Art 07

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Evidência Clínica

Antihipertesivos e Progressão da Nefropatia Hipertensiva

EVIDÊNCIA CLÍNICA CLASSE DO ANTIHIPERTENSIVO E PROGRESSÃO DA NEFROPATIA HIPERTENSIVA Antonio Alberto Lopes Este é o primeiro número de Evidência Clínica. O informativo desenvolvido pelo Núcleo de Medicina Baseada em Evidências Clínicas do HUPES/ FAMED tem o objetivo de divulgar resultados de pesquisas relevantes para a prática clínica. O material segue modelo descrito anteriormente1. Tomando por base um problema da pratica clínica, questões são levantadas. Um artigo recente ou considerado o mais relevante para responder as questões é então sumariado. Comentários são feitos visando integrar os resultados do trabalho com o conhecimento prévio sobre o assunto e com o problema clinico apresentado inicialmente. EVIDÊNCIA CLÍNICA Desenvolvido pelo Núcleo de Medicina Baseada em Evidências Clínicas (NEC) Editor Prof. Antonio Alberto Lopes Universidade Federal da Bahia Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (HUPES)

Problema Clínico: Homem de 44 anos com hipertensão detectada há 12 anos, retinopatia hipertensiva grau ++, proteinuria +. A creatinina sérica era 1,5 mg/dl em janeiro de 2000 e 2,7 mg/dl em janeiro de 2002. Pai, mãe e 3 irmãos hipertensos. O irmão mais velho (50 anos) desenvolveu estágio final de doença renal (EFDR) e encontra-se em tratamento hemodialítico. O paciente foi considerado portador de hipertensão arterial primária e insuficiência renal crônica por nefropatia hipertensiva.

Faculdade de Medicina (FAMED) Equipe do (NEC) Prof. Antonio Alberto Lopes (Chefe), Dr. Antonio Carlos Noblat, Dra. Adriana Lopes Latado, Enfa. Gildete Barreto Lopes, Dra. Patrízia Allegro Diretor da FAMED: Prof. Manoel Barral Neto Chefe do Departamento de Medicina: Prof. Edgard Marcelino de Carvalho Filho Diretor do HUPES: Prof. Edilson Bittencourt Martins

Questões: Será que pudemos reduzir o risco de EFDR neste paciente? Similarmente ao que tem sido mostrado em nefropatia diabética, existe evidência de que inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueador da enzima conversora da angiotensina são mais benéficos do que outros tipos de hipotensores em reduzir a progressão da insuficiência renal em pacientes com nefropatia hipertensiva?

Evidência: Agodoa LY, Appel L, Bakris GL, et al. Effect of ramipril vs amlodipine on renal outcomes in hypertensive nephrosclerosis: a randomized controlled trial. JAMA 2001; 285:2719-28. Os dados utilizados no artigo de Agodoa et al. foram do African American Study on Kidney Disease and Hypertension (AASK). Os resultados apóiam o uso de IECA em pacientes com nefropatia hipertensiva, particularmente nos que tem proteinuria. Segue um resumo. Objetivo: O AASK foi desenvolvido para comparar o efeito três tipos de antihipertensivos - inibidor da enzima de conversão da angiotensina (IECA), bloqueador de canais de cálcio (BCC) e beta-bloqueador (BB), bem como o efeito da redução mais acentuada da pressão arterial, na progressão da nefropatia hipertensiva. O artigo mostra apenas os resultados da comparação entre IECA e BCC. Métodos: O AASK é um ensaio clínico randomizado, fatorial 3x2, visto que compara 3 tipos de antihipertensivos e 2 objetivos de redução de pressão arterial. Foram selecionados 1094 pacientes, todos negros residentes nos Estados Unidos, idade entre 18 e 70 anos, portadores de nefropatia hipertensiva (taxa de filtração glomerular de 20 a 65 mL/min por 1.73 m2). Os pacientes foram randomizados para receberem IECA (ramipril, 2,5 a 10 mg/dia), ou BB (metropolol, 50 a 200 mg/dia) ou BCC (amilodipina, 5 a 10 mg/dia) e para alcançar um entre dois objetivos de níveis de pressão arterial média (PAM), ≤92 mm Hg ou 102 a 107 mm Hg. A alocação para o tratamento com amilodipina foi interrompida ao se observar que nos pacientes com proteinúria o declínio da filtração glomerular era significantemente mais lento e o risco de eventos clínicos era significantemente menor nos alocados para metropolol ou ramipril. O evento primário foi a taxa de modificação da filtração glomerular durante o acompanhamento. Foram também avaliados eventos clínicos Núcleo de Medicina Baseada em Eviências Clínicas (NEC)

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definidos como redução da filtração glomerular (FG) em mais de 50% ou 25 ml/min por 1,73 m2, EFDR ou morte. Resultados: No grupo de pacientes com uma relação proteína urinária: creatinina urinária >0,22 (proteinuria maior do que 300 mg/dia), o declínio na FG em 3 anos foi 36% mais lento (P =0,006) e o risco de eventos clínicos combinados (FG, EFDR, ou morte) foi reduzido em 48% (IC 95%=20%-66%) no grupo ramipril, comparado com o grupo amilodipina. No grupo total, amilodipina e ramipril foram semelhantes no declínio da filtração glomerular no período entre o inicio do estudo e 3 anos de follow-up. Contudo, no grupo total, o risco (ajustado para relação proteína:creatinina urinária, história de doença cardíaca, PAM, sexo e idade) de eventos clínicos foi 38% (95% CI, 13%-56%) menor no grupo ramipril do que o grupo amilodipina. Ramipril também se associou com um menor declínio (36% mais lento, p=0,002) da filtração glomerular após 3 meses e menor taxa de proteinuria (P<0,001). As comparações no risco de eventos clínicos entre os grupos ramipril e amilodipina são mostradas na Tabela. Conclusão: A progressão da nefropatia hipertensiva e a freqüência de proteinuria foram menores nos pacientes alocados para ramipril do que nos alocados para amilodipina, sendo a diferença entre os antihipertensivos maior em pacientes com proteinuria. Ramipril pode ser mais benéfico do que amilodipina em pacientes sem proteinuria. Incidência e Número de Eventos Clínicos Incidência por Pessoa-Ano (No de Eventos) Evento Ramipril Amilodipina FG 0,028(44) 0,038(29) EFDR 0,030(47) 0,043(23) Morte 0,011(18) 0,016(13) FG ou EFDR 0,047(70) 0,059(43) EFDR ou Morte 0,042(65) 0,060(45) FG, EFDR ou Morte 0,058(87) 0,077(56)

Analise Não Ajustada RRR (IC 95%) Valor de P 26 (-17 a 54) 0,200 30 (-09 a 55) 0,114 31 (-38 a 66) 0,300 20 (-16 a 45) 0,240 30 (-2 a 52) 0,064 25 (-05 a 46) 0,097

Análise Ajustada RRR (IC 95%) Valor de P 41 (5 a 63) 0,030 44 (13 a 65) 0,010 31 (-41 a 66) 0,310 38 (10 a 58) 0,010 41 (14 a 60) 0,007 38 (13 a 56) 0,005

RRR=redução relativa do risco, IC = intervalo de confiança, FG=taxa de filtração glomerular (redução de 50% na FG ou de 25 mL/min/1,73 m2 quando

comparado com a média de duas determinações basais da FG), EFDR=estagio final de doença renal. Os dados da análise ajustada (excetuando a dos eventos combinados) não foram mostrados no artigo de Agodoa et al. Utilizamos as densidades de incidência e os números de eventos para estimar o IC 95% e o valor de P, através do módulo RATES2 do Computer Programs for Epidemiologits, 2 PEPI . O IC 95% e valor de P, não ajustados, diferem um pouco dos que foram descritos por Agodoa et al., provavelmente devido ao limite imposto pelo número de casas decimais mostrado no artigo. Os dados da análise ajustada foram obtidos diretamente do artigo.

Comentários: O paciente ilustrado neste artigo apresenta fortes evidências de que é portador de insuficiência renal crônica secundária a nefropatia hipertensiva. Um dos desafios da medicina é evitar que pacientes desenvolvam EFDR. Estratégias neste sentido terão um grande impacto em Saúde Pública considerando a importância de hipertensão arterial como causa de EFDR. Nos Estados Unidos, onde o AASK foi realizado, hipertensão arterial é considerada a segunda causa de EFDR e a primeira em negros3, 4. No Brasil, hipertensão arterial é relatada como a causa mais freqüente de EFDR5. Em pacientes em fase acelerada ou maligna de hipertensão o tratamento antihipertensivo previne EFDR6. Dados prévios também indicam que é possível reduzir a progressão da nefropatia hipertensiva não maligna, ficando, no entanto, a dúvida em relação ao hipertenso negro7. Tem sido sugerido que o menor impacto do tratamento antihipertensivo em reduzir eventos renais em negros pode estar relacionado com a classe de antihipertensivo utilizado e com o controle inadequado dos níveis pressóricos. Apoiado por comparações entre diferentes tipos de drogas antihipertensivas, utilizadas como monoterapia, tem sido recomendado o uso de BCC em lugar de IECA em negros8. Esta recomendação é criticável por não Núcleo de Medicina Baseada em Eviências Clínicas (NEC)

levar em consideração combinação de antihipertensivos e por tomar por base unicamente a redução da pressão arterial, não considerando, portanto, a prevenção de lesão de órgão alvo. Indivíduos com resposta menos acentuada a antihipertensivos da classe IECA geralmente conseguem bons resultados quando um antihipertensivo desta classe é combinado com doses baixas de antihipertensivos de outras classes, particularmente diurético tiazidico9, 10. Em pacientes nefropatas, particularmente nos que apresentam proteinuria, tem sido sugerido o uso de antihipertensivos que inibem o sistema reninaangiotensina bem como uma redução mais acentuada dos níveis de pressão arterial11. Os estudos que dão apoio a esta recomendação não foram, no entanto, desenvolvidos em pacientes com nefropatia hipertensiva. O AASK representa um marco por ser o primeiro estudo planejado com os objetivos de comparar classes de antihipertensivos e intensidade de redução pressórica (pressão arterial média de 102 a 107 versus ≤92 mm Hg), quanto ao risco de eventos renais, incluindo EFDR, em pacientes com formas não malignas de nefropatia hipertensiva. O artigo de Agodoa et al. relata apenas a comparação entre IECA (ramipril) e BCC (amilodipina), após interrupção deste último tipo de antihipertensivo por se verificar que o risco de eventos renais era Evidência Clínica, Setembro 2002 - No. 1

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significantemente menor nos pacientes dos grupos ramipril e metoprolol do que nos pacientes do grupo amilodipina. Como o BCC testado foi diidropiridínico (amilodipina), fica a duvida se o resultado seria diferente se fosse utilizado um não-diidropiridínico. Estudos em pacientes com nefropatia diabética e outros tipos de nefropatia sugerem que os nãodiidropiridínicos, diferente dos diidropiridínicos, reduzem a proteinúria12, 13. Dados do AASK apresentados em encontro científico14, mas ainda não publicados, sugerem que IECA é também superior a BB na proteção de eventos renais em portadores de nefropatia hipertensiva. É também importante observar que um outro ensaio clínico randomizado já havia mostrado evidência da superioridade de IECA em relação a BB em preservar a função renal em pacientes com hipertensão primária15. Os dados do AASK apresentados em encontro cientifico14 e através comunicações pessoais de pesquisadores do AASK (Jamerson K e Ojo A) sugerem que o efeito do tipo de medicamento é mais importante do que o efeito da intensidade de redução pressórica na prevenção de eventos renais . Pacientes com proteinuria >2,5 g/dia não foram incluídos no AASK; no entanto, proteinuria superior a 300 mg/dia foi observada em 1/3 da amostra. Foi justamente neste grupo com proteinuria que se observou significante redução do risco de eventos renais no grupo ramipril em comparação com amilodipina. Como no planejamento inicial do AASK não estava prevista análise separada para pacientes com e sem proteinuria, este achado é sujeito a critica por aumentar a probabilidade erro tipo 1. Os autores, no entanto, justificam que a decisão em realizar esta análise foi tomada por investigadores que eram cegos aos resultados do trabalho. Na reanálise feita para a presente revisão, utilizando os dados publicados do AASK (ver Tabela), notamos que todas as comparações não ajustadas não alcançaram significância estatística (p>0,05). Na tabela de características mostrada no artigo de Agodoa et al. não se observa diferença importante entre os grupos de tratamento, não ficando claro, a razão para a discrepância dos achados entre a analise não ajustada e a ajustada. Uma maior proteção renal conferida por antihipertensivos da classe IECA do que BCC em pacientes com nefropatia hipertensiva é consistente com o que tem sido observado em portadores de nefropatia diabética16. Em diabéticos acredita-se que o maior benefício observado com IECA seja devido a uma

diminuição da resistência da arteríola eferente em resposta a diminuição da produção de angiotensina II. Isto reduz a pressão intraglomerular, a proteinuria e a injuria renal. Trabalhos em diabéticos tipo 2 também sugerem que bloqueadores de receptores da angiotensina II são superiores a outros antihipertensivos (não houve comparação com IECA) na prevenção de eventos renais17, 18. Na nefropatia hipertensiva, alterações de pequenas artérias, arteríolas e do interstício renal são observadas em conjunto com as alterações glomerulares. É possível que no rim do hipertenso, IECA interfira não apenas na proteção da lesão glomerular mas também na lesão arterial e na fibrose intersticial. Conclusão: Dados de pesquisas clínicas indicam que é possível reduzir a velocidade da progressão da doença renal em pacientes com quadro similar ao apresentado nesta revisão. O AASK oferece evidência de que, similarmente ao observado em pacientes diabéticos, IECA é mais benéfico do que BCC em reduzir a progressão da insuficiência renal em pacientes com nefropatia hipertensiva. Este efeito observado no AASK foi mais nítido em pacientes com proteinuria. O dado tem relevância clínica e é consistente com observações prévias. Questões metodológicas, apontadas nesta revisão do artigo de Agodoa et al., no entanto, justificam cautela antes de aceitarmos como definitiva a evidência do maior beneficio de IECA (comparativamente a BCC) em nefropatia hipertensiva. É importante também notar que os resultados do AASK não contradizem recomendações do uso preferencial de diuréticos e beta-bloqueadores para controle de pressão arterial na maioria dos hipertensos. Tem sido mostrado de forma consistente que diuréticos e beta-bloqueadores reduzem o risco de doenças cardiovasculares, que representam a principal causa de morte em hipertensos. Uma outra razão para a ênfase em diuréticos e betabloqueadores é o menor custo, quando comparado com antihipertensivos mais novos. É também importante observar que o AASK foi desenvolvido em pacientes hipertensos com redução da filtração glomerular, portanto um grupo de maior risco para EFDR. Trabalhos são necessários para comparar IECA e bloqueadores de receptor de angiotensina na prevenção de eventos renais em hipertensos primários. Agradecimentos: Agradeço ao Acadêmico de Medicina Marcelo Barreto Lopes e a Enfermeira Gildete Lopes, pela análise crítica deste artigo e sugestões.

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