OLHANDO A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA SOB A ÓTICA DE CORNELIUS CASTORIADIS (1922-1997) David Victor-Emmanuel Tauro1 & Vivian da Veiga Silva2
Resumo: As sociedades ocidentais atravessam uma grave crise, cujos principais sintomas são o conformismo generalizado, o desaparecimento gradual do conflito social e político e a crise das significações imaginárias sociais. Porém, essa situação não fica restrita às sociedades ocidentais e, de certa forma, afeta as sociedades não-ocidentais também. Com isso, surge a necessidade de nos debruçarmos sobre essa problemática e nada melhor do que utilizar a perpectiva de Cornelius Castoriadis para nortear essa reflexão. Palavras-chave: Cornelius Castoriadis, sociedade ocidental, crise. Abstract:
INTRODUÇÃO 1
Doutor em Sociologia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales e professor do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS. 2 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e professora substituta do Curso de Ciências Sociais da mesma instituição.
Ao olharmos para nossa sociedade, atualmente, percebemos inúmeras amostras de que passamos por uma crise aguda e sem precedentes: a crise das significações imaginárias sociais. Portanto, é impossível fazer uma reflexão acerca dessa situação sem remetermos à Cornelius Castoriadis (1922-1997). Autor da obra seminal A Instituição Imaginária da Sociedade e da série As Encruzilhadas do Labirinto, além de uma série de outras obras, pode ser considerado um ótimo exemplo de intelectual militante. Para nortear as reflexões aqui realizadas, foram utilizados textos datados das décadas de 80 e 90, frutos de conferências, entrevistas, discussões e publicações, compilados na série de livros As Encruzilhadas do Labirinto. Esses textos tem como temática principal a crise pelo qual as sociedades ocidentais atravessam, sem esquecer ou deixar de lado as sociedades não-ocidentais. Os subtítulos dos livros Encruzilhadas do Labirinto 3 e 4, respectivamente O Mundo Fragmentado e A Ascensão da Insignificância, não poderiam ser mais propícios para caracterizar o mundo em que vivemos hoje.
CRÍTICA AO “PÓS-MODERNISMO” E A ÉPOCA DO CONFORMISMO GENERALIZADO
“O mundo – não somente o nosso – está fragmentado. Porém, não cai aos pedaços. Refletir me parece uma das principais tarefas da filosofia de nossos dias.” 3 Essa frase mostra de maneira suscinta e precisa o momento pelo qual passamos em nossa sociedade: fragmentação e setorização da vida societária, desembocando em um individualismo exacerbado. Apesar dessa grave crise, Castoriadis aponta que existe solução e que esta dependeria do ressurgimento do projeto de autonomia individual e social (visto que um é impossível sem o outro), atrelado a novas atitudes humanas e novos objetivos políticos. Ou seja, uma nova condição da sociedade ocidental deveria surgir enquanto aspiração de todos os indivíduos, enquanto um projeto global. Logo, Castoriadis em nenhum momento propõe soluções efetivas e definitivas para nossos problemas, visto que essas respostas devem vir da maioria do povo. De sua parte, apenas constata uma duplicidade de aspectos: de um lado, todo o processo de degradação das sociedades contemporâneas; de outro, o fato de que essas sociedades não estão mortas e que resistência e críticas ainda são possíveis. Para isso, analisa criticamente os fenômenos e aspectos que apontam para a decomposição do Ocidente. Eu não posso, evidentemente, saber se tudo isso é suficiente para inverter a situação. O certo é que aqueles que têm consciência da gravidade dessas questões devem fazer o que estiver ao seu alcance – seja por meio de palavras e textos, seja, simplesmente, por atitudes no lugares que ocupam – para que as pessoas acordem da letargia contemporânea e comecem a agir no sentido da liberdade.4
Como ponto de partida para essa análise, nada melhor do que traçar a crítica que Castoriadis faz ao rótulo “pós-moderno”. Segundo ele, esse rótulo caracteriza bem o estado de decrepitude em que vivemos: uma sociedade incapaz de se auto-definir como 3
CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto III – O Mundo Fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987-1992, pág. 9. 4 CASTORIADIS, Cornelius. A ascensão da insignificância. In: As Encruzilhadas do Labirinto IV – A Ascensão da Insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002, pág. 118.
alguma coisa positiva, ou somente de se definir como alguma coisa que não seja referência ao que ela não é mais. Por si só, o termo “moderno” já é extremamente infeliz, visto que insinua que a História atingiu seu fim e que vivemos num presente perpétuo, demonstrando uma atitude extremamente egocêntrica, pois tende a anular todo o desenvolvimento anterior e a considerar legítimo apenas o desenvolvimento presente. Logo, se o termo “moderno” carrega em si todos esses problemas, o que dizer então de seu derivado, “pós-moderno”? Disseminando a idéia de que seu estilo é a falta de estilo e seu sentido é o sem sentido, apenas demonstra que vivemos em uma sociedade cuja a crise é tão aguda, que é incapaz de criar uma imagem de si própria que não seja vinculada à épocas anteriores, mesmo que seja no sentido de negar e destruir essas imagens. Ou seja, a sociedade ocidental perdeu a capacidade de criação e de auto representação. O valor do “pós-modernismo” como teoria é refletir servilmente e, portanto, fielmente as tendências dominantes. Sua miséria é fornecer delas apenas simples racionalização por trás de uma apologética pretensamente sofisticada, mas que não passa de expressão do conformismo e da banalidade. Digerindo-se agradavelmente com os discursos fúteis, tão em moda, sobre o “pluralismo” e o “respeito da diferença”, o “pós-modernismo” deságua na glorificação do ecletismo, na recuperação da esterilidade, na generalização do princípio que “tudo o que funciona é válido”, tão oportunamente proclamado por Feyerabend em outro domínio. Sem sombra de dúvida, a conformidade, a esterilidade e a banalidade, o “tudo bem” são os traços característicos desse período. O “pós-modernismo”, honrado com um “complemento solene de justificação” pela ideologia, apresenta o mais recente caso de intelectuais que abandonam sua função crítica e aderem com entusiasmo àquilo que é assim, simplesmente porque assim é. O “pós-modernismo”, como tendência histórica efetiva e como teoria, é seguramente a negação do modernismo.5
Posto isso, Castoriadis diz que não tem intenção de propor novos nomes para os períodos discutidos, e sim uma nova caracterização das divisões mais ou menos aceitas da história da Europa ocidental (que inclui os Estados Unidos), tendo como pressuspostos a individualidade de cada período (esboçada nas significações imaginárias sociais criadas 5
CASTORIADIS, Cornelius. A época do conformismo generalizado. In: As Encruzilhadas do Labirinto III – O Mundo Fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987-1992, p. 25.
por ele) e a ligação do universo histórico à significação e ao projeto da autonomia (social e individual). Com isso, ele distingue três períodos, sendo o primeiro deles a emergência (constituição) do Ocidente, que se inicia no século XII e termina no século XVIII. No campo da criação de significações imaginárias temos o surgimento da protoburguesia; construção, crescimento e mudanças das cidades; novas atitudes psíquicas, mentais, políticas, intelectuais, artísticas; descoberta e recepção, num primeiro momento, do direito romano, em seguida de Aristóteles e, posteriormente, da herança grega subsistente; perda do caráter sagrado presente na tradição e na autoridade. Com relação ao projeto de autonomia social e individual, percebe-se seu ressurgimento após quinze séculos, embora de maneira embrionária devido a necessidade constante de estabelecer compromissos com os poderes religiosos e monárquicos. O segundo período proposto por Castoriadis denomina-se época crítica (“moderna”) – autonomia e capitalismo – e se inicia no século XVIII e segue até as duas guerras mundiais. Se no período anterior, o projeto de autonomia se encontrava em estágio embrionário, aqui ele se radicaliza e abrange os campos social, político e intelectual. A contestação das formas instituídas invade todo os campos da vida social: formas políticas, formas de propriedade, organização da economia, família, situação das mulheres e as relações entre os sexos, educação e o estatuto dos jovens. A filosofia rompe definitivamente com a teologia, o mundo do trabalho entra em acelerado processo de desenvolvimento e a ciência racional vê seu campo se expandir. Simultaneamente, vemos o surgimento de uma nova realidade social-econômica, um “fato social total” como nos lembra Castoriadis remetendo à Marcel Mauss, que irá mudar irreversivelmente nosso mundo: o capitalismo. ...O capitalismo não é simplesmente o interminável acúmulo pelo acúmulo, mas a transformação implacável das condições e meios de acúmulo, a revolução perpétua da produção, do comércio, das finanças e do consumo. O capitalismo encarna uma significação imaginária social nova: a expansão ilimitada do “domínio racional”. Depois de orto tempo, essa significação
penetra na totalidade da vida social (por exemplo, no Estado, nas forças armadas, na educação, etc.) e tende a ser sua fonte de informação.6
Esse período caracteriza-se pela contaminação mútua e pelo entrelaçamento do projeto de autonomia individual e social e a expansão ilimitada do “domínio racional”, ambas significações imaginárias sociais distintas e incompatíveis entre si, o que criará tensão e oposição. Esse conflito, por sua vez, será o motor da época, favorecendo o desenvolvimento dinâmico da sociedade ocidental, na medida que permite a expansão capitalista e, simultaneamente, limita todas as irracionalidades próprias dessa nova realidade social-econômica. Com isso, podemos perceber que essa foi uma sociedade turbulenta, onde o choque entre duas significações imaginárias sociais expressava o conflito social e político, constituindo um meio fértil para criações intelectuais, artísticas e espirituais. O terceiro período proposto por Castoriadis é marcado pela retração no conformismo, tendo como referências históricas as duas guerras mundiais, a emergência do totalitarismo, a derrocada do movimento operário e o declínio da mitologia do progresso. Se no período anterior percebemos um quadro de total conflito ideológico causado pelo choque de significações imaginárias e resultando em uma atmosfera propícia ao processos criativos, nesse período encontramos justamente o contrário: o total desaparecimento dessas tensões, acarretando em uma série de graves consequências. A evanescência do conflito social, político e ideológico é característica dessa época. Embora, os anos 60 tenham presenciado o surgimento de movimentos sociais de efeitos duráveis (mulheres, minorias, estudantes, jovens), nenhum deles propôs nova visão da sociedade ou enfrentar o problema político global como tal. Além disso, percebemos uma completa atrofia da imaginação política, como é o exemplo do neoliberalismo. Toda essa decadência também é percebida na criação espiritual. Na filosofia, os autores se restringem a fazer interpretações e comentários de/sobre autores do passado. 6
Ibid, p. 20
Além disso, se no decorrer da História, os intelectuais surgem enquanto questionadores de representações, idéias e ordem estabelecidas, com o passar dos séculos ocorre uma degenerescência, visto que os intelectuais abandonam o trabalho crítico e passam a justificar a ordem estabelecida (Hegel, Heidegger e Sartre). Com o desmoronamento dos regimes totalitários e a pulverização do marxismo-leninismo, grande parte dos intelectuais ocidentais iniciam uma glorificação dos ditos regimes democráticos como únicos humanamente realizáveis, estabelecendo uma eterna crítica ao totalitarismo que permite esconder os problemas presentes: decomposição dos regimes ocidentais, apatia, corrupção e cinismo político, destruição do meio ambiente, situação dos países miseráveis, etc. Porém, o papel do intelectual não pode nem ser subestimado nem superestimado. Mas, será que a crítica funciona nos dias de hoje? Castoriadis afirma que a crise da crítica é apenas uma das manifestações da crise geral e profunda que se estabeleceu em nossa sociedade. As críticas não são mais censuradas e sim abafadas pela comercialização geral. “Eis um livro que revolucionou seu campo”, sendo esse adjetivo utilizado para qualquer produto. Ou seja, a palavra “revolucionário” (da mesma forma que palavras como “criação” ou “imaginação”) tornou-se slogan publicitário. Na opinião de Castoriadis, o público não é tão inocente assim, pois aceita e se adapta ao jogo publicitário. O que se instaura é o culto do efêmero, visto que o sistema e a mídia “educam” as pessoas, de maneira que não possam finalmente se interessar por alguma coisa que ultrapasse alguns segundo ou, no máximo, alguns minutos. Com relação à expansão científica, Castoriadis se pergunta se essa não se resume a uma continuação inercial de um movimento iniciado há muito tempo. Através disso, percebemos que o imaginário contemporâneo se caracteriza pela total decadência do projeto de autonomia, despolitização e individualismo nas sociedades contemporâneas e atrofia da criatividade e imaginação. Todos esses elementos levam ao que Castoriadis denomina “época do conformismo generalizado” e todos esses elementos serão analisados mais detalhadamente a seguir.
Porém, antes disso, é necessário abrir um parêntese. Após tudo o que foi dito sobre as sociedades ocidentais, o que dizer da sociedade brasileira? Por razões óbvias, não nos encaixamos nessa periodização proposta por Castoriadis. Mas, ao observar os fenômenos característicos do conformismo generalizado, percebemos que ele é perceptível em nosso cotidiano. Como explicar isso? Essa resposta deve ser procurada em nossa história política. Se observarmos a história republicana do Brasil, percebemos que ela é permeada por golpes, regimes autoritários, crises políticas e econômicas, corrupção e desilusões entre as lutas por uma sociedade livre e democrática. Após sucessivas tentativas de encontrar uma alternativa política que resolvesse todas essas crises, os brasileiros enfrentam um clima de total desilusão causado pelo fracasso do atual governo. Esse esgotamento de alternativas políticas, aliado a desilusão, fez com que a sociedade brasileira caísse em uma apatia total, por não conseguirem enxergar motivos para se engajarem em movimentos políticos e sociais (além do fato de esses se tornarem meros aparelhos burocráticos que repetem os mesmos discursos e caírem numa total atrofia criativa) e nem possibilidade de uma mudança efetiva da realidade brasileira através dessas ações. Com isso, desembocamos na apatia e na desarticulação política. Ou seja, diferentes processos nos levaram ao mesmo quadro traçado por Castoriadis.
ASPECTOS DA CRISE DAS SOCIEDADES OCIDENTAIS Dizer que as sociedades ocidentais estão em processo de decadência é cair em um lugar-comum. A inovação em Castoriadis se dá no fato de que ele se propõe a discutir, através de diversos textos e em diferentes situações, elementos determinantes na crise dessas sociedades, seguindo de forma sistemática os seguintes eixos temáticos: •
A decomposição dos mecanismos de direção;
•
Desaparecimento gradual do conflito social e político;
•
Educação, cultura e valores e;
•
Ruína da auto-representação da sociedade.
Segundo Castoriadis, se as sociedades ocidentais permanecem funcionando, não é por conta de seus dirigentes, e sim graças à extraordinária flexibilidade e adaptabilidade das instituições capitalistas e liberais7 e das enormes reservas de toda sorte já acumuladas. Além de demonstrarem uma total ausência de políticas em relação ao Terceiro Mundo e a armamentos, as sociedades ocidentais mostram-se deficientes em outros dois aspectos. O primeiro deles é o econômico, percebido pelas épocas de pleno emprego seguidos por anos de desemprego (ou seja, uma série de políticas econômicas ineficazes). O segundo aspecto refere-se ao complexo de problemas designados pelos termos “energia”, “fontes não-renováveis”, “meio ambiente”, “ecologia”, permanecendo esquecidos pelas classes dirigentes. A grande questão colocada por Castoriadis é, se as direções ocidentais encontramse em estado de falência, o que faz com que elas persistam? O autor aponta que os mecanismos de recrutamento e de seleção dos agentes políticos têm aí uma importante participação, visto que verifica-se uma total dissociação entre a possibilidade de promoção e a capacidade de trabalhar eficazmente. Ou seja, a capacidade de uma pessoa ascender no aparelho burocrático, nada tem a ver com sua capacidade de gerir negócios e 7
Rótulo esse erroneamente sustentado pelos países líderes do bloco ocidental, no sentido de oposição ao comunismo e ao fascismo e de assimilação à democracia. Para uma discussão mais ampla, ver: CHÂTELET, François & PISIER-KOUCHNER, Évelyne. As Concepções Políticas do Século XX – História do Pensamento Político. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
sim com a sua capacidade de vender sua imagem, sua habilidade em ser carismático8. Nas palavras do autor, essa seleção é feita entre os mais aptos a se fazerem selecionar. Ela (a política) sempre exige que se combinem as faculdades e as capacidades específicas requeridas, segundo o tipo de regime considerado, para ‘ter acesso ao poder’, e as faculdades e as capacidades requeridas para saber utilizar este poder. Em si, a arte oratória, a memória das fisionomias, a capacidade de fazer amigos e de conquistar partidários, de dividir e enfraquecer os oponentes nada tem a ver com o gênio legislativo, o talento administrativo, a direção da guerra ou da política exterior; da mesma forma que, sob um regime absolutista, a arte de agradar ao monarca não tem relação com a arte de governar.9
Com isso, vemos a total deturpação da atividade política e mesmo do termo “política”, que passou a ser assimilada a uma atividade bizarra e ilícita, permeada por fraudes, corrupção e cinismo. Aos políticos não cabe saber administrar o Estado com competência e sim articular todas as artimanhas possíveis para manter-se no poder, além de fabricar e refabricar uma imagem vendável e lucrativa para os meios midiáticos. Ou seja, o homem de Estado tornou-se um astro de televisão. Tudo isso desemboca em total desinteresse e desilusão da sociedade frente às atividades políticas, afetando seu destino enquanto coletividade. Outro aspecto denunciado e discutido por Castoriadis é o desaparecimento gradual do conflito social e político. Ele aponta que é característico da dinâmica sociopolítica dos países ocidentais o surgimento de correntes e movimentos proponentes de modificações essenciais das instituições e de cunho ideológico, se opondo às tendências e correntes contrárias. Basta lembrarmos que a tensão criada pela contaminação mútua e pelo entrelaçamento do projeto de autonomia individual e social e a expansão ilimitada do “domínio racional”, ambas significações imaginárias sociais distintas e incompatíveis entre si, foi o motor de uma série de transformações no início do século XX. E o que vem ocorrendo nos últimos anos é o desaparecimento desses movimentos. Isso é perceptível em vários elementos contestatários de nossa sociedade. Os partidos 8
Aqui esse termo é utilizado no sentido de um talento especial para dissimulação, no qual o ator representa o papel de “chefe”ou “homem de Estado”. 9 CASTORIADIS, Cornelius. A Crise das Sociedades Ocidentais. In: As Encruzilhadas do Labirinto IV – A Ascensão da Insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002, pág. 13.
políticos, que tornaram-se incapazes de mobilizar os cidadãos, permanecendo na inanição ideológica e repetindo coisas que ninguém mais acredita. Os partidos políticos oficiais repetem os mesmos discursos, possuem os mesmos programas políticos, demonstrando a tendência que toda a oposição deve ser esquecida e que passamos por um período de total falta de imaginação política e de conflito. Em seguida, os sindicatos contemporâneos, que defendem os interesses setoriais e corporativos de seus adeptos, se esforçando ao máximo para evitar tensões com os capitalistas. E por fim, os grandes movimentos sociais, cuja importância é reconhecida por Castoriadis, porém ele os enxerga como fragmentados e setoriais, preocupando-se cada um com sua esfera restrita. O exemplo claro disso é o ambientalista que, a contra gosto, é levado a discutir questões políticas, sendo essas indissociáveis10. Com isso, esses movimentos sociais não propõem um projeto político global, e caso o fizessem, não teriam capacidade de impô-lo. Aliado aos problemas colocados acerca desses movimentos contestatários, temos o refluxo causado pela apatia e desilusão política. Se a sociedade chegou ao ponto que chegou, por que eu vou sair do conforto da minha casa e me filiar a um partido político ou a um movimento social, se nada vai mudar, tudo continuará no mesmo? Percebemos com tudo isso, além da desilusão, a atomização da sociedade, visto que os movimentos contestatários preocupam-se apenas com problemas setoriais e não com situações ligadas à esfera mundial. Como bem diz Castoriadis, nosso mundo está fragmentado. O terceiro ponto discutido por Castoriadis engloba educação, cultura e valores, e de início ele coloca que é necessário saber em que medida as sociedades ocidentais ainda são capazes de fabricar o tipo de indivíduo necessário a seu funcionamento continuado, visto que cada sociedade produz indivíduos capazes de compartilharem de suas significações imaginárias sociais e de reproduzi-las. Caso contrário, teríamos uma série de Dom Quixotes, totalmente inadequados as suas respectivas sociedades.
10
Para uma discussão mais ampla, ver: CASTORIADIS, Cornelius & COHN-BENDIT, Daniel. Da Ecologia a Autonomia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
A primeira esfera a ser analisada é a família, considerado o principal ateliê de fabricação de indivíduos adequados. A crise da família contemporânea apresenta-se na degradação e desintegração dos papéis trtadicionais (homem, mulher, pais e filhos). Ou seja, antigamente os papéis tradicionais eram sabidos por todos, nos mais diferentes níveis da sociedade, de categoria, de grupo, mesmo que fossem questionáveis, criticáveis e alienantes (“lugar de mulher é na cozinha e quem manda em casa é o homem”). O mesmo ocorre com as relações entre pais e filhos: ninguém sabe hoje o que significa ser mãe, pai ou filho, estampando claramente a crise de significações imaginárias sociais que enfrentamos contemporaneamente. Graças à onda consumista propagada pela mídia e a indústria cultural, instaurouse um culto à eterna juventude. Os pais, na tentativa de se aproximarem dos filhos e realcançarem a “juventude perdida”, passam a adotar novas posturas, utilizarem a linguagem peculiar dos jovens, frequentarem os mesmos locais e se vestirem como os filhos. Desaparecem as figuras do pai e da mãe e aparece uma nova figura: o amigo ou a amiga. Apesar de existir uma busca por liberdade, essa postura por parte dos pais cria mal-estar e confusão na mente dos jovens, pois aquele de quem ele espera uma postura mais enérgica, disciplinadora, que imponha limites, está se comportando da mesma forma que ele. Ou seja, a vaga de adulto está desocupada. Nas palavras de Fabiana Takiuti, psicóloga do Programa do Adolescente da Secretaria de Saúde do Estado de SP É verdade que todo mundo vive em busca de sua liberdade – principalmente quem ainda vive com os pais – mas acontece que excesso de liberdade pode virar sensação de despreocupação, desinteresse, abandono até. O ideal é encontrar o meio-termo. E meio-termo é saber diferenciar autoridade de autoritarismo e liberdade de “pode tudo”.11
A juventude é um momento em que o indivíduo está em processo de constituição enquanto sujeito e, portanto, precisa ter seus espaços bem delimitados. O jovem necessita dessa distinção: pai ou mãe é aquele que disciplina, de maneira mais ou menos rígida; amigo ou amiga é com quem ele escolheu se relacionar por questões de afinidade e justamente para afastar-se dos pais. A principal consequência disso é a desorientação informe das novas gerações, que na opinião de Castoriadis pode apontar tanto para uma 11
Revista MTV. Tô Fora! São Paulo, Nº 51, agosto, p. 39.
busca pela autonomia (no sentido de fugir de papéis já pré-determinados e criar novos modos de vida) quanto para a anomia (no sentido de desorientação). Na medida em que o papel da família diminui, aumenta o de outras instituições, como a educação (isso é perceptível na história da humanidade). Porém, essa instituição também entrou em estado de desagregação. Além da crise dos conteúdos (“o que é transmitido, o que deve ser transmitido, e a partir de quais critérios?”), essa instituição também atravessa uma crise da relação educativa. Como indica Karl Mannheim em seu texto A Democratização da Cultura12, a mentalidade democrática evita uma educação pautada no temor respeitoso e nas obscuridades “superiores” orgulhosamente proferidas pelos educadores, para que essas sejam admiradas sem compreensão e tende a uma aproximação, um desdistanciamento hierárquico entre alunos e professores. Ou seja, desaba o tipo tradicional da autoridade indiscutível e entra em cena novos tipos, sendo o mais comum o professor-colega. Porém, Castoriadis indica que aí reside o problema, pois esses novos tipos não chegam a se definir, a se afirmar ou a se propagar. Logo, encontramos novamente a crise das significações imaginárias. Contudo, essa não é a crise mais aguda pelo qual o sistema educativo passa: Mas todas essas observações permaneceriam ainda abstratas caso não estivessem ligadas a mais flagrante e perturbadora manifestação da crise do sistema educativo, aquela que ninguém ousa sequer mencionar. Nem alunos nem professores se interessam mais pelo que se passa na escola como tal, a educação não é mais investida como educação pelos participantes. Ela se tornou um penoso ganha-pão para os educadores, uma imposição tediosa para os alunos – para quem ela deixou de ser a única abertura extrafamiliar- alunos que não têm idade (nem estrutura psíquica) necessária para ver nela um investimento instrumental (cuja rentabilidade, aliás, se torna cada vez mais problemática). Em geral, trata-se de obter um ‘papel’ que permita exercer um ofício (caso se encontre trabalho).13
12
MANNHEIM, Karl. A Democratização da Cultura. In: Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001, págs.141-208. 13 CASTORIADIS, Cornelius. A Crise das Sociedades Ocidentais. In: As Encruzilhadas do Labirinto IV – A Ascensão da Insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002, pág. 18.
Na fase atual do capitalismo, a educação adquire um caráter utilitarista e imediatista, ou seja, o sistema educacional passa a ser encarado como o recurso máximo para um acesso mais facilitado ao mercado de trabalho. A especialização de seus trabalhadores faz com que o ritmo de desenvolvimento continue acelerado, e logo, para acompanhar essa aceleração o indivíduo contemporâneo tem como única opção uma atualização contínua. Esse fato faz com que inúmeras pessoas não consigam adentrar ao mercado de trabalho, por falta de qualificação adequada para desempenhar determinada função no processo produtivo. Com isso, Castoriadis denuncia o desaparecimento das significações e quase completo dos valores, sendo isso ameaçador para o próprio sistema (como um sistema que tem por valor único dinheiro e lucro pode continuar a funcionar e a se reproduzir?) Na inexistência de valores reais, a única barreira para as pessoas é o medo da sanção penal, logo a corrupção generalizada tornou-se traço estrutural, sistêmico, da sociedade em que vivemos. Com isso, Castoriadis aponta para a existência de uma íntima solidariedade entre um regime social e o tipo antropológico (ou leque de tais tipos) necessária para fazê-lo funcionar. O capitalismo herdou grande parte de seus tipos antropológicos de períodos históricos anteriores: o juiz incorruptível, o funcionário weberiano, o professor devotado, operário para quem, apesar de tudo, o trabalho era uma fonte de orgulho. Todos esses tipos foram criados anteriormente, em referência a valores então consagrados e incontestáveis: honestidade, serviço do Estado, transmissão do saber, etc. Devido a derrocada desses valores, o único tipo criado pelo capitalismo, de início, foi o empresário de Schumpeter. Porém, esse mesmo perdeu força e foi substituído pelas burocracias gerenciais e pelos especuladores. Após toda essa discussão, Castoriadis conclui que nós somos cidadãos sem bússola e discorda que isso seja explicado pela complexidade dos desafios. A desorientação se deve à decomposição das significações imaginárias sociais. E aqui encontramos o que talvez seja a consequência mais grave de todo esse processo: a ruína da auto-representação da sociedade. Para o autor, não pode haver sociedade que não seja alguma coisa para si mesma, que não se represente como sendo alguma coisa, que se
representa através de uma série de atributos que surgem através da cunhagem das significações imaginárias sociais, que tem por missão atribuir sentido a tudo o que pode se apresentar tanto no interior da sociedade quanto fora dela. Castoriadis as considera imaginárias pois não se reduzem à referências “racionais” ou “reais” e sociais pois só existem por serem instituídas e compartilhadas pela sociedade como um todo. A significação imaginária social faz determinada coisa existir enquanto tal coisa, apresentaas como sendo isso que elas são: Estado, dinheiro, Deus, homem, mulher, criança, jovem, etc. Com isso, a sociedade consegue (ou pelo menos tenta) explicar e dar sentido às coisas que estão a sua volta e poder mascarar o Caos do qual ela surgiu, e que permanece do seio de cada sociedade e de cada indivíduo. Logo, os indivíduos só pertencem a uma dada sociedade por que participam de suas significações imaginárias sociais, de suas “normas”, “valores”, “mitos”, “representações”, “projetos”, “tradições”, etc, e partilham (conscientemente ou não) a vontade de ser desta sociedade. Com isso, percebemos que os indivíduos são os portadores das instituições e significações sociais, visto que foram fabricados e moldados por elas (ou seja, por outros indivíduos, eles mesmos também portadores). Isso significa dizer que todo indivíduo deve ser portador desta representação de si da sociedade, visto que é condição vital para a existência do indivíduo singular e da própria sociedade. O fato de se representar como alguma coisa dissimular para si mesmo o abismo psíquico sobre o qual ele vive e isso é possível graças às significações imaginárias e à constituição do mundo (natural e social), criadas por sua sociedade. Esse esforço de auto-definição do indivíduo é que faz com que a instituição de sua sociedade viva e exista. E é nesse ponto que a crise das sociedades ocidentais contemporâneas pode ser percebida: a ruína da auto-representação da sociedade, o fato que essas não possuem mais uma imagem de si própria e nos casos em que possui, é de maneira degradante, vazia e contraditória. Tudo isso nos remete ao que Castoriadis nos diz sobre o pósmodernismo e que foi discutido anteriormente.
Castoriadis aponta que tudo isso é fruto da crise das significações imaginárias sociais, pois essas não mais fornecem valores, motivações e normas que permitam aos indivíduos fazer funcionar a sociedade. Porém, não significa que as sociedades antigas proporcionavam felicidade e verdade irrestritas a seus cidadãos, mas sim que as significações imaginárias sociais devem fazer funcionar e reproduzir a sociedade que os fez existir. E o hoje, o que vemos é uma sociedade que mal se suporta, que não se deseja enquanto sociedade. O homem contemporâneo age como se apenas suportasse a sociedade como um mal necessário, ao qual ele não pensa duas vezes em imputar todos os seus problemas e exigir a solução. Ele não alimenta mais projetos relativos à sociedade, seja de transformação ou de conservação. Se o homem contemporâneo ainda reproduz relações sociais, é por que se sente preso a elas e não consegue deixar de reproduzi-las. Como bem coloca Castoriadis, os atenienses queriam ser atenienses, os operários queriam ser outra coisa além de matéria de exploração, mas e o homem contemporâneo, o que deseja ser? A partir do momento que uma dada sociedade não consegue forjar uma imagem de si própria, como poderá ser cobrado de seus integrantes uma imagem de si próprios? Outra dimensão da auto-representação da sociedade afetada pelo desmoronamento é historicidade, a definição pela sociedade de sua referência à sua própria temporalidade, sua relação com seu passado e seu futuro. O que percebemos é uma postura de exterioridade, de abolição da relação com o passado. Como já discutimos, tende-se a anular e desconsiderar todo o desenvolvimento ulterior (“eles são os antigos e nós somos os modernos”). Por algum tempo, a justificativa para esse tipo de atitude era a relação instaurada com o futuro, sendo esse portador de projetos de transformação e alterações, ou seja, na ideologia do “progresso”. Contudo, a História nos mostra que essa noção de “progresso” surge apenas no domínio instrumental (“uma bomba H mata mais gente do que um machado de pedra”), além de ser uma significação imaginária essencialmente capitalista.
Castoriadis aponta como necessário uma nova criação imaginária de importância sem igual no passado, uma criação que colocaria no centro da vida humana outras significações além da expansão da produção e do consumo, que colocaria objetivos de vida diferentes, que pudessem ser reconhecidos pelos seres humanos como valendo a pena. Porém, isso exigiria uma total reorganização de toda as esferas da vida societária e, logo, está demasiadamente longe de todos nós. Sobretudo, exigiria que a economia fosse colocada em seu devido lugar (simples meio de vida humana) e não norteador de toda a vida societária, ou seja, devemos nos concentrar no desenvolvimento dos seres humanos, em lugar do desenvolvimento de novos objetos de consumo. Para isso, se faz necessário uma nova organização de trabalho que propicie a manifestação das capacidades humanas e uma outra organização política que permita que a verdadeira democracia se realize e permita a participação de todos na tomada de decisões Chegamos a um ponto da discussão em que é impossível no fixarmos apenas nas sociedades ocidentais e que percebemos a necessidade de lançarmos nosso olhar sobre um elemento que na maioria das vezes (e por uma série de razões que iremos discutir) se coloca de maneira antagônica frente a essas sociedades: o mundo árabe.
OCIDENTE E MUNDO ÁRABE: UMA DELICADA RELAÇÃO
Remontar à história das nações e povos árabes-islâmicos seria uma tarefa extremamente árdua e densa, que exigiria um estudo mais extenso. Com isso, percebemos que é inviável empreender aqui essa tarefa e nos limitaremos a tratar da discussão realizada por Castoriadis acerca dessas sociedades14, principalmente com o intuito de traçar uma comparação entre as sociedades ocidentais e o mundo árabe. Essa foi a temática de dois textos, Entre o vazio ocidental e o mito árabe e A degradação do Ocidente15. O primeiro é fruto de uma discussão com Edgar Morin, acerca da Primeira Guerra do Golfo e suas consequências, bom como sobre a tão conhecida divisão entre o Ocidente e o mundo árabe. E Castoriadis inicia a discussão apontando que, ao optar pela guerra, não houve a preocupação com o risco de aprofundar ainda mais o abismo cultural, social, política e imaginária existente entre os países ocidentais e o mundo árabe. Com os atentados de 11 de setembro e a guerra declarada dos Estados Unidos ao mundo árabe, vimos esse abismo se tornar mais profundo e caminhar para um processo de ódio e destruição que pode ser irreversível. Creio que o ponto-chave para entender a visão de Castoriadis acerca dessa temática é compreender a seguinte frase: entre o vazio ocidental e o mito árabe. Sobre a parte ocidental nada precisa ser acrescentado, pois todo o seu vazio foi apresentado e discutido anteriormente. O mito árabe seria a falsa imagem que os árabes constroem de si mesmos, mostrando-se como eternas vítimas da História, embora essa mesma nos mostra que foram um povo extremamente conquistador e beligerante. Ora, se houve uma nação conquistadora, do século VII ao século XI, esta foi sem dúvida a árabe. Os árabes não avançavam pelas encostas do Atlas no Marrocos, eles estavam na Arábia. No Egito não havia um único árabe. A situação atual é o resultado, primeiramente, de uma conquista e da conversão mais ou menos forçada das populações conquistadas; depois, da colonização dos árabes, não pelo Ocidente, mas por seus correligionários,
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Para maiores informações sobre a temática, sugerimos: LEWIS, Bernard. O que deu errado no Oriente Médio? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002 MASSOULIÉ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. Editora Ática 15 CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto IV – A Ascensão da Insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
os turcos, durante séculos; enfim, da semicolonização ocidental durante um período comparativamente bem menor.16
Castoriadis nos diz que a história do Ocidente é um acúmulo de horrores, contra os outros e contra ele mesmo. Porém, isso não é privilégio do Ocidente e é compartilhado com todas as outras sociedades, mostrando que a história da humanidade é a história dos horrores, substituindo a máxima marxista (“história da humanidade é história da luta de classes”). Com isso, a especificidade e singularidade do Ocidente consiste na sequência sócio-histórica começada na Grécia e retomada, a partir do século XI, na Europa ocidental, sendo a única que propiciou o surgimento de um projeto de liberdade, de autonomia individual e coletiva, de crítica e de autocrítica – o discurso de denúncia do Ocidente é sua mais extraordinária confirmação. No Ocidente, tornou-se possível denunciar o totalitarismo, o colonialismo, o tráfico de negros ou o extermínio dos índios da América, o que não é encontrado em outras civilizações, inclusive os árabes. Castoriadis não justifica ou tenta apagar os crimes cometidos pelos ocidentais e sim que é específico da civilização ocidental a capacidade de se questionar e de se autocriticar. Isso é a mais flagrante prova do mito árabe. Na discussão com Castoriadis, Morin dismistifica o fato de que somente os árabes exaltam ditadores devido seu cunho messiânico ou religioso, e nos lembra de Stálin e Mao. Ou seja, os árabes não são os únicos impulsionados por paixões e fanatismo. Com relação à democratização, ela é um processo lento e pautado no laicismo (recuo da religião em relação ao Estado e à vida pública) e esse veio do Ocidente preso ao perigo de homogeneização cultural e perda de identidade, graças à onda técnico-industrial imperialista. Logo, para manter a identidade, somos forçados a nos agarrar tanto ao passado fundador quanto ao futuro libertador. Porém, vemos destruir-se a imagem de um futuro que trouxesse emancipação; isso ocorre não somente entre os árabes como também entre 16
Ibid, pág. 60
nós, graças ao “progresso” e a racionalidade extremada. Se o futuro está morto, resta relacionar-se com o passado e com o presente. No caso das sociedades ocidentais, desvincula-se do passado e vive-se o presente através do consumismo. Mas, o que resta para aquele que não podem consumir as mesmas cifras e os mesmos artefatos que as sociedades ocidentais? Voltar-se para o passado e é justamente esse círculo histórico, que carrega o crise da modernidade e do “progresso”, que causa o fundamentalismo. E por isso vemos o fundamentalismo islâmico crescer e se fortalecer cada dia mais, graças ao subdesenvolvimento causado pelos modelos econômicos importados dos países ocidentais e soviéticos. Tudo isso vem acompanhado de um ódio visceral em relação ao Ocidente devido a separação entre religião e a sociedade política. Isso é compreensível no fato de que o Islã (como a maioria das religiões) pretende ser uma instituição total, que recusa distinguir religião e política. Com isso, cria-se o mito de que as sociedades ocidentais devem salvar o mundo árabe da barbárie e ajudá-los a implantar a democracia. Porém, esse é um processo contínuo e que demorou séculos para se instaurar, não sendo exportável em um estalar de dedos. Além disso, as sociedades em desenvolvimento não invejam a democracia das sociedades ocidentais, e sim suas armas e seu estilo de vida consumista. Ou seja, apenas o vazio é exportável.
BIBLIOGRAFIA
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982. ________. As Encruzilhadas do Labirinto III- O Mundo Fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987-1992. ________. As Encruzilhadas do Labirinto IV – A Ascensão da Insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002. MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. SILVA, Vivian da Veiga Silva. Os jovens de Campo Grande [MS] no limiar do século XXI – Entre a tradição e a inovação. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2005.