj. Assessora da Empresa Municipal de Multimeios Ltda.- MULTIRIO
A Criança na idade mídia: desafios para a formação do educador Solange Jobim e Souza* Pretendo apresentar algumas reflexões sobre as transformações culturais e subjetivas que a presença da mídia e do consumo tem proporcionado nas relações humanas, enfocando especialmente o confronto entre gerações. Observando as relações entre adultos e crianças, constatamos que essas transformações são cada vez mais visíveis, especialmente quando consideramos as mudanças no interior da família e a participação da mídia na socialização das crianças. Em uma cultura constituída sob a forma de imagens e dígitos, temos a mídia eletrônica como um vetor de socialização que permite interações muito peculiares, mediadas pela virtualidade. São inegáveis as transformações que essas experiências sociais contemporâneas têm imprimido nos processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, daí nosso interesse em explorar este tema, apresentando algumas questões pertinentes para ampliarmos este debate junto a pais, educadores, crianças e jovens. A tensão que sempre existiu entre as gerações assume hoje caráter novo. Grande parte do tempo que dedicávamos às conversas é agora dedicado aos aparelhos. Vale lembrar que em um passado recente as informações chegavam às crianças pelo crivo dos parentes mais velhos. Hoje, pela janela da TV, tudo é para todos, não havendo distinção entre gerações ou classes sociais. “É uma coisa que vicia", diz Viviane, de 10 anos, "você chega em casa e já vai na televisão. Se vou tomar banho, deixo a TV ligada. Até pra dormir, durmo escutando a TV. É por causa do ruído”. Este depoimento confirma algo que não é propriamente uma novidade, mas exige uma tomada de consciência sobre o fato de que a cultura da mídia invadiu a vida cotidiana, transformando nossa experiência temporal e espacial. Neil Postman (1999), autor americano, se tornou conhecido por advogar que a mídia é responsável pelo desaparecimento da idéia de infância, pois ela rompeu definitivamente com a possibilidade de haver segredos e sentimento de vergonha do adulto frente à criança. Sem cairmos nas armadilhas de uma discussão moralista e ingênua sobre esta questão, vale destacar que a cultura do consumo é a linguagem da mídia, e que este fato não é de menor importância quando nos damos conta de que a televisão é um dos mais eficazes instrumentos de formação das novas gerações. Em uma entrevista concedida a Contardo Calligaris1, Oliviero Toscani, fotógrafo conhecido por ser autor das polêmicas imagens publicitárias da Benetton, nos lembra que o gasto com a publicidade é maior em nossa cultura do que o gasto com a educação pública e que, portanto, a publicidade veiculada pela mídia é hoje mais formadora de nossa subjetividade do que o ensino escolar. Não podemos deixar de nos indignarmos quando nos damos conta de que o consenso da razão contemporânea é constituído pelas imagens dos sonhos publicitários. Entretanto, é prudente que nossa análise vá além do reconhecimento da ameaça que os meios de comunicação apresentam para nós, fazendo com que possamos enxergar nestes instrumentos culturais a possibilidade de criação de diversas formas de expressão, que podem ser constitutivas de outros modos de produção de conhecimento, capazes de enfrentar com lucidez o mal estar da civilização. Será que temos analisado a maneira como nos relacionamos com a mídia em geral? Será que temos observado com o devido cuidado a qualidade do que nos chega pela janela da TV? Será que sabemos como a criança compreende o mundo da mídia? Será que, alguma vez, nos sentamos simplesmente junto à criança para indagar sobre sua experiência como espectadora? Afinal, o que é possível à educação? Que lugar devemos ocupar junto às novas gerações frente às mudanças nos processos de informação e produção de conhecimento ? A revolução tecnológica nos coloca um desafio fundamental, ou seja, o de compreendermos que estamos diante do surgimento de uma outra cultura, que exige de nós uma adaptação nos modos de ver, de ler, de pensar e de aprender. Não se trata, portanto, de usar a tecnologia como modo de expandirmos as antigas formas de ensinoaprendizagem, ou termos a mídia na escola como meio para amenizar o tédio do ensino, mas trata-se de um modo radicalmente novo de inserção da educação nos complexos processos de comunicação da sociedade atual (MartínBarbero, 2001). Reivindicar a presença da cultura audiovisual na escola não é descartar a cultura letrada, mas integrá-la, incentivando o diálogo profícuo entre variados modos de construção do saber que circulam entre nós. O livro, em vez de segregar ou de se fechar em si mesmo, deve se integrar neste novo processo de constituição do saber, abrindo espaço para a realização das múltiplas escrituras. Portanto, a transformação nos modos como circula o saber é a questão fundamental na atualidade, exigindo das gerações precedentes o esforço para incorporar novos hábitos de produção de conhecimento que escapam dos lugares sagrados – o livro e a escola - que antes continham e legitimavam o saber. Com isto queremos dizer que a escola precisa enfrentar e questionar a profunda reorganização que vive o mundo das linguagens e das escritas, reformulando a obstinada identificação da leitura com o que se refere somente ao livro. Hoje é imprescindível levarmos em conta a pluralidade e heterogeneidade de textos, relatos e escrituras (orais, visuais, musicais, audiovisuais, telemáticos) que circulam entre nós.
Esta atitude tem implicações políticas graves, na medida em que a exclusão social na contemporaneidade passa, necessariamente, pelo acesso das populações marginalizadas aos novos modos de obter e gerar conhecimento. Na medida em que as crianças mais abastadas entram em contato com os aparatos tecnológicos no contexto da família, a escola se constitui, em nossa realidade social, especialmente para as crianças pobres, o espaço privilegiado de acesso às novas formas de conhecimento que a tecnologia prefigura. A produção do conhecimento não dispensa a nossa capacidade de dialogar com os aparatos tecnológicos, incentivando as pessoas a construírem, com eles, novas possibilidades de usos, submetendo as máquinas ao nosso poder e desejo de inventar outros jogos ainda não revelados na prática. Trata-se, portanto, de criarmos, por meio da educação, modos de confronto com a experiência tecnológica, colocando tanto educadores como educandos na posição de se sentirem responsáveis por inventar outras estratégias de interação na produção de conhecimento. Isto significa dizer que a educação mediada pela tecnologia é um jogo, pois cada vez mais as máquinas se transformam em aparatos para recuperarmos a dimensão lúdica na produção do conhecimento, que é, de fato, também trabalho. A relação jogo e trabalho no contexto da tecnologia se transforma de modo radical. Como diz Vilém Flusser (1998), os instrumentos técnicos emancipam o homem do trabalho, libertando-o para o jogo. E para reforçar nosso argumento nesta direção é interessante observarmos como as crianças lidam com os aparelhos. Se comparamos os adultos e as crianças nestas atividades, constatamos, com freqüência, um modo muito mais descontraído e familiar das crianças com as máquinas do que muitos adultos alcançam em situações similares. A criança não teme a tecnologia porque para ela, desde o princípio, os aparelhos são máquinas de jogar, são brinquedos. No brincar a criança inventa o jogo, cria sempre novos lances e desafia a máquina experimentando com ousadia e curiosidade os resultados que desencadeia. Já o adulto não consegue a mesma descontração porque a máquina, tomada como mediadora do trabalho sério, perde todo o encantamento e a magia que a criança é capaz de alcançar. A criança está livre do sentido sério e sisudo que as coisas posteriormente adquirem no curso da vida e, por isto, pode nos mostrar novas alternativas de convívio com as máquinas. Cabe ao educador aprender esta postura com a criança e construir junto com ela, sem deixar de lado a sua experiência como adulto que vê o mundo de uma determinada maneira, modos mais criativos para enfrentarmos os desafios que a tecnologia nos impõe. O confronto entre gerações amplia o campo das experiências criadoras, pois o saber da criança, em contato com o conhecimento do adulto, configura um clima de autêntica liberdade nos modos de ser, agir e conhecer. Aprender a ver o mundo com outros olhares, resgatando sua condição de diversidade, é formar leitores de imagens que sabem dar um sentido estético e ético ao modo como produzimos conhecimento na contemporaneidade. Este é um dos maiores desafios para a educação nos dias atuais. Referências Bibliográficas CALLIGARIS, Contardo. Crônicas do individualismo cotidiano. Ática, São Paulo, 1996. FLUSSER, V..Ensaio sobre a fotografia. Para uma filosofia da técnica. Relógio D'água, Lisboa, 1998. JOBIM e SOUZA, Solange. Subjetividade em questão. A infância como crítica da cultura. 7 Letras, Rio de Janeiro, 2000. ______________________ Mosaico: Imagens do conhecimento. Rios Ambiciosos/FAPERJ, Rio de Janeiro, 2000 __________ & FARAH NETO, M..A tirania da imagem na educação. Presença Pedagógica, v. 4, n.22, jul/ago, 1998 MARTÍN-BARBERO, J. & REY, Germán. Os exercícios do ver. Hegemonia audiovisual e ficção televisiva. SENAC, São Paulo, 2001 POSTMAN, N..O desaparecimento da infância. Graphia, Rio de Janeiro, 1999
* Solange Jobim e Souza Professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e da Faculdade de Educação da Uerj. Assessora da Empresa Municipal de Multimeios Ltda.- MULTIRIO
Inclusão pela cultura: a bandeira dos negros no Século XXI Marcus Tavares* Negro. Na historiografia brasileira, povo escravizado, explorado, torturado e humilhado. Sem vez, sem voz, sem direitos. Por mais de três séculos, viveu sob o regime de servidão. Era considerado um bem, uma mercadoria. Sofreu todo tipo de rejeição. Cercado de preconceitos, foi colocado à margem da sociedade que ele mesmo ajudou a construir. Com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, ganhou a liberdade. Mas não a liberdade do preconceito e da discriminação por parte das instituições e da própria população. Apesar das evidências e das cenas contundentes que vemos todos os dias nas ruas, há quem discorde, afirmando que, no Brasil, o racismo não existe. Questão polêmica. Para o professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Carlos Alberto Hasenbalg, Ph.D em Sociologia pela Universidade da Califórnia e autor do livro Relações Raciais no Brasil Contemporâneo (Rio Fundo Editora), o racismo no país é bastante claro e perceptível, depende apenas do olhar de quem o vê. Comunicação de massa – “Um indicador importante disso é a comunicação de massa ou a própria TV. Não há negros na publicidade. A verbalização e a manifestação de estereótipos sobre o negro no Brasil seriam totalmente condenadas em outros países. O racismo não é facilmente mensurável, mas há fortes pistas de que existe. Está na família, na escola, no mercado de trabalho, no cotidiano.”, observa Hasenbalg. Construção – Na realidade, ninguém nasce racista. Trata-se de um sentimento que não é inato ao ser humano. É, sim, uma construção social e cultural que se enraíza desde cedo nas crianças e nos jovens durante o processo de socialização e de constituição de conhecimentos e valores, como observa o sociológo Hasenbalg: “Os próprios pais negros e mestiços têm internalizada uma série de esterótipos negativos a respeito deles mesmos, que são passados para as crianças”. Supremacia – Estereótipos, muitas vezes, apoiados na própria historiografia, sobretudo européia, que defendeu, por muito tempo, a existência e a supremacia de algumas raças sobre outras. Raça é um termo, aliás, impreciso, associado à divisão da humanidade em diferentes grupos populacionais, de acordo com o critério de descendência biológica comum. Neste contexto, cada raça é identificada segundo um conjunto de características físicas, como a cor da pele ou do cabelo, herdada de um mesmo grupo ancestral. Hierarquias – A historiadora e escritora Denise Rosalem, professora da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), explica que os defensores deste tipo de classificação queriam estabelecer hierarquias, justificar desigualdades ou ainda impor dominação econômica, social e política. Atualmente, uma visão antiga e amplamente contestada. As pesquisas mais recentes sobre o assunto dão conta de que os seres humanos descendem de um único ancestral, que teve origem na África. ‘Homo sapiens' – Estudo publicado pela revista Nature, em dezembro de 2000, afirma que os homos sapiens partiram do continente africano, em algum momento dos últimos 100 mil anos. Dali, seguiram em direção à Europa, ao Oriente Médio e à Ásia e promoveram a expansão para o resto do mundo. Mais recentemente, em julho deste ano, uma missão de paleontólogos no norte do deserto do Chade, na África Central, desenterrou os restos de um hominídeo de 7 milhões de anos, sendo considerado o mais antigo representante da raça humana. Raças – Portanto, a noção de várias raças humanas é, neste momento, errônea, tanto sob o ponto de vista genético quanto pelos pontos de vista biológico e arqueológico. O que foi ratificado oficialmente, em 1963, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. No seu primeiro artigo, o documento destaca que a discriminação entre seres humanos, baseada em raça, cor ou origem étnica é uma ofensa à dignidade humana e deve ser condenada. Três anos depois, a própria ONU elegeu o dia 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Crime – Mais recentemente, em agosto de 2001, foi realizada a III Conferência Mundial sobre Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, em Durban, na África do Sul. Representantes de 177 países reconheceram a discriminação racial como crime contra a humanidade e se comprometeram a desenvolver ações concretas para superá-la. História – A bandeira do encontro é por um mundo que respeite as diferenças. Lá, os participantes concluíram que os povos não têm raça, não têm cor. Têm, sim, história. E é esta história que os afro-brasileiros querem resgatar e valorizar. História, por sinal, riquíssima, cheia de detalhes, miscigenações, influências e confrontos. Afinal, foram os negros, vindos de diversos pontos da África, que, por mais de 300 anos, subsidiaram com seu trabalho escravo a produção da riqueza e da cultura brasileira. Mesmo em um cenário opressor, desigual, recheado de focos de resistência, de lutas armadas e de rebeliões, o negro conseguiu perpetuar a sua cultura. Provas disto estão na cozinha brasileira, no sincretismo, na dança, na música e nos costumes. Colonizadores – No livro Casa Grande Senzala (Editora Record), o sociólogo Gilberto Freyre, em 1933, chegou a afirmar que os negros foram mais importantes para a colonização do que os próprios colonizadores: “Diz-se que o brasileiro foi colonizado pelo português. Este conceito é convencional. Contra ele tenho sugerido outro. O negro no
Brasil não foi colonizado, foi colonizador”, escreve ele. Cultura – Deixando de lado a ideologia da chamada democracia racial, defendida por Freyre, onde brancos e negros se relacionavam harmoniosamente desde os primórdios da época colonial – pensamento hoje abolido – a historiadora Denise Rosalem concorda com o escritor: “A história conta que os negros sempre foram vencidos. Mas o que os livros não falam é que eles também resistiram muito e acabaram negociando a sua própria cultura. Atualmente, ela está presente em todos os lugares. Não há como negar isto”. Resistência – A nova historiografia fala em um escravo mais ativo, apesar do período de escravidão, da mesma forma que a Sociologia recente descobre um negro resistente e lutador, mesmo sob forte opressão a que foi submetido. Exemplos não faltam. O líder Zumbi dos Palmares é um deles. Liberata, a escrava que – como outros tantos – entrou na Justiça contra o senhor, é outro. Reconhecer e valorizar esta riqueza deve ser, portanto, o dever de casa de todos os brasileiros, não de forma folclórica, mas, sim, como parte integrante da história do povo. Como explica a historiadora, é entender a diferença como diferença e somente isto: “É entender que a diferença passa a não ser uma desvantagem nem instrumento de hierarquização”. Riqueza – O problema é que a Educação brasileira sempre desconheceu, por uma questão de dominação, a riqueza e a importância dos contextos culturais dos afro-brasileiros. É o que afirma, por exemplo, o escritor e também historiador Joel Rufino dos Santos, no artigo Educação e Cultura – Juntas ou Separadas: “Os contextos culturais trazidos da África são o núcleo pesado do processo civilizador brasileiro. Mas a sociedade brasileira não reconhece isso. Supõe-se que quem tem cultura são os descendentes europeus que se instruíram no contexto cultural moderno ocidental cristão. Trata-se de uma relação de poder, de uma forma de dominação”. Identificação – Por conta disso, Manolo Florentino, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que ninguém em sã consciência se identificará com um povo sofrido, torturado, massacrado e explorado durante séculos: “Você acha que uma criança negra, ao abrir o seu livro de escola e se deparar com a figura de um negro maltratado, explorado e humilhado, irá se reconhecer? Não há como. Ela se identificará com os príncipes e princesas, que eram brancos. É isto o que acontece na prática”. Manolo defende uma Educação que abra espaço para a cultura afro-brasileira, dando visibilidade aos negros que tiveram importância na historiografia do país: “E é bom lembrar que não foram poucos. Por que os livros em vez de dedicarem páginas e páginas para relatar a escravidão, não falam sobre os poetas negros, como Castro Alves, Lima Barreto e João da Cruz e Souza? Sem falar no Aleijadinho, no Mestre Valentim, em Nilo Peçanha, Machado de Assis e tantos outros. Desta forma, abrir-se-ia a possibilidade de as novas gerações se identificarem com os seus antepassados”. Pluralidade - As novas Diretrizes Curriculares Nacionais e a Multieducação – Núcleo Curricular da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro – tentam reconstruir esta história. Defendem uma prática educativa que respeite as diferenças e que seja plural. A coordenadora do Projeto de Geografia e História da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Ana Paula Teixeira Soares, alerta, porém, que esta metodologia depende, e muito, da postura do professor: “Antes de mais nada, isto tudo passa pela visão ética do profissional que está na sala de aula. Ser plural, aceitar as diferenças e valorizá-las são atitudes defendidas, mas que devem ser incorporadas pelo educador por uma questão de ética”. Ética – A professora Renata Lima Aspis acredita que a partir do momento em que o educador faz com que o aluno elabore um projeto de vida que contemple todos os indivíduos que vivem em sua comunidade, o estudante começa a refletir sobre a importância da ética, da solidariedade, da troca, do respeito e da amizade. Em seu artigo Pensando sobre ética, ela diz: “Esquecemos com freqüência que um projeto de vida implica necessariamente um projeto de vida para todos. Só elaborando um projeto de mundo posso ter um projeto de pessoa. Se alguém não se sente parte do outro, se não sabe que o outro é parte dele, dificilmente será ético. Se o homem não se sente parte da natureza, se não se sente ligado aos outros homens e se desconhece sua dimensão cultural e histórica, é possível que pense: para quê ser ético? Para que respeitar os outros?” Escola – Este é, sem dúvida, um dos papéis da escola do novo século. Respeitar a diferença e valorizar a cultura de várias etnias sem hierarquização fazem parte da agenda. O professor João José Reis, da Universidade Federal da Bahia (UFBa), vai além e afirma que enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no país. Inclusão – Um bom exemplo vem da própria terra natal do professor. Em Salvador, o projeto Irê Ayó chama a atenção por trabalhar exatamente desta forma. Crianças da Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos aprendem conteúdos de Matemática e de outras disciplinas a partir de referenciais da cultura afro-brasileira. Lá, os alunos constituem conhecimentos e valores conhecendo os mitos africanos e as histórias dos orixás. Reconstrução – A pesquisadora e professora Vanda Machado, que acompanha de perto a metodologia, diz que a proposta busca reconstruir a imagem do negro, das suas lutas e de sua verdadeira contribuição na formação do povo brasileiro – informações que ainda não constam de muitos livros didáticos existentes: “O Irê Ayó é uma proposta de trabalho que incentiva o surgimento da arte e da alegria de ser, pertencer e participar da comunidade em que vive, valorizando a cultura afro-brasileira, construindo a identidade, cultivando relações solidárias e elevando a auto-estima de um grupo”. O trabalho é reconhecido nacionalmente pelo Ministério da Educação (MEC) como referência de inclusão da cultura afro-brasileira.
Bandeira – Inclusão pela cultura. Esta é a bandeira dos negros no começo deste Século XXI, na avaliação da historiadora Denise Rosalem. Para ela, os negros hoje não lutam mais pela constituição de partidos políticos nem pelo direito de ir e vir. Em um primeiro momento, logo após a abolição, eles buscaram sua inserção na economia, no mercado de trabalho: “Essa bandeira foi até a ditadura militar, quando o eixo muda de foco. A luta passa a ser travada na esfera política. Assim como as mulheres, os pobres e boa parte da população branca, os negros não tinham direitos. Não era privilégio apenas deles. Juntos, todos lutavam pela democratização e pela cidadania. Hoje, vivemos em uma democracia, pelo menos oficialmente. Os direitos civis estão garantidos na Constituição Federal. Neste novo cenário, surge então o sentimento de identidade. Quem somos nós? O negro, então, luta pela sua inserção no âmbito cultural”. Movimentos – Não é por acaso que surgem em todo o país movimentos negros e organizações não governamentais que defendem e divulgam a cultura dos afro-descendentes. Ao mesmo tempo, a produção literária e acadêmica cresce. Em março passado, por exemplo, a Universidade Cândido Mendes (UCAM) criou o Centro de Estudos Afro-Brasileiros, um desdobramento de um dos programas do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, iniciado em 1973. Em parceria com o Consulado Norte-Americano e com a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) promove, nos dias 25 e 26 deste mês, o seminário Resistência e Inclusão - Encontro sobre Memória e História dos Afro-Brasileiros e Afro-Norte-Americanos. Contradição – O assunto ganha cada vez mais espaço tanto no meio acadêmico quanto na imprensa. Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do Censo 2000. O levantamento mostrou que, de 1991 para 2000, o número de pessoas que se auto-declararam negras passou de 5% para 6,2% – chegando à casa dos 10,4 milhões. O que não deixa de ser uma grande contradição. Afinal, depois da Nigéria, o Brasil é o país que concentra a maior população negra do mundo. Indicador – Mas sob o ponto de vista histórico, trata-se de um dado extremamente interessante, como explica o professor Manolo Florentino: “É um indicador extraordinário. Mostra que o negro está se valorizando. Mais interessante ainda é o novo tipo de casal misto que vem se formando. Antigamente, havia pares de homens brancos com mulheres negras. Hoje, crescem as relações entre homens negros e mulheres brancas. O que acaba promovendo, mesmo que lentamente, mudanças profundas”. Mães – Mudanças de ordem social e cultural. A mãe, historicamente ligada à educação dos filhos, passa a valorizar também a cultura e a tradição dos negros. O preconceito, se não desaparece, é amenizado. A criança do casal cresce em um ambiente de respeito às diferenças e de valorização da cultura do ser humano, seja ela de que etnia for. Cotas – Ao mesmo tempo, os governos desenvolvem práticas de Ação Afirmativa – política criada nos Estados Unidos na década de 1960, cujo objetivo era ampliar o acesso de minorias às escolas de qualidade e bons empregos. Um destes exemplos foi dado pelas universidades do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que reservarão, anualmente, 40% do total de suas vagas para estudantes negros e pardos. A lei de cotas foi aprovada no ano passado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Já o governo federal anunciou que a administração pública destinará 20% de suas vagas para negros. Na pauta – As medidas são polêmicas e geram um amplo debate. Até mesmo algumas representações de afrobrasileiros não concordam com as decisões. Mas, pelo menos, na visão do historiador Manolo, a questão do racismo, sob os diversos ângulos, está tomando conta da pauta do dia dos brasileiros. Um bom sinal. “O racismo existe no Brasil. Mas é um racismo envergonhado. As pessoas têm vergonha de assumir que são preconceituosas. É um racismo singular na historiografia mundial. Se é bom ou ruim? Não sei. Acho que é menos pior. Pelo menos, como já disse Gilberto Gil, aqui ninguém elegeria um representante que defendesse a segregação racial, a exclusão dos negros da sociedade. Sou otimista. Acho que, na verdade, o racismo tende a acabar”.
* Marcus Tavares Jornalista, repórter do portal e das publicações da MULTIRIO
Comunidades virtuais, o lugar da interatividade Ana Lagôa* A carta de Pero Vaz de Caminha levou muitos e muitos dias para chegar a Portugal. Do seu relato, o rei tiraria os dados para a tomada de decisão: ocupar ou não as terras do outro lado do mar-oceano. E – apesar das maravilhas descritas – a escolha foi não fazer investimentos. A Coroa só mudou de opinião 30 anos depois, mas esta é uma outra história. O que nos interessa aqui é refletir sobre a velocidade com que nos comunicamos, garimpamos dados e informações, geramos novos conhecimentos desde o momento distante em que deixamos a caverna. No estágio em que nos encontramos hoje, 500 anos depois de Caminha, merece nossa atenção, não só a velocidade, mas a natureza dessa comunicação, nunca antes com tantas possibilidades democráticas. Tudo por causa dos computadores e da sua capacidade de intercomunicação, exacerbada a partir da metade do século passado, o XX, quando se tornou possível a convergência – uma única máquina capaz de capturar, armazenar, classificar, transmitir, trocar imagens, sons e textos em alta velocidade e em rede. Integrada aos meios acadêmicos, a Internet saiu das universidades e chegou ao mundo do mercado nos recentes anos 90 e hoje está na vida de milhões de pessoas, impondo o conceito de interatividade como inerente a qualquer processo de comunicação. Comunicação que se preze tem que ser interativa, ou seja, o sujeito-receptor é gerador e editor ao mesmo tempo. Só isso, já valeria um simpósio. O mercado – esse conjunto de pessoas e empresas que fazem negócios – não perdeu tempo e tirou da grande rede o proveito que pode, criando as comunidades virtuais de produtores e consumidores, operando numa linguagem universal, sem necessidade de cursos ou treinamentos enfadonhos. Podem não ter feito grandes negócios, a tal bolha acabou estourando, mas do mercado o conceito de rede migrou para a produção em si. Hoje, uma empresa supranacional pode desenvolver trabalhos em equipe, com membros alocados na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos e na China, sem limites de tempo e espaço. Nas casas, a grande rede passou a abrigar – além dos infindáveis sites, portais, bancos de dados e agora os blogs – milhares de chats e fóruns, atraentes pela novidade em si, mas rapidamente rechaçados por não levarem a nada e ainda trazerem para a grande rede as mesquinharias humanas do mundo presencial. Então, por que o Projeto Século XX1 quer dar início a comunidades virtuais, se seu objetivo não é alimentar brigas vazias nem fazer comércio virtual – o tal do e-business? Tudo na vida tem pelo menos dois lados. A grande rede também. E um deles é essa imensa possibilidade que as comunidades virtuais têm de se constituírem em espaços democráticos de educação por: - aproximar interesses sem a barreira da distância geográfica, - permitir a comunicação instantânea, - permitir a troca de experiências que jamais seriam conhecidas, - permitir relações de camaradagem entre pessoas desconhecidas, - gerar novos conhecimentos. Pode parecer utopia – talvez seja a nossa nova utopia. Está em nossas mãos fazê-la real e para o bem.
* Ana Lagôa Assessora Técnica / MULTIRIO, jornalista, bacharel em História e mestre em Educação (UFRJ)
Educar, ato de transformação André Nogueira Mendes* Queridos(as) colegas: O processo educativo sempre nos impõe desafios, por isso, ele não perde o encanto e nos conduz além dos limites... Na vida do educador não há rotina; é um engano quem pensa que há... Estamos sempre conhecendo pessoas, buscando conhecimentos e, principalmente, trocando afetos. O educador não deve se deixar contaminar pelo desencanto, pelo desrespeito, pelo desamor e pela inércia. Educar pressupõe uma relação dinâmica, viva, rica e afetuosa entre educadores e educandos. Educar é ensinar e aprender, educar é possibilitar não só a transformação do conhecimento como também de consciência; aliás esse é o nosso maior desafio. Educar é, acima de tudo, um ato de transformação, criação e invenção. Por isso, podemos afirmar que não há fórmulas definitivas e acabadas no ato de educar. A transformação é o pressuposto fundamental de um processo educativo. Mesmo porque os seres humanos não são seres estáticos, mas seres ricos, complexos e inacabados – ainda bem que inacabados... Vou citar um autor por quem sou apaixonado: Guimarães Rosa. Ele nos dizia o seguinte: “O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, não foram terminadas, mas elas vão sempre mudando...” Como educadores, devemos possibilitar a mudança e compreender as diferenças. Respeitar sempre o outro, vendoo sempre como um semelhante; um igual e escolher caminhos. Por isso, a educação deve ser vista também como um ato político e ético. Nunca devemos deixar de perguntar: - Educamos para quê? - Queremos realmente a transformação? No ato de educar devemos unir conhecimento, afetividade e possibilidade de mudança. O educador precisa ter como parâmetro a dignidade, o respeito e um profundo amor pelo outro, porque temos uma grande responsabilidade: transformar o outro sem ferir a sua autonomia. (Esse eu acho que é o nosso maior desafio: não doutriná-los, mas transformá-los, respeitando a autonomia.) Peço a vocês que não se deixem contagiar com a desesperança e o desestímulo, já que a nossa sociedade é muito cruel com o professor e com o médico, vocês todos sabem disso. Mas apesar de toda desvalorização e desprestígio que essa sociedade impôs à nossa profissão, os EDUCADORES SÃO IMPRESCINDÍVEIS. Precisamos recuperar a capacidade de nos encantar pela nossa profissão porque nós somos a consciência ética desse país. Não se esqueçam disso... Quero parabenizar a todos os professores e professoras do município do Rio de Janeiro. Gostaria também de agradecer ao prefeito César Maia e a todos os profissionais que vêm trabalhando duro nos últimos anos para melhorar a educação em nosso município e também preocupados em valorizar nossa profissão. Acredito que a política de educação do nosso município está cada vez mais comprometida e atenta às reais necessidades de nossa população. Sinto-me honrado em poder participar dessa transformação...
* André Nogueira Mendes Professor e pedagogo, pós-graduado em Gestão do Capital Intelectual, trabalha com educação desde 1993. Está na Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro desde fevereiro deste ano.
Historiadores – analfabetos visuais? Marco Morel* Seriam os historiadores “analfabetos visuais”? A partir deste provocador desafio desenvolve-se o recente livro de Peter Burke, Eyewitnessing. The Uses of Images as Historical Evidence (Reaktion Books, Londres; edição espanhola: Visto y no visto. El uso de la imagen como documento histórico, Editorial Crítica, Barcelona). Trabalho que não pretende ser uma “história da imagem” no sentido linear e cronológico, nem história da arte, mas essencialmente defender (e ilustrar!) que, assim como textos e testemunhos orais, as imagens são forma importante de documento histórico. Trata-se de livro erudito, avesso a receitas simplificadoras, permeado de análises finas, aberto a nuances e engajado na defesa da positividade do uso da imagem na análise histórica – embora reconheça que um ícone não se limita a tal “função”. Faz a seu modo um balanço crítico e traz visão panorâmica, repassando métodos, autores, escolas, tendências – e ausências. Ao mesmo tempo, não se furta em tomar posição, apontar pistas e possíveis caminhos de pesquisa, alertando para armadilhas, ambigüidades e limitações destas empreitadas. Superando a dicotomia paralisante de que as imagens dizem tudo (e portanto não são redutíveis às palavras) ou que, ao contrário, não dizem nada (e se condicionam a meras ilustrações do texto e confirmam o já conhecido antes de vê-las), Peter Burke escreveu em poucos meses este livro sobre um tema que, entretanto, interessa-lhe há mais de três décadas. Além de já ter utilizado imagens em diferentes ocasiões e publicado um alentado estudo de caso (A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luis XIV, editado no Brasil pela Zahar em 1994), o autor desenvolveu esta obra também a partir de um Curso de Graduação que ministrou na Universidade de Cambridge, quando sistematizou conhecimentos sobre o assunto. Livro que, coerente com sua proposta, encontra-se permeado de imagens (pena que em preto e branco...), tomadas como parte integrante e primordial, isto é, cerne do texto que, deste modo, coloca-se a serviço delas. No desenvolvimento dos onze capítulos um leque significativo de questões é tratado de maneira articulada e coerente: o testemunho imagético (fontes, vestígios e variedades), fotografias e retratos (com críticas a realismos e reflexosdo-real), iconografia e iconologia (métodos e problemas), o sagrado e o sobrenatural (cultos, devoções e polêmicas), poder e protestos (líderes, idéias e subversões), cultura material (paisagens urbanas e interiores domésticos), visões da sociedade (mulheres, crianças e cotidiano), estereótipos do outro (raças, monstruosidades e exotismos.), narrativas visuais (os pintores-historiadores, quadros de batalhas e o cinema como interpretação histórica). E, indagando sobre os limites da iconografia, incorpora discussões da psicanálise, do estruturalismo e de histórias sociais da arte. Há passagens estimulantes, como as analogias entre os retratos de Napoleão Bonaparte, Luis XVIII e Stalin, leituras agudas, como a do famoso quadro de tons revolucionários La liberté guidant le peuple, de Delacroix, além de referências ao Brasil – aliás, o livro encerra-se com uma foto do Rio de Janeiro imperial. Mesmo objetivando fomentar o uso da imagem por historiadores, fica a impressão de que este trabalho não visa formar exatamente especialistas em “história da imagem”. Afinal, diante da pluralidade de temas e abordagens que vêm caracterizando a historiografia, parece mais instigante entrever que os historiadores do Século XXI (marcado pelo impacto da mídia visual e da informática) possam vir a trabalhar tão à vontade com imagens quanto com textos.
* Marco Morel Professor do Departamento de História da Uerj, autor de Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. (artigo publicado no caderno Idéias do Jornal do Brasil, em 17/08/02)
Creche pra quem? Cristina Massadar Morel* Quando escrevi minha dissertação de mestrado em Educação intitulada Creche: de lugar de abandono a espaço educativo, tinha em mente responder a uma questão que me instigava: como, a mesma instituição que ainda carrega o estigma de local apenas de guarda de crianças, pode ser também um espaço educativo? Trabalhava como psicóloga educacional numa creche particular (instituição destinada à classe média e mantida pelas famílias das crianças). No contato diário com os pais eu percebia suas inquietações: a insegurança, a desconfiança em colocar o filho em uma creche e, ao mesmo tempo, a expectativa, o interesse em uma forma nova de educar os filhos, diferente daquela que eles próprios viveram. Aventurei-me então a realizar um estudo que investigasse a história da creche no Brasil e, mais especificamente, a história da creche particular no Rio de Janeiro. Ao longo do trabalho, a partir da análise de documentos de diferentes períodos, fui percebendo que a história da creche era também a história do papel da mulher na sociedade e a história da difusão dos saberes - da medicina, da pedagogia, da psicologia - sobre a criança. Encontrei, por exemplo, em documento de 1946, relato da admissão diária das crianças: " (...) à proporção que forem chegando à creche, a encarregada encaminhará as crianças ao gabinete médico puericultor, onde sofrerão rigorosa inspeção individual (...)". O saber médico/higienista predominava, a creche tinha por função compensar carências das crianças pobres e de suas famílias. Era local eminentemente de guarda. Na verdade, durante muito tempo, a creche foi considerada como mal necessário, pois o trabalho da mulher era, também, algo não desejável, mas inevitável em algumas situações. A creche teve como clientela, durante um longo período, a criança de família pobre, e a mãe a ela recorria, por razões consideradas excepcionais. Em documento de 1954 os motivos listados eram: viuvez, abandono, para "adquirir futilidades", ajudar o marido no orçamento. Com a modernização da sociedade brasileira - intensificação da industrialização, urbanização, alterações no modelo familiar tradicional, a creche passa a ser vista de outra forma: como instituição educativa, com profissionais que conhecem o desenvolvimento infantil e começa a se configurar simultaneamente à revisão de papéis desempenhados pela mulher de classe média. Significativo o depoimento de uma dona de creche particular, ao relatar a dificuldade que teve em fazer a divulgação de seu estabelecimento. A idéia de creche como local de guarda para crianças pobres era muito presente no início da década de 70: "Quando eu coloquei uma placa de creche, eu tive o pessoal todo da favela na minha porta". O peso da palavra era tão grande, que, à época, pensava-se em mudar o nome para "escola para crianças pequenas". A creche para a criança cujos pais podiam pagar por seu atendimento era, portanto, diferente daquela para a criança pobre. A história da creche é também a história das lutas sociais. Houve toda uma mobilização dos movimentos sociais pelos direitos da mulher trabalhadora e da criança. Na década de 80, as creches para crianças de população de baixa renda, inicialmente chamadas de creches comunitárias, criadas muitas vezes por iniciativa da população, passam a ser aos poucos incorporadas pelo poder público, com um aprimoramento dos equipamentos e ampliação de sua função. No mundo acadêmico, intensificava-se o interesse pela discussão sobre a função da creche no desenvolvimento das crianças e sobre a necessidade de se ver esta instituição não apenas como um direito da mãe trabalhadora, mas também como um direito da criança. A Constituição de 1988 expressou estas reivindicações por mudanças, no auge da abertura política. No item sobre o direito do trabalhador assegura "assistência gratuita aos filhos e dependentes até 6 anos de idade em creches e pré-escolas"(art.72, inciso XXV). E, importante: agora já num trecho referente à educação, fica definido que é dever do Estado o atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade (art.208, inciso IV). E a história continua. A dissertação foi escrita em uma máquina de escrever....lá se vão dez anos. Desde então, inovações tecnológicas, avanços na legislação sobre a educação de crianças em creches e pré-escolas. Depois de muitas lutas, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 confere novo estatus à educação das crianças pequenas. O atendimento em creches e em pré-escolas (estabelecimentos, até então com histórias e características distintas) passa a se agregar num mesmo segmento de ensino. O surgimento do termo "Educação Infantil" reflete este novo momento. No caso das creches particulares que, até então, recebiam autorização para funcionamento e eram fiscalizadas principalmente pela Secretaria de Saúde, passam a se vincular à Secretaria de Educação. Em contraponto à tendência que até então predominava - quanto menor o aluno, menos qualificado o profissional -
vivemos um período fértil, de reconhecimento de valor do trabalho educativo com as crianças de 0 a 6 anos. A idéia de que o cuidado e a educação para todas as crianças de 0 a 6 deve ser garantido em instituições preparadas para desempenhar esta função, quando os pais assim o desejarem, conquistou seu espaço. Pesquisadores e profissionais de Educação Infantil mobilizam-se sobre o assunto. Há preocupação com a formação dos educadores, há definição de diretrizes para atuação educativa com crianças desta faixa etária (consultar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil). Surgiram disciplinas nas universidades e cursos de especialização sobre Educação Infantil. Muito já se conquistou, mas acredito que ainda há muito por fazer. Na dissertação, ao me referir aos conflitos daqueles que optam por colocar seu filho em creche, concluía, com a ajuda de alguns autores (Figueira, Nicolaci-da-Costa) que a necessidade de adaptação à rápida mudança de valores não se dá sem ambivalências. Muitos dos que hoje são pais, freqüentaram creches ou pré-escolas, o que talvez facilite a compreensão do papel destas instituições. Mas certamente outras ambivalências foram criadas, tendo em vista as grandes mudanças que vivemos. A pesquisar... FIGUEIRA, Sérvulo A. "O moderno e o arcaico na nova família brasileira: notas sobre a dimensão invisível da mudança social". In:_____(org.) Uma nova família? Rio de Janeiro, Ed Zahar, 1987. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Sujeito e cotidiano. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1987.
* Cristina Massadar Morel Integrante do Núcleo de Publicações da MULTIRIO; psicóloga, mestre em Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação (Iesae) da Fundação Getúlio Vargas.
A participação do Claudia Eugênia da Silva* Claudia Eugênia da Silva** O Projeto Da Rua Para A Escola atende famílias residentes no município do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense e a presença da figura masculina na composição familiar, o lugar que este ocupa no funcionamento desta família, foram questões que aguçaram nosso interesse gerando algumas hipóteses sobre o papel do homem e da mulher nestas relações. Pensando no funcionamento destas famílias com relação à figura masculina, a equipe do Projeto resolveu fazer um levantamento que apresentaremos a seguir.
Baixada Fluminense Na Baixada Fluminense são atendidas 80 famílias e destas 48% têm a figura masculina na residência. Esta figura é pai de pelo menos um filho, já que as mulheres atendidas já tiveram filhos de até seis companheiros, sendo que o maior percentual, 35,15%, está em mulheres que tiveram filhos com dois companheiros. O reconhecimento desta paternidade, através do registro de nascimento dos filhos, ainda não é realizado por todos. Apenas 37% destas crianças ou adolescentes têm o nome do pai em seus registros de nascimento. Os motivos para este nãoreconhecimento oficial é variado, vai desde a desconfiança se aquela criança é mesmo seu filho até a separação do casal, antes do nascimento ou logo após o mesmo, e, conseqüentemente, o distanciamento daquela família. O número de homens (pais) presentes nas famílias atendidas é de quase metade, mas isso não garante que eles participem do trabalho realizado pela equipe, seja nas visitas domiciliares, entrevistas no escritório e reuniões mensais de pais. Apenas 23% participam do acompanhamento psicossocial, porém 38,66% recebem o subsídio financeiro, ou seja, mesmo que não participe do acompanhamento, este homem é o responsável por receber a quantia em dinheiro que é prevista para reverter a situação de rua e passar a gerar renda. Um último ponto que levantamos foi do índice de morte violenta destes homens e constatamos que este é de 7%. Este dado foi levantado porque, ao confeccionarmos o genograma destas famílias encontramos, em suas histórias há muitas mortes e a grande maioria é de assassinatos, seja de seus filhos, irmãos, parentes próximos e/ou companheiros.
Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, o levantamento realizado com as 142 famílias atendidas revelou que 45% têm a figura paterna presente dentro de casa, porém estas mulheres tiveram um número maior de uniões gerando filhos. Constatamos que, assim como na Baixada a maior porcentagem está em mulheres que tiveram filhos com dois companheiros diferentes -- que foi de 32,36% -- porém até quatro companheiros a porcentagem foi elevada e encontramos até uma família onde a mãe teve filho de nove parceiros diferentes. Em contrapartida, o número de homens que registraram seus filhos é de 48% -- número mais elevado do que na Baixada Fluminense. Com relação ao acompanhamento psicossocial, constatamos que 51% destes pais participam ativamente do trabalho realizado pela equipe profissional, o que pode ser um sinal de que estes homens têm um maior comprometimento com aquela família e sentem-se pertencentes à mesma. Ao contrário da Baixada Fluminense, estes homens participam mais e são em menor quantidade responsáveis pelo recebimento do subsídio financeiro, que ficou em 25%. Uma hipótese a ser levantada seria o do menor grau de submissão das mulheres desta região, ou uma relação mais igual entre o homem e a mulher, que faz com que eles participem e se envolvam mais nos "problemas" da família e com assuntos relacionados aos filhos, participando assim do acompanhamento e não ficando apenas responsáveis pelo recebimento do subsídio financeiro. O número de homens (pais) vítima de violência urbana no Rio de Janeiro foi 12%, número mais elevado do que na Baixada. Uma de nossas hipóteses para este número elevado de mortes deve-se ao fato de que a grande maioria destas famílias residem em comunidades de baixa renda, comandadas pelo crime organizado, principalmente através do tráfico de drogas.
Assim constatamos algumas, embora poucas, diferenças na vida destas famílias com relação aos "pais" que passaram e que participam da dinâmica familiar. Além dos dados apresentados nos gráficos, o restante são hipóteses a serem pesquisadas com mais profundidade.
Levantamento de Dados - "Projeto da Rua para Escola" Região Baixada Número de Famílias: 80 Crianças / Adolescentes: 321
Número de pais por família
Perfil das famílias quanto a presença dos pais
Pais que recebem subsídios financeiros
Pais biológicos que registraram seus filhos
Pais que participam do acompanhamento psicossocial
Índice de mortalidade dos pais por violência urbana
Levantamento de Dados - "Projeto da Rua para Escola" Região Rio Número de Famílias = 142 Crianças/Adolescentes = 558
Famílias com figura paterna presente
Pais biológicos que registraram seus filhos
Índice de pais que recebem subsídios financeiros
Pais que participam do acompanhamento psicossocial
Índice de mortalidade dos pais por violência urbana
*Os dados foram levantado por toda equipe técnica do Projeto Da Rua Para Escola e a junção destes dados e os gráficos foram confeccionados pela psicóloga Valéria Brahim **Assistente Social, mestranda em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Especialização em Violência Doméstica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (em curso).
* Claudia Eugênia da Silva Assistente Social, mestranda em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Especialização em Violência Doméstica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (em curso).
Refletindo sobre paternidade, masculinidade e cuidado Equipe do Projeto de Educação Ambiental e Saúde / Departamento de Educação Fundamental (SME)* As relações familiares têm passado por muitas mudanças que se refletem na reestruturação dos papéis desempenhados por seus membros. Homens e mulheres são educados, desde cedo, a se comportarem de determinada forma. Assim, a masculinidade/feminilidade pensadas como uma construção de gênero representam a forma como nos tornamos homens ou mulheres e estão intimamente ligadas à forma como vemos e lidamos com o mundo. O princípio de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres vem sendo discutido não apenas no que diz respeito à cidadania pública, mas também à cidadania privada. O papel do homem, anteriormente neglicenciado, tem emergido nas implementações de políticas públicas como uma forma de promover a eqüidade de gênero. Em nossa sociedade, a arte de cuidar aparece quase como uma condição natural de ser mulher; os homens muitas vezes são vistos, inclusive por eles próprios, como incapazes de cuidar de uma pessoa doente, dos objetos à sua volta, de um filho, da casa e principalmente de si próprios. Porém, cada vez mais, vemos homens executando tarefas associadas ao cuidar infantil. Então, do mesmo modo que os homens aprendem a não se cuidar, nem cuidar dos outros, eles podem aprender a reverter essa expectativa social e expandir seu papel junto aos filhos, fazendo com que os homens tenham mais facilidade em prover as necessidades das crianças. A maior participação dos homens nos cuidados para com seus filhos poderá dinamizar as relações de gênero, à medida que as crianças poderão observar o comportamento de seus pais nestas atividades, possibilitando, assim, uma ampliação dos significados do que é masculino e feminino. Precisamos abrir canais para pensar a masculinidade, a paternidade e maneiras de envolver os homens em questões relativas à sexualidade e aos papéis sociais e familiares, ressaltando a importância de seu envolvimento. A escola é um local privilegiado onde esses temas podem ser discutidos, no seu cotidiano, no sentido de repensar o aprisionamento em que vivemos quando nos submetemos a modelos rígidos.
A corrida pelos cursos de Pedagogia: alegria e preocupação Marcus Tavares* O Ministério da Educação (MEC) aplicou recentemente a sétima edição do Exame Nacional de Cursos, o Provão. Foram avaliados cerca de 380 mil formandos de 24 carreiras. Ao contrário do que se esperava, não foram os tradicionais cursos de Medicina, Direito ou Comunicação Social que reuniram o maior número de participantes. Pedagogia ficou em primeiro lugar, com 65 mil candidatos - aproximadamente 20% do total de estudantes. Isto, no entanto, não chegou a ser surpresa para quem acompanha as estatísticas da área. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), o curso é o que mais forma em todo o país, perdendo apenas para Direito e Administração. A procura pelos cursos de Pedagogia das universidades públicas do Rio de Janeiro, por exemplo, reforça esta estatística. Nos últimos sete anos, a Universidade Federal Fluminense (UFF) registrou aumento de 67,5% no número de candidatos inscritos. Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), houve, no mesmo período, acréscimo de 85%. E a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) contabilizou procura maior ainda: a taxa cresceu 91%. Conclusão: o curso de Pedagogia está em alta. E isso se deve a pelo menos dois fatores. A corrida, cada vez maior, pela qualificação profissional em todas as áreas é o primeiro deles. Em estudo sobre o processo de escolarização na sociedade brasileira, publicado no livro Família & Escola - trajetórias de escolarização em camadas médias e populares (Editora Vozes), Nadir Zago, professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, conclui que, em 1950, quem tivesse cursado, no mínimo, a primeira fase do Ensino Fundamental conseguiria bom emprego. Mas, gradativamente, com o aumento das exigências profissionais e a elevação do nível de escolaridade da população, a autora afirma que o Ensino Médio passou a ser decisivo para alguém disputar uma vaga do mercado de trabalho. Hoje, já se sabe, nem mesmo o canudo do ensino superior é garantia de emprego. O segundo motivo, e não menos importante, está ligado à promulgação, em dezembro de 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ao instaurar a Década da Educação, o documento estabeleceu que, até dezembro de 2006, só poderão ser admitidos na Educação Básica professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. Por conta da lei, muitos professores que tinham apenas o curso de magistério de Ensino Médio resolveram dar continuidade aos estudos. Seja por que motivo for, o fato é que o curso de Pedagogia está sendo cada vez mais procurado por professores ou por profissionais que desejam seguir a carreira do magistério. E se isso é motivo de alegria, também é de preocupação. Definitivamente, a escola de hoje não é igual a de ontem. A escola já não é mais o único espaço de formação e de informação. O professor não é mais o detentor do conhecimento e muito menos os alunos são depósitos de
conteúdos. O ato de ensinar e aprender não acontece apenas dentro da sala de aula. Por conta disso, é preciso investir, cada vez mais, nos cursos de formação de professores. Cursos de qualidade que promovam o ensino, a pesquisa e a extensão - que nada mais são do que os alicerces das universidades. Mas o que dizer dos cursos normais superiores - implantados com a chancela do MEC - que visam a formar educadores em tempo mais curto? Estarão dando conta do recado ou promovendo uma formação aligeirada, paralela e distante da formação universal? De forma geral, é preciso reavalivar todo o processo de formação do magistério, tanto desses institutos, quanto das universidades que aí estão - seus currículos e objetivos. Afinal, todas as instituições e segmentos da Educação carecem constantemente de revisão para que se possa garantir ou, pelo menos, perseguir a qualidade necessária. Mais do que com números, o país precisa se preocupar com a qualidade de seu corpo docente, colocando-o apto a enfrentar as mudanças da nossa sociedade. Culpar os professores pelo fracasso, pela repetência ou pela evasão escolar é, talvez, fechar os olhos para as lacunas da formação. E o que você leitor tem a ver com isso? Tudo. Afinal, os alunos, de hoje, dos cursos de formação de professores serão, amanhã, os mestres dos nossos filhos.
* Marcus Tavares Jornalista, repórter do portal e das publicações da MULTIRIO
Televisão e criança: por uma leitura crítica e reflexiva da mensagem audiovisual Marcos Ozorio* Na medida em que, as crianças de gerações recentes estão fortemente expostas às mensagens veiculadas pela televisão, torna-se fundamental discutir a leitura deste meio, tendo em vista suas múltiplas possibilidades de influência sobre o desenvolvimento infantil. É crescente a preocupação de educadores, pais e políticos entre outros agentes sociais, com a qualidade do produto televisivo consumido por crianças, adolescentes e jovens. Não é raro encontrarmos discussões acerca da adequação da programação televisiva, seja em relação aos horários de exibição de determinados programas ou ao próprio conteúdo dos mesmos. Embora reconheça a enorme importância destas discussões, este artigo pretende observar a relação televisão/criança a partir de outro ângulo: o da recepção do produto televisivo. Na realidade, a questão da recepção do produto televisivo será tratada aqui, como uma questão referente à leitura: a leitura da mensagem audiovisual. O ensaísta francês Roland Barthes - um dos pioneiros no estudo da Semiologia - diferenciou-se dos demais semiólogos estruturalistas, seguidores de Ferdinand de Saussure, por uma particularidade: à noção acadêmica de signo, ele acrescenta a noção de sujeito. Para Barthes, um signo deve ser compreendido levando-se em conta a intervenção do sujeito que observa este signo. Segundo ele, se a fotografia, por exemplo, não sofresse a intervenção pessoal subjetiva, do observador - que pode ver num signo muito mais que uma representação do real - ela ficaria limitada ao registro documental. Entretanto, apesar de cumprir este papel, a fotografia ultrapassa os limites de um simples registro, na medida em que, enquanto signo recebe um reconhecimento particular por parte do sujeito. Ora, isto também acontece em relação à televisão. O observador do produto televisivo também realiza um reconhecimento particular sobre a produção audiovisual que recebe através da televisão. Analisando a imagem publicitária, Barthes reconhece três tipos de mensagem: uma mensagem lingüística, uma mensagem literal e uma mensagem simbólica. A primeira cumpre uma função de fixação. Barthes entende que esta função garante a orientação do nosso olhar sobre a imagem, afastando significados distintos daquele(s) proposto(s) por quem produziu a imagem. Para ele, "toda imagem é polissêmica e pressupõe, subjacente a seus significados, uma 'cadeia flutuante' de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros". (1990, p.32) Podemos então, compreender o papel desempenhado pela mensagem lingüística: enquanto técnica, sua função é "fixar a
cadeia flutuante dos significados, de modo a combater os signos incertos". (p.32) Neste sentido, a mensagem lingüística deve ser entendida como condutora do leitor através dos diferentes significados da imagem, desviando-o de alguns e aproximando-o de outros. Na publicidade televisiva a mensagem lingüística apresenta-se, em geral, sob forma de texto (legenda, narração etc.). É a mensagem que garante aquilo que o autor quis dizer, impedindo a proliferação dos sentidos conotados. Em geral, esta mensagem é a mensagem "fácil" pois a carga informativa é detida pelo segundo tipo de mensagem. Lembremo-nos, por exemplo, de um filme de publicidade qualquer. Nele, a mensagem "difícil" é confiada à imagem. Já à palavra, ao texto, está reservada uma descrição rápida, que possibilite uma leitura fácil, especialmente voltada para o leitor "apressado"; onde a imagem informa o conteúdo principal da mensagem - de forma menos trabalhosa para o leitor - enquanto o texto apóia a informação principal, na maior parte das vezes, complementando-a ou duplicando-a. Já a mensagem literal é a imagem denotada; é aquela que está livre de todas as possíveis conotações que a imagem possa sofrer. Segundo Barthes, "a imagem denotada naturaliza a mensagem simbólica, inocenta o artifício semântico, muito denso (sobretudo em publicidade), da conotação". (1990, p.37). Podemos compreender então que a mensagem literal corresponde à imagem propriamente dita. É como se apagássemos os signos da conotação. Neste caso, o único sentido que lhe sobraria seria o da identificação da cena representada que, segundo Barthes, corresponderia ao primeiro grau do inteligível, sendo que, aquém desse grau o leitor só percebe linhas, cores e formas. Entretanto, apagar da imagem os signos da conotação é uma operação que só se processa mentalmente. Isto atribui um caráter utópico à denotação da imagem, que nos conduz imediatamente ao terceiro tipo de mensagem: a mensagem simbólica. Para Barthes, este tipo de mensagem corresponde à imagem conotada e, sua originalidade reside nas múltiplas possibilidades de leitura de uma mesma imagem. Obviamente, todos reconhecemos a intencionalidade da mensagem publicitária e sabemos, portanto, que não existem mensagens ingênuas, desprovidas de uma conotação prévia - o que confirma o caráter utópico da imagem denotada. Mas, retornando à questão da originalidade da imagem conotada, Barthes vem afirmar que "as possibilidades de leitura de uma mesma lexia (uma imagem) é variável segundo os indivíduos (...) A diversidade das leituras não é, no entanto, anárquica, depende do saber investido na imagem (saber prático, nacional, cultural, estético) (...) Há, em cada pessoa, uma pluralidade, uma coexistência de léxicos (...) A imagem, em sua conotação, seria, assim, constituída por uma arquitetura de signos provindos de uma profundidade variável de léxicos (...)" (1990, p.38). Se reconhecermos a existência de uma mensagem simbólica, que é conotada e, por isso mesmo passível de variadas possibilidades de leitura, deparamo-nos com um precioso argumento para justificar a idéia de que é possível qualificar a recepção do produto audiovisual, ou seja, apesar de toda a intencionalidade da mensagem audiovisual, que direciona nosso olhar; é possível realizar outras leituras deste produto e, não simplesmente consumi-lo passivamente. Mas como as crianças e jovens aprenderão a fazer outras leituras da mensagem veiculada pela TV? Segundo Joan Ferrés (1996), "para produzirmos uma integração adequada da televisão à vida dos alunos, a escola e o lar devem andar de mãos dadas, cada uma com suas responsabilidades. (...) Mas essa tarefa dificilmente será desempenhada por pais que, em geral, estão tão carentes de formação nessa área quanto seus filhos. Por isso, hoje, cabe à escola a maior responsabilidade na formação".(p. 92) Ainda segundo o mesmo autor, "uma escola que não ensina como assistir à televisão é uma escola que não educa".(p. 07). Por que a escola não ensina seus alunos a assistir televisão? Um observador leigo, responderia que ninguém nos ensina a assistir televisão, aprendemos sozinhos e, não seria a escola a encarregada de mais esta tarefa. Na verdade, aprendemos a assistir televisão sozinhos em função de a gramática televisiva ser de muito fácil compreensão, e isso se deve, em larga medida, ao papel desempenhado pela mensagem lingüística, ou seja, a mensagem "fácil". Este tipo de mensagem, como já mencionamos anteriormente neste estudo, é aquela que garante o entendimento daquilo que o autor quis dizer. Mas será que isso exclui a responsabilidade da escola diante desta questão? Joan Ferrés (1996) afirma que, nos países industrializados o fato de assistir televisão ocupa o terceiro lugar na escala de atividades à qual os cidadãos adultos dedicam mais tempo, depois do trabalho e do sono, e o segundo lugar no tempo dedicado pelos estudantes. (...) Nesse contexto, se uma escola não ensina a assistir televisão, para que mundo está educando?". (p. 8-9). Neste sentido, esse ensinar a assistir à televisão, pode ser compreendido como ensinar a ler a mensagem audiovisual veiculada por diferentes meios. Desta forma, devemos compreender este novo desafio da escola dentro de um contexto de leitura. As crianças e jovens precisam lidar, dentro do ambiente escolar, com a leitura dos diferentes meios, e não só com a leitura da
palavra escrita. Se nos preocupamos em ensinar a narrativa literária aos nossos alunos, porque não ensinamos também a narrativa televisiva? A escola pode e deve oferecer modelos de interpretação e de análise crítica do produto audiovisual. Segundo Patricia Marks Greenfield (1988), "embora o código televisivo seja complexo e variado, há o perigo de que ele seja usado automaticamente e sem esforço: que o código simbólico da televisão seja processado passiva, ao invés de ativamente. Este problema não pode ser solucionado ao nível do código. É uma questão de tomada de atitude frente à televisão e à rede de interações geradas pela televisão (...)".(p.31) Portanto, se reconhecemos que a imagem veicula três tipos de mensagem, sendo uma delas produzida a partir das múltiplas possibilidades de leitura de uma mesma imagem, podemos ter a certeza então, de que é possível transformar o processamento automático da mensagem audiovisual, que gera passividade entre outras conseqüências não menos prejudiciais ao desenvolvimento infantil; em um processamento ativo, que gera reflexão e análise crítica sobre a referida mensagem. É nesta certeza de que é possível realizar uma transformação na recepção da mensagem audiovisual, que repousa a importância de a escola investir no ensino da leitura do produto audiovisual veiculado pela televisão. Referências bibliográficas: Livros e teses • BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. • FERRÉS, Joan. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. •GREENFIELD, Patricia Marks. O desenvolvimento do raciocínio na era da eletrônica: os efeitos da TV, computadores e videogames. São Paulo: Summus, 1988.
* Marcos Ozorio Marcos Ozorio é mestre em educação e diretor de mídia e educação da Multirio
LUDUS & LOGOS Brincando de Aprender Luiz Eduardo Ricon* Brincar é a mais elevada forma de pesquisa. Albert Einstein Você pode aprender mais sobre alguém em uma hora de brincadeira do que numa vida inteira de conversação. Platão Caro leitor (e cara leitora, claro), Espero que você perdoe minha ousadia de juntar latim e grego no título pelo puro prazer do jogo de palavras. Como você sabe, aprender e ensinar é coisa séria (no singular mesmo, caro leitor, pois no fundo são uma coisa só). Coisa de gente preparada, com anos e anos de estudo, graus e degraus acima deste pobre articulista. Ah, caro leitor, quem sou eu para falar seriamente sobre Educação? Ainda mais aqui, em espaço tão nobre... Mas já que não posso falar seriamente sobre o tema, faço isso brincando, e quem sabe assim o caro leitor simpatize comigo e perdoe a minha petulância. O leitor nem me conhece, é verdade. E se eu contar o que faço provavelmente nem vai saber do que se trata. Para passar o tempo, eu faço RPG. Mas não estou falando de fisioterapia (Deus me livre de precisar desse outro RPG!). Eu escrevo livros de RPG, ou melhor, Role Playing Games (Jogos de Interpretação), um nome pomposo para descrever uma brincadeira de criar e contar histórias de forma coletiva, com a ajuda de livros de regras e dados coloridos, que dão um tom de jogo à coisa toda. Durante uma partida de RPG (chamada pelos jogadores de aventura), um dos participantes é o Mestre de Jogo (como mestre de cerimônias e não como professor ou mestre iniciático!). Ele é o narrador de uma história, na qual cada um dos demais jogadores interpreta um dos personagens principais. Enquanto o mestre descreve as situações e ambientes, os jogadores interagem com essa descrição, interpretando seus personagens com base na descrição de suas ações e falas. Quando o jogador deseja que seu personagem realize uma ação, o Mestre pede que ele faça uma jogada de dados. Assim, cria-se o suspense da história ("ele vai conseguir ou não?") e o desafio do jogo. Surgido nos EUA na década de 70 e popularizado pelo título Dungeons & Dragons, o RPG tem assumido nos últimos anos um outro status. Estudado em teses de mestrado e doutorado em Literatura, Psicologia, Educação e outras áreas do conhecimento, o RPG tem se mostrado como muito mais do que um simples jogo. Hoje, o RPG já é
encarado quase com um medium em si. Algo como os quadrinhos na década de 30, os desenhos animados e o cinema em seus primórdios ou os video-games na Era do Atari. Hoje já existem livros de RPG dos mais diversos temas e estilos, desde títulos de franquias cinematográficas milionárias como Star Wars ou O Senhor dos Anéis até títulos criados por modestos autores brasileiros (como este que vos escreve), abordando temas nacionais como o Descobrimento do Brasil, o Quilombo dos Palmares ou as lendas brasileiras. E, enquanto há gente desinformada que (assim como acontece com os filmes de ação e os video-games) defende a censura e a proibição desses livros porque vê neles o incentivo ao satanismo e a origem de atos violentos, há gente muito mais séria por aí que vem estudando o RPG como uma forma de estimular o aprendizado, incentivar o hábito da leitura, desenvolver a criatividade e a narrativa, promover a integração social, criar o espírito de grupo e até mesmo dar oportunidade para o surgimento de novos ilustradores e escritores. Muitas instituições respeitadas como o SESC, a Bienal Internacional do Livro, a Fundação Biblioteca Nacional e o Centro Cultural Banco do Brasil, além de diversos museus, bibliotecas públicas e casas de cultura, em várias cidades do Brasil, já realizaram e abrigaram eventos dedicados ao RPG, investigando as possibilidades educacionais do jogo junto a escritores, psicólogos e pedagogos. Já existem trabalhos acadêmicos publicados sobre o tema e, a cada semestre, surgem novos artigos, projetos de pesquisa, dissertações e teses sobre o RPG em diversas universidades do país. Além disso, no final de maio, foi realizado em São Paulo o 10o Encontro Internacional de RPG, que reuniu mais de 15 mil jogadores e mestres durante um fim de semana. Uma de suas atrações principais foi o 1o Simpósio Brasileiro de RPG e Educação, onde mais de 600 profissionais de Educação discutiram com escritores e profissionais os novos caminhos e aplicações pedagógicas do jogo. Por tudo isso, não pense que com essas poucas, mal traçadas linhas é possível educar o caro leitor sobre o RPG e suas aplicações pedagógicas. Mais honesto é levantar o assunto, desatacar o tema e depois indicar uma bibliografia e uma lista de links onde o caro leitor pode navegar à vontade em sua busca. Se quiser, podemos continuar esta conversa por correio eletrônico (
[email protected]). Mas, antes, confira a lista a seguir. Boa viagem!
Referências bibliográficas: Livros e teses • PAVÃO, Andrea. A Aventura da leitura e da escrita entre mestres de RPG (Tese de mestrado em Educação pela PUC-Rio), São Paulo, Devir, 1999. • MOTA, Sônia Rodrigues. Roleplaying game: a ficção enquanto jogo (Tese de doutorado em Literatura pela PUC-Rio, Departamento de Letras), 364p, 1997. • SILVA, Jane Maria Braga. Aventurando pelos caminhos da leitura e escrita de jogadores de role playing game (rpg) (Tese de mestrado em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora). • MARCATTO, Alfeu. Saindo do Quadro. São Paulo, A. Marcatto, 1996. • RICON, Luiz Eduardo. mini GURPS O Descobrimento do Brasil, São Paulo, Devir, 1999. Sites Encontro Internacional de RPG Matéria sobre RPG no site Educarede 1º Simpósio Brasileiro de RPG e Educação Reportagens sobre o Simpósio e o EIRPG http://www.estado.estadao.com.br http://www.jt.estadao.com.br
* Luiz Eduardo Ricon Redator por formação, escritor por opção e pesquisador por gosto; autor de livros de RPG que divulgam de forma lúdica a História e o Folclore do Brasil, dando palestras e oficinas sobre RPG e Educação desde 1992.
A Terra Prometida Antonio Castro* Trabalho com internet há alguns anos e sinto-me parte de um momento de transformação cultural e social nunca visto. Estar participando, nem que seja minimamente, dessa revolução traz um certo sentimento heróico, como estar entre os primeiros a sentir o cheiro do mar. Mesmo sabendo que venho bem atrás dos verdadeiros pioneiros, vejo que às minhas costas ainda há uma verdadeira legião que não chegou ao topo da colina para vislumbrar a Terra Prometida - assim nos parece a internet, a Terra Prometida. Não posso deixar de lembrar que, como tudo relativo ao computador e à era da informação, trabalhar com a internet é divertido, lúdico. Parece que estamos o tempo inteiro no meio de um grande jogo, cheio de descobertas, que nos traz a leve e rápida sensação da infância, e isso é maravilhoso. Lembro das primeiras vezes, quando criança, em que saí à rua sozinho, para brincar. Um território vasto e desconhecido, aberto às minhas explorações. Assim ainda vejo a internet, e talvez esse sentir-se criança, mais que qualquer outra coisa, faça com que eu continue a explorá-la e expandi-la. O resto do mundo que conheço não é muito diferente de mim, e está fascinado e ansioso. Cada computador é uma nova porta aberta, e cada uma dessas portas é um leque infinito de possibilidades. Meus colegas já assumiram a vertigem geográfica da "grande rede", e nela se encontram para conversar, ouvir música e conhecer "novos lugares". O Ocidente está cada vez mais conectado ou com a mão no mouse esperando a sua vez na revolução. É verdade que tudo está acontecendo muito rápido e que não temos tempo para avaliar de fato as escolhas que estamos fazendo, se são aquelas que realmente faríamos; mas não temos como parar a máquina. É como se despertássemos de um sonho dentro de outro sonho e dentro de outro sonho... Continuamos, por acreditar que há algo de bom nisso tudo, que o resultado será a democratização e a inclusão digital como forma de cidadania plena. Mas no sonho dentro do sonho dentro do sonho me surge, às vezes, uma visão: a visão do outro. Temos a tendência a acreditar que o que é bom para nós deve ser bom para os outros - não importa quem eles sejam. Assusta-me a idéia de que o outro talvez possa não estar interessado naquilo que eu julgo que seja bom. Talvez a Terra Prometida, como a que concebemos, não interesse a todos. A internet sempre me lembra um navio, e muitas vezes acho estranho que queiramos que todos nele embarquem. Devemos ter cuidado antes de jogar bóias para pessoas que talvez não estejam se afogando. Na verdade, há muitos interesses díspares em jogo, quando se trata de levar a internet a toda parte e a todos. Será que, com a internet e suas possibilidades, não se pretende também (como com a televisão) levar modelos de
comportamento e padrões de consumo, expandindo mercado e homogeneizando culturas, numa terrível contradição com o conceito que temos do uso dessa tecnologia? Alguns especialistas já decretaram o fim da idade romântica da internet, implicando que trata-se agora de uma questão de mercado e consumo. Incluir digitalmente passa a ser, também, incluir mercadologicamente, transformando endereços de e-mail em consumidores potenciais. Isso não é exatamente um problema, desde de que comprar não seja a única coisa a se fazer na web. Precisamos, então, pensar seriamente sobre o que as pessoas poderão vir a ter depois do acesso à internet, sobre o que estará incluído nesse imenso pacote digital que consideramos importante compartilhar com o mundo. Nessa linha de pensamento surgem aqueles que acreditam que a internet pode ser, senão a base, ao menos um dos principais pontos de apoio para uma nova educação. Podemos imaginar a educação, cada vez mais, revolucionando o uso da internet, e a internet transformando as formas de educar. Isso sim pode, realmente, interessar a todos não consumidores, mas seres humanos. Desse ponto de vista, podemos afirmar que temos bons motivos, então, para acreditar que isso é mesmo importante para todos. Citando o músico e poeta Arnaldo Antunes, "não sorrimos à toa". Talvez dessa forma seja possível enxergar melhor o outro, entendendo que é possível, e necessário, conhecê-lo. E essa é mais uma razão que faz com que trabalhar com internet seja tão gratificante, o fato de estar ao lado de pessoas que trazem essa preocupação e querem traduzi-la em resultados que possam beneficiar aqueles que estão a um passo de conectar-se a essa nova maneira de entender o mundo. Isso é importante porque é preciso desenvolver um pioneirismo no uso dessas tecnologias, levando em consideração as pessoas que estão do outro lado do fio, esperando por algo que possa ser significativo para as suas vidas ou prontas para trabalhar duro por esse algo.
* Antonio Castro Webdesigner, gerente de Produtos do setor de Multimídia da MULTIRIO.
A convergência de mídia na informática educativa Eduardo Meirelles* Cercada pelas tecnologias e mudanças sociais que ocorrem em quase todo o mundo, a escola se defronta, como sempre, com o desafio imediato e fundamental: formar verdadeiros cidadãos, capazes de analisar o mundo, cada vez mais tecnológico, e construir opinião própria, com a consciência de seus direitos e deveres. Neste sentido, a educação precisa se transformar para acompanhar, se apropriar e, se possível, promover mudanças nas relações entre as pessoas e no desenvolvimento social e econômico. Uma das formas de a escola superar suas dificuldades como agente transformador está na ação de seus profissionais no sentido de produzir uma educação de qualidade. Para isto, como uma de suas prioridades, torna-se necessária a preparação e o envolvimento do profissional de educação para lidar com as tecnologias sem ser por elas dominado. Este tipo de trabalho só será concretizado na medida em que o professor domine o saber relativo aos novos recursos disponíveis, tanto em termos de conhecimentos técnicos suficientes, quanto em termos de conscientização e apropriação da sua utilização. Informática na escola No que diz respeito ao uso da Informática, partimos do ponto de vista de que, quando adotada na educação, ela deve se integrar ao projeto político-pedagógico da escola, não como mais uma disciplina, mas como meio com potencial multidisciplinar, constituindo-se em alguma coisa a mais com que o professor pode contar para bem realizar o seu trabalho. Neste sentido, propomos uma reflexão sobre qual a melhor forma de empregar esses recursos, analisando as características de cada disciplina e realizando a imprescindível interação entre elas e entre elas e a informática. Quando utilizada desta maneira, na escola, a serviço de um projeto educacional e contextualizada na realidade dos alunos, a informática proporciona condições para o trabalho a partir de temas, projetos e atividades surgidos na sala de aula. Como lembra o educador Gaudencio Frigotto, a tecnologia deve ser entendida como resultado e expressão das relações sociais, e a conseqüência desse processo tecnológico só pode ser entendida no contexto social dessas relações. Esse caminho pode ser utilizado como fonte de suporte intelectual e afetivo ou mesmo na solução de problemas pontuais, como Paulo Freire sugere.
Muito além da tecnologia vazia Deve-se ter como preocupação fundamental o desenvolvimento de valores, a concepção das finalidades da educação e a convicção de que necessitamos formar um indivíduo com a inteligência desenvolvida, erudito, flexível, crítico e criativo. A TV, os impressos e a informática podem fazer parte desse universo, mas não devem ser encarados como objetivos por si próprios. O computador - assim como essas mídias citadas ou qualquer outro material didático que usamos - é apenas e tão somente um meio. Neste sentido, entendemos que qualquer instrumento de ensino, desde o mais simples até o mais altamente elaborado, depende de quem o usa e de como o faz. Cabe ao professor a responsabilidade de diversificar a sua abordagem curricular. A nossa proposta para o uso do computador situa-se no contexto das mudanças e evoluções ocorridas na sociedade. A escola tem a possibilidade de incorporar as transformações, intervindo para sistematizar a integração de todas as mídias disponíveis como recursos pedagógicos e usando o que cada uma tem de melhor. Devemos utilizar esses recursos para algo que potencialmente é a possibilidade de uma efetiva comunicação com criatividade, tomando o devido cuidado para não nos limitarmos a reproduzir exatamente as mesmas práticas antigas por meios tecnológicos, de forma instrucionista. Essa atitude envolve a quebra de paradigma. Segundo Nelson Pretto, estas são questões fundamentais e, se não pensarmos nelas, mais uma vez montaremos enormes estruturas, que potencialmente são possibilidades comunicacionais de diálogo e criatividade, e as transformaremos em estruturas burocráticas de cumprimento de tarefas. Luís Armando Coddim reitera esta visão afirmando que, se uma determinada prática é ruim sem os computadores, ela não irá melhorar com eles e, dependendo, pode ficar ainda pior. Um excelente exemplo dessa modernização conservadora encontra-se no livro de Isac Asimov, Sonhos de Robô (1986), no qual se imagina o que seria a sociedade do ano dois mil. Uma das idéias representava uma escola deste final de século, com alunos sentados em fileiras com fones de ouvido, recebendo passivamente o conteúdo de livros que estariam sendo reproduzidos por um ajudante do professor. Outra distorção associada neste conceito de modernização conservadora, destacada por alguns teóricos, diz respeito à forma de pensar em que, se a tecnologia está em todo canto, logo é preciso utilizá-la no maior número possível de disciplinas e de conteúdos. Assim, observamos a tendência a se dar aulas expositivas com projetores de vídeo, onde a tecnologia não acrescenta nada além de cores, letras bonitas e outros aspectos superficiais, que certamente agilizam processos operacionais durante a aula, mas não enriquecem qualitativamente a exposição. Torna-se necessário que o professor conheça não apenas a operacionalização da máquina, mas que também compreenda as implicações pedagógicas envolvidas nas diferentes formas de utilizar o computador com finalidades educacionais. A compreensão e a contextualização são fundamentais para que o uso do computador não seja apenas mais um instrumento eficiente de ensino e aprendizagem, como quer a visão tecnicista. Ao contrário, é importante que seu uso possa ser meio favorável ao desencadeamento de processos reflexivos sobre a aprendizagem e sobre nova abordagem pedagógica. Tecnologia como parte do processo Ao se apropriar de tais conceitos e práticas tecnológicas, a escola pode facilitar o uso coletivo dos computadores integrado com o seu projeto político-pedagógico. A interligação de computadores em rede permite que os recursos disponíveis possam ser compartilhados e que - o que é mais importante no caso da educação - figuras, textos, sons e apresentações elaboradas pelos alunos também possam ser compartilhadas. Tal ligação permite a criação de textos coletivos, o incremento da idéia de solidariedade e da noção da informação como algo que deve estar disponível para todos, a fim de que o trabalho seja realmente de boa qualidade. No que diz respeito à Internet, a mídia brasileira, seguindo o restante do mundo, vem explorando este tema, caracterizando-a como a rede das redes mundiais de computadores. O discurso comum inclui expressões como democratização da informação, aldeia global, acesso a bibliotecas em qualquer parte do mundo. Tais expressões, meio obscuras para quem não lida com computadores, são acompanhadas por números impressionantes: dezenas de milhões de computadores interligados, transmissão de milhões de bits por segundo, outros tantos milhões e bilhões de dólares em jogo. Após esse furacão, passado o efeito dramático, alguns aspectos extremamente positivos da Internet já estão se sobressaindo e se estabilizando. Um desses elementos que pode ser trabalhado na escola se refere à possibilidade do professor ensinar aos alunos novas formas de leitura, que no fundo são as de sempre: ler nas entrelinhas, não se impressionando mais com a aparência e a forma; questionar afirmações; confirmar ou questionar fontes e a veracidade ou qualidade de citações, da história, da informação. A hipertextualidade colocada à disposição pela Internet sugere possibilidades de não linearidade e opção por linhas de navegação próprias, exponenciando a liberdade e a capacidade de raciocínio do aluno.
Crianças de regiões diferentes do país (e por que não de outros países também), que estejam estudando um mesmo tema, podem trocar impressões com colegas que vivem em realidades totalmente diferentes e, portanto, terem acesso a uma visão diferenciada da questão. Isto é, sem dúvida, o lado positivo da globalização dos meios: poder trocar com outros e se reconhecer diferente, mas parceiro. Ou seja, é possível discutir a questão da diversidade cultural, da convivência e o respeito ao diferente, a idéia que o conhecimento se constitui por meio de esforços coletivos, como uma idéia-chave que perpasse todo o currículo. Usuários regulares de quadros de avisos, grupos de discussão on line e assemelhados expressam entusiasmo pelas possibilidades de estabelecer relacionamentos internos que podem, inclusive, ser mais igualitários entre os envolvidos. Há também alteração do peso dos talentos pessoais: algumas pessoas se comunicam melhor por escrito do que oralmente. Outras, com dificuldades nas relações humanas, consideram o instrumento eletrônico um meio de comunicação mais gratificante.
Na nossa rede A SME e a MULTIRIO estão atualmente empenhadas no Plano Política de Informática 2001-2004, envolvendo a estruturação de recursos computacionais e audiovisuais nas escolas, a atualização dos professores da rede em Informática Básica e Educativa e em elaborações e sugestões de projetos de convergência de mídias com o objetivo de, dada a nossa enorme responsabilidade sobre o trabalho para a maior rede municipal de ensino da América Latina, conseguirmos atuar com o nível de qualidade condizente com a excelência profissional de todos os seus professores.
Referências bibliográficas: · PRETTO, Nelson. O uso da Informática na Escola. A Tarde. Bahia, 15.09.1999. . FRIGOTTO, Gaudencio. Cidadania, tecnologia e trabalho: desafios de uma escola renovada. Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, v. 21, n. 107, p. 04-10, jul/ago. 1992. . CYSNEIROS, Paulo Gileno. Professores e Máquinas: Uma Concepção de Informática na Educação. (mimeo.) 1998
* Eduardo Meirelles Diretor de Tecnologia da Informação da MULTIRIO, representa a empresa no desenvolvimento do Plano de Informática da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro. Formado em Informática pela PUC-Rio, Cursando MBA em Gestão Estratégica e Tecnologia da Informação na Uni-Carioca.
Participar é preciso Marcus Tavares* O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na semana passada os resultados do Censo 2000. A imprensa noticiou com destaque que as taxas de escolarização e de escolaridade dos brasileiros aumentaram na última década. Aproximadamente 94% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola e permanecendo por mais tempo na sala de aula, embora os índices ainda sejam insatisfatórios em algumas regiões do país. Esses resultados são frutos de quê? Não podemos negar que, dos anos 90 para cá, há por parte dos governos investimento constante no setor educacional. Mas será essa a única explicação? Com certeza não. Além de receberem mais crianças ao longo da última década, as escolas públicas de Ensino Fundamental, que atendem 89% dos estudantes brasileiros, vêm registrando maior participação dos pais nas decisões do seu dia-a-dia - o que é imprescindível. São mães e pais que somaram aos afazeres domésticos e empregos a tarefa de construir uma escola que atenda as reais necessidades de seus filhos. São responsáveis que dedicam todo ou parte do seu dia em prol da escola pública. Os números do censo não mostram isso. Muito menos a imprensa. Mas o trabalho, silencioso, existe e vem ganhando cada vez mais espaço e importância. Na Rede Municipal de Ensino do Rio, a família se faz representar, principalmente, nos Conselhos Escola-Comunidade. Neles, os responsáveis decidem com diretores, alunos, professores, funcionários e representantes das associações de moradores o projeto político-pedagógico das escolas. Definem de que forma os recursos financeiros, sob a administração escolar, devem ser aplicados. Debatem, encaminham sugestões e soluções para problemas do cotidiano, como o relacionamento entre professores e alunos, alunos e funcionários etc. O resultado impressiona. Embora ainda não haja estudo oficial, a prática mostra que a participação da comunidade eleva a auto-estima dos grupos docentes e discentes. A escola deixa de ter um projeto calcado apenas na visão do seu diretor ou de um pequeno grupo de professores. Ela passa a trabalhar com o objetivo de atender os interesses da comunidade e estabelece uma gestão participativa. E o que é melhor: democrática.
Quando o aluno percebe que não é apenas o professor ou o diretor que está investindo no seu desempenho, mas, sim, todo o conjunto - a comunidade -, ele se sente mais valorizado, acredita no seu potencial e cresce. As conseqüências são quase que imediatas: as taxas de repetência e de evasão diminuem e o índice de aproveitamento geral da escola melhora. E não é só isso. Verifica-se também que muitos pais acabam retomando os estudos. Tornam-se exemplo para os filhos, para os amigos e para a própria escola. O Censo 2000 mostra que o índice de alfabetização de adultos aumentou e que 94,8% destes alunos, que estão aprendendo a ler e escrever, freqüentam a rede pública de ensino. Na Rede Municipal de Ensino do Rio, os Conselhos Escola-Comunidade, criados em 1984, estão presentes em todas as 1.035 escolas. O mandato do colegiado é de dois anos. As últimas eleições ocorreram nos dias 6, 7 e 8 de maio. A posse dos novos eleitos acontece no dia 16. Mais do que nunca, os pais sabem da responsabilidade que têm pela frente. Tarefa fácil? Nunca se disse que sim. Mas eles apostam nesta participação, ainda mais quando abrem o jornal e têm a satisfação de ver que o trabalho vem dando resultado, mesmo que eles sejam os protagonistas ocultos da história.
* Marcus Tavares Jornalista, repórter do portal e das publicações da MULTIRIO