A PISCICULTURA EM MATO GROSSO DO SUL, COMO INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE EMPREGO E RENDA NA PEQUENA PROPRIEDADE.
Ângelo Mateus Prochmann. Cícero Antônio Oliveira Tredezini RESUMO Este artigo tem por objetivo analisar a contribuição da piscicultura na pequena propriedade em Mato Grosso do Sul, baseado no melhoramento do espaço rural da agricultura familiar. Para tanto, busca-se caracterizar a forma de organização e da produção do pequeno produtor e avaliar a importância da piscicultura como alternativa econômica à geração de emprego e renda. PALAVRAS-CHAVE: Agricultura Familiar; Emprego; Renda; Piscicultura; cadeias produtivas.
INTRODUÇÃO Este trabalho propõe analisar a contribuição da piscicultura na pequena propriedade, baseado no melhoramento do espaço rural da agricultura familiar, como elemento importante na solução de problemas sociais e econômicos em Mato Grosso do Sul. Para tanto, procura-se descrever a atual situação do pequeno produtor, inserido em um ambiente cada vez mais inóspito e avaliar a importância da piscicultura como alternativa econômica à geração de emprego e renda no meio rural. As unidades de produção familiar geralmente são classificadas em função de sua vinculação com o fator terra (tamanho das propriedades), o destino final da produção e principalmente a maior ou menor utilização de força-de-trabalho no processo produtivo. As unidades de produção familiar mais próximas às empresas modernas são aquelas que utilizam pouca força-de-trabalho familiar, sem diversificação da produção e destinam sua produção para o mercado. E aquelas unidades de produção tipicamente familiares são as que produzem para o consumo próprio, muito diversificadas e que utilizam a força-de-trabalho familiar intensivamente. Este trabalho considera que o elemento chave mais importante para a definição da agricultura familiar é a utilização de mão-de-obra familiar, onde as unidades de produção analisadas não recorrem à mão-de-obra assalariada, a não ser de forma ocasional. A este segmento social é atribuído um conjunto de características que lhe conferem uma considerável importância econômica, política e social. É nesse contexto que se define o objetivo deste trabalho, que é mostrar a contribuição da piscicultura na pequena propriedade no Mato Grosso do Sul. A exposição dos argumentos está organizada em quatro partes. A primeira parte vai apresentar o debate sobre os conceitos e a importância da agricultura familiar. A segunda parte uma caracterização da agricultura familiar no Mato Grosso do Sul. A terceira procura
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mostrar as principais características da piscicultura, identificando o contexto no qual o pequeno produtor está inserido no Mato Grosso do Sul. A quarta parte procura descrever os principais problemas identificados na pequena propriedade, bem como, no desenvolvimento da atividade no Estado. E por fim, feitas às considerações finais.
1. AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL O debate sobre os conceitos e a importância relativa da agricultura familiar é intenso, produzindo inúmeras interpretações e concepções, oriundas das diferentes entidades representativas dos pequenos agricultores, dos intelectuais que estudam a área rural e dos técnicos governamentais encarregados de elaborar as políticas para o setor rural brasileiro. O relatório da FAO/INCRA (INCRA, 1996), faz a distinção da agricultura de modelo patronal e o modelo de agricultura familiar, cujas características são as seguintes: Tabela 1 - Agricultura de modelo patronal e familiar Modelo Patronal Modelo Familiar Completa separação entre gestão e trabalho Trabalho e gestão intimamente relacionados Organização centralizada Direção do processo produtivo assegurada diretamente pelo agricultor e sua família Ênfase na especialização Ênfase na diversificação Ênfase em práticas agrícolas padronizáveis Ênfase na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida Trabalho assalariado predominante Trabalho assalariado complementar Tecnologias dirigidas à eliminação de decisões Decisões imediatas, adequadas ao alto grau de “de terreno” e “de momento” imprevisibilidade no processo produtivo. Fonte: INCRA. Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável. Brasília: 1996.
Como se pode observar na tabela 1, é visível a importância dada ao fator mão-de-obra na definição da agricultura familiar. Dessa distinção entre agricultura patronal e agricultura familiar elaborada pela FAO/INCRA surgem diversas críticas acerca da metodologia adotada, que pode ou não subestimar um modelo ou outro de produção, que não cabem aqui serem analisadas. Entretanto, é importante observar a colaboração desse estudo por reconhecer a existência de diferentes agricultores em território brasileiro e mais, assumir institucional e politicamente a existência da agricultura familiar. A agricultura familiar consolidada é constituída por unidades de produção familiar integradas ao mercado consumidor e com acesso a inovações tecnológicas e a políticas públicas. A agricultura familiar de transição é constituída por unidades de produção familiar com acesso apenas parcial aos circuitos da inovação tecnológica e ao mercado, sem acesso à maioria das políticas e programas governamentais, mas não estão consolidadas como empresas, mas possuindo amplo potencial para sua viabilidade econômica. Já a agricultura familiar periférica é constituída por unidades de produção familiar geralmente inadequada em termos de infra-estrutura e cuja integração produtiva à economia nacional depende de fortes e bem estruturados programas de reforma agrária, crédito, pesquisa, assistência técnica e extensão rural, comercialização, entre outros (INCRA, 1996). Dentro dessa concepção de agricultura familiar, as organizações e relações de trabalho se apresentam sob a forma de empresa familiar e de empresa não-familiar. A empresa familiar seria o estabelecimento não dirigido por administradores contratados e utiliza, em sua maioria,
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mão-de-obra familiar. Esta pode ser subdividida em unidade familiar que não contrata nenhum tipo de trabalho externo à família do produtor (trabalhador permanente ou temporário), familiares complementados por empregados temporários (temporário, mas não permanente) e empresas familiares (trabalhadores permanentes, podendo ou não ser temporários). Enquanto que a empresa não-familiar seria definida como o estabelecimento dirigido por administradores e aqueles que não utilizam nenhum membro não remunerado da família. A agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Contando com apenas 30,5% da área total de estabelecimentos rurais, é responsável por 13.780.201 de empregados, que corresponde a 76,9% do total de pessoas ocupadas no meio rural (INCRA, 2000b, p.24). Seja produzindo commodities para o mercado interno ou para consumo de subsistência, a agricultura familiar assume extrema importância econômica e social. Uma vez sendo sustentável, é capaz de assegurar renda ao pequeno produtor. Socialmente favorável, ao manter os trabalhadores nas áreas rurais, evitando o êxodo em direção às cidades, pois por mais precária que seja a vida no campo, a transferência de um pequeno produtor ou trabalhador da área rural para a cidade não necessariamente significa maior bem-estar. 2. AGRICULTURA FAMILIAR NO MATO GROSSO DO SUL O Estado de Mato Grosso do Sul possui uma área territorial de aproximadamente 358,2 mil km² (ou 35,8 milhões de ha), representando 22,23% em relação ao Centro-Oeste e 4,19% em relação ao Brasil e se encontra numa posição considerada próxima dos grandes centros consumidores e distribuidores do País, onde se destacam as regiões Sul e Sudeste. Apesar de extenso, o Estado de Mato Grosso do Sul, bem como em toda a região Centro-Oeste quando comparada com o restante do Brasil, apresenta um número reduzido de estabelecimentos familiares, decorrentes de diferentes processos de formação econômica, peculiares a cada uma das Regiões ou Estados. Do ponto de vista fundiário, Mato Grosso do Sul caracteriza-se como um Estado ainda dominado pela grande propriedade territorial. Os dados do Censo Agropecuário de 1995/96 demonstram que vem acelerando nos últimos anos a diminuição das pequenas propriedades com menos de 100 ha, que passaram de 33.666 em 1985 para 26.923 propriedades em 1996, sofrendo redução de 20% no número total de estabelecimentos desse grupo e 30,9% no número de estabelecimentos com até 20 ha. A participação dos estabelecimentos com menos de 100 ha resultou na diminuição de 58.220 ha no total da área disponível no Estado, uma queda de 7,9%. O principal ganho em número de propriedades e áreas vem acontecendo nas empresas rurais que estão na estratificação de 1.000 ha a 5.000 ha, tendo aumentado sua participação de 9,2 % em 1985 para 11,7% em 1996, no total de propriedades, e de 34,1% para 39,0% em relação à área ocupada no Estado. A tendência apresentada nas últimas décadas em termos de geração de emprego é da redução dos postos de trabalho em função do crescimento na utilização de máquinas, equipamentos e também com o aperfeiçoamento das técnicas adotadas no processo produtivo, todas poupadoras de mão-de-obra. A agricultura no Estado, bem como em todo o CentroOeste, vem se modernizando, fazendo aumentar a produtividade, com acentuada redução na quantidade de mão-de-obra utilizada, seja patronal ou mesmo na agricultura familiar. Em Mato Grosso do Sul, a queda no número de pessoas ocupadas no período entre 1985 e 1995/96 foi de 20,19%, passando de 253.993 para 202.709 pessoas ocupadas no total. Em Mato Grosso do Sul, o número de estabelecimentos que utilizava somente mão-deobra familiar, entre 1995 e 1996, era de 60,6% desse total (16.236 estabelecimentos). O
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número de pessoas ocupadas nos 26.789 estabelecimentos familiares chegava a 82.606 pessoas, contra 110.829 pessoas ocupadas em estabelecimentos patronais. Caracterizado como Estado onde a concentração da posse da terra ainda é elevada, estima-se que a agricultura familiar sul-mato-grossense é praticada em mais de 80% dos estabelecimentos rurais de até 100 hectares, os quais representam cerca de 2% da área total ocupada com a agropecuária (INSTITUTO DE ESTUDOS E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, 1999, p. 24). Esses agricultores localizam-se, de forma predominante, na região Sul do Estado. Além da concentração fundiária, os maiores entraves ao desenvolvimento da agricultura familiar no Estado podem ser resumidos ao baixo nível educacional da população rural, a falta de assistência técnica e extensão rural e a dificuldade de acesso ao crédito. 3. PISCICULTURA EM MATO GROSSO DO SUL No Mato Grosso do Sul, a piscicultura vem ganhando espaço nas últimas duas décadas. Tem-se como base para essa discussão, tanto no que se refere às análises quanto aos dados aqui apresentados, o trabalho do Estudo da Cadeia Produtiva da Piscicultura em Mato Grosso do Sul, realizado pelo Departamento de Economia e Administração - DEA da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, a partir de convênio com o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. Segundo BENITES (2000, p. 293), na região Centro-Oeste estima-se que existam pouco mais de 1.800 piscicultores ocupando 2.100 hectares de área cultivada. A atividade tem se desenvolvido principalmente em função da pesca esportiva, dos pesque e pague e devido à proximidade com os Estados de São Paulo e Paraná, que demandam grandes quantidades de alevinos e de peixes. Os peixes abatidos e comercializados são predominantemente in natura, fresco, eviscerado e na forma de filés. Matos Grosso do Sul e Mato Grosso são os Estados da região que têm apresentado maior crescimento na comercialização com outras regiões consumidoras, principalmente com São Paulo, em função de projetos e parcerias de produtores com redes de supermercados. A expansão dos canais de comercialização de pescados, representada pelo surgimento de pesque e pague no Estado, assim como pelo seu fortalecimento pela proximidade com São Paulo e Paraná, têm apontado, nos últimos dez anos, para um direcionamento da piscicultura para a finalidade comercial em Mato Grosso do Sul. Além desses aspectos, também apontam para essa mudança do perfil dos piscicultores, o aumento da área alagada média dos tanques e da produtividade obtida, que cresceu nesse período, assim como a maior concentração de pequenos piscicultores, com áreas destinadas à atividade na propriedade rural até 5 hectares. Geralmente, a piscicultura é uma atividade complementar desenvolvida nas propriedades rurais no Estado, não sendo a única atividade agropecuária na contribuição do faturamento (principalmente pelos pequenos produtores) devido a sazonalidade na produção de peixe (período de safra) e sua escala (em estabelecimentos pequenos, a capacidade de produção da piscicultura é menor, conseqüentemente força o produtor a diversificar com outras atividades, seja criação de gado, produção de leite, hortigranjeiros etc.). Foram identificados, em 1999, 493 produtores, sendo que 95% foram caracterizados como agricultores familiares, isto é, vivendo profissionalmente da agricultura, fazendo uso predominantemente da mão-de-obra familiar, tendo como principal fonte de renda a exploração de seu estabelecimento rural e detendo área considerada como pequena propriedade (SEPROD, 1999, p.21). Dos dez municípios que mais produzem peixe através da piscicultura no Estado, sete encontram-se na microrregião de Dourados. A região demonstra potencialidades diferenciadas
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das demais por contar com um grande número de pequenas propriedades fundiárias e por ser uma região produtora de grandes volumes de grãos, como o milho e a soja. A microrregião de Dourados foi responsável, entre 2001 e 2002, por aproximadamente 4.240,48 toneladas, cerca de 62,02% da produção total do Estado, estimada pela Delegacia Federal de Agricultura. Em seguida vem a microrregião de Campo Grande, com uma produção de 777,86 toneladas, que corresponde a 11,38% do total. A terceira microrregião que mais produz é a de Iguatemi, com 753,68 toneladas, ou seja, 11,02% da produção estadual. As microrregiões de Dourados e de Iguatemi também são beneficiadas pela infraestrutura viária existente, que facilita o escoamento da produção para os Estados de São Paulo e Paraná. A piscicultura também tem crescido como alternativa para a comunidade indígena. A reserva indígena de Dourados, por exemplo, está apostando na atividade dentro da aldeia. Um projeto da prefeitura do município permitiu a construção até agora, de quatro tanques onde foram colocados cerca de 10 mil alevinos de pacu e curimbatá. Os principais objetivos da implantação dessa atividade na reserva são melhorar o aproveitamento e a conservação dos mananciais de água, existentes nas duas aldeias que compõem a reserva: Jaguapiru e Bororó. A atividade também tem como função preservar o meio ambiente, oferecer opção de alimentação rica em proteínas e ainda, proporcionar alternativas para geração de trabalho e renda. Na microrregião de Campo Grande há aproximadamente 222,81 hectares de lâmina d’água, com uma produção estimada em 777, 86 toneladas de peixe. O município de Campo Grande possui 43 piscicultores, destinando 82,33 hectares de lâminas d’água à atividade e produzindo cerca de 225,28 toneladas de peixe, entre 2001e 2002. Iniciativas como esta de Campo Grande e das aldeias indígenas de Dourados têm estimulado muitos pequenos produtores, assentamentos e pescadores a iniciarem projetos de piscicultura em outras regiões de Estado. A inserção de pequenos produtores rurais na atividade de piscicultura traduz alguns pontos a serem destacados. Essa atividade rural, talvez seja uma das mais acessíveis. Diferentemente, por exemplo, de um hotel fazenda, o qual exige uma maior capitalização, um tino empresarial e um mercado urbano característico, a piscicultura é uma atividade que parece difundir-se com maior facilidade entre produtores rurais, principalmente em pequenas propriedades. Na produção da piscicultura predomina a criação de peixes pela utilização de tanques, através do manejo do alevino e peixes de engorda. Dados divulgados em SEPROD (1999, p. 21), informam que a área alagada utilizada entre 1998 e 1999 foi de 436 hectares, em relação à utilização de 813m³ de tanques-rede. A utilização desta última técnica está restrita à microrregião de Três Lagoas, pois para a instalação das redes são utilizados os lagos da hidroelétrica de Jupiá e de Ilha Solteira. Já entre 2001 e 2002, as áreas destinadas para a piscicultura passaram para 1.752,25 hectares de lâmina d’água, demonstrando o rápido crescimento da atividade no Estado (DFA, 2003, p. 5). O sistema de cultivo predominante é o semi-intensivo, que corresponde a mais de 80% dos sistemas utilizados na produção e a produtividade média obtida nos tanques-solo, na safra entre 1998 e 1999, foi de 3,4 toneladas por hectare e de 177 quilos por metros cúbicos de tanques-rede. Entre 2001 e 2002, a produtividade estimada em tanques-solo atingiu 3,9 toneladas, mostrando um crescimento de 14,7%. Entre os produtores registrados no Núcleo de Pesca e Aqüicultura da Delegacia Federal de Agricultura em Mato Grosso do Sul, a produtividade média foi de 4,85 toneladas por hectare de lâmina d’água, número maior do que a média total registrada pelo total de piscicultores, entre 2001 e 2002. Isso se explica em função das diferenças entre as técnicas e insumos utilizados entre os piscicultores, pois os produtores registrados geralmente são os que comercializam suas produções para outros Estados, utilizam alevinos de melhor qualidade,
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bem como de rações comerciais apropriadas para as espécies de peixes criados, obtendo assim, melhores rendimentos nos tanques de piscicultura. Entretanto, a produtividade média estimada é considerada baixa para tanques convencionais, pois em sistemas semi-intensivos, com rações comerciais e alevinos de qualidade pode-se atingir até 7 toneladas por hectare de lâmina d’água. As áreas utilizadas para a instalação dos tanques são próprias ou arrendadas, em sua maioria. Nas propriedades, a disponibilidades de água, além da qualidade do solo e inclinação do terreno são os elementos principais que determinam a viabilidade da atividade identificada pelo produtor. Um dos principais canais de comercialização é para pesca esportiva. Entre 2001 e 2002, foram identificados 96 estabelecimentos de pesque-pague, o que corresponde a 17,9% do total de produtores. Essa ainda é a forma encontrada principalmente pelos pequenos produtores, para comercializarem a produção. Em relação à demanda da carne de peixe, os canais de comercialização existentes não se mostram suficientes para absorver o crescimento da piscicultura comercial, o que, do ponto de vista dos piscicultores com baixa produção e produtividade, parece significar mais um grande obstáculo a ser superado. A expansão dos canais de comercialização - que passa pela estrutura organizacional dos piscicultores, por um trabalho de marketing e pelo apoio do poder público - pode efetivamente dar suporte para uma melhor inserção de pequenos produtores rurais na piscicultura comercial. A piscicultura nas pequenas propriedades vai depender cada vez mais principalmente da rentabilidade da atividade, que permitirá torná-la lucrativa e sustentável. A geração de emprego ainda é pequena na atividade, onde grande parte do número de piscicultores se enquadra na agricultura familiar, com a utilização de mão-de-obra familiar, representando poucos produtores, apenas 5%, que contratam mão-de-obra (SEPROD, 1999, p. 22). Os produtores utilizam em média de 1 a 5 funcionários, conforme o tamanho da propriedade (geralmente 1 empregado para cada 3 hectares de lâmina d’água), com escolaridade média do ensino fundamental e com baixa capacitação necessária à atividade. Nas pequenas propriedades, os trabalhadores contratados são geralmente temporários e informais, sendo o trabalho condicionado ao tratamento dos peixes e a época de manejo dos tanques. Já nas pequenas propriedades consideradas pesque e pague, os trabalhadores contratados, além de cuidar dos tanques, também trabalham na prestação de serviços aos clientes que freqüentam o estabelecimento (lanchonete, por exemplo), variando conforme o funcionamento, que se intensifica nos finais de semana. A mão-de-obra utilizada na produção é quase sempre de pouca qualificação, sendo os trabalhadores treinados somente pelos grandes piscicultores. Mato Grosso do Sul carece de cursos profissionalizantes e de cursos técnicos de ensino médio, voltado para esta área. A capacitação, tanto por parte dos pequenos produtores quanto pelos trabalhadores contratados, constitui-se em um gargalo de grande relevância para a piscicultura no Estado. Sabe-se que a produção deve adequar-se às novas exigências de mercado, buscar competitividade e, conseqüentemente, aumento da produtividade. Em relação aos insumos básicos utilizados na piscicultura, o principal entrave para o setor é o custo da ração, que poderá ser minimizado nos próximos anos com a instalação prevista ainda para 2003, de uma fábrica de ração na microrregião de Dourados. Esse é mais um importante passo no desenvolvimento da piscicultura no Estado, que poderá em pouco tempo reduzir entre 20% a 30% os custos da ração, favorecendo ainda mais o crescimento da atividade. Os custos da ração representam média de 50% a 65% do custo da produção, conforme a espécie cultivada. Somados os custos da ração e de alevinos, pode-se corresponder a até 85%, em alguns casos. Este fato ocasiona o uso da improvisação da alimentação dos peixes,
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através de vários tipos de produtos, como grãos e outras rações trituradas. Em 1999, somente 35% dos produtores utilizavam algum tipo de ração comercial (extrusada – processo em que os ingredientes são submetidos a um aquecimento, fazendo com que a ração flutue na água; ou peletizada – compressão dos componentes da ração) (SEPROD, 1999, p. 23). Outros insumos, tais como adubos químicos, orgânicos e calcários, utilizados na produção, são encontrados sem muita dificuldade pelos produtores. E ainda, Mato Grosso do Sul possui tecnologia e domina a técnica de produção de alevinos da maioria das espécies nativas cultivadas. O fato de o produtor adotar rações não adequadas para a produção, compromete a qualidade do peixe produzido, diminui a qualidade da água pelo aumento de dejetos e prejudica a imagem do produto oriundo da piscicultura. Isto ocasiona o aumento do tempo necessário para a venda do animal, pois amplia o tempo de engorda dos peixes até atingirem o tamanho ideal, bem como os custos de manutenção, que resulta na diminuição do giro de capital investido. Caso o produtor adote rações de melhor qualidade, as chamadas rações comerciais, obtém-se vantagens na hora de comercializar e garantir a confiança dos compradores de peixes. Animais doentes e nutricialmente carentes possuem maior taxa de mortalidade no transporte e facilitam o desenvolvimento de doenças posteriores. A maioria dos produtores, por características de tamanho de área alagada e, conseqüentemente, por não conseguirem obter produção em escala, se vê na situação da não atualização técnica da produção, devido ao alto custo e à precariedade da assistência-sanitária. Somente os médios e grandes produtores recorrem à assistência técnica especializada com freqüência. Em 1999, apenas 21% dos produtores recebiam assistência técnica, sendo que o aprendizado do produtor tem ocorrido, na maioria das vezes, através do trabalho diário nos cativeiros (SEPROD, 1999, p. 23). A falta de assistência técnica aliada à baixa utilização de ração comercial faz com que muitos produtores tenham baixa produtividade em seus tanques, comprometendo a qualidade da produção e a própria viabilidade da atividade. Mesmo que a atividade possa ser implementada de forma mais extensiva e com baixa capitalização, dificilmente alcançará uma inserção satisfatória nessas condições. O segmento dos piscicultores encontra-se pouco organizado. Das associações em funcionamento, tem-se a Associação Sul-mato-grossense de Aqüicultura - ASMAQ e a Associação de Piscicultores de Dourados - ASPID (SEPROD, 1999, p.24). Juntas, agregam menos de 70 piscicultores, entre pequenos, médios e grandes produtores. Pode-se afirmar que há um individualismo significativo no setor produtivo em Mato Grosso do Sul, com raríssimas exceções de alguns municípios do Estado. No município de Dourados, por exemplo, a associação é composta por pouco mais de 30 piscicultores. O resultado é a falta de articulação do setor, a completa ausência de poder de barganha e o isolamento, principalmente dos pequenos produtores. No que diz respeito à legislação ambiental existem leis que regulamentam as alterações no meio ambiente, estabelecendo normas de proteção ambiental e outras providências, como é o caso da Lei nº 1.826, de 12 de janeiro de 1998, que dispõe sobre a exploração de recursos pesqueiros e estabelece medidas de proteção e controle da ictiofauna e dá outras providências (MATO GROSSO DO SUL, 1998) e a Lei nº 1953 de 9 de abril de 1999, que dispõe sobre a defesa sanitária animal no Estado (MATO GROSSO DO SUL, 1999), entre outras. Entretanto, o Estado, bem como o resto do país, tem apresentado um grande número de clandestinidade na piscicultura. Isso ocorre, não em razão da falta de preocupação do produtor estar em dia com suas obrigações, mas porque na prática, ocorre um conflito de competência ou duplicidade de regularizações, como é o caso entre IBAMA, o Departamento de Pesca e Aqüicultura da Delegacia Federal de Agricultura e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente.
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A piscicultura, sem dúvida, é a criação animal que mais precisa de um ambiente equilibrado e estável, uma vez que alterações na qualidade da água comprometem a qualidade do peixe e a produtividade, podendo causar a morte de até 100% dos peixes, em caso de contaminação, por exemplo. Como se pode observar, a piscicultura vem apresentando um crescimento significativo no Estado, mas a atividade tem-se desenvolvido de forma desestruturada. As exceções são apresentadas somente pelos grandes piscicultores, que possuem maior infra-estrutura, tecnologia e acesso aos grandes mercados consumidores, conseguindo obter produção em escala e comercializando suas produções a preços vantajosos e competitivos. 4. PRINCIPAIS PROBLEMAS DA PISCICULTURA PROPRIEDADE DO MATO GROSSO DO SUL.
NA
PEQUENA
A piscicultura em Mato Grosso do Sul conta com dois tipos heterogêneos de produtores, que possuem condições distintas de inserção nos seus respectivos mercados. De um lado, alguns piscicultores podem ser enquadrados como produtores capitalizados, que realizam investimentos significativos na produção. Outros, entretanto, buscam na piscicultura uma alternativa de renda, sendo este o caso de grande parte dos pequenos piscicultores. A piscicultura sul-mato-grossense confronta-se com diferentes barreiras em todos os elos de sua cadeia produtiva, comprometendo, assim, em maior ou menor grau, o seu desempenho. E estas barreiras significam consideráveis entraves à lucratividade da atividade pelos pequenos produtores, principalmente sobre aqueles menos capitalizados. A piscicultura é marcada pelo grande número de pequenos produtores, com pouca utilização de técnicas apropriadas na criação, utilizando-se apenas dos conhecimentos adquiridos no dia-a-dia da produção. Com a utilização de ração inadequada e sem o controle correto da água, a produtividade dos tanques ou redes cai, e a qualidade do produto fica comprometida. Grande parte dos pequenos produtores não é capaz de produzir em escala e com competitividade, em vista do baixo poder econômico e das dificuldades de organização. Atualmente, em Mato Grosso do Sul, a organização do setor se restringe a ação de alguns poucos grupos de abrangência regional. O crédito, apesar de existente e disponível, não permite o fácil acesso, em função das exigências burocráticas de garantia. Poucas são as linhas de crédito que apóiam os diferentes elos da cadeia produtiva da piscicultura em Mato Grosso do Sul. Somente o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste - FCO foi identificado como alternativa de financiamento para a piscicultura, mas somente os grandes piscicultores e produtores de alevinos fazem uso desses recursos, bem como os empreendimentos que estão sendo instalados no Estado, para o abate e a industrialização do pescado. Somente nos últimos dois anos os esforços realizados pelos agentes públicos para fomentar a atividade estão mostrando resultados. Até então, seus resultados eram enfraquecidos pela falta de articulação entre os órgãos dos governos federal, estadual e municipal e entre estes e o setor privado. Mesmo com os trabalhos desenvolvidos por cada um desses agentes, pouca eficiência havia sido demonstrada para atender às prioridades necessárias ao desenvolvimento da piscicultura no Estado, embora apareçam alguns resultados isolados. Entretanto, as entidades existentes não dispõem de técnicos e fiscais em quantidade suficiente para atender à fiscalização, inspeção e licenciamento das unidades produtoras de peixe. A imagem do peixe criado em cativeiro colocado no mercado através do varejo, ou dos estabelecimentos de pesca recreativa (pesque e pague), fica comprometida por problemas relacionados ao sabor diferenciado e acentuado na carne de algumas espécies (pacu, por
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exemplo), decorrente da má qualidade de água (provocado pelo acúmulo de resíduos orgânicos nos tanques de cultivo); aspecto visual, muitas vezes prejudicado pela forma de apresentação do produto (in natura) e dificuldades de comercialização (o peixe é um produto altamente perecível). Sendo assim, os principais gargalos enfrentados pela piscicultura na pequena propriedade são: alto custo dos insumos apropriados (principalmente ração); a carência de assistência técnica e de cursos de qualificação de mãode-obra; a falta de organização da produção; a baixa agregação de valor; a deficiência na comercialização (escala de produção insuficiente para atender a demanda); sazonalidade da produção (conforme a espécie cultivada); desconhecimento do mercado consumidor; inobservância das legislações ambientais e sanitárias. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mato Grosso do Sul é caracterizado como Estado onde a concentração da posse da terra ainda é alta. Nas últimas décadas, inúmeras pequenas propriedades perderam posição competitiva e reduziram sua viabilidade econômica porque operam com custos mais elevados em função da baixa rentabilidade por unidade de área. Invariavelmente, este fato resulta de uma forte restrição de recursos financeiros, deficiências técnicas na produção e aversão ao risco de alternativas econômicas para a implantação de sistemas mais intensivos no uso do solo. A agricultura familiar é um setor estratégico para a manutenção e recuperação do emprego, para redistribuição da renda, para a garantia da soberania alimentar do país e para a construção do desenvolvimento sustentável. A saída que até então se vislumbra, é dotar as unidades familiares de alternativas econômicas que proporcionem uma maior produtividade por área disponível e conseqüentemente, aumentar a renda dessas, tornando-as sustentáveis a longo prazo. Estes estabelecimentos podem contribuir cada vez mais com a manutenção do homem no campo e com o revigoramento da economia das cidades onde se instalarem. Embora nesta área as políticas públicas claramente tenham avançado, é preciso reconhecer que há muito ainda para ser resolvido. Os programas para a agricultura familiar, como o PRONAF, são essenciais para lidar com a situação. Apoiar atividades agropecuárias exploradas com o emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família é fundamental. As ações de muitas administrações federal, estaduais e municipais devem ser em busca do aperfeiçoamento tecnológico da produção, na agregação de novas áreas agrícolas, na diversificação da produção agropecuária e a alteração do perfil fundiário do Estado. O Estado de Mato Grosso do Sul compreende a maior parcela das bacias dos rios Paraná e Paraguai da Região Centro-Oeste. Os potenciais hídricos, provenientes das bacias hidrográficas do Paraguai e do Paraná aliados ao clima, permitem o cultivo de peixes em praticamente todo o Estado. Por isso, a piscicultura torna-se uma interessante forma alternativa de viabilização das propriedades rurais. O pequeno investimento, os baixos custos de manutenção e facilidade de manejo sem inibir outras atividades na propriedade permitem que a piscicultura tenha uma boa perspectiva de expansão, de maneira a contribuir na
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manutenção da propriedade e aproveitar as oportunidades oferecidas pelo mercado onde se localizam.
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